setembro 14, 2019

Uma Obra Enternecedora de Assombroso Génio

Não é um texto de génio, mas por vezes parece, no essencial é uma obra que demonstra uma assombrosa autoconsciência social, emocional e literária. Eggers conhece muito bem o mundo da literatura, tão bem como conhece as relações sociais humanas, e aproveita-se disso para brincar e romancear o centro da sua narrativa autobiográfica tornando-a mais digestível, porque assenta na morte de ambos os pais de cancro, tendo ficado o autor com 21 anos e responsável pelo irmão mais novo, Toph de 8 anos. Existem vários momentos em que esquecemos que estamos a ler as memórias do autor, tal o distanciamento que ele consegue criar na análise que faz do que aconteceu, antes e depois, especialmente pela intensidade da autocrítica que parece impossível de ser dita por alguém sobre si e sobre os seus, e num tom de brincadeira. Sobre tudo isto existe ainda o facto de ser um livro de memórias de alguém com apenas 29 anos, o que diga-se poderá ter contribuído para essa capacidade de alheamento cómico.


Dito isto, percebe-se melhor o título. Eggers sabe que tem uma história poderosa em mãos, e que facilmente poderia sacar lágrimas de quem o lê, mas não era isso que queria e por isso deu o mote logo no título, gozando consigo mesmo. Cabe ao leitor aceitar o repto do autor, ou não. A escrita é muito boa, Eggers vem munido de grande bagagem literária, não raras vezes damos por nós a parar para avaliar o que foi dito, o modo como foi dito, o que é que aquilo diz sobre o autor, mas também sobre nós, os humanos. Por outro lado, também muitas outra vezes damos por nós a desesperar e a querer avançar na diagonal, porque Eggers resolve engrenar numa variação qualquer que pouco ou nada tem que ver com o enredo geral. Na verdade, o livro é demasiado grande (450), 2/3 teria sido suficiente.

Como nota final, Eggers contribui de algum modo para o atenuar da nossa visão dos problemas num tom pessimista e negro. Por mais mal que estejamos, existe sempre quem estará pior e tem de conseguir encontrar forma de lidar com tal. Ainda que Eggers se recuse a fazer o papel de condutor do leitor pela via do sofrimento, torna-se inevitável olhar para tal e considerar a relação de identificação que criamos com o autor. Sofrer é uma condição inevitável pela qual todos os seres humanos têm de passar, mas podemos optar por usar a nossa consciência desses sofrimento para o tornar menos penoso.

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