junho 13, 2014

Filmes e jogos de Maio 2014

Ainda não tinha aqui deixado a lista de filmes e jogos do mês passado porque tenho andado numa corrida a fechar tarefas, mas quantas mais fecho mais novas se abrem. Assim com algum atraso, aqui fica a lista, no cinema sem dúvida que a nota especial é para Ida de Pawlikowski, mas também para o The Lego Movie e para um filme da vaga romena que ainda não tinha visto de Serban, assim como para um dos primeiros de Farhadi. Já como desilusão, embora não o devesse ser, fica a inacreditável produção 47 Ronin, como foi possível atirar 175 milhões assim pela janela fora?

xxxxx Ida 2013 Pawel Pawlikowski Poland [Análise]

xxxx The Lego Movie 2014 Phil Lord, Christopher Miller USA

xxxx If I Want To Whistle, I Whistle 2010 Florin Serban Romania

xxxx Fireworks Wednesday 2006 Asghar Farhadi Iran [Análise]

xxx Grand Central 2013 Rebecca Zlotowski France

xxx Babycall 2011 Pål Sletaune Norway

x 47 Ronin 2013 Carl Rinsch USA

Já no campo dos videojogos Maio foi o mês de Mass Effect, entretanto só agora em Junho consegui terminar a trilogia, espero dar conta aqui da experiência, mas pode demorar, porque ando a tentar escrever um artigo em maior profundidade sobre a série, vamos ver.

xxxxx Papo & Yo 2012 Minority Adventure/Action Canada [Análise]

xxxxx Mass Effect II 2010 BioWare RPG/Action USA [análise brevemente]

xxxxx Mass Effect 2007 BioWare RPG USA [análise brevemente]

junho 11, 2014

"O Código do Talento"

Depois de ler “Outliers: The Story of Success” (2008) de Malcolm Gladwell e “Talent Is Overrated: What Really Separates World-Class Performers from Everybody Else” (2008) de Geoffrey Colvin, acabei por chegar a “The Talent Code: Genius Isn’t Born. It’s Grown. Here’s How.” (2009) de Daniel Coyle. Os três livros formam um trio que questiona as origens do talento, criatividade e modelos de aprendizagem. Se tinha gostado de Gladwell e tinha adorado Colvin, Coyle é ainda mais interessante e incisivo. Não que traga algo de muito novo, mas a ligação que estabelece entre os processos neurofisológicos e os estudos empíricos é profundamente enriquecedora para quem quer que se interesse pelo tema. Desde os jogadores de futebol brasileiros, às tenistas russas, passando pelos violinistas, skateboarders e produtores de música pop, vários são os exemplos que nos abrem um mundo novo sobre o fundamento do talento, os processos de aprendizagem e de coaching.


Algumas das críticas ao livro de Coyle dizem respeito ao seu fascínio com as mais recentes descobertas em torno da mielina, uma substância que se encontra no cérebro e sobre a qual ainda decorrem estudos. Mas neste momento suspeita-se que a sua função assente no isolamento das ligações neuronais, de modo a garantir que os impulsos eléctricos possam circular de forma mais eficiente. Ou seja, uma função parecida com aquela que o plástico executa em redor dos cabos eléctricos. Sendo essa a sua função, o modo como esta se desenvolve nos nossos cérebros parece ocorrer a partir de prática focada e repetida. À medida que vamos repetindo exercícios, a prática em nós vai-se sedimentando por meio de mielina junto aos nossos neurónios. Quanto mais grossa for ficando a camada de mielina em redor da ligação neuronal responsável pela competência que estamos a treinar, melhor isolada fica, permitindo que possamos agir de cada vez com maior eficácia.

Apesar da relevância que Coyle atribui à mielina, o mais relevante do seu livro não depende propriamente dessa descoberta, que acaba por funcionar mais como curiosidade, porque aquilo que Coyle nos demonstra advém do seu trabalho etnográfico sobre o talento, realizado um pouco por todo o mundo, em centros de treino de algumas das maiores estrelas do planeta. Coyle chama a esses centros, “hotbeds”, locais dotados de um design e condições específicas, capazes de contribuir para um aperfeiçoamento e aceleramento do processo de formação de talento.

Das hotbeds mencionadas ao longo do livro a primeira foi a que mais me impressionou, por tudo o aquilo em que eu acreditava ter sido posto em causa, mas também por exemplificar na perfeição a base de design conceptual de uma hotbed. Falo dos locais de treino das estrelas mundiais do futebol brasileiro, de Pele ou Zico a Romário ou Robinho. Todos eles começaram a jogar futebol num campo de cimento com metade do tamanho de um campo relvado, com uma bola metade do tamanho e com o dobro do peso de uma de futebol normal, e com equipas de apenas 5 jogadores de cada lado, no fundo aquilo que hoje conhecemos como Futebol de Salão ou Futsal. À primeira vista, nada de especial, mas a realidade é que estes campos mais pequenos, proporcionaram condições para treinos mais intensivos. O espaço reduzido obriga a maiores velocidades de arranque e paragem, a bola pequena e pesada obriga a um maior domínio da mesma, as balizas mais próximas permitem chegar mais vezes perto e treinar mais vezes as situações de golo. Por minuto os jogadores tocam mais 6 vezes na bola do que no futebol de campo, os passes certeiros e o trabalho colaborativo é fundamental. Ou seja, a ideia de que os jogadores brasileiros são treinados na praia é um mito que fica bem nos postais de turismo. Claro que não basta o futebol de salão, ele tem um impacto concreto no domínio da prática intensiva, mas falta o resto, aquilo que Coyle considera ser o código do talento, e de que darei conta a seguir.

"Nenhum tempo mais nenhum espaço é igual a melhores habilidades. O futsal é o nosso laboratório nacional de improvisação." Emilio Miranda, professor da Universidade de São Paulo, a propósito do treino em salão

Coyle identifica várias hotbeds espalhadas pelo planeta, falando das piscinas abandonadas em LA que se transformaram em centros de treino de skaters, do centro de treino russo em que se formou Kournikova e da consequência num número de tenistas russas no WTA, assim como do número de Coreanas no LPGA Tour (Golf), ou ainda do modelo de escola americana KIPP, tocando ligeiramente no fenómeno da Nova Vaga de Cinema Romeno proveniente da Bucharest National University of Drama and Film, ou das estrelas Pop da Disney, etc. E assim a partir destas hotbeds, e de vários outros estudos, Coyle vai dividir o talento, e o livro, em três grandes partes, que considera serem o Código do Talento: “Prática Profunda” -  ”Ignição” - “Mestres de Instrução”. Coyle considera que cada um destes vectores é relevante à sua maneira, mas é da convergência dos três que emerge  a competência. Segundo ele, a sua simples convergência pode em poucos minutos contribuir para construir no sujeito competências que sem os três vectores simultâneos, pode arrastar-se por anos.

Diagrama do Código do Talento, os três elementos base - "Prática Profunda", "Ignição" e "Mestres de Instrução". Pode ver-se como a Deep Practice é destacada como se se tratasse de mielina em formação, camada a camada, em função da quantidade de prática.

VECTOR 1: Prática Profunda (Prática)

Coyle segue aqui trabalhos anteriores de estudos académicos, dando conta do percurso e estudos realizados por Anders Ericsson, uma das maiores autoridades no campo do talento, reconhecido pela teoria das 10 mil horas, e pelo conceito “Deliberate Practice” que Coyle aqui converte em “Deep Practice”. Ericsson define a prática como algo que precisa de ser realizada de modo voluntário para criar competência, já Coyle seguindo as lógicas da produção de mielina, aposta numa ideia de prática em profundidade, de modo a poder gerar mielina. Deste modo Coyle apresenta três regras para realizar prática profunda: Chunk, Repeat e Learn to Feel.

