fevereiro 01, 2012

Filmes de Janeiro 2012

Primeiro mês de 2012 com bons filmes de 2011, e um sobrevivente de 2010 que ainda anda em festivais internacionais (Incendies nos BAFTA 2012). Drive merecia quase o pleno, mas pequeninas falhas levam-me a não o conseguir distinguir dessa forma. O mesmo se passa com o último do Woody Allen.

xxxxx Incendies 2010 Denis Villeneuve Canada

xxxx Drive 2011 Nicolas Winding Refn USA

xxxx Midnight in Paris 2011 Woody Allen USA

xxxx Too Big to Fail 2011 Curtis Hanson USA

xxxx Une Vie de Chat 2010 Jean-Loup Felicioli & Alain Gagnol France

xxx Sanctum 2011 Alister Grierson USA

xxx Bal 2010 Semih Kaplanoglu Turkey

xxx Elizabeth: The Golden Age 2007 Shekhar Kapur UK

xx Bond of Silence 2011 Peter Werner USA
xx Season of the Witch 2011 Dominic Sena USA
xx Eat Pray Love 2010 Ryan Murphy USA
xx La Doubloure 2006 Francis Veber France
xx Mary 2005 Abel Ferrara Italy
xx Uncommon Valor 1983 Ted Kotcheff USA


[Nota, Título, Ano, Realizador, País]
[x - insuficiente; xx - a desfrutar; xxx - bom; xxxx - muito bom; xxxxx - obra prima]

Incendies (2010), difícil de digerir

Incendies (2010) comoveu-me como há muito não sentia com o cinema, chorei. Aliás a última vez que um filme me levou tão longe foi com Blood Diamond (2006).


Incendies leva-nos por uma descoberta das raízes de sangue, de um pai perdido, e de um filho doado para adopção também sem rasto. Uma mãe que morre e faz aos seus dois filhos, gémeos, em testamento, um último pedido: que encontrem o seu pai, e o seu irmão.


A narrativa leva-nos na aventura pelo médio-oriente (provavelmente o Líbano), mas não se limitará a levar-nos atrás dos filhos no presente. Simultaneamente poderosas revelações sobre quem era verdadeiramente a sua mãe são narradas na primeira pessoa, em flashback. O filme usa o tom documental, naturalista na abordagem do tema, e realista na técnica cinematográfica. Cinematograficamente é muito bem conseguido, mas é um filme que nos toca essencialmente a partir de três ângulos: a história, a forma narrativa e a dramatização.


Assim pelo lado da história, não é possível ir aqui mais longe sem estragar a experiência do filme. Posso apenas dizer que o que aquela mãe tem para revelar é importante para aqueles filhos, mas não só. A história apresenta um lado pedagógico sobre os efeitos do fundamentalismo religioso, muito exacerbado naquela zona do globo. Em termos metafóricos somos levados para a boca do inferno, e dificilmente saímos de lá ilesos, ou seja as nossas emoções são de algum modo vilipendiadas ao longo do filme.

E se a história é forte, é-o também pela forma como é narrativizada. Começando pelo facto de a história nos ser dada a conhecer através dos olhos dos filhos, pessoas novas que cresceram no ocidente, desconhecem por completo os costumes do país de origem da sua mãe. Isto cria todo um acesso facilitado para o espectador ocidental criando tempo e espaço para a introdução e aproximação do espectador aos filhos, e aos poucos a personagem principal, a mãe, vai-se dando a conhecer, e vamos sabendo mais e mais, sobre aquele país, e sobre o que é viver ali.

A história está lá, mas a forma narrativa desenhada entre o realizador Denis Villeneuve e o criador da peça de teatro original Wajdi Mouawad, é de uma delicadeza excepcional. O filme segue um lado de busca pela verdade, algo que nos atira para a narrativa da aventura, mas aqui a aventura não vive dos valores optimistas que nos conduzem à descoberta e conquista, mas antes de grotesco que nos conduz à tragédia. A narrativa por si, trabalha sempre contra nós, ilude-nos, atira-nos ao chão mas vai-nos dando esperança, e quanto mais avançamos mais percebemos, que esperança é algo que aqui não existe.


Finalmente no campo da dramatização temos um trabalho excepcional criado pela tríade mãe e filhos, e pelos povos do país em visita e claramente na direcção dos mesmos. É notável como muito do que nos é dito no filme, é-o sem palavras, mas por expressões faciais simples, que dizem tanto sobre o sentir de cada um. Como um esgar de olhos nos leva por entre as ideias, sem palavras. É o cinema no seu melhor, não dizendo mas mostrando.


