agosto 19, 2007

pela estabilidade do abstracto

O artigo de Boaventura Sousa Santos publicado na Visão de 02.08.2007 evidencia através de uma simples frase o processo do que está por detrás da importação do modelo de Flexisegurança, da Dinamarca, apresentado como a grande solução para todos os problemas.
Vivemos um tempo em que a estabilidade da economia só é possível à custa da instabilidade dos trabalhadores, em que a sustentabilidade das políticas sociais exige a vulnerabilidade crescente dos cidadãos em caso de acidente, doença ou desemprego. Esta discrepância entre as necessidades do “sistema” e a vida das pessoas nunca foi tão disfarçada por conceitos que ora desprezam o que os cidadãos sempre prezaram ou ora prezam o que a grande maioria dos cidadãos não tem condições de prezar.
Tão simples e directo. Nem sempre tenho estado de acordo com algum discurso mais radical de Boaventura Sousa Santos mas aqui não poderia estar mais de acordo com a síntese do seu pensamento sobre o assunto. Realmente para aqui caminhamos, para o reino da obediência à abstracção numérica em desfavor da rede social e da condição humana. Neste artigo BSS desmonta ainda a ideia lírica de uma sociedade construída na base da "autonomia individual" . Se à primeira vista poderíamos pensar que esta é uma capacidade própria para quadros superiores, BSS vai mais longe, vai ao âmago da questão, defendendo que nem todos funcionamos da mesma forma e nem todos procuram a realização pessoal a todo o custo, muito menos no campo do trabalho.

Desenvolver sistemas de massas que se regem por extremos é meio caminho andado para a ruptura da coesão social. Aqui o extremo é bem evidente, se no comunismo o extremo era por baixo, baseado na nivelação dos mesmos objectivos para todos. Aqui nivela-se pelo extremo superior no qual o objectivo é o céu, e só quem adoptar um posicionamento maníaco-obsessivo em relação aos objectivos poderá obter reconhecimento do movimento em questão.

agosto 03, 2007

Fantasia e Criatividade

A Edições 70 lançou em Portugal, no mês de Junho passado, mais um belíssimo livro de Bruno Munari, Fantasia (1977). Alguns poderão questionar, quem é Bruno Munari? E para essa questão prefiro deixar-vos apenas com a seguinte citação,
"Bruno Munari is one of the most influential designers of the 20th century. Not because he has imposed a particular style or look, but because he has encouraged people to go beyond formal conventions and stereotypes by showing them how to widen their perceptual awareness" (Kate Vingleton, International Herald Tribune).
Neste livro, Munari procura definir o modo como desenvolvemos a criatividade, a partir do que é que a fantasia se constrói e do que necessita a arte para ser arte. Assunto complexo enredado em alguns tabus, tais como, a subjectividade não é decifrável ou os modos de desenvolvimento de arte não são compatíveis com os métodos científicos. Mas Munari não se deixa abater e procura respostas, coloca no papel as suas ideias e acima de tudo dá forma visual aos conceitos que vai debatendo ao longo do livro.
O Pensamento pensa e a Imaginação Vê (2007, pág.21)

A partir de uma desconstrução do modo de funcionamento da inteligência integrado com a memória desenvolve um possível modelo explicativo do modo de criação artística. A base desta visão passa pelo modo como a inteligência funciona, segundo o modelo associativo de ideias que se socorre de uma boa base de dados (a memória) para inventar ou imaginar a fantasia. Nesse sentido, Munari defende que quanto maior for esta base de dados, ou seja quanto mais conhecimento diversificado se possuir, maior será a facilidade de desenvolver a criatividade. Contudo não chega a base de dados, é necessário algo mais, e Munari refere isso mesmo. O que falta em certa medida, neste livro, apesar de ser uma teorização já mais própria para um texto de psicologia, é mesmo uma melhor abordagem do modo como se executa essa associação de ideias, eventos ou conceitos. Para além disso, como é que se têm noção que essa associação é válida, ou seja, é uma fantasia com valor para o "mundo externo". Apesar de tudo, vale a pena, antes de mais porque o próprio livro representa em si mesmo um excelente contributo e acrescento à nossa base de trabalho criativo por todos os exemplos que Munari vai trabalhando ao longo do livro e que desconstrói não apenas em texto mas em imagens.

