Durante anos foi-se vendendo a ilusão do Software Livre como se fosse a coisa mais óbvia e natural, partindo da ingenuidade redutora — se não custa a copiar, não se deve vender — como se o software uma vez criado não precisasse de contínua Manutenção, ao que se acrescentam necessariamente custos ainda mais elevados de Inovação. A manutenção é inevitável porque o software funciona num ambiente altamente dinâmico, seja o sistema operativo ou a internet, e é preciso continuamente adaptar o mesmo. A inovação, porque o modo de fazer hoje, está sempre limitado ao mundo que conhecemos hoje, com o passar do tempo aprendemos a fazer de formas diferentes, e o software ou reflete isso ou torna-se irrelevante. Mas a verdade está cada vez mais à vista.
Esta semana iniciámos mais um Laboratório com os alunos, no qual este têm de criar um Blog e mantê-lo ativo durante 14 semanas, e de repente tenho vários alunos a chamar-me porque o Wordpress não é gratuito!!! Incrédulo, lá estive a explorar, e acabei percebendo que o continuava sendo, mas a forma de criar um novo blog gratuito tinha deixado de ser o principal modo presente na interface. Ou seja, depois de iniciar o processo, o Wordpress volta a trazer o utilizador ao ecrã inicial em que se mostram os planos de pagamento, ficando no topo um pequeno botão com um texto nada claro, e por baixo botões enormes, um com a menção "Pessoal" e que sendo o primeiro parece inevitável, e um segundo que surge destacado e com a menção "Popular", o que com certeza acaba a induzir muitos em erro e a pagar. A sensação foi estranha, durante mais de uma década a ouvir os meus colegas dizerem-me que não usavam Blogger, como eu continuo a utilizar, porque o Wordpress é que era verdadeiro software livre.
Mas surpreso não fiquei. Para a organização da Videojogos 2019, estou a utilizar a plataforma gratuita EasyChair. Quando criei a conta este ano, senti a linguagem e algumas chamadas de atenção estranhas, claramente no sentido de exercer controlo sobre a nossa ação. Pouco depois percebi que existiam duas versões, uma gratuita e uma paga, com claras diferenças, mas sem grande impacto para uma conferência pequena como a nossa, mas se esta fosse um pouco maior já se tornaria quase inutilizável sem pagamento. Mesmo no nosso caso, não raras vezes dou por mim a pedir informação ou a querer fazer coisas que a plataforma me diz estarem apenas acessíveis a quem paga o Premium.
Como disse acima, isto é normal porque para este software existir têm de existir dezenas ou centenas de profissionais por detrás a mantê-lo e a inová-lo. Mas o que não é normal é durante décadas se ter propagandeado e alardeado a importância do Software Livre, do Open Source, da Informação que quer ser Livre, da severa crítica online contra os Jornais que fechavam os conteúdos, das editoras que exigiam dinheiro pela música e filmes, etc. etc. Aqui dentro também se inclui os jornais académicos ditos "free", que de grátis não têm nada, pois vivem à custa do esforço de cada um dos editores que deixa de fazer o trabalho para que lhe pagam para editar esses jornais (não defendendo com isto os modelos gananciosos das grandes editoras).
O que vamos vendo hoje é quase todo o jornalismo a fechar-se e a exigir pagamento, assim como muitos dos produtos que eram Free a tornarem-se Freemium ou Free to Play, usando da manipulação e persuasão para levar os utilizadores a comprar e a pagar, por vezes de formas bastante abusivas como vem acontecendo nalguns videojogos com as chamadas Loot Boxes. As alternativas existem apenas quando existe outro alguém que pague, como acontece com a Google que faz tanto dinheiro em publicidade que pode disponibilizar um dos serviços mais caros de toda a internet o YouTube. Ou então instituições que se suportam em verbas oferecidas pela comunidade como a Wikipedia. Ou ainda em conjuntos de instituições que se juntam para suportar as aplicações, como acontece com Universidades, Institutos, ou Empresas. No fundo, o grátis nunca existiu, nunca ninguém teve direito a almoços grátis.
Contudo, parece-me que estamos finalmente a chegar a um ponto em que a internet e o virtual assumiram a mesma importância do objeto físico, porque as pessoas necessitam dela e dos seus objetos, já não podem fazer as suas vidas sem estes, e por isso pagar tornou-se menos penoso. Se aquilo que faço requer aquele produto, e ele me traz benefício, aceito mais facilmente pagar. Mas talvez mais importante seja o facto destes objetos virtuais — ferramenta, informação ou jogo — terem deixado de ser meros substitutos ou complementos de objetos físicos que já temos ou podemos ter nas nossas mãos, como acontecia anteriormente com o jornal, os CDs, os filmes, etc. etc.
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