PS: O filme estreou em Veneza em 2010, foi nomeado para Melhor Filme Estrangeiro nos Oscars 2011. E foi agora nomeado para Melhor Filme em Lingua Não-Inglesa dos BAFTA 2012, juntamente com Pina (2011) de Wim Wenders e The Skin I Live In (2011) do Almodovar.

EduMedia: "Videojogos: saltar para outro nível"

Estão agora disponíveis as versões digitais das brochuras sobre educação para os media desenvolvidas na Universidade do Minho, num projeto iniciado em finais de 2009, com o apoio da Evens Foundation (Bélgica), dedicados à Televisão, Internet e Videojogos.


No caso dos Videojogos parte-se do princípio de que conhecer a realidade dos videojogos é fundamental para se poder ajudar as crianças e os jovens a terem uma perspectiva mais crítica sobre uma actividade que uma grande maioria tanto aprecia. Vários estudos têm mostrado que os pais têm dificulade em lidar com esta realidade que, não sendo nova, está em constante evolução graças à proposta de novos jogos e aos diversos desenvolvimentos tecnológicos que têm permitdo diversificar as plataformas de jogo, como a internet, os telemóveis, as consolas móveis. O trabalho aqui apresentado resulta de conclusões de investigação anteriormente realizada, bem como de um estudo exploratório com pais e crianças de 10 a 12 anos. As cerca de 150 crianças envolvidas nesta pesquisa foram ‘escutadas’ através de textos livres e de desenhos. É uma selecção desses materiais que ilustra a brochura.


Depois de terem sido distribuídos exemplares impressos através de um jornal regional, em escolas e em encontros científicos (alguns exemplares podem ainda ser adquiridos no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho ou na livraria Centésima Página, em Braga), o projeto encerra com a disponibilização dos materiais através da internet.

As três brochuras estão acessíveis também em inglês.

janeiro 31, 2012

"Une Vie de Chat", nomeado ao Oscar 2012

A categoria de Melhor Animação faz 10 anos nos Oscars, e desses 10 anos a Pixar ganhou 6 - Finding Nemo (2003), The Incredibles (2004), Ratatouille (2007), WALL-E (2008), UP (2009), Toy Story 3 (2010) - 4 dos quais nos últimos quatro anos. Este ano não temos qualquer nomeado da Pixar, por isso teremos de escolher um filme fora dessa "categoria"! 


Os filmes nomeados são A Cat in Paris, Chico & Rita, Kung Fu Panda 2, Puss in Boots, Rango. Destes elimino qualquer uma das animações 3d, ou seja os últimos três porque não apresentam nada de novo, restando-nos duas opções Une Vie de Chat e Chico & Rita. Ainda não tendo visto Chico & Rita, apenas o seu trailer, e acabado de ver Une Vie de Chat, sinto-me inclinado para que este possa ganhar o prémio.


Une Vie de Chat é um filme francês de 2010, estreado nos EUA em 2011. Produzido pelo estúdio Folimage e realizado por Alain Gagnol e Jean-Loup Felicioli. Conta-nos a história de um gato que leva uma vida dupla na noite de Paris. O filme não é brilhante narrativamente, pegando nos clichés narrativos das histórias de crime, mas torcendo-os para que nunca consigamos chegar a antever com clareza o que vai acontecer. Por outro lado e em contra-ponto é magnífico em termos visuais, uma verdadeira pedra preciosa.


O filme apresenta a clara vantagem de conseguir chegar a um público com idade alargada, muito ao estilo da Pixar. Para além disso fazendo uso de uma base de crime, apelará facilmente ao público americano. A contribuir para isso serve também o uso da música espectáculo à la Batman que nos embala nas corridas sobre os telhados de Paris, na geração do suspense e thrill. O lado crime e aventura sobre os céus de Paris transporta-nos também para um registo de Código Da Vinci (2003). Mas é na atmosfera e no visual que o filme mexe conosco, por momentos parecia estar a revisitar o magnífico Estória do Gato e da Lua (1997) do Pedro Serrazina. 