Regra 1: “Chunk”
“Deep practice feels a bit like exploring a dark and unfamiliar room. You start slowly, you bump into furniture, stop, think, and start again. Slowly, and a little painfully, you explore the space over and over, attending to errors, extending your reach into the room a bit farther each time, building a mental map until you can move through it quickly and intuitively.”
A ideia central passa por absorver a totalidade da acção a realizar, e depois quebrá-la em pequenas partes, que podem ser mais facilmente realizadas e apreendidas, no fundo a velha ideia de “baby steps”. Dos vários locais de treino intensivo que Coyle visitou, a mesma prática era repetida,
“First, the participants look at the task as a whole — as one big chunk, the megacircuit. Second, they divide it into its smallest possible chunks. Third, they play with time, slowing the action down, then speeding it up, to learn its inner architecture. People in the hotbeds deep-practice the same way a good movie director approaches a scene—one instant panning back to show the landscape, the next zooming in to examine a bug crawling on a leaf in slo-mo.”
Regra 2: “Repeat”

A repetição é condição essencial para produzir mielina. Vendo pelo lado oposto, a melhor forma de transformar um grande pianista num mau, é impedi-lo de treinar durante um mês. Mas isto não quer dizer que a repetição deva acontecer sem fim, sem descanso nem pausa. Dos estudos de Ericsson os grandes talentos mundiais praticam entre 3 e 5 horas diárias. Mas nas hotbeds visitadas por Coyle os treinos andam sempre abaixo das três horas diárias, para crianças mais novas (6 a 8 anos) 3 a 5 horas semanais é mais do que suficiente. Ou seja, depende muito de se conseguir reunir os três vectores simultaneamente - prática, ignição e mestre.

Regra 3: “Learn to Feel”
“I hate to practice! Hate, hate, hate! So what I did, I forced myself to make it as productive as it could be… You guys have to realize this is top sport. You are athletes. Your playing field is a few inches long, but it still is your field. You need to find a place to stand, know where you are. First, tune your instrument. Then tune your ear… If you hear a string out of tune, it should bother you… It should bother you a lot. That's what you need to feel. What you're really practicing is concentration. It's a feeling.” Skye Carman, concertmaster of the Holland Symphony
Ao longo do trabalho de Coyle, quando questionava as pessoas sobre as sensações que sentiam quando estavam a treinar de forma produtiva, referiam: “Attention; Connect; Build; Whole; Alert; Focus; Mistake; Repeat; Tiring; Edge; Awake.” Uma lista de sentimentos que evoca a ideia de se estar a atingir algo, a caminho de se conseguir algo, uma linguagem própria de montanhistas, descrevendo a sensação incremental, passo a passo. A ideia de esforço para atingir um objetivo concreto, e de se estar muito perto de o conseguir. A ideia de praticar muito não pode ser um mero exercício de repetição e esforço, mas deve ser antes uma busca por atingir algo que ainda não se atingiu, repetindo e iterando,
  1. "Pick a target.
  2. Reach for it.
  3. Evaluate the gap between the target and the reach. 
  4. Return to step one."
Ou seja, como diz Coyle, uma lista de palavras que nunca ouviu nos locais de treino foi - "natural, effortless, routine, automatic" - ou ainda "genius". Não que não existam génios, mas todos os mestres confirmam o mesmo, que eles surgem apenas num ratio de um para um milhão. A generalidade do talento humano é filho do treino, esforço, repetição, e aperfeiçoamento continuado.


VECTOR 2: Ignição (Motivação)

Se o primeiro vector depende exclusivamente do indivíduo já o segundo vector é uma mistura entre o indivíduo e o ambiente, ambos têm que dar para que as coisas funcionem e o talento possa emergir. Ou seja, o indivíduo necessita de estar atento ao mundo que o rodeia, procurar pistas, seguir pistas, auto-motivar-se, construir a sua ideia do mundo, mas para o fazer precisa que o mundo lhe prepare o terreno, construa um ambiente adequado a tal.

Nesse sentido nós, pais, temos trabalhado contra a criação destas condições. Quando acreditámos que o ideal seria garantir as condições óptimas, ou garantir o acesso ao máximo de actividades para que as crianças pudessem escolher o que lhes falava ao coração, estávamos a entrar por um caminho completamente contrário à realidade das necessidades do treino do talento. Sei que custa ouvir isto, porque também me custa a mim, porque é muito difícil aceitar que o caminho para a construção de competências seja penoso e duro, mas é o que é. E é por isso que a prática deliberada, ou em profundidade, exige ignição, “combustível motivacional” como lhe chama Coyle.

Assim quando falamos do futebol no Brasil, do futebol de salão, isso não chega como condição para criar tantos bons jogadores. Existem duas outras condições que são fundamentais na criação de grandes jogadores brasileiros: a pobreza e a dureza das condições de vida. As mesmas que fizeram surgir Kournikova, que fazem surgir grandes violinistas em meios pobres da periferia, ou que fazem surgir grandes visionários da ciência ou construtores de fortunas. As condições de que se parte estão longe daquelas a que se pretende chegar, e é essa distância que dinamiza a força necessária para conquistar terreno. A tenacidade incutida pela dureza dá-lhe capacidade para aguentar o árduo caminho que terá de ser realizado para lá chegar. Ter um instrumento só meu, aceder a uma escola boa sem esforço, ter todo o tempo disponível para treinar, se tudo isto existir à partida, quer dizer que já chegámos a meio do caminho sem termos dado muito de nós, e assim sendo só muito dificilmente se poderá fabricar "combustível" para dar os passos que ainda são necessários dar até se conseguir atingir o talento.

Mas o ambiente é ainda responsável por criar o objectivo último a atingir, porque ninguém caminha por sentir um chamamento esotérico. O ser humano aprende por imitação, segue copiando e imitando. Para isso são precisos exemplos, ídolos, ícones, celebridades, estrelas que nos mostram o caminho, e nos referem o que podemos almejar. São eles que dizem que é possível. É o Cristiano Ronaldo que veio da aldeia mais pobre da Madeira e chegou a melhor Jogador do Mundo, que nos diz que todos podem também conseguir. É a Kournikova que todas as meninas tenistas da Russia querem imitar, ou a Madonna ou Michael Jackson que todos querem seguir. Todas estas pessoas, abrem o caminho para que os outros sigam os seus exemplos. Como se pode ver no atletismo, sempre que alguém quebra um recorde impossível, logo a seguir temos vários atletas a conseguir quebrar esse mesmo recorde. É um fenómeno de imitação, de cópia, “se outro alguém consegue, eu também consigo”.

Antes de avançar, preciso de fazer aqui um parênteses sobre um dos maiores problemas da atualidade, que veio toldar esta formula da imitação. Falo da televisão e revistas do jornalismo cor-de-rosa. Ou ainda dos reality shows, não dos Big Brothers, mas dos concursos de talentos, que têm emergido como cogumelos por aparentarem trazer algo de útil à sociedade. Ora o que todos estes realmente fazem, é destruir tudo aquilo de que falei até aqui. De que é preciso muita prática, muito esforço, muita dedicação para se atingir o auge. Porque estes nos mostram apenas partes da realidade, como faz normalmente o discurso audiovisual. O concurso de talentos não mostra tudo o que deu origem aos indivíduos que nos aparecem pelo ecrã adentro. Vozes são lançadas em programas de televisão como se nunca tivessem praticado em toda a sua vida e que de repente por chegarem à televisão surgem tal qual o cisne que emerge de patinho feio. Ou seja, a televisão vende-se a si própria como caixa mágica capaz de produzir talento, e as pessoas seguem porque querem acreditar que o talento depende de sorte, de ser bonito, de ser famoso, de um concurso!

