dezembro 29, 2015

“The Beginner's Guide” (2015)

Numa primeira impressão surge-nos como uma espécie de pequena história entre dois amigos, um criativo com vergonha de falar do seu trabalho, e um seu amigo que se dedica a demonstrar o trabalho por si. Os vários projectos vão sendo demonstrados, e no final percebemos que a relação entre ambos não é tão próxima ou tão íntima como o segundo nos quer fazer crer, mas o interessante surge quando percebemos a razão do conflito e o ligamos com a história do verdadeiro autor do jogo, David Wreden, é aí que percebemos que “The Beginner's Guide” pode ser bastante mais do que uma mera história de ficção na forma de jogo.






(O texto que se segue apresenta ligeiros spoilers).

Tendo em conta esse contexto, podemos qualificar “The Beginner's Guide” como uma espécie de grito catártico, provável fruto do impacto do sucesso inusitado do seu jogo anterior, “The Stanley Parable”. Ou seja, Wreden terá passado os últimos dois anos a experimentar conceitos de game design em busca do graal que lhe iria permitir ir além do seu sucesso anterior, servindo “The Beginner's Guide” como diário/roteiro criativo desses dois anos de esforços. Para nos contar a sua história Wreden socorre-se do género walking simulator que lhe permite revelar o processo criativo de modo expositivo e linear, fazendo uso da sua componente interativa para demonstrar alguns elementos dos conceitos que foi explorando. Se a história passa, nem sempre a escolha do walking simulator ajuda a dar conta das várias mecânicas (veja-se o caso da máquina criativa).

Tendo o foco na análise dos processos criativos assim como na crítica do design de videojogos, “The Beginner's Guide” torna-se num videojogo obrigatório para qualquer criador ou estudioso de videojogos, já como experiência de jogo para o comum jogador dificilmente consegue fazer passar a ideia, desde logo porque este conta com o facto de conhecermos a obra anterior do autor, mas mais do que isso, porque os conceitos explorados e a meta-análise envolvida dificilmente ecoará nas cabeças dos jogadores, o que toca no questão central explorada pelo jogo em termos criativos.

Ou seja, “The Beginner's Guide” questiona quão longe pode ir um criador em termos criativos tendo em conta a capacidade do jogador para entender o que pretende dizer. Uma discussão que bate de frente com um dos mais antigos tópicos da arte, a intenção artística, nomeadamente se uma obra precisa de “trabalhar” para se aproximar dos seus receptores, ou se são os receptores que precisam de “trabalhar” para chegarem ao que o autor tem para dizer. Falamos aqui da essência do que deve ser a arte, deve ela ser fundamentalmente expressiva ou ter uma função comunicativa?

Um dos exemplos discutidos acontece numa prisão, quando o jogador se enclausura numa cela, este teria de aguardar 1 hora de tempo real até que a cela se voltasse a abrir para poder sair. Assim seria possível ao criador expressar bem o conceito de se estar preso, o problema é que o pedido pode não encontrar receptividade no jogador, a comunicação pode não acontecer, e desse modo este simplesmente desistir do jogo, provocando o dilema criativo. Diga-se que seria algo bem menos “doloroso” do que ver um filme de 8 horas, no qual se vê, ao longo de todo esse tempo, apenas uma pessoa a dormir num sofá (“Sleep”, 1963 de Andy Warhol). Este exemplo da arte cinematográfica, é um exemplo que dá conta da experimentação artística, capaz de pôr a prova a intenção do artista e o modo como choca com os standards aceites pelos espectadores, habituados a exigir e a conseguir, filmes narrativos de 1h30.

A farsa por detrás de “The Beginner's Guide” dá bem conta deste tópico, através da relação entre o criador e o amigo (que no fundo representa o público), nomeadamente quando o amigo começa a alterar estas mecânicas, para as poder demonstrar rapidamente — no caso da prisão, em vez de ficarmos uma hora ali presos, ele altera o jogo para nos permitir saltar essa parte. Quando o criador descobre que andam a alterar os seus jogos para os mostrar, fica decepcionado, chegando ao ponto de desistir da criação de videojogos. Sendo este o clímax, assim como a essência da mensagem, com a intenção autorial a afundar-se face à não aceitação do público.

Dito tudo isto, é um jogo para quem cria, qualquer tipo de arte, e está habituado a refletir sobre o processo, ou para quem se interesse pelos processos criativos, mas é um jogo difícil para o jogador comum, porque apesar de até poder chegar à compreensão do que se discute, dificilmente sentirá o dilema, já que o assunto é apenas debatido, nunca chegando a ser verdadeiramente representado, isto é não existe nenhuma parte do jogo em que sejamos levados a experienciar o processo criativo, ou a intenção artística, desse modo o jogo trabalha sobre o pressuposto de que o seu público já compreende os seus fundamentos.

The Beginner's Guide” acaba sendo um magistral sucessor, em termos conceptuais, de "The Stanley Parable", pois se este questionava o sentido das ações do jogador num jogo, este questiona o sentido das ações do criador de um jogo.

dezembro 27, 2015

"SOMA" (2015)

"SOMA" junta-se a um lote de videojogos que marcam o ano de 2015 como um dos mais relevantes dos últimos anos em termos de videojogos narrativos, nomeadamente no que toca a quantidade, diversidade e maturidade. "SOMA" apresenta uma história de ficção-científica de nível literário, não se limitando para tal a templates narrativos, apresentando toda uma nova abordagem ao contar de histórias jogáveis. Deste modo qualquer análise da obra para estar completa precisa de se dividir entre a crítica ao texto e a análise do design.






Design da Narrativa e Jogo

"SOMA" começa por identificar-se com uma das grandes tendências atuais dos jogos narrativos, os walking simulators ("Dear Esther", “Everybody’s Gone to the Rapture”), jogos de pura navegação virtual, evoluindo depois para o environment storytelling (ex. "Gone Home", “The Vanishing of Ethan Carter”), jogos que requerem manipulação, acabando por se aproximar depois do género survival/stealth sem armas, que era uma marca que já vinha dos jogos anteriores da Frictional (ex. "Amnesia: The Dark Descent"). Assim temos um design que trabalha o espaço narrativo por via do ambiente (cenário, luz e som) e pistas (logs, fotos, videos e audios), incluindo a sua manipulação (puzzles), e o tempo narrativo por via do survival (tarefas com janelas temporais) e do stealth (a fuga de inimigos).

Esta mescla de géneros surge da tentativa do diretor Thomas Grip, em fazer avançar o contar de histórias nos videojogos, tendo para tal criado um método de design de narrativa, que intitulou de 4-Layers. Nessa sua definição começa por definir os extremos — “Heavy Rain”, quase ausente de jogabilidade, e “Bioshock” quase só focado nos tiros — apontando a sequência final de “Brothers: A Tale of Two Sons” e a da girafa em “The Last of Us” como exemplos da perfeição do entrosamento entre narrativa e jogo. Grip diz que essas sequências serviram como inspiração para criar todo o método 4-Layers, já usado em “The Vanishing of Ethan Carter” e "SOMA", considerando eu depois de ter jogado ambos, que ele é verdadeiramente eficaz em SOMA". Este método busca desenhar o jogo em camadas, por forma a evitar a focagem na história pela história. Vejamos cada camada, e como elas atuaa em "SOMA".

