outubro 14, 2016

A manipulação do anonimato

Ainda não li Elena Ferrante, conto começar a ler a tetralogia apenas em janeiro do próximo ano, contudo não posso deixar de comentar o cansaço que sinto com toda esta defesa do anonimato da autora [1, 2, 3]. Percebo o que as pessoas querem dizer, mas estamos a incorrer num endeusamento de algo que verdadeiramente não queremos, e não estou com isto a defender a investigação do jornalista italiano.


Um texto não existe no vácuo, é sempre criado num tempo, espaço e por um ser humano. Essas são condições essenciais para poder estudar esse texto, para o poder compreender na sua plenitude, podendo inicialmente não o ser para dele usufruir, mas se quisermos chegar ao seu âmago, delas precisaremos. Sem qualquer uma destas variáveis presentes, podemos sempre tentar adivinhar por meio da obra, mas não a podemos verdadeiramente contextualizar, suportar, edificar, enquanto criação humana.

Se considero isto hoje importante, mais será no futuro, quando tivermos nas livrarias/cinemas, livros e filmes criados por máquinas. Para quem defende que a obra de Ferrante é o que importa, que não interessa absolutamente nada saber quem a criou, não está a dizer toda a verdade, porque na sua cabeça criou já uma identidade para essa autora, criou um imaginário que responde ao perfil de quem escreveu, onde e quando. Podem até defender que lhes chega, aceito, mas estão simplesmente a viver uma ilusão, uma ficção dentro de outra ficção.

O que pergunto, e porque de arte se trata, não mero entretenimento em que a autoria está por norma ausente, onde fica a verdade? Quem fala ali, quem é a pessoa que escreve, o que se passou com ela, o que viveu, o que sofreu, o que a fez/faz feliz? Como posso na verdade identificar-me com ela? As ideias não existem sem contexto, as histórias de vida não existem sem um autor que tenha vivido o mundo.

Defender, como parece Ferrante defender, que precisa do anonimato para criar com autenticidade, não é nada de novo, a literatura deve ser a arte com mais pseudónimos à procura de manter os seus autores anónimos. Até pode ser uma recusa da fama louvável, mas quantos criadores a recusaram e souberam viver sem necessitar destes subterfúgios! Se alguém quer verdadeiramente ser anónimo, não cria obras de arte, que só se realizam em atos de comunicação. A arte cria-se pela partilha, e a partilha não se faz no vazio, precisa de sujeitos, do lado criador e do lado recetor.

Vou mais longe, o anonimato é, nestes casos, profundamente manipulador, já que coloca em desvantagem quem está do lado da receção. O autor usa o desconhecimento no recetor para o conduzir, para construir na sua cabeça um ideal do autor, que nunca se poderá confirmar, porque nunca lhe será dita a verdade, atirando por terra todos os valores de lealdade e transparência que se esperam de quem a nós se dirige.

Não defendo que se invada a privacidade, que se vasculhem contas, mas também não aceito que se diga que é irrelevante saber quem é Elena Ferrante.

outubro 09, 2016

“Somewhere Down The Line” (2014)

Mais uma animação premiada que se pode finalmente ver online na íntegra. “Somewhere Down The Line” foi dirigida por Julian Regnard em 2014, e de entre vários prémios, arrecadou o prémio de Melhor Curta de Animação no 37th Clermont-Ferrand International Short Film Festival em 2015. A obra destaca-se pela qualidade da ilustração e tratamento da história.




Na ilustração temos um trabalho que por vezes roça a textura do óleo, com uma riqueza de camadas e cores que nos agarra o olhar e mantém seduzidos. Por outro lado, a composição de cor ao longo da animação acompanha com grande proximidade o que se vai narrando conferindo uma enorme coesão ao todo.

No campo da história, temos algo já bastante visto, a obra sobre o amadurecimento, ou a passagem pela vida, mas o que funciona muito bem é o modo como o tema é trabalhado em termos de originalidade, recorrendo à estrada e fundamentalmente ao objeto carro, para trabalhar a metaforização das principais ideias.