agosto 02, 2007

desenvolvimentos na área do authoring 3d

O projecto Alice existe desde 1997, começou como um projecto de investigação na Carnegie Mellon University (CMU) e existe ainda hoje já sob o nome de Alice 2.0 e com um grupo de pessoas a trabalhar a tempo inteiro sob a direcção de Randy Pausch. O projecto Alice tem sido financiado pela National Science Foundation, DARPA, Intel e Microsoft. O objectivo de Alice foi desde o início o de permitir a qualquer sujeito, sem conhecimentos de programação, desenvolver histórias interactivas em ambientes 3d. Para tal desenvolveram um tipo de programação de autor que definiram de no-typing fazendo uso de uma interface de drag-and-drop para a construção de animação e interacção (ver imagem em baixo). Ou seja, não é necessário escrever código, as acções possíveis de executar no ambiente de Alice aparecem-nos em menus que podem ser arrastadas directamente para os objectos do ambiente onde se pretende que a acção seja executada.


Interface drag-and-drop de Alice

No ano passado em Março, a CMU assinou um protocolo com a Eletronic Arts (EA) para a re-escrita do software de base Java e a re-utilização dos recursos de arte do videojogo Sims 2 nos ambientes de Alice que passará chamar-se Alice 3.0. Sendo um projecto a 2 anos, desde então pouco se ouviu falar do software deixo no entanto aqui a transcrição das mais recentes novidades obtidas na comunidade de Alice, nomeadamente no modo de programação da nova versão.
We are making good progress with Alice 3.0 development; however, the only estimate we are comfortable giving as of now is that it will be released in 2008. Alice v3.0 is still under development, but here is what we can tell you now:

The "programming language" of Alice v3.0 will be Java. Said another way,Alice v3.0 is an IDE for Java that has been optimized for learning to program. If teachers want to use Alice v3.0 with a "totally keyboard based experience," they can do that. We will provide a drag-and-drop interface, similar to Alice v2.0, which will be able to display the code either as Java, or in a more simplified form, like the current Alice v2.0 default presentation.

Therefore, the "Alice v3.0 experience" can feel very much like the Alice v2.0 experience. Whether one is typing or drag-and-dropping, Alice v3.0 will read, write, and execute real Java programs, so one can mix & match a typing or drag-and-drop experience.

Alice v3.0 will provide mechanisms to control the 3D characters from the Sims, which EA has graciously provided. Students will be able to control Sims characters whether they use drag-and-drop or type to create their worlds/programs.
Gabe, CMU, 11.07.2007

Mas até mais surpreendente que esta ligação à EA e o incremento de qualidade que se adivinha é verificar a quantidade de textbooks dedicados à plataforma e de notar que grande parte deles datam de 2007 e alguns estão ainda só anunciados para 2008. Isto demonstra que existe aqui uma clara apetência do mercado por estas novas possibilidades no que toca ao desenvolvimento de histórias interactivas em ambientes virtuais.

agosto 01, 2007

interacção sem click


Apesar de ser um projecto já de 2005 não resisto a deixar uma nota aqui sobre o brilhantismo, não só da ideia, mas na capacidade da sua implementação. Existe aqui realmente algo que nos pode abrir portas para novas formas de interacção que julgo estar na altura de começarmos a explorar. Apesar de estarmos aqui num ambiente bidimensional não deixa de me fazer reflectir sobre o que será o Second Life dentro de algum tempo, quando a loucura se tiver consumido. Julgo que é aqui, no modo de interacção com a representação, que está o caminho para novos desenvolvimentos e manutenção do interesse dos utilizadores nas plataformas de ambientes virtuais.