"Layer 1: Gameplay". No caso de "SOMA", isto é conseguido por via de puzzles espaciais não demasiadamente complexos (encaixar ferramentas e dados entre máquinas, abrir portas), assim como por via da fuga em labirintos, ou os puzzles pressionados pelo tempo e medo. Cada uma destas mecânicas é desenhada em consonância com a história, não se centrando sobre si, mas antes procurando dar resposta a questões narrativas, o que vem de encontro ao segundo layer.

"Layer 2: Narrative Goal". Aqui Grip defende que a narrativa, tal como acontece no cinema, não pode estar apenas cingida ao arco principal que liga o início ao final, mas precisa obrigatoriamente de gerar eventos narrativos que suportem o interesse do recetor ao longo de todo o jogo. A essência deste interesse assenta no dito acima, as questões narrativas, ou seja o mistério e o suspense, capaz de motivar o receptor para a narrativa, impossibilitando assim que este se foque nas tarefas ou ações de modo isolado. Em SOMA a narrativa vai-se desvelando, mas muito devagar, vamos acedendo aos computadores e dados, falando com as pessoas, para ir percebendo o que se passa ali, mas mais importante para perceber o que se espera de nós. Cada área, e cada nível, comporta em si mesmo um trecho narrativo que por si captura o nosso interesse, sem estarmos agarrados ao objetivo final da história. A ideia é focalizar a atenção nesses objetivos narrativos intermédios e assim evitar que o jogador se foque na mecânica das suas ações, focando-se na busca de respostas.

"Layer 3: Narrative Background". Se o “objetivo narrativo” pretendia mudar o modo do jogador de “fazer coisas para avançar na história”, para, “fazer coisas por causa da história”, com o background narrativo procura-se levar o jogador a “fazer coisas para fazer a história aparecer”. Ou seja, o log que leio ou o audio que ouço em "SOMA", não são longos nem obrigatórios, para evitar que se transformem em tarefas, aquilo que tenho de fazer para chegar ao nível seguinte (isto é puro design de narrativa, já que se quisermos ler os textos originais, podemos ir à secção Files no site e ver como são longos, perceber que textos daquela dimensão no interior do jogo deturpariam a jogabilidade). Assim os textos são antes objetos que fazem a história emergir, tais como fotos que vamos encontrando, ou diálogos que decorrem enquanto fazemos outra coisa, tudo isto são momentos entremeados no jogo que vão construindo a história, mas vão acima de tudo dotando a mesma de uma base contextual.

"Layer 4: Mental Modeling". Nesta camada Grip entra adentro do cerne da relação entre narrativa e interação, a partir do conceito base do design de qualquer interação, o modelo mental. Ou seja, falamos de construir um objeto de interação que vá de encontro ao modo como o jogador vê o mundo, porque o jogador não se baseia exclusivamente no que vê ou ouve no jogo, mas antes se socorre de modos de ver o mundo que já detém, ou seja modos que determinam a sua intuição para compreender o que lhe está a ser mostrado. Claro que o jogador usa o feedback do jogo para se orientar, mas não está todo o tempo a processar tudo o que aparece no ecrã, antes carrega todo o modelo de jogo na sua mente e age por intuição, recorrendo à racionalização apenas quando o jogo não opera como esperado. Deste modo o jogador está continuamente a jogar cognitivamente, a imaginar e a lançar hipóteses sobre o que vai acontecer a seguir, tentando antecipar as necessidades, o que não é muito diferente do que acontece no cinema ou literatura. Isto é extremamente importante na navegação (ex. seguir o caminho debaixo de água em "SOMA"), assim como na manipulação (ex. o modo como abrimos portas, ou gavetas, ou usamos as ferramentas), assim como claro na participação na narrativa, em que assumimos diferentes modelos mentais, que geram expectativas consoante o género narrativo (ex. terror, comédia, aventura, etc.).

Quero aproveitar este 4-Layers e o caso do "SOMA", para trazer de novo a questão que me coloquei quando acabei “Witcher 3”, por comparação a “The Last of Us”. Será que poder escolher o desenlace de uma história, impacta de forma diferente a minha experiência narrativa? Se à medida que avanço em "SOMA", vou criando o mundo história, compreendendo as suas razões e fazendo destas os meus objetivos e motivações, quer dizer que passo a incluir-me nesse! Assim apesar de não poder alterar as ações da história, sinto que elas têm valor, porque se encaixam e incrementam o significado daquilo que já sei sobre aquele mundo. Não estou simplesmente a abrir e a fechar portas, a descobrir chaves e puzzles, mas estou a dar sentido à história, a procurar compreender o que está por detrás daquela porta, como se encaixa o que está ali com aquilo que já sei. Como diz Grip,
"The mental model and the narrative lie on the same level, they are the accumulation of all the lower level stuff. And if we can get them to work together, then what we have is the purest form of playable story where all your gameplay choices are made inside the narrative space." [source]
Repare-se que apesar de "SOMA" ser linear, não permitir alterar a história, ele oferece decisões ao jogador, algumas limite, como deixar viver ou morrer. E nesse caso mesmo sabendo que isso não alterará em nada o trajeto do jogo, o modo como está encapsulado, o modo como nos é feito acreditar o que vale ou não vale essa "vida", faz com que a nossa tomada de decisão seja difícil. Isto demonstra que o valor das decisões não se prende com as consequências no jogo, mas antes com o valor que atribuímos às mesmas. De certo modo é isto que se passa no final de “The Last of Us, mesmo não nos sendo permitido tomar a decisão de agir ou não agir na sala hospitalar, a perplexidade com que agimos dá conta da importância dessa ação, e mesmo quando somos obrigados a fazer o que o jogo requer para simplesmente avançar na história, não deixamos de continuar a questionar-nos sobre esse momento e o modo como nos marca.

Voltando ao 4-Layers, Grip cataloga a tomada de decisões por parte do jogador sobre a narrativa, como uma variante do “objetivo narrativo”. Ou seja, aqueles momentos em que o jogo, a nossa ação, está umbilicalmente conectada à história, em que jogamos motivados por razões narrativas, e não de jogo. No fundo, o que Grip está aqui a dizer é que mais do que colocar decisões na mão do jogador, é preciso fazer o jogador acreditar que as suas ações fazem parte da narrativa, e não são apenas um adereço para fazer funcionar o jogo. Mais uma vez recordando “The Last of Us”, o crafting de armas não surge como jogo de construção de armas, mas antes como necessidade de fazer frente aos mortos-vivos que vivem naquele mundo-história, ou seja, ajo motivado pela história, e não apenas porque quero avançar.

Fica a faltar ainda a discussão sobre o sistema de stealth que não inclui armas, o qual se torna responsável pela gestão do desafio e medo ao longo de todo o jogo, no fundo uma das grandes motivações para corrermos de um lado para o outro, por vezes sem tempo para pensar, apenas agir visceralmente. Mas voltarei a esse tema num texto próprio, já que levanta todo um conjunto de questões sobre os jogos exploratórios e os walking simulators.


