julho 30, 2014

LA Noire (2011)

Começo por uma declaração de gosto pessoal. Não sou propriamente fã do género Noir, na sua encarnação hollywood studio-system (1940-1950), não tendo que ver com a fase, mas antes com um conjunto de lógicas formulaicas que se repetem e acabam criando uma espécie de fuga ao real. Gosto de algumas obras mais experimentais como "Third-man" (1949) ou "Touch of Evil" (1958) mas são excepções. Na verdade nunca gostei muito de Bogart, não das suas competências, mas dos papeis encarnados. O meu maior problema com o género julgo ser o enfoque no plot, perdendo o desenvolvimento dos personagens. Nos anos 1990 tivemos “L.A. Confidential” (1997) de Curtis Hanson, em 2000 tivemos “The Black Dahlia” (2006) de Brian de Palma, ambos tentando recuperar o género, mas nenhum destes me demoveu. Ora os problemas que apresento ao género cinematográfico Noir, não podiam deixar de aparecer no videojogo "LA Noire" (2011), pois ele procura fielmente emular esse género cinematográfico, e fá-lo com uma enorme qualidade, tanto em abrangência como profundidade. Dificilmente alguém que adore o género cinematográfico, não gostará do videojogo. Por isso muito do que direi poderá estar contaminado com alguma desta minha aversão ao género.




No campo da arte podemos dizer que "LA Noire" é quase irrepreensível, tanto no campo visual como sonoro. Entrando no jogo é muito fácil sentirmo-nos imersos numa cidade de LA dos anos 1940, desde a arquitectura, aos cenários, passando pelos outdoors publicitários, roupas, carros, etc. A sua apresentação é de excelência, tanto em realismo como na composição gráfica, de cor e de paisagens sonoras. Dá vontade passear por LA em "LA Noire", a pé ou de carro. Para ajudar, o motor do sistema permite-nos não apenas passear pelas ruas, mas entrar em lojas, conversar com personagens, voltar a sair, tudo sem pausas nem esperas. Finalmente ainda no campo da arte, é possível jogar a preto e branco, para se aproximar mais do género cinematográfico dos anos 1940, mas apesar de ficar bastante bem, aconselho antes a versão a cores, já que o trabalho de cor é soberbo e garante uma imersão mais fácil.

Sobre o gameplay "LA Noire" é na sua essência um jogo de aventura gráfica, apesar de conter algumas cenas de acção. Até porque tendo em conta que o tema de fundo é a resolução de mistérios, nenhum outro género se adaptaria melhor à constante procura de pistas. A base do jogo assenta assim na reconstrução do puzzle narrativo que explica o que se passou, que desvela o mistério. Neste sentido é um modelo que cruza na perfeição as necessidades do jogo e do enredo da narrativa. Embora como disse já acima, acaba por atirar para segundo plano os personagens.

Assim somos um polícia que será promovido a detective, e depois novamente despromovido. A progressão desenrola-se ao longo de 5 secções, que correspondem à nossa progressão de competências como polícia (patrulha, trânsito, homicídios, narcóticos e incêndios), e ao longo dos quais teremos de resolver cerca de 20 casos. Os primeiros casos explicam como funcionam as mecânicas, o que é esperado de nós. No final da primeira secção já compreendemos o alcance das nossas acções, sendo que nas secções seguintes resta-nos repetir o que já aprendemos. Cada uma tem a sua esquadra de polícia, em cada uma tenho um novo parceiro, e em cada uma resolvo crimes distintos, e em cada uma faço sempre o mesmo. Para piorar o cenário, o que vou fazendo em cada secção tem pouco ou nenhuma influência nas seguintes.

O ponto alto do gameplay, e do próprio jogo são os inquéritos e o sistema de expressão facial. O jogo foi extremamente bem recebido muito por conta deste elemento, que consiste fundamentalmente numa capacidade do sistema de nos mostrar através das caras de cada personagem, se este está a mentir ou não. Ou seja, a implementação do jogo é minuciosa ao ponto de se poderem notar trejeitos faciais, pequenos movimentos de músculos na cara, ou gestos com as mãos e os ombros que nos iluminam sobre a potencial veracidade do que está ser dito pelo personagem. Em termos tecnológicos e técnicos, temos de admitir que foi um avanço considerável face ao que tínhamos até "LA Noire". Mesmo o efeito de uncanny valley que surge aqui, não é suficiente para danificar a eficácia expressiva concebida pela equipa de desenvolvimento.


Mas se a componente técnica é de excelência, o mesmo não direi do gameplay associado. E julgo que o problema surge essencialmente pelo facto de terem criado um sistema de inquisição baseado em três vectores (Lie - Doubt - Truth). Se na maior parte das vezes conseguimos percepcionar a verdade ou mentira, a dúvida gera, como a própria indica, demasiadas dúvidas. Acredito que o tenham feito, para evitar ter um sistema demasiado fácil, ou seja a Doubt introduz um bom nível de incerteza na jogabilidade, mas irrita, porque percebemos que não temos como nos tornar verdadeiros mestre do sistema.

Ainda assim, estes problemas acabam por ser muito bem compensados, já que o jogador nunca é impossibilitado de prosseguir, mesmo que falhe todas as perguntas. Ou seja, existe uma certa condescendência por parte do jogo, que está muito mais centrado no fluxo narrativo, do que na componente de jogo. Isto é algo que se pode verificar também por exemplo nas missões de maior acção, em que ao fim de três tentativas seguidas, nos é dada a opção de avançar para o momento seguinte da história sem ter de realizar a peripécia pedida. Ou ainda, o facto de podermos evitar conduzir o carro a maior parte das vezes. O mesmo se pode dizer sobre o método de busca das pistas, o sistema sonoro desenvolvido, funciona como uma espécie de jogo de quente-frio, e quando as pistas necessárias estão colectadas novo aviso é dado, para que possamos prosseguir na história, e não perder tempo no espaço aberto.

Do que vimos então temos um videojogo que funciona muito mais em função da história, do que do jogo em si. E isso acaba sendo ainda mais incomodo quando percebemos que a própria história, nomeadamente o desenvolvimento de personagens e a progressão narrativa são amplamente descuidados. Começando desde logo pelo próprio Cole (protagonista), a sua construção faz-se ao longo de todo o jogo, como um apanhado de pistas que vão sendo dadas em flashback. Mas na verdade nunca chegamos a ser apresentados ao verdadeiro Cole, quem é, o que pensa, que família tem, que relação tem com ela, o que sente realmente, além de resolver mistérios.

A cena crucial do jogo é aquela em que somos despromovidos dos narcóticos aos incêndios. É algo que é fruto de uma acção que nos é atribuída, mas para a qual nada contribuímos. Sentimos aí a injustiça a funcionar. O que por outro lado é bem conseguido, já que é esse o tipo de sentimento que o jogo pretende estimular naquele momento. Mas se o sentimos naquele momento, rapidamente se desvanece e voltamos aos mistérios e pistas como antes. Não fosse estarmos na última secção em que todas as histórias do jogo começam a ser coladas e a fazer sentido. Ou seja passamos 18 horas a repetir acções para experienciar o mundo do jogo, e só nas últimas duas horas é que nos é dado a sentir a verdadeira progressão narrativa. Mais, só aqui percebemos o que vai dentro da cabeça de Cole, e o porquê de tanta confusão com a sua personagem.

LA Noire não deixa de ser uma boa experiência, mas está longe de ser um jogo memorável como alguma imprensa nos vendeu quando saiu.

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