“You can’t make students care, alone, the system needs to care. We have a society that don’t want people to be all educated at high level! So please stop talking about school reform and talk about society reform. All empirical evidence has shown that home base factors swamp completely school base factors.”A outra parte da conferência foi mais inspiradora para todos aqueles que se preocupam com os processos de aprendizagem na escola, em ambientes informais ou nos videojogos. Gee apresentou tudo um novo modelo sobre a aprendizagem, “Distributed Teaching Systems”, algo inspirado em processos de aprendizagem que já existem no terreno. Falo em concreto dos processos que ocorrem nos jogos multiplayer online como “Dota 2” ou comunidades online como “Galaxy Zoo”, ou ainda os jogos físicos de cartas com acesso online, como “Yu-Gi-Oh!”. Modelar os processos de aprendizagem que acontecem subterraneamente nestes ambientes multiplayer e transmedia era algo que já me tinha questionando várias vezes, mas antes de entrar no detalhe dessa proposta, dou conta do que a precede.
Gee abordou a aprendizagem, tal como tenho vindo a fazer quando me pedem para falar sobre jogos e educação, pelo lado do Design. Ou seja, o relevante de um processo de aprendizagem não está nas atividades e conteúdos que se querem ensinar, mas no modo como se desenha experiência de aprendizagem, e Gee passou todo o tempo a falar exactamente disto, do design e da experiência. Tanto que todo seu discurso começou exactamente por aí, pela experiência e pela leitura, realizando a total apologia do “situtated learning”, dando como exemplo um excerto de um texto do manual do videojogo “Deus Ex” (2000),
“Your internal nano-processors keep a very detailed record of your condition, equipment and recent history. You can access this data at any time during play by hitting 1 to get to the Inventory screen or 2 to get to the Goals/Notes screen. Once you have accessed your information screens, you can move between the screens by clicking on the tabs at the top of the screen. You can map other information screens to hotkeys using Settings, Keyboard/Mouse.” (Deus Ex Manual, p.5)Gee deu-nos a ler este texto, dizendo que ao tentar jogar Deus Ex, e vendo que era muito complexo, tentou ler o manual. O manual tem apenas 20 páginas, mas ao fim da 5ª desistiu. O inglês ali apresentado era bastante lúcido, mas ele não conseguia compreender absolutamente nada do que ali era dito. No entanto depois de ter investido várias semanas no jogo, todo aquele manual passou a fazer sentido, a ser claro e evidente. O mesmo costuma acontecer com a grande maioria dos textos académicos. Gee refere que estes textos relatam apenas os factos e os eventos, e por isso só podemos compreender o que ali está escrito depois de termos jogado, depois de termos experienciado o que neles se relata. Daqui Gee extrapolou para aquilo que se tenta fazer com as crianças nas salas de aulas, ao dar-lhes textos que lhes falam de experiências que estes desconhecem por completo, como ele disse “In schools, we give people manuals for "games" they never get to play and wonder why they get the results they do".
Como pode uma criança aprender algo sobre uma experiência apenas lendo sobre ela? Para Gee pedir isto a uma criança “é imoral”. A grande questão que se coloca então é “What experiences do you need to understand my text?”, ou seja que tipo de experiências são essas que nos permitem aprender à posteriori. A resposta está no slide abaixo,
Slide da talk de Paul Gee
Daqui Gee desenvolveu então um circuito exploratório para o desenho destas experiências em escolas, como se pode ver no slide abaixo,
Slide da talk de Paul Gee
No final questionei Gee dizendo-lhe que não me parecia um circuito muito distinto do design de storytelling, com o qual ele concordou abertamente, reconhecendo a literatura como um dos maiores laboratórios de simulação, ou seja de experiências futuras. O que me levou até à ideia de que um dos maiores problemas destes textos, manuais escolares ou de jogos, ou textos simplesmente informativos, é que são completamente rasos em termos da construção da relação com o leitor. Ou seja, existe apenas uma preocupação com a descrição dos eventos, esquecendo que do outro lado existe um leitor que precisa de primeiro compreender o mundo de quem narra (autor ou personagem), para depois poder compreender aquilo que este quer contar.
Mas este processo de desenho das experiências para aprendizagem futura ganha ainda maior relevo quando pensamos no modo como as crianças, e adultos, constroem o conhecimento que precisam para lidar com experiências imensamente complexas como são os jogos online. Gee apresentou um modelo de aprendizagem desenhado a partir das experiências dos jogadores de "Dota 2", intitulado “Distributed Teaching Systems”, de um seu aluno de doutoramento. Este modelo implica então pensar as experiências de aprendizagem, seguindo uma abordagem “teaching as designing”. Este modelo como se pode ver na imagem abaixo, assenta em 3 pilares: "Designed"; "Design for emergent"; e "Emergent".