Quanto ao DONTCLICK.IT representa o projecto de conclusão de licenciatura de Alex Frank no curso de Design de Comunicação na Universidade de Essen-Duisburg, Alemanha. Não posso dizer que a interface aumente o desempenho na realização de tarefas, porque de uma forma geral não o faz, acima de tudo peca pelos tempos de execução. Mas melhora imenso ao nível da promoção da informação visual impossibilitando o tornando mais difícil a informação linear ou dissimulada por debaixo de um click.

destaque na hora da morte

à esquerda, edição de 31.07.2007; à direita, edição de 01.08.2007

Se não tivessem morrido no mesmo dia e com espaçamento noticioso de um dia, será que Antonioni não teria tido direito ao mesmo tratamento que teve Bergman por parte da imprensa. Enquanto Bergman teve direito ao topo da manchete e com um preenchimento da mancha da ordem dos 70% no Público de 31 de Julho e com 4 páginas interiores. No dia seguinte o Público dedica na sua manchete apenas a parte inferior, ocupando cerca de 40% da mancha total e tendo no seu interior apenas 3 páginas.

Mais em detalhe, a capa de 30.07 é uma capa de cariz artístico, socorre-se do espaço do logo, destaca o nome do realizador em letras de primeiro nível, brancas sobre um fundo extenso negro. Já a de 31.07, reassume o traço visual informativo e relega Antonioni para um segundo plano noticioso, como que a dizer-nos, "já ontem dedicámos o espaço ao cinema, por isso hoje voltemos ao mundo do real". Não que as noticias sobre o Darfur me desmereçam valor, mas é evidente que o destaque dado às noticias do P2, no topo, eram perfeitamente dispensáveis, tal como tinha sido com Bergman. Antonioni está ao nível de Bergman e sobre isso não devem restar quaisquer dúvidas.

Apesar de tudo, não posso deixar de reconhecer que o Público deu o destaque desejado e merecido a ambos ao contrário de outra imprensa que parece continuar a preferir relegar a cultura para os cantos em detrimento do crime ou mexerico político. Agradeço também o facto de terem publicado parte dos textos aqui dedicados a Bergman e Antonioni, nas folhas do jornal na rubrica Blogues em papel (1 e 2).

julho 31, 2007

Novos Media 07 | Second Life

O workshop Novos Media 07, inserido no 5º Congresso SOPCOM, vai realizar-se a 5 de Setembro próximo, na Universidade do Minho, com a temática do Second Life (SL).

A iniciativa, que conta com a colaboração de investigadores das Universidades de Aveiro, do Minho, da UTAD e Porto, bem como da empresa Beta Technologies, desdobra-se em dois tempos autónomos: de manhã, o workshop terá um carácter mais aberto e expositivo; a tarde será dedicada à formação sobre 'Desenvolvimento em Ambientes SL'. Nesta parte, os participantes, em número restrito, trabalharão em laboratório.

As inscrições podem ser feitas apenas para o período da manhã ou para todo o dia através do preenchimento de ficha própria. Para qualquer dúvida ou esclarecimento, há um contacto de e-mail: nm07secondlife@ics.uminho.pt. Para acompanhar esta iniciativa foi criado o blogue Novos media 07 | Second Life.

Ciao Michelangelo

A sétima arte perde no mesmo dia dois consagrados monstros europeus. Ainda ontem tinha aqui deixado o pesar pela morte de Bergman e eis que hoje a sua mulher, Enrica Fico, dá a conhecer ao mundo que afinal morreu, ontem também, Michelangelo Antonioni.

Antonioni criou todo um modo expressivo próprio de comunicar através da câmara. Não tão genial na transformação em formas visuais do espaço íntimo introspectivo e cognitivo como Bergman, mas melhor na criação dos ambientes e principalmente das atmosferas onde se encaixavam na perfeição os seus personagens. A imensidão dos espaços abertos combinados com os silêncios "rítmicos" fazem de algumas das suas obras, marcos de referência intemporais, onde sempre se volta para inspirar criatividade e inventividade. Desde Avventura, L' (1960) a Deserto rosso, Il (1964) passando pelo brilhante Blowup (1966) e desembocando naquele que é para mim o seu expoente máximo Professione: reporter (1975). Antonioni teve uma carreira dividida entre o mercado europeu e americano e porventura isso poderá fazer dele um dos autores que melhor soube fazer uso da criatividade e originalidade europeias com a grande tecnicidade de contar histórias do cinema americano.