"Everybody said Jessica [Simpson] was a Texas girl who'd been singing in her church choir. That's ridiculous — that girl worked to become the singer she was. They said [American Idol winner] Kelly Clarkson was a waitress, like she never sang before. Waitress? Excuse me? Kelly Clarkson was a singer — we all knew Kelly Clarkson. She had training, and she worked her tail off like anybody else does. She didn't come from nowhere any more than Jessica came from nowhere. It's not magic, you know." Linda Septien professora de voz
Voltando à ideia da imitação, ela continua sendo central, porque é a partir dela que se constrói a Ignição, ela é central e determinante para o futuro do talento. Como demonstra um excelente estudo de Gary McPherson que procurou perceber o factor que determina a progressão das crianças no estudo de um instrumento musical. McPherson realizou estudos com centenas de crianças que aprendiam instrumento, para perceber porque umas eram melhores que outras, e foi eliminando variáveis - IQ, IE, sensibilidade, capacidades motoras, nível financeiro, etc -. A diferença fez-se notar fortemente apenas quando este lhes lançou uma simples questão, how long do you think you'll play your new instrument?"
"They mostly say Th, I dunno' at first… But then when you keep digging and ask them a few times, eventually they will give you a real solid answer. They have an idea, even then. They've picked up something in their environment that's made them say, yes, that's for me."
As hipóteses de resposta eram: “ao longo deste ano”, “ao “longo da primária”, “até ao liceu”, ”toda a minha vida”. Isto foi condensado em Pequeno, Médio e Grande Comprometimento. Estes dados foram cruzados com o tempo que cada criança praticava por semana  - 20, 45 e 90 minutos por semana. O que daria o gráfico abaixo,

Os alunos quando motivados por um comprometimento de longo termo com o instrumento, conseguem performances 400% superiores aos que apresentam um comprometimento de curto termo.

Ou seja, tendo em conta o mesmo tempo de prática/semana entre crianças, nada além do comprometimento tinha impacto no nível que se atingia de evolução na performance. E quando se juntava o comprometimento de longo termo com a prática mais elevada, a performance disparava para mais de 400% face aos restantes. Ou seja, duas crianças poderiam treinar o mesmo tempo toda a semana, mas aquela que estava profundamente motivada conseguia fazer disparar o rendimento dessa prática. Ou seja, não era a mera repetição, mas aprendizagem profundamente produtiva.
“We instinctively think of each new student as a blank slate, but the ideas they bring to that first lesson are probably far more important than anything a teacher can do, or any amount of practice. It’s all about their perception of self. At some point very early on they had a crystalizing experience that brings the idea to the fore, that says, ‘I am a musician’. That idea is like a snowball rolling downhill.”
Algo que nos deve fazer refletir enquanto pais, mas também enquanto professores. Ensinar alguém que não tem uma motivação interna, pode muito bem não representar mais do que o velho ditado “chover no molhado”. Por isso continuo a defender as escolas técnico-profissionais, profissionalizantes, vocacionais, o que lhe queiram chamar. Nada pode ser pior do que manter uma criança fechada num espaço durante 18 anos a fazer de conta que aprende. Esta é também a razão pela qual digo a todos os meus mestrandos e doutorandos que uma tese com valor, só se pode fazer sobre algo que se ama, de outra forma é tempo perdido, para eles e para mim.


VECTOR 3: Mestres de Instrução

Apesar de tudo o que se disse até aqui, do primeiro vector fundamentalmente dependente do indivíduo (interno), do segundo vector dependente deste e do meio-ambiente (interno-externo), existe um terceiro vector extremamente relevante e totalmente dependente do ambiente (externo). Falo do professor ou simplesmente instructor (coach). Aquela figura que por vezes é tida como secundária, como quase irrelevante, que qualquer um pode fazer! Aliás de tanto se acreditar na sua irrelevância nos últimos anos começámos a pensar que seria possível substituir o mesmo por meros jogos de computador, ou criar cursos para milhares de alunos em simultâneo.

Coyle abre o capítulo com uma ideia muito atual nomeadamente no campo do treino animal, os Whisperers. E é verdade que costumamos olhar para estas pessoas como dotadas de um qualquer dom mágico, porque capazes de comunicar numa linguagem indecifrável para nós, normalmente a do animal. O que não anda muito longe da realidade.

Na realidade o velho provérbio, “quem não sabe fazer, ensina” é meia verdade, porque só quem já soube fazer, e já não faz, pode ensinar. Normalmente quem ensina são pessoas que por algum motivo pararam de o fazer, e se dedicaram desconstruir os processos de fazer, a compreender o detalhe e as minudências, a ponderar os prós e os contras, a encontrar os defeitos e os atalhos, a definir as metas e os objectivos. Se dedicaram a criar uma linguagem, o “whispering”, capaz de colocar em palavras entendíveis por quem faz, os processos para atingir a melhoria. Quando lá atrás se disse que temos de, escolher um objectivo, trabalhar para o atingir e avaliar a diferença entre o que se atingiu e o que falta, é preciso compreender aquilo de que falamos. É preciso perceber que objectivo nos falta atingir, compreender quais devemos percorrer em primeiro lugar, compreender porque não conseguimos ainda lá chegar, compreender que treinos podemos realizar em repetição, para aperfeiçoar e chegar a ser aquele modelo abstracto que temos em mente. E é isso que faz o professor, o coach, comunica e guia, orienta e claro motiva. Mas é ele quem desconstrói as etapas a realizar por nós, que nos mostra os passos que já demos, e aqueles que ainda nos faltam dar, que nos mostra por onde podemos seguir para conseguir dar os passos em falta, e mais importante de tudo, que nos faz ver que além do objectivo final, existem múltiplos objectivos intermédios que precisamos de atingir para chegar ao que tanto desejamos.

A propósito dos treinadores Coyle fala de um contraste muito interessante entre as certezas e o conhecimento em profundidade que estes detêm sobre os detalhes da arte em si, e as dúvidas que estes demonstram sobre o todo, sobre a capacidade um indivíduo pegar em tudo o que sabe e ir além, de uma equipa de estrelas se superar. Na verdade, isto faz todo o sentido, e demonstra apenas a humildade imprescindível a qualquer professor que se reflecte no simples facto de que por mais que se faça, a última palavra depende sempre da capacidade interna do indivíduo, o coach é apenas um dos vectores como já vimos. Ele molda, ele ajuda a crescer, mas é o indivíduo quem decide, quem a determinada altura tem de tomar em mãos o seu caminho.

Deixo um estudo empírico sobre o treinador de basquete, John Wooden, considerado o melhor treinador da história da NCAA, realizado por dois psicólogos educacionais, Ron Gallimore e Roland Tharp que procurava compreender a sua fórmula de sucesso.
“practice began… Wooden didn't give speeches. He didn't do chalk talks. He didn't dole out punishment laps or praise. In all, he didn't sound or act like any coach they'd ever encountered… Wooden ran an intense whirligig of five to fifteen-minute drills, issuing a rapid-fire stream of words all the while. The interesting part was the content of those words… teaching utterances or comments were short, punctuated, and numerous. There were no lectures, no extended harangues ... he rarely spoke longer than twenty seconds… Here are some of Wooden's more long-winded "speeches":

"Take the ball softly; you're receiving a pass, not intercepting it."
"Do some dribbling between shots."
"Crisp passes, really snap them. Good, Richard—that's just what I want."
"Hard, driving, quick steps."