A História

Não é possível falar da história sem desvelar detalhes da mesma (spoilers), já que como explico acima, o modo como a narrativa foi desenhada obriga a que não se conheça nada da história, essencialmente porque é o querer conhecer o que se passa e do que nos falam, que nos vai motivando a jogar, ao mesmo tempo que mantém todo o mundo de jogo crível. Por isso se ainda não jogaram, não leiam o resto deste texto.


---------- SPOILERS ----------------------

De forma genérica, temos uma história que roda à volta de questões existenciais, nomeadamente a identidade, que nos leva numa viagem filosófica de 10 horas em busca do propósito da vida, tendo por base a dualidade mente/corpo de Descartes. Em concreto, o planeta tornou-se inabitável e como solução propôs-se uma forma de digitalizar as consciências humanas, colocá-las dentro de uma arca e enviá-la para o espaço, uma espécie de Arca de Descartes. A linha de história é nova, embora a premissa tenha sido já muito discutida, nomeadamente nos trabalhos de Philip K. Dick. O que torna a história no jogo interessante é o fato de nos colocar de frente ao processo, e seus efeitos, de nos fazer passar por decisões sobre esse processo.



Ora, diferentemente do tempo em que Descartes escreveu os seus trabalhos, hoje sabemos que a consciência não é algo autónomo, sabemos que ela é apenas aquilo que o corpo permite que seja, nomeadamente a configuração física das ligações neuronais, mas também a configuração dos marcadores somáticos em todo o nosso corpo (desde os sentidos às vísceras). Sabendo isto, poderíamos atirar borda fora toda a história, contudo isso não é tão simples, já que aquilo que alimentou a teorização de Descartes continua presente, a ideia de que no interior de nós mesmos existe algo, existe um “Eu”, e esse "Eu" é tão profundamente obsessivo no que toca à sua emancipação, que por mais que "lhe" digamos que não existe individualmente "ele" continua a querer fazer-nos acreditar que existe. Diria quase, e aqui seguindo à letra Descartes, que o "génio maligno" existe, é o nosso próprio "Eu", sempre insatisfeito, sempre produzindo a volição que nos mantém insaciáveis, vivos. Por isso todo o tema de "SOMA" continua tão atrativo, em termos de teorização e discussão filosófica, mesmo se do meu lado a paciência para Freud, Lacan ou Jung se tenha esgotado há muito!

Tirando esta problemática, uma outra surgiu-me com mais força durante o jogo, e que cheguei a colocar como o grande problema de todo o mundo história, o Wau, a personagem que se desenvolveu a partir da IA e tomou conta de todas as instalações submarinas. O Wau surge desde o início como uma espécie de praga, que toma conta de todas as máquinas, robôs, inclusive criando monstros. Isto colocou-me o problema da credibilidade, porque parecia ser apenas um motivo para criar as dinâmicas de survival que os autores precisavam para o tipo de jogo idealizado, não tendo qualquer base científica. Contudo, isto viria a desvelar-se no final do jogo, de um modo perfeitamente científico e filosófico (os monstros são os corpos abandonados/suicidados, mantidos vivos por Wau, na sua tentativa por manter vivos os humanos a qualquer custo), com a discussão a evoluir para a relação entre máquinas e humanos, entre a moral que regula as suas relações, e a capacidade de uma máquina poder entender a imperfeição de que são feitos os humanos.

Para terminar, que este texto já vai longo, embora pudesse continuar a falar sobre o mesmo, tal a riqueza especulativa despoletada pelo jogo, quero ainda deixar uma lista dos momentos altos da minha experiência no jogo, que em certa medida dão conta da intensidade e diversidade da mesmas:



Momentos marcantes da minha experiência de "SOMA"

  • Catherine, a sua escrita e contexto de jogo, enquanto companheira única num território árido de vida, é capaz de fazer sentir o desejo de buscar ansiosamente a conexão da Omnitool apenas para poder conversar com ela.
  • A opressão das sequências debaixo de água.
  • As passagens para dentro e para fora de água, o realismo da espera da compressão e descompressão, e o stress envolvido, de não querer sair, e por vezes ter medo de entrar.
  • Toda a envolvência audiovisual, nomeadamente sonora.
  • Quando me vejo ao espelho pela primeira vez, e percebo que já não sou humano.
  • Quando mudo de corpo e sou chamado a decidir desligar o meu “outro”.
  • Quando encontro o último ser humano vivo.
  • Quando lanço a arca e fico para trás.
  • Quando acordo dentro da arca, já depois do genérico.

dezembro 25, 2015

"Perguntem a Sarah Gross" (2015)

Uma experiência que nos toca e mexe com o nosso ser, capaz de nos questionar sobre o porquê de estarmos aqui, num livro sem pretensões estilísticas que joga tudo no desenho de um enredo que coze história e puzzle em profundidade e nos obriga a virar páginas sofregamente em busca de respostas.


Perguntem a Sarah Gross” é claramente um livro baseado na vontade de fazer passar uma ideia, uma mensagem, estando assim muito mais focado naquilo que quer contar do que naquilo em que se deve tornar. Ou seja, a obra não se foca nela, nem o autor está preocupado com o seu devir, aqui só importa dar conta de uma realidade, de um espaço e tempo, desvelar os seus registos históricos e efeitos e levar o leitor a sentir-se próximo desse passado. Percebe-se que o autor está focado em fazer sentir ao leitor um pequeno limiar da experiência porque passaram milhões de seres humanos na nossa história recente, o Holocausto, esperando desse modo contribuir para que mais pessoas, pelo menos todos os seus leitores, não pensem, não desejem, nem permitam que o que aconteceu possa alguma vez mais voltar a repetir-se.

Em essência “Perguntem a Sarah Gross” dá conta da história da cidade polaca Oswiecim, que passou a chamar-se Auschwitz com a invasão alemã, e dos terrores aí vividos durante a 2ª Grande Guerra. Acompanhamos uma família a dois tempos, pré-guerra e pós-guerra, durante os quais vamos aprendendo sobre a história e seus efeitos, e assim compreendendo um pouco melhor o que se passou, e como foi possível passar, servindo para aumentar em nós a incredulidade no ser-humano, fazendo deste livro uma obra conseguida.

A mensagem passa mas à custa de algumas fragilidades, desde logo porque sendo o autor português, teria preferido ver a família Gross situada em Portugal e não nos EUA. Sei que o fluxo de migrantes para os EUA foi totalmente diferente do fluxo para Portugal, mas também sei que muito do nosso imaginário está contaminado pelos contadores de histórias americanos. Tudo o que aqui vemos neste livro é fruto desse universo americano standard — os colégios, as universidades, os judeus e os italo-americanos — tudo tornado parte da cultura global, porque fortemente exportado pelos seus contadores de histórias. Sei que ao escrever desta forma, a obra de João Pinto Coelho tem capacidade para se tornar num best-seller do New York Times, e só estranho a esta altura ainda não existir uma tradução para inglês e a sua distribuição nos EUA! Aliás questionei-me várias vezes porque é que, tendo em conta a ligação do autor aos EUA e à língua,  não foi escrita diretamente em inglês tendo em conta já uma distribuição global.