Dito tudo isto, já se percebeu que o filme é multi-facetado, não se focando num tema, nem em defesa de nada em particular, é puro entretenimento, mas de grande qualidade.

janeiro 30, 2012

Portugal (2011), a BD como um instantâneo do nosso país

Cyril Pedrosa nasceu em Poitiers, França, em 1972, filho de pais portugueses. Com uma paixão pelo desenho desde pequeno, de Asterix a Hugo Pratt, será com a leitura dos comics americanos que descobre o que quer ser quando for grande, desenhador. Faz o curso numa das escolas mais emblemáticas do mundo da animação, a Gobelins - L'Ecole de L'Image. Daí salta para os estúdios da Disney em Paris, para trabalhar como inbetweener em The Hunchback of Notre Dame (1996). Demonstradas as suas capacidades, chega a animador-assistente em Hercules (1997). Pouco depois encontra David Chauvel que o irá levar de volta ao mundo da banda desenhada.


Esta é a pequena história do surgimento de um dos autores de banda desenhada franceses, com raízes portuguesas, mais interessantes da atualidade. A sua passagem pela animação claramente que deixou marcas que não podemos deixar de notar, principalmente no dinamismo gráfico e atmosferas criadas pelas suas imagens estáticas.

(Portugal,  quadro da página 165)

Em 2008 recebe o prémio Essentiels d'Angoulême pelo extraordinário album Trois Ombres (2007), que no ano passado o levou a convite a Belo Horizonte, Brasil aquando da sua publicação em português. Depois em 2009 recebe o prémio Tournesol pelo album Autobio de caracter mais ecológico.

(Portugal, quadro da página 172)

Mas a consagração total do trabalho de Pedrosa chegará em Setembro de 2011, com um título que nos é muito caro, nada menos que Portugal. Depois de logo em Outubro ter recebido o Le Point de la BD, ontem, recebeu o prémio Fnac BD 2012 no 39º Festival International de la Bande Dessinée d’Angoulême, escolhido de entre 58 candidatos.

(Portugal, página 180)

Um trabalho que começou por publicar online, de modo totalmente gratuito. Ainda que de modo a proteger o seu trabalho, mantivesse apenas cinco capítulos online, à medida que ia desenhando mais, ia apagando os anteriores. Assim se forem ao site neste momento, encontram apenas completos os últimos 5 capítulos dos 32, mas quem acompanhou o trabalho de Pedrosa pode ler todo o livro de modo gratuito. Para livro de banda desenhada ficou enorme, são 260 páginas, o que para muitos editores daria para criar vários tomos.

(Portugal, quadro da página 186)

Portugal surge depois de uma viagem a Portugal para revisitar familiares, acabando por se tornar na história do próprio livro. Aliás os livros de Pedrosa tem quase sempre algo de autobiográfico, e este não é diferente.Talvez seja mesmo essa característica do autor, que consegue atribuir tanta autenticidade às suas histórias. Portugal reveste-se de discussões do quotidiano existencialistas, sem enredo de fundo que motive a leitura. É mesmo pelo prazer puro da descoberta das peculiaridade de cada personagem que vamos seguindo página após página.

(Portugal, página 200)

Por outro lado não posso deixar de enaltecer a qualidade estética do seu trabalho. O seu trabalho da cor é de uma enorme intensidade atmosférica, que associado à excelente composição visual de cada quadro lhe conference grande carga dramática, capaz de nos transportar de imediato para dentro do desenho. Aliás Pedrosa descreve o seu trabalho, da forma como me sinto enquanto leitor do mesmo. Aqui fica parte de um texto que escreveu para a sua apresentação no Brasil, e um making of do livro Portugal que o próprio editou para usar numa palestra para os alunos do Maryland Institute College of Art nos EUA.
Desenhamos, e abracadabra, desaparecemos.
É exatamente disso que se trata. Aquele que desenha não pensa mais. Ele esquece de si mesmo e se incorpora, corpo e espírito, na ponta de seu lápis, ao contato do papel.
[fonte]



Making of do livro Portugal por Cyril Pedrosa, legendado em inglês

janeiro 29, 2012

Global Game Jam 2012 em Guimarães

A Global Game Jam foi realizada pela quarta vez, possibilitando que estudantes, hobbystas e profissionais criem jogos durante um único fim de semana e os partilhem com o mundo inteiro. Seguindo a tradição da GGJ, todos os jogos devem seguir um tema global. Desse modo este ano veio com uma surpresa, o tema não era nem uma palavra, nem uma frase, mas apenas e só uma imagem, a imagem do Ourobouros.