Gallimore and Tharp were confused… This was great coaching?… As weeks and months went by, an ember of insight began to glow… it came mostly from the data they collected in their notebooks. Gallimore and Tharp recorded and coded 2,326 discrete acts of teaching. Of them, a mere 6.9 percent were compliments. Only 6.6 percent were expressions of displeasure. But 75 percent were pure information:

What to do, how to do it, when to intensify an activity.

One of Wooden's most frequent forms of teaching was a three-part instruction where he modeled the right way to do something, showed the incorrect way, and then remodeled the right way, a sequence that appeared in Gallimore and Tharp's notes as M+, M-, M+… Wooden's demonstrations rarely take longer than three seconds, but are of such clarity that they leave an image in memory much like a textbook sketch… The information didn't slow down the practice; to the contrary, Wooden combined it with something he called "mental and emotional conditioning," which basically amounted to everyone running harder than they did in games, all the time."
O coach ou mestre é isto, alguém que dá feedback muito objectivo e muito concreto sobre cada uma das acções, alguém que indica se estamos no caminho correcto, e se não estamos explica como podemos retomar esse caminho. A construção de talento não acontece no vazio, por mais motivação que se detenha, aprendemos com os erros mas precisamos de saber como fazer na vez seguinte. Podemos até fazê-lo a solo, por tentativa e erro, mas isto vai demorar muito mais tempo, correndo o risco sério de destruir o combustível motivacional que se detém. A motivação é algo frágil que precisa de ser continuamente alimentada, e um desses alimentos é o sentimento de progressão, se nos sentirmos a encalhar mais facilmente entraremos na espiral de desistência.


Para concluir, Coyle tudo faz ao longo deste livro para demonstrar que o talento é algo que se constrói, algo que se produz, algo que todos podem atingir. O talento não é dom, não nasce, não é mágico, nem existe sob a forma de pó de estrelas. Ou seja, a velha discussão Natureza ou Cultura é aqui bem evidenciada, e fica claro que apesar da natureza nos criar diferentes, podemos cada um gerar os nossos próprios talentos e destacarmo-nos à nossa maneira. Ainda assim Coyle sabe, e todos sabemos, que de tempos a tempos vão surgindo indivíduos fora do normal, os que apelidamos de génios, o tal um num milhão, mas mesmo esses se não tiverem a sorte de ter em seu redor a triangulação - Prática, Motivação e Mestres - dificilmente emergirão.


Epílogo

No final do livro Coyle tenta aplicar algumas destas ideias à Educação, e na verdade podemos questionar-nos, porque sabendo a fórmula isto não funciona nas nossas escolas? Não me julgo detentor de respostas, mas ao fim de alguns anos a trabalhar como professor e a estudar este assunto, julgo que o centro nevrálgico acaba por estar na motivação, na Ignição. Por isso falei lá em cima que acredito na escola vocacional. Julgo que tudo neste mundo é possível para todos quando estes estão motivados, sem essa motivação nada se pode fazer. E se é verdade que o sistema escolar americano KIPP tem conseguido enormes resultados, para mim não restam dúvidas que se devem ao meio social em que se inserem, um pouco como acontece com o futebol no Brasil. A filtragem para essas escolas acontece de uma forma natural, sendo procuradas por um grupo de pessoas muito específico, pais e filhos fortemente motivados pela ideia de que para sair do ciclo de pobreza é preciso chegar à Universidade. Daí que as ideias de mais horas de escola, mais dias por semana, menos férias, mais exames e testes, etc. funcionem muito bem, porque tudo isso é apenas mais combustível para manter a motivação acesa.

Mas esta abordagem se aplicada a crianças de classe média, com pais com estudos superiores em casa, ou com acesso a uma boa qualidade de vida, simplesmente não funcionará. E é por isso que numa grande maioria das escolas, um pouco por todo o mundo, os professores em vez de funcionarem como instrutores de cada área de conhecimento, têm de funcionar como psicólogos, produtores de motivação, para manter os alunos interessados em algo que na verdade não lhes interessa, não os motiva, não lhes acende a combustão. E desiludam-se aqueles que pensam que para produzir essa combustão basta adicionar tecnologias ou videojogos à equação...

A questão que temos então de nos colocar neste momento é saber como orientar para a motivação, e não tanto como motivar. Este é um assunto que Ken Robinson tenta trabalhar em "The Element: How Finding Your Passion Changes Everything" (2009) mas que é complexo e de difícil resposta. A ideia central passa por estar atento, às crianças e pessoas, e contribuir para que estas possam auto-descobrir-se, mas a linha entre o ajudar e o formatar é muito ténue. E o risco é elevado, já que quando a pessoa se sente empurrada, pode sentir-se acossada, com a liberdade individual posta em causa, e pode reagir pela negação. A motivação para funcionar com toda a sua combustão, tem de ser algo interno, algo muito próprio, muito individual, só nosso. Algo que outros seguem, mas que apenas alguns conseguem seguir tanto como nós, dá-nos prazer ter uma área em que nos destacamos dos demais, em que temos ídolos, mas no nosso contexto somos nós os melhores naquela atividade. Não é uma questão competitiva com o mundo, é antes uma afirmação da nossa identidade, do nosso ser perante os outros.


Links de interesse
“Outliers” de Malcolm Gladwell, in Virtual Illusion
"The Element" de Ken Robinson, in Virtual Illusion
"O Talento é Sobrestimado", in Virtual Illusion

junho 01, 2014

“Ida” (2013), imagens pintadas

Não tenho muito para dizer sobre “Ida” (2013) de Pawel Pawlikowski, porque as ideias que sinto são audiovisuais, é cinema no seu estado mais puro. Como tal, escolha as palavras que escolher nunca vos poderei passar o sentimento de experienciar “Ida”. É preciso ver, ouvir e deixar-se tocar, "Ida" é uma espécie de sopro compacto de emoções estéticas.




O centro das atenções está na cinematografia, que é absolutamente espantosa, não por seguir os cânones, mas por ser tecnicamente tão cuidada e tão coerente com o todo. Várias nuances retiram a abordagem do cânone atual, o uso do quadro 1:33 que praticamente desapareceu, e depois toda a composição visual em antítese com tudo aquilo que se ensina nas escolas de cinema. Grande parte do filme é passado com os personagens colados ao fundo da imagem, ficando um enorme espaço vazio por cima das suas cabeças que contribui para a criação de um peso imenso, intensificando o drama da narrativa que se vai desenrolando. Em termos plásticos a técnica de preto e branco é cristalina, sem cristalizar os contrastes, que acabam por se esbater através de difusos cinzas, criando a sensação de imagem pintada, em vez de fotografada.
"There were no cuts. Each scene was done mainly from one angle. We didn’t rearrange lights for each scene…

The general thing is to take things away. With production designers, the obvious thing to do is to create a realistic environment with bits and pieces from the period. And what I was doing was constantly taking away and leaving only a limited number of objects in the shot, which would carry more force. So the image isn’t an imitation of reality, but it’s a reality in its own right. It works through suggestion rather than replicating reality…

I would cut out images that seemed too beautiful. I tried hard for the images not to feel like beautiful images in their own right. They would never be divorced from the emotional content and the actors’ presence, from the dramatic subtext of the scene. I get annoyed by pretty photography that's in love with itself, that doesn't point beyond itself…" 
Pawel Pawlikowski
Muito interessante saber que o cinematógrafo original se demitiu do filme, por não aceitar a abordagem visual pouco ortodoxa de Pawlikowski. Desse modo a cinematografia acabou por ficar a cargo do operador de câmara, Lukasz Zal, que por não ter nada a perder aceitou as ideias do realizador.