Mas cabe-nos a nós, e só a nós portugueses, dar conta do que somos, e do que queremos ser, e isso só pode ser conseguido por via da arte, da produção cultural. Daí a necessidade imperativa de verbalizarmos aquilo que somos, seja na literatura, no cinema, na música. Mais, aquilo que pode tornar uma obra de um português relevante lá fora, ainda que tenha de se dotar de contornos globais, é a sua singularidade, o seu exoticismo proveniente da singularidade do país em que vive. É isso que torna obras como “O Menino de Cabul” de Khaled Hosseini tão atrativas, e que por várias vezes fui recordando ao ler este livro.

Posto de lado o pano de fundo escolhido pelo autor, e focando-me apenas no texto e assumindo a mestria do tratamento dado ao enredo, levantam-se problemas no tratamento dado aos personagens. No final do livro, mais do que “perguntar a Sarah Gross” o que precisaria era de perguntar quem era Sarah Gross, já para não dizer, quem era Kimberly Parker. Porque o texto passa todo o tempo a relatar o que lhes aconteceu, dando muito pouco espaço ao que elas intrinsecamente fizeram, ou seja o que pensaram sobre aquilo que fizeram. Vemos as personagens à distância, estamos no centro da ação, mas não lhes tocamos, apesar de se construir empatia com elas, mas é uma empatia que vive dos laços universais — pai, filho, família, etc. — e não destas em particular. E é por isso que no final quando se descobre as ligações de Sarah Gross aos personagens do colégio, temos dificuldade em compreender o que tudo aquilo nos diz, já que sabemos muito pouco sobre o modo como Sarah sente o mundo.  O mesmo acontece com Kimberly, embora esta sofra de alguns problemas de enredo, já que a sua centralidade na ação acaba por não conseguir justificar-se plenamente no final do livro. Porquê Kimberly como narradora em primeira-pessoa, quando ela não passa de mera testemunha, sim, ajuda-nos a ter um ponto de vista mais familiar, já que se trata de uma realidade complexa distante de nós como dela, mas sabe a pouco.

Mas se a obra falha em levar-nos ao âmago das suas personagens, compensa totalmente no modo impressivo como nos leva aos espaços. No início do livro temos mapas do colégio, não temos de Auschwitz, mas julgo-os todos desnecessários porque o autor consegue situar-nos sempre, dar conta dos espaços e sons que circundam toda a ação. O mais impressivo acaba sendo o modo como nos dá a ver Oswiecim, Cracóvia, Plaszów, Birkenau como se vão operando as mudanças de lugares por parte das comunidades judaicas, empurradas pela força das operações militares. O texto coloca-nos lá, no centro da ação, e pela força da descrição e empatia consegue magoar-nos! Por várias vezes tive de fechar o livro, e arredar dali o pensamento, tal a força impressiva do texto.

Para primeira obra, João Pinto Coelho surpreende, dando conta de um excelente domínio na arte de contar histórias, de jogar com a informação, de nos obrigar a trabalhar para ir atrás do que vai dizendo e deixando por dizer. A escrita é suficiente para tornar verbal o  que lhe vai no espírito, apesar de raramente brilhar tão raramente decepciona, estando ao nível de muito best-sellers internacionais e bastante acima de alguns best-sellers nacionais. Mais que tudo, sente-se uma profunda honestidade em todo o relato, uma vontade de testemunhar, de nos dar a ver e sentir aquilo que o “incomoda”.

dezembro 21, 2015

O primeiro falhanço da Pixar

Pensei que o momento de escrever este título tinha chegado quando vi "Planes" em 2013, contudo mais tarde percebi que o filme não era uma produção da Pixar mas do DisneyToon Studios, o estúdio da Disney especializado na produção de spins para DVD, e que por ter ficado acima do normal desse mercado, segundo eles, tinha sido considerado para lançamento em sala. Nessa altura achei incorrecto, o filme era demasiado fraco, e ainda bem que quase desapareceu dos catálogos de animação, tanto da Pixar como da Disney. Mas parece que chegou o dia de escrever o título, com "The Good Dinosaur".




Imagens tiradas do trailer a 1080p

Contada esta primeira parte, quero dizer que enquanto via hoje o filme pensava que a Pixar se tinha decidido a seguir a lógica Disney, criar uma série B para filmes menores, mas qual não foi o meu espanto quando cheguei a casa e verifiquei que não, que o filme tinha sido apresentado como uma obra regular da Pixar, e que figura no seu site ao lado dos restantes. Isto espanta-me, muito mesmo, mais ainda depois de ter lido "Creativity Inc." (2014).

Uma análise séria de "The Good Dinosaur", sem levar em conta as qualidades do estúdio por detrás da obra, tem quase tudo de negativo a apontar, e muito pouco de positivo, sendo talvez o maior problema da obra o storytelling, que é o domínio por excelência da Pixar, e por isso torna tudo isto ainda mais decepcionante. A premissa de partida é a única coisa digna da Pixar — e se os dinossauros não se estivessem extinguido, o que seria dos humanos? —, mas desde logo o tratamento dado à mesma é um enorme desastre — com os dinossauros a surgirem enquadrados tais quais agricultores das grandes planícies do interior dos EUA, e os humanos a assumirem o lugar de cães, animais de estimação! Se é mau no geral, no detalhe piora ainda mais, porque uma vez invertidos os papéis, tanto os personagens como os eventos, não são apenas cópias de múltiplas outras histórias, são verdadeiros clichês, a darem conta de uma total ausência de criatividade. "The Good Dinosaur" parece uma espécie de "Patinho Feio" cruzado com "Rei Leão", mas contado a partir de um conjunto de boas-práticas da psicologia da relação entre pais e filhos.

Houve quem dissesse tratar-se do primeiro filme da Pixar dirigido apenas às crianças, discordo, até porque para além de levar os meus filhos que ainda são crianças, estavam grupos grandes de crianças de ATLs e infantários, e praticamente nunca os vi reagir, tirando os momentos mais fortes de tristeza, repetidos n vezes em busca de emocionar a audiência, e claro da violência, que me surpreendeu — colocar uma criança 6-7 anos a arrancar, graficamente, a cabeça de uma espécie de besouro, quase do seu tamanho — pode parecer engraçado nesta era de videojogos, mas foram várias as crianças a reagir negativamente, e mesmo a chorar na sala.

Vi outras análises a tentarem desculpar o filme puxando pela beleza do seu fotorrealismo, o que mais uma vez me vejo obrigado a discordar. Fotorrealismo não é sinónimo de qualidade, dá apenas conta de mestria técnica. Existem poucos momentos de qualidade artística visual ao longo da hora e meia, começando desde logo pelos personagens, nomeadamente os dinossauros muito fracos — verdadeiros clichês, baços, simétricos, rígidos e infantis — dos quais o pequeno humano se destaca pela positiva, nomeadamente na animação, sendo que todos os restantes são ainda mais fracos que os dinossauros. No campo dos ambientes, os momentos de fotorrealismo que acontecem em cenas de água ou paisagens em planos gerais largos, destoam e retiram-nos do universo ilustrado da animação, por outro lado os cenários são tão simplistas, nada daquilo a que a Pixar nos habituou, tanto no detalhe da modelação como na seleção de cores que servem a vida de todo aquele suposto mundo-história.