Qualquer tipo de jogo pode ser feito, incluindo jogos digitais, jogos de tabuleiro ou jogos físicos. No fim do evento, todos os projetos são enviados para o site globalgamejam.org no qual ficão disponíveis livremente ao público em geral. Alguns dados: em 2011, tivemos 1.500 jogos, 6.500 pessoas, e 44 países; em 2012 tivemos 2.243 jogos, 11.141 pessoas, e  48 países.


Em Portugal o evento contou apenas com uma cidade, Guimarães, organizado pelo Laboratório de Criação Digital. O evento deste ano foi coordenado por Margarida Faria e Kyriakos Koursaris e contou com 16 participantes, duas equipas, tendo sido realizados e submetidos dois jogos. Isto implica uma melhoria para Portugal, já que no ano passado tínhamos tido apenas um jogo, como se pode ver no texto que aqui deixei.

Global Game Jam 2012 no LCD, Guimarães

Este ano os jogos são bastante simples, o primeiro um side-scroller com uma lógica one-button. O segundo um jogo de aventura gráfica no modo top-down perspective. Aqui ficam mais detalhes sobre cada um.

Projecto 1 - Chasing balance


Short Introduction: When time was dust and human kind was actually KIND, the beast of balance was unleashed and so destruction began!! Malevolence was mixed with kindness and darkness was mixed with light. So, a story is told of great power that comes with great responsibility and it is up to us to restore that long lost BALANCE, which used to last through the ages and civilization. WE ARE NOT LOST, YET!
Platform/System: Windows (GameMaker:HTML5)
Soundtrack: Kyriakos Koursaris


Projecto 2 - Sigil



Short Introduction: Explore the dungeons and face your shadows, but beware, don't get too close!
Platform/System: Web standard (Html5, Java, JavaScript, Flash)
Soundtrack: Kyriakos Koursaris

janeiro 27, 2012

Jornadas de sonho através dos livros

"The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore" (2011) ganhou em Agosto o prémio de melhor filme de animação digital no Siggraph 2011, a conferência internacional de computação gráfica mais importante do planeta. Depois disso foi adaptada como história interativa para iPad, podendo desde então ser adquirida no iTunes.


Entretanto no passado dia 24 de Janeiro, foi nomeado para o Oscar na categoria de Curtas de Animação. Se quiserem ver a reacção do estúdio à nomeação, eles gravaram tudo em vídeo, aviso já que a alegria deles é contagiante. Em termos técnicos o filme apesar de ter um ex-Pixar por detrás, William Joyce, não usa apenas o 3d, socorre-se de forma brilhante do desenho à mão e do stop-motion, e tudo isso pode ser visto numa dezena de pequenos filmes de making of que estúdio Moonbot disponibiliza no seu canal do Vimeo.


O filme tem 15 minutos, quando acaba é fácil perceber a nomeação, Fantastic Flying Books é um clássico instantâneo, tem todos os ingredientes para o ser, desde as técnicas de animação, ao ritmo, música e realização mas essencialmente por causa da sua história. Um história sublime que nos toca, servindo-se de uma dose forte de nostalgia, parece repescar as memórias da nossa infância, aqueles tempos em que os dias eram solarengos, e a nossa paixão pelo mundo nos chegava através das páginas dos livros que liamos no descanso de uma sombra. A personagem da infância de muitos (Humpty Dumpty) é aqui repescada e tratada de uma forma brilhante em termos de animação. Diria mesmo que o conceito de animação criado para Humpty Dumpty é de tal forma genial que quase merece por si só a nomeação.




Para ver o filme vão ao canal online Vimeo Picks.

A dependência dos Independentes

A propósito de uma conversa com académicos de jogos do Brasil no Facebook que tivemos há umas duas semanas, quase que podia dizer que o pessoal da Dorkly leu a discussão, e fez um vídeo sobre a mesma, "Mario is too Mainstream! Não que eu esteja em total acordo com o vídeo, porque as personagens/jogos indie utilizadas são, para mim, bastante ricas em termos de novas abordagens à linguagem dos videojogos, mas de uma forma geral toca na mouche. Como dizia a Renata Gomes,


"Renata: desabafo aqui: tou bem de saco cheio desses games repetitivos nos temas, dinâmicas de jogo e formas narrativas, viu? E tenho cá a impressão de que a crítica (?) e a academia precisa abordar isso frontalmente ou os games morrem por pura irrelevância..."