Como pensador profundo da arte fílmica Antonioni deixa-nos algumas ideias que foram sendo publicadas em entrevistas e que aqui deixo apenas em formato de citação. Nestas citações pode ver-se a preocupação de construção do set, que para ele envolvia ambientes e personagens num todo.
I mean simply to say that I want my characters to suggest the background in themselves, even when it is not visible. I want them to be so powerfully realized that we cannot imagine them apart from their physical and social context even when we see them in empty space.

Till now I have never shot a scene without taking account of what stands behind the actors because the relationship between people and their surroundings is of prime importance.

You know what I would like to do: make a film with actors standing in empty space so that the spectator would have to imagine the background of the characters.

Mais informação sobre Antonioni
- Biografia na Senses of Cinema, por James Brown
- Chatman, Seymour, (1985), Antonioni, or, The Surface of the World, University of California Press

jornalismo e democracia

Bordertown (2006) aborda o caso real das mulheres que trabalham na cidade Juarez, México na fronteira com os Estados Unidos. A cidade de Juarez é uma cidade fronteira que por estar muito perto dos Estados Unidos constitui um excelente atractivo para a instalação da indústria americana que recruta mão de obra a preços baixíssimos. Com o boom da instalação da indústria nos anos 90, vieram os assassínios, as violações, torturas e os desaparecimentos de mulheres que ali trabalhavam em turnos. Bordertown, não é nem na forma nem no conteúdo um filme que se destaque. Rodado com um orçamento limitado por não encontrar financiamento dentro dos Estados Unidos, estreado na Europa muito antes de chegar aos USA. Contudo estes promenores de produção de Bordertown só vêem dar ainda mais valor ao diálogo que se estabelece entre a reporter e o editor do jornal de referência de Chicago.


Reporter: This is a fucking important story!
Editor: I understand that.But you are blaming... the Mexican and American governments, and the Free Trade Agreement.
Reporter: It isn't free trade! It's slave trade. It's a scam. Everybody is making too much money... to give a shit about these women.
Editor: These are very serious accusations, they're damn near criminal. And this newspaper is not prepared to make 'em... and you can't substantiate them.
Reporter: And they're true!
Editor: This is now a matter of corporate responsibility.
Reporter: Since when do you put corporate responsibility above the truth?
Editor: Get off your soapbox. I liked you better as a cutthroat reporter.
Reporter: I like you better as an editor who couldn't be bought or intimidated! A man I admire.
Editor: The days of investigative reporting... are over. The news isn't news anymore. It's as dead as the typewriter I used! Corporate America is running the show now. And their news agenda is free trade, globalization and entertainment. That's our glorious future! You know what would happen to me if I published your story on my own.
Reporter: If you don't have the balls to print my story... I will find someone who will.
Editor: It's not that easy, kid. Read your contract.

julho 30, 2007

a sair... livros MIT

Persuasive Games
The Expressive Power of Videogames
Ian Bogost

Evocative Objects
Things We Think With
Edited by Sherry Turkle

Cheating
Gaining Advantage in Videogames
Mia Consalvo

Authoring Images / Filmmaking Design

A American Cinematographer acaba de lançar mais um Special Supplement em formato digital de acesso inteiramente gratuito. Desta vez o suplemento trata a composição digital de imagens com o título AUTHORING IMAGES - The Future of Filmmaking Design. Vários textos percorrem detalhes da produção de filmes como Titanic, Star Wars, The Prestige, Pirates of Caribbean ou ainda séries TV como Desperate Housewives sempre em busca da definição de parâmetros de design da imagem fotográfica. De destacar o excelente artigo sobre o design de imagem de Blade Runner (1982)