“Possibilia” apresenta uma premissa comum, diria mesmo já saturada, que passa por explorar as diferentes possibilidades à volta de um casal que se está a separar. Já vimos isto no drama interativo “Façade” (2005), mas vimos também no cinema com “Sliding Doors” (1998), e imensas vezes na literatura. Quando a interatividade está presente, o primeiro impulso passa por colocar o espetador no controlo, implicá-lo no decorrer dos eventos, obrigar a tomar partido, mas “Possibilia”, apesar de se valer da interatividade, não segue a cartilha “Choose Your Own Adventure” e não permite verdadeiramente que o interator participe, no sentido de tomar decisões sobre o futuro daqueles personagens.
“Possibilia” pega num tema gasto e nas fórmulas até aqui usadas pelos designers de interação narrativa, e como que joga tudo pela janela fora. O mundo de possibilidades que uma potencial separação pode conter, é aqui, e graças à multilinearidade permitida pela interatividade, apresentada como totalmente real. Na nossa frente, aos poucos, vão surgindo cada uma dessas possibilidades, até podermos seguir em simultâneo 16 fluxos, podendo saltar entre eles à nossa vontade. O mais interessante é que algo que à partida seria banal, uma mera possibilidade tecnológica, ganha enorme significado no contexto da história que se conta.
A fragmentação em fluxos filmícos é o reflexo da fragmentação daquele casal, das múltiplas realidades que atravessam as suas cabeças, e de um mundo que se desmorona. A história perde o foco porque aqueles personagens perderam o foco, tudo fica confuso, tal como confusos se sentem os personagens. Mas não se trata apenas de apresentar os diferentes fluxos possíveis, no detalhe podemos ver como esses vão incrementando o texto com os efeitos desses "mundos possíveis", e como depois tudo entra em regressão. Ou seja, a forma interativa fílmica reflete aqui de forma impressionante, mais ainda pela enorme dinâmica cinematográfica e da direção de atores conseguida, o que se quer exprimir, tornando a obra num objeto artístico integralmente coeso.
Como se não bastasse, o facto de o filme poder ser visto em ciclo infinito, ganha não só a história que parece de repente voltar a receber uma réstia de esperança, como reflete no seu sentido mais essencial a arte da interatividade, já que o ciclo ao não se findar, eterniza a necessária relação cíclica entre obra e interator.
"Possibilia" (2014) de Daniel Kwan e Daniel Scheinert
Os Daniels deram várias entrevistas desde então, dessas repesquei a dada à Dissolve, e extraí algumas das ideias mais relevantes explicitadas por Daniel Kwan:
Como convencer os outros da relevância da narrativa interativa?
“‘What if something like Game Of Thrones had an interactive element?’ Obviously, that’s the most marketable thing ever, but impossible to actually execute, because no one knows what that is.”
“Honestly, the pitching process for any of these things is impossible. No one understands it, no matter how we do it. You could do a traditional treatment written out with all the images, the producers won’t get it. You can send them a map of the storyline, they wont get it. Nothing gets to them until they actually play with it.
O mais interessante é que mesmo pessoas como George Lucas, que já estiveram na frente de companhias de videojogos, continuam a não aceitar o medium, tendo mesmo dito aos criadores deste filme: “What you guys do is a circus. What I do is poetry.”
O que se pretendia com "Possibilia”?
“Possibilia” (..) specifically, our goal was to make sure it was not videogame-y. Your actions don’t create a reaction or consequence."
“A lot of people got hung up on the lack of consequences with “Possibilia,” because it’s a clean, perfect loop that has no resolution. It’s more about exploration. The narrative, and its thematic elements, are tied into what’s happening with interactive, because of this idea that “Possibilia” is kind of this weird, fruitless cycle. We try so hard, we explore everything, we go down all these different paths, we’re constantly wondering if we’re watching the best version, we’re constantly wondering if we should be looking at everything else. Much like in any relationship, you’re constantly wondering, “Am I in the best relationship I could be? Could I go out and be somewhere else with someone else?”
“It’s not completely hopeless, obviously, because it starts all over again. There’s this little glimmer of hope, and a desire to explore more, as well. I think how the interactive is going to work, as far as how videogame-y it’s going to be, depends on the story, and what you’re trying to mirror thematically. The form should never be divorced from the theme.”
“I think interactive films are the worst when you have 10 different endings, because every time you tell a story, you’re just tricking your brain into believing you have something real to empathize with. The moment you give me more than one ending, you’re diluting that, you’re actually breaking the trick, ruining the illusion.”