Pawlikowski não refere influências directas, mas assume ver regularmente 8 1/2 (1963) de Fellini, daí que o entenda e siga tão bem, já que é também dos poucos filmes que revisito com alguma regularidade, acima de tudo pela cinematografia, que parece claramente inspirar Pawlikowski. E sigo-o mais ainda, no modo como vê o cinema da atualidade e se pode ver no parágrafo abaixo, em que expressa uma certa desilusão, algo que ainda há poucas semanas aqui expressei também.
“The real inspiration for how this film looks was my impatience with cinema, where the vein of cinema is going. I wanted to make an anti-cinema film where there are no pointless camera moves, no pointless close-ups. I’m not emotionally excited by the power of cinema’s tricks anymore. Maybe it’s my personal midlife crisis. I’d love to see something that was calm and meditative, where you suggest more than show, where each kind of shot has some kind of density and tension, not just in the drama and the acting, but in the visuals, and where acting and image and sound are all part of the same thing. When I watch most films, with some exception, I always ask myself: “Why is the camera moving? Why is there a close-up now? Why does this have to be handheld now?” It was a way of purifying, getting rid of habits, and doing something really simply. Looking at a picture, contemplating it, while not really reading the emotional charge. But staying away from the kind of cinema rhetoric that I’m finding myself more and more impatient with.” Pawel Pawlikowski

maio 31, 2014

"Social Physics" (2014)

Alex Pentland é um académico de reconhecido prestígio do MIT no domínio do Big Data, mas o seu mais recente livro, Social Physics: How Good Ideas Spread - The Lessons from a New Science (2014), não é sobre sobre o seu trabalho de investigação, nem sequer pretende ser uma obra de divulgação científica. É antes um panfleto de propaganda com vista à recolha de fundos para financiar a sua investigação. Pentland assume o lugar de alquimista, capaz de prever o futuro por meios nunca antes experimentados, e através dos quais espera convencer capitais de risco a investirem nos seus projectos.


Social Physics era suposto ser um livro no qual discutiria o conceito que dá título ao mesmo, ou seja em que apresentaria uma nova definição sobre a análise de processos sociais a partir do Big Data, apresentando as suas bases racionais e empíricas, mas nada disso acontece. Pentland limita-se a debitar alguns resultados de estudos realizados pelas suas equipa nos últimos anos, e a tirar daí a ideia de que existe espaço para uma nova modelação teórica, a que chama de social physics.

Alex Pentland, cientista ou pop star?

Para agravar tudo isto, Pentland apresenta todo o trabalho, como tendo sido realizado quase exclusivamente por si, demonstrando uma enorme falta de humildade académica. O reconhecimento conseguido nos últimos anos acabou por lhe conferir tiques de pop star. Inevitavelmente isto destrona grande parte do interesse que um livro destes poderia ter, mas acaba por também colocar a nu a insignificância das suas descobertas, e mais ainda das suas propostas. Até porque Social Physics não é a primeira proposta com pompa de Pentland, já antes nos tinha apresentado os Honest Signals. Se nessa altura se apresentava como tendo descoberto uma nova forma de analisar e modelar a linguagem corporal, agora pretende apresentar-se como tendo descoberto uma nova forma de analisar e modelar comportamentos de sociedades inteiras.

Ambos estes conceitos, acrescentam pouco ou nada de novo, ao que a Sociologia vem desenvolvendo, nomeadamente no último século, acabando mais por demostrar a ânsia de Pentland em afirmar a sua marca, e em demarcar a sua importância. Ou seja, mais uma vez falta de humildade científica, e de reconhecimento do trabalho de todos os que o precederam. Não é porque passo a analisar comportamentos, individuais ou de grupo, com tecnologias digitais e em rede, que todo o conhecimento que existia antes deixa de fazer sentido.

Como se não bastasse, ao longo do livro, e dos vários estudos que vão sendo apresentados por Pentland raras são as vezes que os dados impressionam. Na maior parte das vezes, e apesar de apresentados como quase mágicos na capacidade de previsão futura do comportamento humano, verificamos que essas previsões não vão além dos 40% na melhora das hipóteses. É verdade que contra 15% ou 20% por métodos tradicionais, mas daí a podermos dizer que utilizando o Big Data e os modelos de Pentland conseguimos prever o futuro, vai uma distância muito, muito grande. Aliás, nem sequer era preciso ler nada dos seus estudos para perceber que estamos perante uma enorme falácia, basta perceber um pouco do mundo em que vivemos, das teorias da Físicas sobre o acaso (leia-se “The Drunkard's Walk: How Randomness Rules Our Lives”), para se perceber que tudo isto não passa de areia para os olhos numa tentativa desesperada de convencer capitais a financiar a sua investigação.

Para agravar tudo isto, Pentland nunca dá conta dos modelos de análise dos dados. Vai apresentando os estudos, limitando-se a enaltecer a grandiosidade dos mesmos, e da quantidade de Gigabytes de dados recolhidos em cada teste, das dificuldades de o fazer, mas quanto às lógicas usadas para triar depois todos esses dados, nada é dito. No fundo, aquilo que poderia dar sentido ao tal novo conceito de Social Physics nunca chega a ser apresentado, dando conta do vazio de que todo o conceito se reveste. O livro fica-se pela afirmação de que existem novas possibilidades de obter dados em tempo real e em volume significativo, muito graças ao uso dos sistemas computacionais que todos transportamos conosco todos os dias (smartphones). Ou seja, o livro resume-se a uma mera notícia de jornal diário.

Aliás, este livro e toda esta abordagem nada científica, mas antes profundamente mercantilista, capaz de usar os métodos mais baixos de manipulação e persuasão, dá bem conta do modelo de universidade que se professa no MIT, assim como noutras universidades da Ivy League americana. E por muito que nos custe, são estes os modelos que a Europa começou recentemente a adoptar. Anuncia-se o fim da Universidade, os centros que buscavam o conhecimento pelo conhecimento, e assume-se o conhecimento como mera mercadoria. A investigação científica passa a fazer-se com um objectivo claro, etiquetável e mais importante que tudo o resto, quantificável.

maio 29, 2014

A moralidade da publicidade online

Por estes dias recebi uma chamada “proposta de colaboração” que passava por publicar aqui no Virtual Illusion, um texto do proponente que conteria um link para uma empresa que pretendia promover. A empresa em questão era um site de jogos de azar online.


O que começou por me espantar foi que a colaboração era paga, 70 euros, apenas para eu colar o texto no meu blog! Ou seja, eu não tinha de fazer absolutamente nada, apenas pegar no texto, publicá-lo aqui, sob algumas condições: o texto teria de ficar ativo durante 12 meses; e não poderia ter qualquer referência ao patrocínio em si, nem ser apresentado como texto convidado, pago, ou outro. Podia no entanto, se achasse melhor ser eu a fazer o texto, desde que colasse o link da dita empresa, numa qualquer zona do texto, independentemente do que diria o link.

Percebi o que se pretendia, e não era propriamente o número de visitantes do Virtual Illusion que interessava ao promotor desta colaboração. A relevância destes links reveste-se pela criação de fluxos distintos para os sites, promovendo assim os sites nos motores de pesquisa mundial.