No campo da animação em si, temos um trabalho algo rígido, mas que acaba por servir imensamente bem os objetivos emocionais da obra. Tendo em conta tratar-se de um trabalho profissional, seria expectável maior detalhe, nomeadamente a animação dos diálogos, embora aqui se possa compreender como opção estética.

“Somewhere Down The Line” (2014) de Julian Regnard

outubro 08, 2016

“Os Buddenbrook” (1901)

Mann é um dos representantes literários da grande erudição e riqueza lexical — a par com Proust, Pessoa e Nabokov — capaz de comunicar o que tem para dizer de forma não apenas imensamente acessível, mas ao mesmo tempo envolvente e sedutora. A elevação do seu registo, apesar de complexo nunca se enreda em palavreado desnecessário ou meramente exibicionista. A construção do texto, por mais trabalhada que surja, parece nunca dizer de mais, nem de menos, como se tocasse sempre o acorde harmonicamente correto, permitindo-nos seguir o desenrolar da narrativa sem notar qualquer dissonância entre forma e conteúdo.


Os Buddenbrook” é antes de mais a primeira obra de Mann, publicada com apenas 25 anos, mas iniciada com 22 anos, o que só por si é verdadeiramente impressionante. Custa a perceber como é que alguém, tão novo, consegue o registo de elevação acima identificado, mas também como é que consegue o grau de amadurecimento para chegar às análises sociais e psicológicas apresentadas. Lobo Antunes estava claramente errado, quando criticou o prémio Leya 2014 dado a "O Meu Irmão" de Afonso Reis Cabral, com apenas 24 anos. São idades tenras para se criar com fôlego, mais ainda em literatura, mas as excepções existem, e Mann foi único. Não é por acaso, que apesar do Nobel (1929) lhe ter sido atribuído já depois de publicado “A Montanha Mágica” (1924), que o texto da Academia Sueca faça menção explícita ao seu primeiro livro, dizendo que o prémio lhe era atribuído, “principalmente pelo seu grande romance “Os Buddenbrook”, que conquistou crescente reconhecimento como um das obras clássicas da literatura contemporânea”.
"E o resto do dia obedecia a um ritmo livre e despreocupado, seguindo o rumo de uma vida maravilhosa dedicada ao ócio e ao bem-estar, sem sobressaltos nem preocupações: de manhã, enquanto lá em cima a banda executava o seu programa matinal, Hanno permanecia à beira-mar, deitado ou sentado aos pés da cadeira de praia, entretido, no seu jeito sonhador e distraído, com a areia fina e pura, os olhos, sem esforço ou dificuldade, vagueando e perdendo-se na imensidão verde e azul, os ouvidos envoltos num doce rumor que se desprendia, com liberdade e desembaraço, das ondas infinitas, uma brisa poderosa, fresca, selvagem, portadora de um perfume divino, apta a aturdir, a inebriar suave e subtilmente os sentidos, produzindo um mudo e aprazível esbatimento da noção do tempo, do espaço e de todas as fronteiras…" (p.528)
“Os Buddenbrook” é como poderão saber das sinopses, um épico familiar, seguindo uma influência de final do século XIX, à semelhança do nosso “Os Maias” (1888). Mann por sua vez, mais do que concentrar-se sobre as relações de amor, concentra-se especificamente sobre as relações que unem a família — avô, pai, irmãos, e laços de casamento — analisando a sucessão geracional, começando pelo auge do bem estar e terminando na perda de tudo. A obra é muitas vezes definida simplesmente pela história de decadência da família Buddenbrook, uma decadência que ultrapassou as fronteiras da literatura, e serve hoje áreas como a história e a economia, para identificar o que ficou conhecido por “efeito Buddenbrook”, ou seja, o facto de que a riqueza acumulada através dos negócios tende a declinar ao longo de um período de três gerações.