Aliás a Renata não dá tréguas e bate mesmo em Braid e Limbo que o Emmanoel Ferreira e eu defendemos, mas que vai em total sintonia com o este vídeo do Dorkly Bits.

"Renata: vocês nao acham que, no fundo, eles ainda são todos muito... Bobos? Nao joguei Flower, só joguei o demo de Limbo (mas o visual é bacana), a jogabilidade de Braid é genial e a forma como ela constrói, na prática, alguns sentidos "narrativos" do game é sensacional (embora o final, pra mim, seja uma viagem... E Machinarium é lindo e tal, mas... Ainda me frustram (e olha que estamos falando da crème de la crème!) Também apontaria os games do Steve Lavelle - esses, sim, radicais. Tem coisa, é claro que tem, mas nao chega sequer a ser um nicho. Enquanto isso, a indústria é de uma preguiça absurda, de uma previsibilidade pior do que o pior de Roliúde!)."

Apesar de até condescender sobre a qualidade de Braid, depois do Emmanoel insistir

"Emannoel: Tomemos, só pra início, o caso de Braid. Não sei se você o jogou (todo), mas a forma com que ele reúne gameplay + retórica é fantástica (a tal retórica procedimental, de Bogost). Ou seja, o jogo comunica (e algo bem forte) através do gameplay. Claro que gráficos, trilha sonora, texto, dão suporte a essa comunicação, mas a relação gameplay - conteúdo, nele, é fantástica"



Mas tenho que lhe dar razão quando fala do seguidismo indie, da quase dependência face à linguagem mainstream,

"Renata: Não surge um autor, mesmo que seja um autor-dentro-do-cânone, no game porque a forma como a "indústria" se coloca em relação a ela mesma (e a seu "fora") sequer permite detectar as singularidades emergentes nos diversos processos de criação de jogos. E mesmo quando isso acontece, essas manifestações são engolidas por ela no segundo seguinte, tratando de achatar qualquer diferença, de aparar qualquer aresta, de endireitar qualquer ruído. Aliás, mesmo o "fora" da indústria - o universo dos games "independentes" - se coloca em movimento almejando ir parar "dentro" e isso já achata os games "independentes" (que parecem querer apenas se tornarem "dependentes"!) do nascedouro: quando produtoras brasileiras (ou portuguesas) replicam temas, formatos narrativos/de jogabilidade e mesmo a língua dos games industriais etc."



Da minha parte acredito ainda assim na indústria indie e que existe muita coisa boa no meio das massivas quantidades de mediania. Julgo que faz muita falta os media deixarem de se centrar apenas no mainstream. Os jogos diferentes, radicais, que não dão as experiências esperadas pelo grande público, precisam de ser discutidos, digeridos, mastigados por críticos, curadores e especialistas. Só assim poderemos avançar no terreno. Se os media continuarem a dar espaço apenas ao que é familiar, às sequelas das sequelas, aí será sempre muito difícil que a arte evolua. E o que a Renata diz dos jogos poderem cair na irrelevância é uma realidade inevitável, como já vai acontecendo com a indústria de Hollywood. Aliás o Roger Tavares acha que isto já não tem mesmo salvação, e que a única forma séria de resolver o assunto da indústria dos videojogos, era com um novo Crash.

Apesar de tudo ainda vamos vendo algumas mudanças, como a EDGE que este ano já apresentou uma lista de Indies de 2011, embora muitíssimo limitada. Acredito também que um dos problemas que os media têm, é conseguir exatamente triar as quantidades de novos jogos criados pelo mundo fora. Mas eles não se podem demitir desse papel, apesar da complexidade. Sei bem que é muito mais fácil pegar nos fabulosos Press Releases que as grandes editoras mandam para as redações das revistas no mundo inteiro, com a papinha toda feita, pronta a publicar. Mas a continuar assim as revistas vão morrer antes dos jogos, aliás como já se vai sentindo. A morte de algumas publicações de jogos não acontece só pela crise mas muitas vezes pela falta de relevância, ou valor acrescentado face à informação que os leitores já possuem. Neste sentido, e porque não basta apontar o dedo, deixo algumas pistas de nomes de autores e jogos do último pelos quais nutro consideração e respeito.