Não se trata aqui de estar a comparar com a anterior obra-prima da Pixar, "Inside Out", mas antes com toda a história da empresa modelo. Mesmo indo às sequelas mais fracas, "Cars 2" ou "Monsters University", é difícil encontrar algo tão fraco, tão manta de retalhos e tão pouco cuidado, talvez só mesmo um "Planes". Existem várias notícias online que dão conta de problemas ao longo de toda a produção, contudo a Pixar falhou ao não ter abandonado totalmente o projeto, como fez antes com outros filmes.

dezembro 20, 2015

Processos de criação narrativa escrita

Chuck Palahniuk é um escritor americano, internacionalmente consagrado pela obra “Fight Club” (1996), que deu origem ao filme homónimo de David Fincher (1999). Entre 2005 e 2007 Palahniuk desenvolveu um conjunto de ensaios sobre o processo de escrita, tendo criado um total de 36 textos que podem hoje ser lidos integralmente no site LitReactor.



Chuck Palahniuk fotografado por Jonh Gress

Palahniuk tem uma escrita dura, as suas obras rodam à volta do género conhecido por “ficção transgressiva”, ou seja, histórias de liberação das normas da sociedade pela força, o que faz deste um autor muito interessante em termos criativos já que o seu trabalho tem de obrigatoriamente fomentar uma constante troca de descrições entre as internalidades e externalidades, entre os pensamentos interiores dos seus personagens e a sua ação sobre o real. Assim, se da leitura dos ensaios resultar a ideia de que estes ensaios servem apenas uma escrita mais cinemática, ou seja exterior e visual, bastará pensar que a descrição psicológica dos personagens não pode existir sem consequência no real, algo que Palahniuk compreende muito bem.

Não li todos os 36 ensaios, até porque não estou à procura de me tornar num romancista, interessa-me mais conhecer os processos, para assim poder analisar melhor o que está por detrás da mente de quem cria. Interessa-me até mais o cinema e os videojogos, mas estes quando narrativos diferem muito pouco da literatura, o que faz com que qualquer bom realizador ou designer de jogos narrativos, seja obrigado a deter uma grande bagagem de leitura, reforçando assim a interligação entre estes três meios.

Em caso de dúvida reparem no processo de escrita mais fortemente referenciado por Palahniuk ao longo dos vários ensaios, o “unpacking”. Este processo não tem nada de novo é comumente conhecido como “desconstrução”, mas se Palahniuk opta em sua vez por “unpack”, não é por acaso, é porque dá conta, de um modo muito mais descritivo e visual, do que realmente se trata. Ou seja, o “tirar da caixa” ou “desempacotar” assume uma relação direta com o processo de expressão ou verbalização, isto é, de dar vida exterior a uma ideia que temos apenas na nossa mente, dentro da caixa, que vemos como o nosso cérebro, ou crânio. Assim quando temos uma ideia para algo que deve acontecer numa história não chega pensar a ideia em termos imaginários, é preciso realizar sobre essa todo um processo de desempacotação, capaz de traduzir essa mesma ideia em algo externo que a expresse. E é aqui que entram os outros meios, porque esse “algo” pode ter a forma de texto, mas pode ter a forma de filme ou de jogo, é indiferente porque o unpacking tem de acontecer sempre.

Posso dizer que do que li fiquei deveras impressionado. Palahniuk não floreia nem tenta construir teorização sobre o processo de escrita, é muito direto e concreto. Ou seja, os conselhos que vai descrevendo são dirigidos a questões muito práticas, questões que raramente ouvirão numa aula de literatura, porque não dizem respeito à estética mas apenas e só ao processo de criação artística. Apesar disso, o modo como descreve o que tem a dizer segue toda uma postura académica, com uma estrutura metódica e focada na aprendizagem, com os textos ordenados segundo uma composição tripartida: 1) pequena história introdutória que dá vida ao conceito; 2) discussão e desconstrução do conceito; 3) trabalho de casa ou sugestões para aplicar os conceitos. Assim resolvi escolher alguns excertos que mais me chamaram a atenção, e transcrevi para aqui algumas passagens:


3: Using “On-The-Body” Physical Sensation
“It’s one thing to engage the reader mentally, to enroll his or her mind and make them think, imagine, consider something. It’s another thing to engage a reader’s heart, to make him or her feel some emotion. But if you can engage the reader on a physical level as well, then you’ve created a reality that can eclipse their actual reality. The reader might be in a noisy airport, standing in a long line, on tired feet – but if you can engage their mind, heart and body in your story, you can replace that airport reality with something more entertaining or profound or whatever.”
..
“Words like “searing pain” or “sharp, stabbing pain” or “throbbing headache” or “ecstatic orgasm” don’t evoke anything except some lame-ass paperback thriller book. Those are the cliches of a cheating writer. Little abstract short-cuts that don’t make anything happen in the reader’s gut.
No, you want the pain – or whatever physical sensation – to occur in the reader, not on the page. So un-pack the event, moment by moment, smell by smell. Make it happen, and let the sensation of pain occur only in the reader.”

6: Nuts and Bolts: “Thought” Verbs (online)
“In six seconds, you’ll hate me. But in six months, you’ll be a better writer. From this point forward – at least for the next half year – you may not use “thought” verbs.  These include:  Thinks, Knows, Understands, Realizes, Believes, Wants, Remembers, Imagines, Desires, and a hundred others you love to use. ”
..
“Instead of saying:  “Adam knew Gwen liked him.” You’ll have to say: “Between classes, Gwen was always leaned on his locker when he’d go to open it.  She’d roll her eyes and shove off with one foot, leaving a black-heel mark on the painted metal, but she also left the smell of her perfume.  The combination lock would still be warm from her ass.  And the next break, Gwen would be leaned there, again.” In short, no more short-cuts.  Only specific sensory detail: action, smell, taste, sound, and feeling.”
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“Thinking is abstract. Knowing and believing are intangible.  Your story will always be stronger if you just show the physical actions and details of your characters and allow your reader to do the thinking and knowing. And loving and hating.”
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“Un-pack. Don’t take short-cuts.”

16: Learning from Clichés… then Leaving them Behind
“One of the best self-teaching methods is to “ape” or mimic the style of writers you enjoy.
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We learned to write the way so many apprentice painters learn to copy masterpieces in museums. This is a fun, effective way to learn another writer’s techniques from the inside, duplicating them until they come naturally in your own work. Then, you can create variations on the techniques, breaking the rules and combining them with the techniques you’ve learned by copying other writers. That way, by mixing and sampling and copying – not just writers but people you hear speaking, telling stories next to you at Starbucks – that’s how you develop a personal, signature “voice” for your own work.
Don’t worry, even if you become a parrot, echoing the voice of another writer in everything you write – you’ll get past that. You’ll get bored and evolve. Another voice will arrive to teach you something new. Most of us seem to create ourselves from the behavior modeled by our peers. We pick and choose speech patterns and gestures and mimic them. The ones that work, we incorporate into our daily presentation. It’s the same with writing styles.”

19: Effective Similes (Diferentes da Metáfora)
“I hate similes. Tose phrases that compare one thing to another. “Her hair had the softness of rabbit’s fur.” Or, “His cheeks were like raw meat.”

Anytime you want to use a simile, a metaphor will usually work better. Stronger. Instead of: “Being married to Jim was like driving five years down a dirt road”... the stronger version is: “Being married to Jim was five years of driving down a dirt road.” Or better yet, “Being married to Jim left you shaky as a five-year drive down a dirt road.”