Fiquei a pensar no assunto. 70 euros davam jeito para encher um depósito de gasóleo, mas e o resto, o lado moral? Poderia eu ficar bem comigo próprio, com o facto de estar literalmente a enganar as pessoas que iriam ler esse texto?! Não sendo permitido qualquer identificação do objectivo do texto em si, do link aí presente, como é que eu poderia lidar com a ideia de estar a pactuar com essa manipulação?

Já o disse várias vezes aqui, e tenho-o dito às pessoas que comentam o blog comigo, eu não produzo este blog na esperança de ganhar qualquer recompensa com ele. Quando o criei, foi com a ideia de me servir a mim próprio na melhoria de várias coisas, entre as quais a escrita, a análise, o registo, as memórias, a verbalização, etc. São essas recompensas internas que têm mantido viva a minha motivação para continuar a escrever aqui. Se aceitasse esta proposta, estaria inevitavelmente a colocar em causa tudo isto, porque estaria a alimentar a ideia de que poderia existir uma recompensa externa. Não quero dizer que não me interessasse, mas sei que se por algum motivo isso acontecesse (naturalmente não deste modo camuflado) o caminho de volta seria muito complicado.

Ou seja, não só estaria a enganar todas as pessoas que normalmente passam por aqui em busca de alguma informação ou ideia para os seus trabalhos, levando-os a ler algo completamente vazio de interesse, e profundamente manipulativo, como estaria a destruir tudo aquilo em que acredito e que me motiva dia após dia a vir até aqui escrever, expressar e partilhar ideias com todos vós. Por isso não aceitei a proposta.

Apaguei no final o e-mail, apesar do Gmail o ter rotulado como “Important mainly because of the words in the message”, o que só por si, dá bem conta do conhecimento detalhado que estas empresas detêm sobre o funcionamento de toda a "maquinaria" online, e do quão manipulados podemos ser na rede, se não detivermos literacia para lidar com todo este novo mundo.

maio 28, 2014

13 indies mais aguardados

Tendo em conta as mais recentes movimentações da Steam, assim como a enormidade de jogos que saem todos os dias na App Store, torna-se cada vez mais complicado separar o trigo do joio no que aos jogos Indie diz respeito. Entretanto com o lançamento a retalho da OUYA em alguns países, começaram a surgir na rede várias listas de jogos indie mais aguardados em 2014. Assim resolvi fazer uma selecção dos videojogos que não quero perder de vista, e que quero jogar assim que saírem. Deixo-os por ordem de expectativas!

That Dragon, Cancer de Ryan Green e Josh Larson, USA
"That Dragon, Cancer is an adventure game that acts as a living painting; a poem; an interactive retelling of Ryan and Amy Green’s experience raising their son Joel, a 4-year-old currently fighting his third year of terminal cancer. Players relive memories, share heartache, and discover the overwhelming hope that can be found in the face of death."
Plataforma: OUYA

The Witness de Jonathan Blow, USA
"the point is the magic that happens in the player's mind when he understands the subtle things that the mazes are saying - because the mazes aren't just puzzles, they are lines of communication that aggregate, become more complex and eventually say surprising things" Jonathan Blow
Plataformas: PC, PS4 e iOS

RIME da Tequila Works, PS4, Espanha
"a boy who needs to escape an island and a curse; the game, played through the boy as the in-game avatar, involves puzzle solving in an open world island setting"
Platformas: PS4

Among The Sleep da Krillbite, Noruega
"Among the Sleep puts you into the mind and body of a two-year-old child, being helped along the way by his beloved teddy bear." 
Platformas: PS4 e PC

Gods Will Be Watching da Deconstructeam, Espanha
"Gods Will Be Watching is a game about hard decissions and moral dilemmas in order to survive. A series of dramatic puzzles where not only the mathematic outcome counts but also the ethical approach to the problem. There's also no good or evil, just decisions, with only you as the judge of your actions. Is eating your friends the best way to stay alive, or just the easier?"
Plataformas: PC, Mac, iOS, Android

Framed da Loveshack Entertainment (Australia)
"Each page of the noir thriller presents a series of panels that depict an important action or event. Players change the order of these events, changing the outcome of the story. This results in a unique interactive narrative, where every action is framed by the last, and the only thing tying the narrative vignettes together is the context the player carries in their mind."
Platformas: iOS

Everybody’s Gone To The Rapture da The Chinese Room (UK)
"Everybody’s Gone to the Rapture will be powerful and deep, highly immersive and with an absolute focus on your emotional journey through the world. It’s non-linear, with a dynamic and adaptive environment, so this is about your story, a really individual experience that breaks away from the on-rails nature of lots of story-driven games into something that you have a visible impact on."
Platformas: PS4

No Man's Sky da Hello Games (UK)
"The game’s “every atom” is procedural… a character emerging from an ocean full of fish, climbing inside a spaceship and flying into space in a single contiguous motion, interspersed with quick shots of different planet surfaces, gigantic space stations, space combat, deformable terrain and more... It’s fantastic, and exciting, and it leaves you with no sense of what the game is."
Platformas: PC...

The Vanishing of Ethan Carter da The Astronauts (Polónia)
"As a detective with the supernatural ability to visualize scenes of lethal crimes, you investigate the kidnapping of a young boy, hoping to save him before it’s too late. The investigation leads you to a beautiful mountain area, where you come across a severely mutilated body of one of the kidnappers. Using both your paranormal skill and modern detective tools you discover the mystery behind the trail of corpses in the valley, the roots of an ancient force ruling the area, and the fate of the kidnapped boy."
Platformas: PC

Hush da GameStudio78 (Portugal)
"Play as Ashlyn, a brave small child that, for unknown reasons, ended up trapped in an old, mysterious and gloomy orphanage. Ashlyn must learn how to take advantage from this dark place and its inhabitants. She will have to overcome her fears if she ever hopes to escape from the dangers confined to this building. During her path to the breakout she can only rely on her little friend GOGO™ and other toys for help."
Plataformas: PC...

Below da Capy (Canada)
"Below is an adventure game viewed from a top-down perspective. The game is about exploration, though that goal is contingent upon the character's survival. Below relies on an complicated algorithm that procedurally generates the game's environments, which populates the game's dark caves with enemies, traps, plants, resources and other objects. "
Platformas: PC...

Neverending Nightmares da Infinitap Games (USA)
"A terrifying psychological horror game inspired by the developer's battle with mental illness. Explore nightmares! Branching narrative!"
Platformas: PC...

Routine da Lunar Software (UK)
"Routine is a first person horror exploration game set on an abandoned Moon base. Your job is to find enough data to uncover the truth behind the strange disappearance of everyone stationed on the Lunar Research Station."
Platformas: PC..

maio 22, 2014

Novos cursos online

Aproveito para deixar aqui alguns dos novos cursos do Coursera a começar nas próximas semanas. Julgo que serão do interesse das pessoas que seguem as áreas que aqui trabalho. Não acreditando na substituição do modo presencial pelo online, acredito que os materiais organizados, selecionados e disponibilizados pelos colegas nestes cursos podem ser de grande utilidade para todos aqueles que se encontram a trabalhar teses de mestrado ou doutoramento nestas áreas. Podendo ainda ser também muito relevantes para todos aqueles que possuem desenvoltura e autonomia, possuem necessidade de trabalhar as temáticas, ou ainda uma forte motivação pelos temas.