Mann procura alguma neutralidade no modo como apresenta a família e sociedade que a envolve, não tomando partido pela religião ou política, deixando no entanto emergir aquilo que em sua opinião marca as nossas vidas, opondo o materialismo ao espiritualismo, nomeadamente a oposição entre a vida burguesa (Thomas, pai e avô) e a vida de artista (o irmão Christian, e o filho Hanno). A primeira com as suas regras e rituais que obrigam a casamentos combinados em função do bem de toda a família, ao respeito das normas e complacência com o funcionar da sociedade. A segunda que a nada obedece, a ninguém segue, e tudo rechaça, baseada na frugalidade material, buscando apenas a imaterialidade das ideias. O momento que marca esta clivagem acontece quando Hanno toma contato com o diário da família, uma espécie de jornal-diário das várias gerações de Buddenbrook, e resolve deixar ali o seu testemunho, é algo tão simples mas tão poderosamente significante que nos arrepia e obriga à reflexão e aprofundamento do choque entre estas duas visões do mundo.

Aliás, não fica claro até que ponto Mann não tende para a culpabilização dessa componente artística pelo fim da família. Digo que não fica claro, porque existem outras variáveis em campo, nomeadamente o ponto em que o senador Thomas Buddenbrook se deixa levar pela leitura de “O Mundo como Vontade e Representação” (1819) de Schopenhauer. Mas essencialmente, e como acaba discutindo recentemente Riemen em "Nobreza de Espírito" (2008), baseado em Mann, existe algo que não é propriamente de neutralidade, mas antes de busca de uma certa integralidade humana, de essência humanista, que apoquenta Mann e que o conduz à aceitação da divergência da norma, da subversão artística, reconhecendo-a como própria do humano, mas que apesar disso deve ocorrer por meio de um paradigma de elevação, de respeito pelos demais, acima tudo de diálogo construtivo.

Dito tudo isto, pergunto, como se pergunta a responsável pela belíssima tradução no posfácio, Gilda Lopes Encarnação, porquê ler “Os Buddenbrook” mais de 100 anos depois? A realidade retratada é-nos distante, em nacionalidade e mesmo mecanismos sociais ou negociais. Julgo que a resposta está exatamente na forma, na beleza da obra, no brilhantismo do seu criador, na recompensa pela boa progressão da narrativa, e que não poucas vezes nos surpreende, mesmo sendo tão regrada. Mas essencialmente porque ler duas páginas de Mann, mesmo que pouco avance na história, é como insuflar ar em estado puro, faz-nos sentir vivos, ajuda-nos a compreender a força e relevância da arte literária, verdadeiramente estruturante para o modo como pensamos e nos edificamos enquanto seres conscientes.

outubro 07, 2016

A glória de Unity, e sem programação

Demorou alguns anos, mas podemos agora dizer que 2016 ficará como o ano de coroação do Unity enquanto ferramenta de desenvolvimento de videojogos. Isto é relevante pelo modo como democratiza o processo de criação de videojogos, mas não se fica por aqui, alguns dos jogos que marcam este ano, não só recorreram ao Unity, como recorreram ao seu plugin Playmaker.




Se olharmos à lista dos 2016 Unity Award encontramos nela: Firewatch (Campo Santo); Inside (Playdead); Superhot (Super Hot Team); Virginia (Variable State); Oxenfree (Night School Studio). Tudo jogos criados por pequenos estúdios, que apesar disso foram distribuídos em multiplataforma e conseguiram enorme sucesso, junto da crítica e público internacional.

Todos aqueles que já trabalham, ou procuram iniciar-se, no Unity sabem que as linguagens de referência são o C# e o UnityScript (que usa uma sintaxe semelhante ao Javascript). O C# já tinha sido eleito pelo XNA, tendo aí começado a sua introdução na comunidade de desenvolvimento de videojogos, com o surgimento do Unity e o suporte da mesma, foi-se tornando na linguagem de partida para quem trabalha na produção de conteúdos multimédia, nomeadamente pequenas equipas de criação de jogos.