“Limit your similes. Every time you compare something inside of a scene to something that’s not present, you distract your reader – taking them out of the moment – and losing energy. “The preacher’s hands were like pale birds,” forces us to picture birds, then maybe doves, maybe some other white birds, pigeons, nesting or flying, blue sky, clouds, and we’re lost. To avoid this, use only your strongest similes, and try to reuse them. Consider, “The preacher’s pale hands curled together in his lap, nested still and tight as a pair of dead birds.” Again, unpack the verbs – exactly how is one thing similar to the other. And describe the actual item before comparing it to something else.”


Por fim deixo um conselho meu sobre o modo de usar estes 36 ensaios. Não vejam neles as linhas mestras das quais não se podem desviar, mas antes linhas orientadoras que nos podem ajudar a progredir. Todo este tipo de trabalho é sempre muito atacado por estar a tentar normativizar processos artísticos, do meu lado sou totalmente contra tais ataques, já que não é nada disso que se procura aqui. Interessa apenas aqui iluminar um caminho possível, criar atalhos para a compreensão da arte, no fundo transmitir conhecimento sobre um processo, aquilo que passamos todo o tempo a fazer enquanto professores. Mas é verdade que se não aceito os ataques pela normativização, tenho de admitir que existem aqui alguns perigos, como é normal em qualquer atalho.

O primeiro diz respeito ao tipo de conhecimento em questão, porque sendo um processo de criação artística que depende de forte conhecimento tácito, levanta obstáculos à apreensão por mera transmissão de informação. Ou seja, não é possível verdadeiramente apreender nenhuma das técnicas descritas nestes ensaios sem realizar um grande investimento experimental, passar horas e horas a escrever, produzir centenas e centenas de páginas, até que estas regras, aqui tão simples, se tornem parte da natureza de quem as pretenda dominar.

O segundo perigo ou problema, assenta sobre o potencial de se poder criar a ideia, errónea, de que conhecendo o processo que os escritores usam deixa de ser necessário passar pelas obras que estes criaram. Não podemos esquecer que aquilo que temos aqui é apenas um conjunto de estruturas, de sínteses de padrões de escrita, uma espécie de esqueletos que suportam a carne, as histórias. Para quem quer escrever, realizar ou desenhar jogos, é preciso consumir muita carne, pois só esta poderá dar base suficiente para a criação de novas histórias. Sem a leitura em profundidade e diversidade é impossível produzir algo que vá para além do senso comum, ou da imitação superficial do que nos rodeia no dia-a-dia, daí que a leitura seja fundamental para qualquer criador, não apenas o escritor, mas também o realizador e o designer.


Os ensaios não estão em livre acesso, o que me levanta muitas objeções, nomeadamente porque os textos foram oferecidos pelo autor, que os poderia ter transformado em livro e vendido, mas optou por não o fazer. Deste modo têm duas opções, se vos interessar o site, que apresenta muitos outros conteúdos além destes, inscrevem-se e fazem download, de outro modo podem procurar online e irão encontrar várias compilações dos 36 textos, deixo um exemplo.

dezembro 19, 2015

"Jane Eyre" (1847)

Um livro poderoso que nos fala da essência do devir humano, da sua luta constante por se individualizar sem perder a ligação social, algo que assume tanto mais valor por ser atribuído a uma mulher, e mais ainda por ter sido escrito por uma mulher em 1847. Foi preciso um espírito muitíssimo independente, sagaz, profundamente estruturado e educado, para fugir à rede de convenções que a aprisionariam por essa altura. É um romance obrigatório, mais ainda para qualquer mulher que, ainda hoje passados mais de 160 anos, continua a ter de lutar contra muitas dessas convenções.

"É uma falta de consideração condená-las ou ridicularizá-las quando se empenham em fazer mais ou em aprender mais que aquilo que os costumes decretaram ser necessário para o seu sexo." (p.149)
Das várias heroínas clássicas — Elizabeth Bennet (Orgulho e Preconceito, 1813), Catherine Earnshaw (O Monte dos Vendavais, 1847) ou Emma Bovary (Madame Bovary, 1857) — Jane Eyre destaca-se cabalmente, não se afirmando por nenhuma das caraterísticas convencionalmente atribuídas às mulheres: como a fragilidade, embora dotada dela; assim como a loucura, motivo do granjear de complexidade narrativa, embora também dotada dela. Jane Eyre representa muito mais do que uma mulher à procura de ser feliz, ela representa o ser-humano que se procura a si mesmo, que busca encontrar o seu lugar na sociedade sem contudo permitir que o seu enredamento a impeça de viver como sente, nem que para isso tenha de colocar a sua vida em questão.
"Eu não sou pássaro nenhum, e não há rede capaz de me prender. Sou um ser humano livre, dotado de vontade própria, que agora vou exercer deixando-o." (p.333)
Mas ser dotada de capacidade para fazer valer a sua liberdade não faz de Jane alguém que perdeu a sua feminilidade. Ao contrário do que acontece com algumas das personagens emancipadas do entretenimento contemporâneo — Ellen Ripley, Sarah Connor, Lara Croft, etc. — que na ânsia por responderem à paridade homem/mulher, acabam por assumir ideais gerais masculinos, como ainda recentemente referia num texto no IGN. Jane não é apenas forte, é-o mas sem nunca perder toda a sua sensibilidade, quando segue a sua vontade própria não deixa de se preocupar com quem fica, fazendo uso de toda a sua capacidade empática para se colocar no lugar do outro, algo profundamente feminino.

Charlotte Brontë deve este idealismo à época vitoriana em que se formou, mas deve-o provavelmente mais ainda a toda a sua formação e educação, que desde cedo lhe permitiu iniciar atividades de criação escrita, para o que se propôs imaginar novos países, novas lutas e costumes. O que não deixa de contrastar com este seu livro, o seu maior legado, que é cabalmente autobiográfico, mas que ao mesmo tempo dá conta de uma biografia fora dos cânones do seu tempo. Daí que se me sugira refletir sobre o quanto dos seus mundos imaginários serviriam de simulação do real que experienciava, uma espécie de jogo de hipóteses e ações. Que provavelmente foi graças a toda essa fértil imaginação, devidamente verbalizada em textos e assim mais forte e real, que Charlotte conseguiu criar um forte ideal do mundo, do qual retirou grande parte da energia que lhe permitiu lutar contra as amarras das convenções.
"Os preconceitos, como é bem sabido, são mais difíceis de erradicar dum solo que nunca foi arado ou fertilizado por meio da educação; ficam tão enraizados como ervas daninhas entre as pedras" (p.446)
Jane Eyre surge como defensora da educação como garante do livre arbítrio humano, servindo-se da dúvida metódica para compreender o mundo em que vive, e assim questionar a moral assim como a religião, nunca as desprezando, mas antes procurando elevar a sua compreensão.
"Deus concedeu-nos, em certa medida, o poder para sermos obreiros do nosso destino..." (p.474)
Todo este livro é uma luta, do princípio ao fim, uma luta para nos questionar, nos fazer compreender quem somos. Como romance, que trata o inevitável enlace homem/mulher, é muito mais do que o desenrolar dos conflitos que levam aos seus encontros e desencontros, isso é aqui mais decoração temática, já que o foco está na demonstração cabal da igualdade de direitos e deveres que os unem. O fundamento deste romance é um ideal perseguido pela sua autora, que para lá chegar nos leva através de um caminho árduo, com muitas dúvidas e questões que pesam sobre ela, mas também pesam sobre nós, leitores, conduzindo-nos pela mão até bom-porto.
"Não lhe estou a falar com a linguagem dos costumes, das convenções nem sequer da carne mortal... É o meu espírito a dirigir-se ao seu espírito, como se ambos já tivéssemos passado pela sepultura e nos encontrássemos agora aos pés de Deus, como iguais que somos!" (p.332)
Tudo aquilo que Charlotte transpõe para esta obra continua imensamente atual e relevante, mas se a sua mensagem passa, não é apenas pela qualidade das suas ideias, deve-o muito também a toda a sua imensa força expressiva. Seguindo uma estrutura em primeira-pessoa, envolvida por uma escrita que vai do escorreito ao intrincado, sempre bastante elaborada, é capaz de imprimir um realismo verdadeiramente impressivo a todo o seu relato.