Human-Computer Interaction
por Scott Klemmer da University of California, San Diego
"Helping you build human-centered design skills, so that you have the principles and methods to create excellent interfaces with any technology."
Começa: 30 Junho 2014

Creative Programming for Digital Media & Mobile Apps
Marco Gillies, Matthew Yee-King, Mick Grierson da University of London
"For anyone who would like to apply their technical skills to creative work ranging from video games to art installations to interactive music, and also for artists who would like to use programming in their artistic practice."
Começa: Junho 2014

Comic Books and Graphic Novels
William Kuskin da University of Colorado Boulder
“Comic Books and Graphic Novels" presents a survey of the Anglo-American comic book canon and of the major graphic novels in circulation in the United States today. Its governing question is simple: by what terms can we discuss comic books as literary art?” 
Começa: 22 Setembro 2014

Fantasy and Science Fiction: The Human Mind, Our Modern World
Eric Rabkin da University of Michigan
"We understand the world — and our selves — through stories. Then some of those hopes and fears become the world."
Começa: 2 Junho 2014

Understanding Media by Understanding Google
Owen R. Youngman da Northwestern University
"Few people who “just Google it” to find an answer to their every question understand just what the company does (and why). Through this course, you'll join the minority that really gets it."
Começa: 26 Maio 2014

Understanding Research Methods
J. Simon Rofe e Yenn Lee da University of London
"Our course enables students to develop their understanding of research methods, and confidence in designing a research project, choosing and executing appropriate methods, and assessing its intellectual/academic rigour."
Começa: 2 Junho 2014

maio 21, 2014

O social e as barreiras culturais

Em conversa com um colega nomeei Asghar Farhadi como o melhor realizador da atualidade, depois percebi que só tinha visto os seus filmes mais recentes About Elly (2009), A Separation (2011) e Le Passé (2013), por isso fui pesquisar as suas obras anteriores e encontrei "Fireworks Wednesday" (2006). Não me desiludiu, mostra apenas o início de uma carreira que promete ser brilhante.




Falei aqui com muita emoção de About Elly (2009) e A Separation (2011), mas não falei do último filme Le Passé (2013). Julgo que dos três últimos, continuando a ser muito bom, não mexeu tanto comigo, e por isso não me levou a ter vontade de escrever. Agora que vi "Fireworks Wednesday" julgo que percebi em parte o que se terá passado, Le Passé é passado em França com algumas ligações ao Irão, mas aquela aura cultural muito particular do Irão perde-se. Ou por outro lado tendo sido a primeira experiência de Farhadi fora da sua cultura nativa, não terá sido tão liberto como nos filmes realizados em casa.

Percebi isto com "Fireworks Wednesday" porque sendo um filme anterior, em que Farhadi denota uma menor mestria técnica da arte cinematográfica, no campo narrativo e performativo o filme regista uma qualidade elevadíssima. Algo que também só é possível porque os filmes são escritos e baseados em histórias suas, mas que no caso de Le Passé acaba por denotar alguma distância, perfeitamente natural, que o realizador tem face à sociedade francesa.

Concentrando-me em "Fireworks Wednesday" é uma obra que apresenta aquilo que tinha dito a propósito de "A Separation", a "marca de autenticidade do seu trabalho" sendo difícil para quem conhece qualquer filme seu, "voltar a ver um seu filme sem imediatamente o identificar". Farhadi é um analista do ser humano, um cientista social, capaz de perscrutar os mais íntimo do íntimo das relações interpessoais e sociais, sendo a partir daí que depois conta as suas histórias. Na senda dessa autenticidade, em "Fireworks Wednesday" somos atirados para o lugar de uma jovem prestes a casar-se, que ao longo de um dia apenas, choca de frente com a dura realidade da relação do casamento, da complexidade humana, e das infinitas variáveis que compõem a teia social que une os seres uns aos outros.

"Fireworks Wednesday" é um trabalho brilhante de storytelling e acting, capaz de nos conduzir através de uma cultura estranha para nós, tornando-a fácil e acessível, fazendo parecer que todas aquelas pessoas poderiam morar no apartamento ao lado do nosso, fosse na Europa, EUA ou Brasil.

maio 20, 2014

Quem possui o futuro?

O último livro de Jaron Lanier, "Who Owns the Future?" (2013) poderia sintetizar-se numa única frase, “as implicações de não nos importarmos de oferecer os nossos dados”. Aqui jogam-se problemas criados pela ganância das grandes corporações, exponenciadas pelo nosso altruísmo ingénuo que nos levou a acreditar que a informação devia ser livre. Este é um livro que deve ser lido em conjunto com To Save Everything, Click Here: The Folly of Technological Solutionism” (2013) para se poder compreender o alcance e algumas das limitações das ideias apresentadas. Estamos perante uma crítica forte ao mundo tecnológico a partir de alguém oriundo do seu centro de excelência, Silicon Valley.


Lanier sabe de onde vem, para quem trabalha (Microsoft) e que por outro lado muitas das ideias que apresenta serão rapidamente rotuladas de “esquerda retrógrada”, por isso ao longo do livro vai chamando atenção sobre isso mesmo. O seu objectivo com este livro é apresentar uma visão do mundo, tal como ele o interpreta em face dos dados que possui, e diga-se que fá-lo com bastante honestidade. Os dados que possui são maioritariamente fruto de observação direta, sendo uma das pessoas responsáveis pelo surgimento da Realidade Virtual nos anos 1980, que depois disso vendeu várias start-ups a grandes empresas por bom dinheiro, fez investigação e deu aulas em algumas das universidades mais conceituadas do planeta, e realizou consultoria tecnológica para algumas das maiores multinacionais do mundo. Talvez por isso mesmo o livro não esteja escrito numa lógica académica, tanto no tom, imperativo, como na forma, sem suporte teórico.

Assim é um livro que deve ser lido com alguns cuidados, já que Lanier escreve de forma bastante emocional, e ainda que tenha dedicado bom tempo à reflexão das ideias que aqui nos apresenta, a falta de confrontação das mesmas com muitos outros pensadores de outras áreas, acaba por minorar algumas dessas reflexões. Não é apenas a falta de citação, é o facto de algumas ideias nos parecerem frágeis na argumentação porque insuficientemente sustentadas, e pouco críveis. Ainda assim a generalidade do livro apresenta boas ideias, e formas de ver que só um acesso privilegiado ao meio permitiu construir.
“We, the idealists, insisted that information be demonetized online, which meant that services about information, instead of the information itself, would be the main profit centers. That inevitably meant that “advertising” would become the biggest business in the “open” information economy. But advertising has come to mean that third parties pay to manipulate the online options in front of people from moment to moment. Businesses that don’t rely on advertising must utilize a proprietary channel of some kind, as Apple does, forcing connections between people even more out of the commons, and into company stores. In either case, the commons is made less democratic, not more.

To my friends in the “open” Internet movement, I have to ask: What did you think would happen? We in Silicon Valley undermined copyright to make commerce become more about services instead of content: more about our code instead of their files.

The inevitable endgame was always that we would lose control of our own personal content, our own files. We haven’t just weakened old-fashioned power mongers. We’ve weakened ourselves.”
A luta deste livro assenta na necessidade de criar um novo mundo de lógicas e regras capazes de regular a informação proveniente da desmaterialização dos objectos do real e da consequente destruição das regras que aí vigoravam. Assim Lanier começa por apontar o facto de que ao termos transformado a informação em algo acessível a todos, sem qualquer custo, obrigou-nos a procurar formas alternativas de rentabilizar o trabalho das pessoas. Jornalistas, Músicos, Fotógrafos, Escritores, Realizadores, Designers de Jogos, etc. etc. perderam acesso às formas de rentabilização que tinham sido desenhadas no âmbito da fisicalidade, o chamado Copyright. Tudo o que estas pessoas fazem hoje, a sociedade espera aceder de forma gratuita, através daquilo a que chamamos “a internet”. Passámos então de um modelo assente no Copyright para um modelo baseado em Publicidade. Quando as pessoas acedem à informação online, é o acesso que é quantificado, e é esse que passa servir de guia ao apoio publicitário.