Slide da talk de Paul Gee
No fundo falamos aqui dos processos a que as crianças, adolescentes e adultos recorrem quando estão online para aprender a lidar com experiências complexas. Assim quando Gee diz “Most of the action in a game is not in the software — it's in other sites and affinity spaces”, está a dizer que o jogo tem de ser semeado, ele é apenas a "semente", o resto provém dos jogadores, da cultura participativa, colaborativa e cocriativa. Os jogadores criam guias escritos, tutoriais em vídeo, guias em áudio, dão suporte uns aos outros por IM ou fóruns, dão sentido ao que acontece no jogo criando teorias e novas leituras para o que se ali está a fazer, envolvem e protegem-se uns aos outros. No fundo estamos a falar de inteligência colectiva, da partilha de saberes.
E daqui chegamos aos famigerados testes e exames. Se uma criança consegue jogar o jogo, porque lhe hei-de fazer um teste? O teste é exactamente ter conseguido aprender a jogar, conseguir compreender o que se espera dele, se não tivesse compreendido nunca teria chegado ao final do jogo. Segundo Gee os testes só interessam quando a experiência de aprendizagem foi mal desenhada, o que explica a outra conclusão de Gee sobre a razão dos testes, “the reason we’ve created tests, is because we don’t trust the professor”. No fundo os testes servem apenas para examinar os professores, não para garantir que as crianças verdadeiramente aprenderam algo. Porque se aquilo que querem é uma tabela de notas, e não que aprendam efectivamente, então,
“If you want to test someone for what is in the game, to have a bell curve (curva da média realizada a partir de uma tabela de notas), the only way is to test people who have not played it.”O problema dos testes e das notas é que se focam no acessório. Ou seja, quando uma criança está a aprender a ler, quero mesmo fazer-lhe um teste para saber se aprendeu a ler? Ou quero antes que ele seja capaz de situar o significado nas experiências? Depois admiram-se que tenhamos hoje em dia os chamados “alfabetos funcionais”, pessoas que sabem ler mas não conseguem compreender o que leem. Mas este acaba sendo o efeito quando a escola está mais preocupada com as ferramentas do que com as experiências que estas podem proporcionar ao ser-humano.
Mas voltando aos “Distributed Teaching Systems”, deixo os 10 pontos que Gee considera serem os mais relevantes quando pensamos no desenho da aprendizagem, ou do ensino, numa abordagem “Distributed Teaching and Learning Systems” (DTLSs)? Como podem reparar é um sistema que segue a lógica do Experience Future Learning, acima identificado, mas estende-o em função da distribuição da aprendizagem.
Depois da talk de 45 minutos, tivemos direito a uma nova sessão completa, de 45 minutos, de perguntas que foi imensamente rica. Deixo alguns dos apontamentos dessa sessão,
Will teachers disappear?
Gee: “Artificial tutors will substitute teachers, we need to become game designers (..) Who would design the games for kids? (..) Design to unleash kids creativity, put them to make culture (..) have kids teaching each other”.
How to implement a good policy in the Ministry of Education?
Gee: “The top-down approaches have always been beat by bottom-up ones. Policy making, as imposing doesn’t work. Good policy is designed to be customized. The powerful thing, is not to obligate people to do, but to take them to want to do it. The “No Child behind” was a top-down imposition, with no intention to apply it to the context, and it failed as was recognised by politicians on the right and left.”
How do you make students care?
Gee: “Status correlate with health. The richer, the better your health (..) The broadest status hierarchy the worst the healthiest will be (..) Then if you feel you count, you’re healthier (..) To make people care, let people participate.”
What can we do about media literacy?
Gee: “Put people in production (..) Literacy is completely transformed when you learn to produce (..) The book or game does no magic, the more you read the textbook the less you know (..) Let’s not change the book by the game (..) We need deep situated meaning.”
What should we do about the contents to be taught?
Gee: "In the past we had all these standards, but then when you ask american about something he learned at school, he can't really remember any. You need to diversify, and give space and time for people to find their own needs." E aqui interveio o colega Sébastien Hock-Koon que lançou uma frase de um professor seu de licenciatura, e que Gee aproveitou para aprovar e seguir, e com a qual eu próprio não poderia estar mais de acordo, respondendo por sua vez a muitos dos dramas que muitas pessoas vivem, na indecisão entre ser generalista ou especialista.
"Knowing one thing about everything, and know everything about one thing"
Gee: “No tool should be used all the time (..) No tool is useful until you get its affordances, and get it linked to the rest of the design of the teaching (..) Face to face communication is essential because it's old, it's primordial.”
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