E é aqui que surge um novo dado ainda mais interessante, o Playmaker. Um plugin criado em 2011 que permite desenvolver toda a componente de authoring multimédia, dentro do Unity, sem recurso a qualquer programação. O Playmaker permite dar instruções, criar acessos interativos, gerar comunicação entre objetos, tal como se de uma linguagem de programação se tratasse, mas apenas por meio de caixas interconectadas na forma de fluxograma, pura programação visual. E o mais impressionante é que o consegue juntando dois atributos que nestes casos dificilmente navegam juntos, facilidade e flexibilidade, a prová-lo temos dois dos jogos acima elencados, que foram desenvolvidos com recurso ao Playmaker: Inside (Playdead) e Virginia (Variable State).

O uso do Unity com o Playmaker recorda-nos inevitavelmente o defunto Virtools, uma ferramenta que gerou imensa expectativa, mas que nunca conseguiu afirmar-se, tendo contudo apontado o caminho. Depois disso o Flash ainda tentou criar um modo 3d, e outras ferramentas foram surgindo aqui e ali. Diga-se que o Unity não está completamente isolado neste campo, desde o fim do Flash e o surgimento em força do HTML5, foram muitas as ferramentas a surgir no mercado com vontade de ocupar o lugar deixado em aberto pela Adobe. Contudo o desenvolvimento em HTML5 e WebGL obriga a entrar no mundo menos estável e demasiado aberto do Javascript, tornando-o menos apetecível para quem trabalha com plataformas de authoring, que normalmente busca ambientes delimitados e facilmente reconhecíveis, no sentido de eliminar as preocupações com a tecnologia para se poder concentrar nos conteúdos.

Deste modo podemos dizer que até ao momento nada conseguiu chegar ao nível de aprimoramento e amplitude do motor de Unity, que juntamente com o Playmaker acaba por assim criar, talvez, uma das ferramentas mais acessíveis e poderosas de sempre no campo do authoring multimédia.


Mais info:
Tutoriais de Playmaker

outubro 04, 2016

“Far Cry 4” (2014)

Este quarto tomo realiza as delícias de todos os que têm jogado a série, já que faz praticamente tudo muito bem, exceptuando o campo da história como já acontecia antes. Apesar de se passar num local geograficamente distinto, os personagens, ambientes e eventos de “Far Cry 3” e “Far Cry 4” são praticamente idênticos: jovem, americano, caído no meio de um país estranho, extremamente lindo mas intensamente hostil, que ao longo do jogo cresce, passando de jovem frágil e ingénuo a mercenário hábil e possante.





Em termos temáticos senti uma forte dissonância com o jogo, não por ser uma repetição do anterior, mas por me parecer deslocado do século XXI. Tiros, tiros, e mais tiros é algo que o cinema nos deu muito nos anos 1980 e 1990, mas essa fase passou, hoje o cinema mesmo sendo de Hollywood, consegue ser mais elaborado que isso. Os filmes de tiros, tal como a pornografia com história, passou, teve o seu auge e desapareceu com o surgimento dos multiplayers como "Counter Strike" ou "Call of Duty", ou os grandes sites de pornografia especializados em clips de género.

Apesar desta crítica, “Far Cry 4” funciona muito bem enquanto jogo, é imensamente fluído, capaz de criar um sentimento de flow que nos faz esquecer o real, e a todo o momento fora dali nos apela a voltar. O ambiente é fantástico, mas o melhor é mesmo a quantidade de liberdade que a jogabilidade proporciona. Não é apenas uma questão de mundo-aberto, que também ajuda, mas é a imensidão de atividades distintas que podemos realizar (ex. missões secundárias, missões com personagens secundários, ataques a postos de controlo, ataques a fortalezas, torres de propaganda, cartazes, colecionáveis, construção de itens, reconhecimento de território, encontro de espécies, etc.), não apenas quando desejamos, mas ainda mais, como desejamos (ex. carros, motas, motos de água, hovercrafts, camiões, helicópteros, condução de elefantes, lança-chamas, lança-rockets, setas, bombas relógio, iscas de carne e a atração de animais, cocktails molotov, etc ). A jogabilidade de cada atividade está desenhada de modo a proporcionar múltiplas abordagens, podendo nós nas repetições das mesmas, realizar ações totalmente distintas, demorando a esgotar todas as possibilidades. Existe uma parte dessas atividades obrigatórias para o modo história, mas o mundo está repleto de outras atividades e missões que podemos encarar sempre que quisermos, tornando o mundo de jogo num verdadeiro “theme park”, quase inesgotável para quem tem trabalho e família para cuidar.