A informação em si perdeu o valor que detinha, passando apenas a interessar o acesso a essa informação. É irrelevante o tipo de informação, é irrelevante a sua qualidade, assim como é irrelevante a sua credibilidade ou veracidade. É irrelevante por quem foi criada, como foi desenhada, como foi criada. Interessa apenas e só, quantas pessoas acedem, quando acedem e como acedem. Para tal basta ver o fenómeno de sites que pululam na web que servem apenas de veios de transmissão, que exigem "likes"no facebook para desvelar informação, sites com títulos sensacionalistas e insólitos, com imagens e vídeos de carácter duvidoso que captam os menos atentos, etc. etc.

O que aconteceu? A informação tornou-se livre, tudo é de todos, mas apenas alguns têm condições para manipular, pesquisar, trabalhar, e mais importante que tudo tirar partido dela. Quem tem os maiores computadores (servidores de dados) ganha. A título de exemplo a Google e o Facebook são neste momento os maiores centros mundiais de computação. Ao acedermos aos mesmos todos os dias, perpetuamos essa grandeza, e desviamos a atenção para eles. São estes os poucos que conseguem garantir retorno publicitário, porque o fazem através dos acessos que nós ali realizamos diariamente. Eles rentabilizam o nosso acesso, vendendo a informação sobre o nosso acesso a terceiros. Desta forma Lanier apresenta uma nova definição para categorizar estas empresas, as “Siren Servers” (Servidores Sereia), que se definem como,
"an elite computer, or coordinated collection of computers, on a network. It is characterized by narcissism, hyperamplified risk aversion, and extreme information asymmetry. It is the winner of an all-or-nothing contest, and it inflicts smaller all-or-nothing contests on those who interact with it.

Siren Servers gather data from the network, often without having to pay for it. The data is analyzed using the most powerful available computers, run by the very best available technical people. The results of the analysis are kept secret, but are used to manipulate the rest of the world to advantage.”
Seguindo esta conceptualização Lanier arrisca a sustentar que o crash financeiro começou aqui, com a digitalização da bolsa a ser responsável por produzir uma gigantesca assimetria de informação, tendo levado ao descalabro dos lixos tóxicos. Desta forma para Lanier tudo o que está a suceder à classe média neste momento não é apenas uma consequência da crise financeira e do imobiliário, mas é algo que vem de trás com a criação de grandes grupos detentores de mais e mais controlo sobre a informação de todos nós, algo que se agudizou com esta crise, atingindo picos sérios de insustentabilidade da classe média tal como a conhecíamos. Lanier apresenta um belíssimo exemplo para sustentar esta ideia,
“At the height of its power, the photography company Kodak employed more than 140,000 people and was worth $28 billion. They even invented the first digital camera. But today Kodak is bankrupt, and the new face of digital photography has become Instagram. When Instagram was sold to Facebook for a billion dollars in 2012, it employed only 13 people. Where did all those jobs disappear? And what happened to the wealth that all those middle-class jobs created?

Ou seja, os senhores detentores dos "Siren Servers" são os únicos que ganham, enquanto todos os outros, nós, continuamos a alimentar todas estas redes sociais, serviços, e tudo o mais com as nossas fotografias, “gostos”, contactos, redes, pesquisas, traduções, etc. etc. O Google não poderia manter um serviço astronomicamente caro como o YouTube se não gerasse receitas astronómicas com as pesquisas que ali fazemos todos os dias, porque são elas que alimentam o serviço. O mesmo se pode dizer de todos os seus outros serviços, como o de tradução, que ao contrário do que as pessoas pensam, não é realizado por uma espécie de máquina inteligente, mas antes por todos os textos que nós produzimos e colocamos na rede e que permitem ao sistema de tradução fazer comparações de trechos de texto e suas traduções. Assim como o Facebook já teria fechado portas se não vendesse os nossos dados em múltiplos formatos a empresas de todo o planeta, permitindo que essas empresas saibam assim quem deve ser o target para o produto que querem vender, assim como e quando o devem atingir, algo que a televisão é totalmente incapaz de oferecer. Não é por acaso que as receitas publicitárias nos meios tradicionais, jornais, televisão ou rádio caíram a pique nos últimos anos, e vão continuar a cair.
"it’s an orthodoxy now. I have 14-year-old kids who come to my talks who say, “But isn’t open source software the best thing in life? Isn’t it the future?” It’s a perfect thought system. It reminds me of communists I knew when growing up or Ayn Rand libertarians. It’s one of these things where you have a simplistic model that suggests this perfect society so you just believe in it totally. These perfect societies don’t work. We’ve already seen hyper-communism come to tears. And hyper-capitalism come to tears. And I just don’t want to have to see that for cyber-hacker culture. We should have learned that these perfect simple systems are illusions." (Entrevista Jaron Lanier)
Apresentado o problema de forma genérica, Lanier lança-se numa possível solução para tudo isto. Acreditando, ainda para mais depois do que soubemos sobre a NSA através de Snowden, que a nossa privacidade não tem salvação, Lanier propõe que o cidadão comum passe a ser pago por cada contributo real que dê para a venda de um produto ou serviço. Ou seja, com a evolução dos sistemas, será fácil que a informação transporte consigo sempre uma etiqueta com nome do detentor dessa informação. Assim sendo, sempre que um texto, um vídeo, ou um "gosto" tenha contribuído para angariar mais um cliente para alguém, essa pessoa deve receber uma retribuição, ainda que micro. No tempo do digital, os micro-pagamentos são uma banalidade, assim como a detecção da origem da informação, por isso a ideia não é completamente descabida.

E já se começam a ver alguns movimentos neste sentido por parte de várias empresas online, como por exemplo a Spotify e o YouTube. Mas Lanier quer algo muito mais profundo que isso. É claro que isto levanta imensas questões, porque apesar de acreditar na exequibilidade técnica, acredito que isto tem todos os ingredientes para fazer explodir os problemas, e não solucioná-los, a começar pela exponenciação dos problemas que já hoje temos com o copyright e as patentes. Por isso a avançar por aqui, seria necessário rever ambas essas leis também em profundidade, para evitar cair no caos total. Mas os problemas não se ficam por aqui, este sistema traria vários outros, alguns dos quais enunciados pelo próprio Morozov numa pequena análise que fez ao livro para o Washingnton Post.

Apesar de tudo, algo teremos de fazer, se não corremos riscos reais de virmos a destruir muito daquilo que andámos a criar nos últimos 50 anos. Lanier dedica boa parte da discussão a explicar a importância da existência de uma classe média, e neste momento a grande parte dos dados que temos demonstram uma clara erosão desta classe, e de todas as outras abaixo desta. Se a salvação deste modelo de sociedade, reside numa revolução pela regulação da internet, não sei, mas que também passa por aí, passa.
"We don’t realize that our society and our democracy ultimately rest on the stability of middle-class jobs. When I talk to libertarians and socialists, they have this weird belief that everybody’s this abstract robot that won’t ever get sick or have kids or get old. It’s like everybody’s this eternal freelancer who can afford downtime and can self-fund until they find their magic moment or something. The way society actually works is there’s some mechanism of basic stability so that the majority of people can outspend the elite so we can have a democracy. That’s the thing we’re destroying." (Entrevista Jaron Lanier