Autores a seguir: Edmund McMillen, Terry Cavanagh, Stephen Lavelle,  entre outros como o Paolo Pedercini, Jonathan Blow, Thomas Brush, Austin Breed, Amir Rao, Jason Rohrer, Krystian Majewski, Daisuke Amaya, Stephen Whichello, Kevin McGrath, Evan Miller, Guy Lima, Evan Miller, Mattia Traverso...

Experiências diferentes: Binding of Isaac, Oíche Mhaith, ImmorTall, Grey, Coma, A Mother in Festerwood...

Estrangeiros (2012), estranhezas do absurdo

Né Barros na introdução do seu novo espetáculo de dança contemporânea, Estrangeiros (2012), estreado ontem à noite em Guimarães (CEC 2012), fala-nos da inspiração em O Estrangeiro (1942) um dos livros mais importantes de Camus, aonde ele espelha toda a essência da sua visão do mundo e da vida, definida pelos críticos como "a filosofia do absurdo".

"No seu deferir, estas figuras são deslocações ora de clichés de identificação ora de estranhezas genuínas comportamentais." Né Barros

O estrangeiro de Camus movimenta-se por entre o mundo de forma inconsequente, sem rumo nem sentido. Transborda da prosa a sensação de total estranheza face ao quotidiano, ao circundante e ao chamado real. E é isso que vemos na nova obra de Né Barros, uma demonstração contínua do absurdo do movimento do corpo, da total estranheza que percorre os movimentos menos familiares, aqui fortemente explorados. Os atores desdobram-se, transmutam-se, encolhem-se, esticam-se, em poses invulgares que despertam os nossos sentidos, e nos perturbam, tudo isto a movimentos rítmicos ainda menos comuns, numa espécie de staccatos do movimento corporal.

L'étranger (1946), Albert Camus


Em termos formais posso dizer que por momentos a meio da performance me senti remetido para o universo existencialista de Paris, Texas (1984) de Wim Wenders. Por toda a sua estranheza, também muito camusiana, por todo o isolamento, mas claramente pelos acordes sonoros emanados da guitarra a soar a Ry Cooder. Essa é das particularidades mais interessantes em toda a performance, a força da música, e em particular da guitarra eléctrica.


Paris, Texas (1984), Wim Wenders

O espectáculo abre com seis pessoas em cima do palco, cinco guitarras e um baixo, tocando poderosamente num ritmo hard-rock, os intérpretes (Bruno Senune, Flávio Rodrigues, Joana Castro e Pedro Rosa) abandonam as guitarras, mas em palco permanecem ao longo de toda a performance dois músicos (Alexandre Soares e Jorge Queijo). Um guitarrista com uma parafernália de pedais de efeitos, e um baterista, que para além de cuidar de uma caixa de efeitos electrónicos, por vezes toca bateria enquanto com um arco de violino toca guitarra. Por detrás dos músicos corre um panorama que tempos a tempos se ilumina e no qual se projectam traços e riscos interactivos sobre um fundo negro (João Martinho), que vão sofrendo distorções na relação com os performers, ora pela via do movimento ora pela via da voz e choro. Ao longo do espétaculo as cordas vão transmutando-se evoluindo para níveis mais pesados a roçar o trash metal, e a fazer lembrar Metallica dos anos 80, passando depois por momentos de estranheza psicadélica a evocar a ficção científica dos anos 70, progredindo para momentos da mais pura ambiance electrónica, e elevando-se no final sob a melodiosa e fina sonoridade de uma guitarra portuguesa. Tudo isto acompanhado pela projecção visual de formas que seguem interactivamente o que se passa em cena, sempre tudo totalmente envolvido por um desenho de luzes perfeito (Alexandre Vieira).


Nuve (2010), João Martinho Moura

Toda esta formalidade técnico-artistica é servida com excelentes performances de dança do absurdo, fazendo deste espetáculo um momento poderoso, a nível sensorial, capaz de nos envolver e transportar numa jornada existencial.