Edição lida: Charlotte Brontë (1847), "Jane Eyre", Editorial Presença, 2011, 596p

dezembro 17, 2015

Videojogo do Ano [Indie:2015] - “Her Story”

Na semana passada dei aqui conta do videojogo do ano criado pela grande indústria, hoje dou conta do que considero ser o videojogo do ano criado por uma pequena equipa, os chamados independentes. Existem vários outros trabalhos que poderia aqui referir, e espero ter tempo de fazer uma listagem mais alargada de títulos deste ano, mas se escolho um é porque realmente marcou para mim o ano. Já tinha falado de “Her Storyno IGN quando ganhou o IndieCade 2015, e com o aproximar do fim do ano podemos ver como o jogo vai surgindo nas mais variadas listas, desde a Time ou New Yorker ao Guardian (as listas dos sites de videojogos ainda não começaram a sair), tornando-o num dos videojogos incontornáveis deste ano. Do meu lado, as razões que sustentam esta escolha são essencialmente três: inovação, guião e interpretação.




Her Story” é um pequeno jogo baseado em vídeo interativo, que disfarçado de experiência estética dos anos 1990 cria algo completamente novo que não se dá à superfície, mas que da mera exigência de abertura ao formato, desenvolve uma experiência que nos suga para o seu interior, fazendo-nos esquecer o mundo e o meio, concentrando toda a nossa cognição e emoção na interação com o labirinto narrativo.

Somos convidados a analisar uma base de dados em vídeo, criada pela polícia em 1994, pouco ou nada nos é dito sobre os vídeos, assim como sobre o que estamos à procura, sendo que toda a mestria do jogo emerge do modo como, a partir da total liberdade de procurar e ver o que se quer, nos consegue manipular e conduzir verdadeiramente a jogar com as palavras-chave. A primeira palavra-chave está escrita, “Murder”, clicando em “Search” e visionando o primeiro vídeo que surge, somos de imediato atirados para o meio de uma história de mistério que nos atiça fortemente a curiosidade. Daí em diante, a cada nova palavra, que intuitivamente o guião do jogo nos vai convencendo a procurar — palavras que formam a base do storytelling: locais, nomes (personagens), e ações (eventos) — a curiosidade segue em crescendo, até que damos por nós a procurar diferenciar múltiplas linhas de tempo no enredo, por meio do texto que vai sendo debitado e das datas fixadas no ecrã de cada vídeo, algo que se adensa mais quando nos começamos a questionar sobre quantas personagens centrais existem verdadeiramente, e que relacionamentos têm entre si.

A inovação de “Her Story” surge da enorme capacidade para repescar um formato de videojogo tentado mas falhado dos anos 1990, dando-lhe uma nova vida por meio de uma mescla poderosa entre os artifícios da linguagem do cinema e o poder algorítmico do texto interativo, criando assim um novo género de videojogo, totalmente capaz de nos envolver. Temos aqui o melhor do cinema, o seu intrínseco apelo ao voyeurismo, juntamente com o melhor da literatura, a desconstrução psicológica dos personagens. Do lado da interação, somos levados a acreditar numa limitada possibilidade de ação motivada pela sua superfície plástica, mas que ao entrar no jogo nos vamos apercebendo que é todo o seu contrário. A aparente simplicidade da interface serve apenas de filtro visual para um mundo altamente complexo e intrincado de possibilidades e escolhas, no qual nos cabe a nós encontrar o fio que tudo liga por meio do diálogo com o próprio sistema.

É deste diálogo que emana do sistema à medida que progredimos no jogo, que emerge o segundo elemento que me levou a escolher “Her Story”, o seu guião, ou a sua escrita. Toda a interface funciona em sintonia com os diálogos da personagem do jogo, que por sua vez respondem diretamente às palavras-chave pelas quais interagimos verdadeiramente com o sistema. A grande questão da escrita começa no imaginar do que cada pessoa procuraria numa base de dados policial, quando tentando desvendar um crime. Algo que se complexifica quando temos de pensar um desenho do texto de modo a garantir que as pessoas — procuram e encontram — os textos que dão sentido ao que estão a ser levadas a pensar. Este segundo nível assume forte complexidade porque o texto não é apresentado como um todo, nem tão pouco de forma linear, mas antes recortado em pequenos clips de video, que podem ir dos 5 segundos a um minuto. Ou seja, o guião tem de garantir que os jogadores irão procurar um conjunto de palavras centrais, que lhes irão permitir começar a descascar a fábula da narrativa, sem contudo forçar o jogador, mas ao mesmo tempo gratificando-o, dando conta de que está a progredir no caminho correto.

O criador Sam Barlow, designer e guionista de "Silent Hill: Shattered Memories" (2009), já tinha aí dado conta de todo o seu fascínio pela psicologia humana. Aqui vai ao âmago dos nossos processos de cognição, conseguindo manipular as nossas escolhas e antecipar não raras vezes as nossas conjecturas mentais, desmontando-as logo a seguir para assim nos lançar na dúvida constante. Quando pensamos que nos estamos a aproximar da verdade e jogamos tudo numa palavra-chave, um novo indício surge e fura toda a teorização que vínhamos desenvolvendo até ao momento. Se toda a progressão está escrita de forma soberba, o seu desenlace eleva toda a experiência, porque munido de um forte twist narrativo capaz de ainda assim manter um final totalmente em aberto, o que só por si, dá conta de toda a mestria de storytelling interativo que temos aqui patente.

Na sua componente mais plástica a obra não se socorre apenas da interface de base de dados, que diga-se está brilhantemente concebida com todo o detalhe visual e sonoro — até às fluorescentes que piscam, zunem e se reflectem num ecrã CRT — a dar conta dos anos 1990, mas centra-se essencialmente numa personagem que é interpretada por Viva Seifert, que não sendo atriz profissional, com um passado de ginasta olímpica, realiza um trabalho absolutamente impressionante. Se todo o sistema de jogo é inovador e o guião é brilhante, o todo só emerge porque quando colocado nas costas de Seifert, esta deslumbra. Poderíamos ser levados a pensar que ela está simplesmente a ser ela, e não existe um verdadeiro trabalho interpretativo, mas estaríamos a ser profundamente injustos, sendo algo que obrigatoriamente temos de descartar quando percebemos verdadeiramente a dimensão, ou dimensões, do personagem que Seifert está a interpretar.