Para aumentar o sentimento de participação, já de si intenso pela autonomia dada, a história desta vez é interativa, ou seja, apresenta escolhas, e apesar de não ser uma grande história, consegue ainda assim arrancar alguns momentos de reflexão e dilema. O meu maior impacto foi quando tive de escolher entre seguir Amita e Sabal, quando se tratava de destruir ou manter os campos de droga. Se por um lado acredito que seja a opção correcta destruir, por outro lado percebo a questão comercial por detrás de uma indústria que pode ser chave no desenvolvimento de um país pobre, e que pode nem sequer servir apenas as drogas de rua, mas pode servir a indústria farmacêutica. O mesmo acontece na protecção de um templo, em que se coloca em causa os valores ancestrais e tradicionais versus a atualização das crenças e progresso dos valores. Para uma história básica, de sobrevivência e destronar de um ditador de 2ª categoria, pareceram-me escolhas bastante inteligentes, embora não cheguem para salvar a história no seu todo.

De resto assemelha-se bastante a tudo o que já disse quando joguei “Far Cry 3, aliás por isso demorei dois anos para o jogar.

outubro 01, 2016

10 Estruturas Narrativas

A equipa do canal Cinefix resolveu fazer mais uma das suas listas de filmes, desta vez dedicada aos dez filmes melhor estruturados, o resultado acabou por ser algo algo bastante mais interessante do que uma mera lista de preferências. Ao longo de um quarto de hora, analisam, descrevem e exemplificam dez estruturas narrativas fundamentais, das mais utilizadas pelas artes narrativas.





Para facilitar o trabalho de análise, e porque considero interessante o mesmo, extraí e listei abaixo as estruturas. A classificação foi feita seguindo a qualificação apontada no vídeo, com algumas adaptações. (De referir que as numero aqui de forma inversa, seguindo antes a apresentação no filme.)

"10 Best Structured Movies of All Time" (2016) do Cinefix


1 - Três Atos (— preparação, confronto, resolução — com causalidade completa)
Filmes: Die Hard, Indiana Jones, Star Wars, Jaws

2 - Fluxo Contínuo (história e discurso seguem cronologicamente)
Filmes: High Noon, 12 Angry Man, The Rope, Before Sunset

3 - Multilinear (múltiplos enredos em paralelo)
Filmes: The Godfather, Cloud Atlas, The Fountain

4 - Hiperlinear (múltiplos enredos interdependentes)
Filmes: Ajami, Amarcord, Shortcuts, Magnolia, Amores Perros, 21 Grams 

5 - Flashback (mostrar o “quê” para que o espectador queira saber o “como”)
Filmes: Citizen Kane, Goodfellas, Forrest Gump, American Beauty, Melancholia

6 - Em Reverso (começa pelo fim, e vai regredindo até ao ponto de partida)
Filmes: Irreversible, 5x2, Memento 

7 - Em Repetição (a mesma história contada de diferentes formas)
Filmes: Rashomon, Run Lola Run, Mr Nobody, Hero, JFK

8 - Circularidade (começa onde acaba onde começa)
Filmes: Before the Rain, Lost Highway, Looper, Primer, Back to the Future

9 - Não-linear (enredo entrecortado cronologicamente)
Filmes: The Sweet Hereafter, Mishima, Pulp Fiction, Annie Hall, 500 Days of Summer

10 - Onírica (fluxo de consciência, em que a causalidade é secundária)
Filmes: The Mirror, 8 1/2, Enter the Void, Tree of Life  

"The Art of Movement" (2016)

Não raras vezes tenho aqui trazido alguns apontamentos sobre dança, não que detenha algum tipo de conhecimento aprofundado sobre a mesma, mas apenas e só pela base essencial que a diferencia das demais artes, e acaba por a aproximar de uma das que mais tenho trabalhado, o movimento. E é por esta razão que mais uma vez aqui trago a dança, exatamente a propósito do lançamento do livro "The Art of Movement".