"Nem sequer tinha a certeza de estar vivo, já que vivia como um morto. Eu, parecia ter as mãos vazias. Mas estava certo de mim mesmo, certo de tudo, mais certo do que ele, certo da minha vida e desta morte que se aproximava. Sim, não sabia mais nada do que isto. Mas ao menos segurava esta verdade, tanto como esta verdade me segurava a mim. Tinha tido razão, tinha ainda razão, teria sempre razão. Vivera de uma dada maneira e poderia ter vivido de outra dada maneira. Fizera isto e não fizera aquilo. Não fizera uma coisa e fizera outra. E depois? Era como se durante este tempo todo tivesse estado à espera deste minuto... e dessa madrugada em que seria justificado. Nada, nada tinha importância e eu sabia bem porquê."
L'Étranger (1942:83) de Albert Camus

UPDATE 29 Janeiro 2012:
Adição de fotos do espectáculo de: luisferraz@balleteatro









direcção e coreografia Né Barros
música e interpretação ao vivo Alexandre Soares, Jorge Queijo
intérpretes Bruno Senune, Flávio Rodrigues, Joana Castro, Pedro Rosa
arte digital João Martinho Moura
desenho de luz Alexandre Vieira
adereços e figurinos Flávio Rodrigues e Né Barros
produção executiva Tiago Oliveira
parceiro Engagelab, Universidade do Minho
produção balleteatro
co-produção Capital da Cultura de Guimarães 2012, TNSJ

janeiro 24, 2012

Criar videojogos, não se faz a brincar

Não raras as vezes os criadores de videojogos são agraciados com piadas do género, "Trabalhas a fazer videojogos? Haaa então passas o dia a brincar!" Tal é o ridículo que durante muitos anos alguns criadores preferiram não revelar o que faziam à família e amigos, por saberem de antemão que seriam brindados com uma total incompreensão sobre o seu trabalho. Hoje as coisas estão mais leves, a sociedade aceita os videojogos como um produto artístico, que requer trabalho, e alguns sabem que requer bastante trabalho. Apesar de se irem encontrando ainda algumas pérolas.


Mas mesmo assumindo a arte como trabalhosa, talvez não saibam que muitas vezes quem trabalha nesta indústria passa por períodos de trabalho de uma brutal intensidade e complexidade, fazendo desta profissão uma daquelas que mais rapidamente rebenta com os seus trabalhadores causando o chamado burnout. Nesse sentido deixo-vos aqui duas descrições de momentos desses, separados por quase 25 anos a demonstrar que nada mudou em termos de trabalho criativo árduo nesta indústria.


Super Robin Hood (1986)

Philip e Andrew Oliver (1986)


Descrição do tempo passado a desenvolver Super Robin Hood.

"Although we were both filled with enthusiasm to write the game, we only had one computer between us at this point so it had to be shared. We were still working in a bedroom in our parents' house and our schedule was to do programming for 23 hours per day, with two breaks of half an hour to allow it to cool! We worked in shifts for 18 hours per day, seven days a week, eating while we worked. During the periods when we were both awake one had to prepare their code on paper, whilst the other used the computer. It was all worth the effort though because within a month we'd scored our first number one charting game. Following this success Codemasters wanted us to write more games as soon as possible!" [Fonte]



Super Meat Boy (2010)

Tommy Refenes e Edmund McMillen (2010)

Descrição dos últimos 2 meses de desenvolvimento de Super Meat Boy.

"Edmund: These two months were easily the worst months of my life.

The pressure, workload, and overall stress of development was extremely overwhelming. In those two months, neither of us took a single day off of work, working 10–12 hours a day, every day. There was a point at the end of development where I was getting less than five hours of sleep for several weeks. I remember having a breakdown in September where I actually thought I was stuck in some nightmare where I was repeating the same day over and over.

Tommy: Because we were so time-compressed, we were basically developing features during bug checking, which meant every single time I turned on the computer and checked the bug database, the work I did the night before was pretty much rendered irrelevant. I would work and fix 100 bugs in a night and get it down to 50, then wake up the next morning and have 200 bugs to fix.

This lasted for weeks and weeks. I felt sick, angry, and totally stressed. My parents were bringing me dinner because I literally didn't leave the house for those two months. I remember just saying to myself over and over, "Don't die until the game is done," because it was a real concern of mine. I felt miserable, my blood sugar was all over the place, but I absolutely had to press on and crush the bugs as they came up. I don't know if it made me stronger or not... all I know is that somehow I survived!

Edmund: I think both of us were trying to keep from the other just how bad things were getting to avoid stressing the other out any more then we already were.

I had many nights where I would tell my wife that I was done, that I didn't want to make the game anymore, that it wasn't worth it, and that I would gladly bow out and take the loss just to go back to my normal life. She would "talk me off the roof," I'd go to sleep, wake up five hours later, and repeat the same day again." [fonte]