O resultado final é uma obra original, que abre todo um novo género no mundo dos videojogos, e que não tendo a profundidade de agência de “Papers, Please” (2013) consegue ir além no campo da emocionalidade, o que não deixa de trazer à liça o velho debate entre os problemas e vantagens do grafismo vs. imagens reais.


Por fim, mas não menos impressionante, temos acesso a toda esta magnífica experiência por apenas cinco euros.

dezembro 16, 2015

O cérebro estético

Anjan Chatterjee é professor de neurologia na Universidade de Pennsylvania onde desenvolve investigação no campo recente da Neuroestética, um campo que procura dar conta do modo como terá surgido a arte, o que nos motivou e motiva para esta. Em "The Aesthetic Brain: How We Evolved to Desire Beauty and Enjoy Art" (2013) o autor lança-se ao problema central desta abordagem, grande interrogação: se tudo aquilo que somos hoje é fruto de um processo adaptativo de milénios em função da melhor condição de sobrevivência - selecção natural de Darwin - como é que surge a arte, algo que supostamente não tem um fim, nem utilidade?


Chatterjee dá conta da história dos estudos sobre o belo, sobre a importância do sexo na atractividade humana, assim como da paisagem, dá conta das abordagens empíricas e o seu choque com as abordagens filosóficas. Passa em resumo muito do que tem sido esta busca, para chegar ao seu objetivo que é propor uma nova abordagem explicativa sobre o fundamento da arte.

Assim parte das duas grandes teorias evolucionárias que procuram explicar de onde nos surge esta capacidade para apreciar e reconhecer o belo e como se enraizou tanto na nossa cognição: a arte como instinto, e a arte como subproduto. A primeira dá conta da arte como uma necessidade humana, como parte do nosso devir, afirmando que a arte evoluiu como uma adaptação natural às necessidades que fomos manifestando ao longo do tempo, transformando-se num instinto. A segunda defende que a arte poderá ter surgido como fruto de outras necessidades humanas, de forma um tanto aleatória, tendo-se encrostado nessa e permanecido.

Sobre a primeira Chatterjee dá conta dos estudos de Dutton que eu já aqui dei conta a propósito do livro “The Art Instinct” (2009). E que fundamentam a arte no processo de seleção sexual, algo corroborado por estudos empíricos universais, que dão conta do esforço envolvido no desenvolvimento artístico como um sinal, para o outro, dos talentos. A segunda é talvez a menos acarinhada porque assume a arte como um erro da natureza, fruto do acaso, e por isso mesmo também menos dada a uma teorização cabal.

Ora Chatterjee defende que nem a arte é um subproduto, mas que nem por isso é um instinto. Aliás, o trabalho de Dutton tinha sido baseado no trabalho em que Steven Pinker defendia a linguagem também como um instinto e também este vem sendo rebatido. Deste modo o que temos aqui configura-se desde já como um rebate ao inatismo, procurando demonstrar antes o lado evolutivo e adaptativo, funcionando na intersecção entre biologia e cultura.

Assim a proposta de uma terceira via interpretativa da arte surge a Chatterjee a partir da análise do canto de um pássaro (Munia ou Bengal Finch), que depois de cambiado de habitat, alterou profundamente o seu canto.  Ou seja, no habitat de origem o seu canto tinha como função alertar para os predadores, ou encontrar os amigos. No novo habitat estas pressões desapareceram, tendo deixado espaço, para que as suas capacidades de canto se desenvolvessem e tornassem mais complexas. Ou seja, nesta abordagem Chatterjee defende que depois de cumpridas as necessidades básicas - comida, segurança e sexo - resta-nos o ócio,  libertador das preocupações, stress e controlo, capaz de nos levar a dedicar tempo na maturação e complexificação daquilo que fazemos enquanto ação externa, ou expressiva.
“Art germinates instinctually and matures serendipitously. Its content is a serendipitous mixture born of time and place and culture and personality. Could it be any other way? Being deprived of a grand unifying instinctual theory of art is not a cause for concern. Instead, the diverse, local, and serendipitous nature of art is precisely why art can surprise us, enlighten us, force us to see the world differently, ground us, shake us, please us, anger us, bewilder us, and make believers of us.” (p. 185)
Esta teorização permite dar conta das duas primeiras teorias, porque junta o instinto e o subproduto. Dá ainda conta do modo como a escultura, a imagem e por sua vez as histórias surgiram numa fase tão tardia da nossa espécie, respondendo tanto à vontade artística como à contemplação estética. É uma boa explicação, mas não deixa de ter vários problemas, desde logo porque não deixamos de criar, ou de nos expressar, mesmo quando as necessidades básicas não estão cumpridas. É verdade que o artista só se torna evoluído com muitíssimo treino, e para chegar lá, precisa por um lado de ter as necessidades básicas saciadas, assim como precisa do reconhecimento da sua arte. Ninguém, salvo raras excepções com algum desvio patológico, investe uma vida no aperfeiçoamento de uma arte, se não tiver ninguém com quem a partilhar. Contudo e como o próprio autor nos diz, esta perspectiva é mais uma para nos ajudar a trilhar este caminho, não procura fechar o assunto.

dezembro 15, 2015

Janet Murray: agência dramática

O primeiro livro de Murray, "Hamlet on the Holodeck: The Future of Narrative in Cyberspace" (MIT Press, 1998), é umas das obras mais importantes do campo de estudos das narrativas interativas, capaz de dar conta de uma revolução que apenas despontava nessa altura, tocando em quase todas dimensões da área. Já o seu segundo livro, "Inventing the Medium"(MIT Press, 2011) é bastante menos conseguido, porque traz pouco de novo, demasiado colado a alguns conceitos ultrapassados, algo que se espelha um pouco neste pequeno vídeo da série Future of Storytelling.



O modo como Murray apresenta a agência, nomeadamente a dramática, parece quase dizer-nos que está presente na experiência de qualquer narrativa em qualquer meio. Ainda assim resolvi aqui dar conta do vídeo, pelos belíssimos exemplos que vão servindo de ilustração, mas essencialmente pela ideia central que fecha o filme, e que tem que ver com o propósito da agência, que Murray defende como estando na base da repetição que a interatividade proporciona. Ou seja, o facto de poder repetir escolhas e ações, e ver os diferentes resultados dessas escolhas, permite aos recetores diferentemente de num livro ou filme, aprender pela experiência, pela tentativa e erro.

Enquanto no romance ou filme preciso de ver vários trabalhos para encontrar múltiplas perspectivas sobre um mesmo tema, nos videjogos narrativos, posso ter acesso a essa multiplicidade toda num único artefacto. É uma abordagem interessante, e que acaba por dar conta da importância reflexiva do valor das escolhas numa narrativa, nomeadamente da importância das estruturas em árvore. Repetindo aqui o elogio à boa escolha da imagens de ilustração, friso que neste momento do vídeo, estas palavras são acompanhadas por imagens do, muito relevante para o tema, "Edge of Tomorrow" (2014).

"Janet Murray - Dramatic Agency" (2015)