O livro é fruto de um projeto maior, conhecido como NYC Dance Project, criado por dois fotógrafos, Ken Browar e Deborah Ory, o primeiro conceituado na área da moda, a segunda na área da dança. As fotografias deste projeto são criações conjuntas entre os fotógrafos e cada bailarino, produzidas especificamente para cada fotografia em todo o seu esplendor e detalhe — roupa, luz, posição, e movimento.

"Dance is very much in the flow, in the moment. Each performance on stage is unique and it will not repeat itself. That's why I love photography so much, because you can remember the moment. Photography freezes a moment in time, especially as it's very different than the fleeting work that dancers do, that's very ephemeral." - Daniil Simkin, Bailarino principal do American Ballet Theatre



Se dúvidas pudéssemos ainda ter sobre as razões porque a dança tanto nos seduz, mesmo na sua parca capacidade para contar histórias que diga-se não se diferencia da da música, este trabalho fotográfico coloca a nu a evidência maior da sua importância, o movimento. Não se trata de mera graciosidade ou virtuosismo, mas da condição essencial que nos anima, que garante a diferença entre a vida e a não-vida.


O livro está ainda em pré-reserva, mas o site contém uma enorme quantidade de trabalho que pode ser desde já consultado e apreciado.

setembro 30, 2016

Exercício de expressão do Nada

O motion designer Ash Thorp conseguiu mais uma pausa entre trabalhos para se dedicar ao experimentalismo, desenvolvendo um exercício pessoal de pura expressão artística. "None" (2016) tem apenas três minutos, mas consegue transportar-nos para um mundo alternativo, ainda que imensamente minimal e estranho, perfeitamente convincente.




A ideia subjacente ao trabalho relaciona-se com a procura do eu no meio da imensidão de ruído que nos circunda, e fá-lo contrastando as sombras produzidas por edifícios de porte opressivo, caros às grandes cidades, prenhes de ruído sonoro e visual.

"None" (2016) de Ash Throp

setembro 26, 2016

“Thirty Flights of Loving” (2012)

É de 2012, mas só agora o consegui jogar, percebendo a enorme lacuna que tinha na minha cultura de videojogos. “Thirty Flights of Loving” é uma obra de puro experimentalismo narrativo que merece estar nas listas de melhores jogos de qualquer apreciador da arte dos videojogos.



Em termos de universo temático, diria que “Thirty Flights of Loving” se fundamenta numa estética “Pulp Fiction” à lá David Lynch. A cor, a violência, a intensidade e velocidade, misturada com os flashbacks, e os elementos anti-estrutura, garantem uma experiência de videojogo completamente distinta, original. Não conseguindo compreender tudo, mas inferindo muito, graças a uma cultura feita de assaltos cinematográficos, vamos evoluindo no jogo, envolvendo-nos, e desejando cada vez mais.

Thirty Flights of Loving” não é especialmente criativo no âmbito interativo, focando-se mais numa lógica simples de “walking simulator”, mas o que não inova em interação transcende em narração, dando conta de um transbordo de engenho criativo de Brendon Chung. Chung que em entrevistas descreveu o seu processo criativo como instintivo e acidental, sem uma mensagem de partida, antes criando a partir da matéria prima dos jogos, fazendo e experimentando.

A beleza de “Thirty Flights of Loving” assenta exatamente na sua capacidade para nos fazer correr atrás. Ao nos dar acesso a pedaços de história, vai-nos atiçando a imaginação, elevando a motivação para interagir, avançar, progredir, em busca do entendimento do que se passa naquele universo. Ou seja, a arte resta no design do que é dado a experienciar, na sua capacidade para atrair e cativar, sugerindo. O enredo apresentado é aparentemente simples, ficando o detalhe dos personagens envolvidos sujeito a maior complexidade que por sua vez garante densidade e profundidade à obra, apesar de se resumir a uma experiência de 15 minutos.