Nuno Plati é mais um ilustrador nacional a obter reconhecimento internacional, trabalhando para empresas como a Marvel, a EA Games ou a Axis Animation. Frequentou Design Gráfico na Faculdade de Belas Artes de Lisboa, e trabalhou entretanto como ilustrador no design de personagens, para storyboards, e livros de banda desenhada. Em 2012 desenvolveu para a Marvel a mini-série “
Marvel Universe: Ultimate Spider-man” e foi aí que fiquei a conhecer o seu trabalho. Desde então tenho seguido o seu trabalho, através do
deviantArt e do seu
Plati's Blog, o que me levou a considerar lançar-lhe algumas questões aqui no Virtual Illusion.
Capa de "Amazing Spider-man Family" #8 (2009)
1 - Como é que se chega a ilustrador de um personagem principal da Marvel? De que depende mais? Tiveste de apresentar esboços ou fazer algum estágio?
:: Para se chegar à Marvel há várias maneiras. Podes apresentar o teu trabalho a editores indo a convenções, podes conseguir o contacto de algum editor e enviar-lhe um e-mail com um link para o teu trabalho, ou simplesmente ter uma presença forte na net em termos de portefólio, ou teres algum trabalho publicado que se destaque e que faça com que o editor te contacte a ti. Mas geralmente o processo mais habitual será apresentar o trabalho pessoalmente a um editor numa convenção, como mencionei anteriormente. Comecei a colaborar com a Marvel em 2007, 2008, e desde então tenho trabalhado esporadicamente com eles ao longo dos anos. No meu caso foi através da net e do meu portfolio online que comecei o contacto com Editores Marvel.
2 - Como é que funciona o processo, recebes um guião, desenhas as pranchas, pintas? E os balões?
:: Recebo o guião, que tem descrições painel a painel do que se passa na página, faço “roughs”, envio-os ao editor para aprovação, e a partir daí desenho sensivelmente uma prancha por dia, idealmente. Tive situações em que tive de desenhar mais do que uma por dia, mas também tive outras em que demorei 2 dois a desenhar algumas páginas. Até agora só tive um comic em que trabalhei pintado por outra pessoa. Não sou eu que faço os balões, é a Marvel.
Pranchas de "Marvel Universe: Ultimate Spider-man" #2 (2012)
3 - O que te dá mais gozo fazer em todo o processo e porquê?
:: Desenhar as páginas em si, talvez a fase do layout, que é onde defino o storytelling e o ritmo da prancha.
4 – E como é definido esse ritmo e storytelling?
:: Explicar o processo de construção de uma prancha é um pouco complicado, porque tem muito de intuitivo e subjectivo. Ou seja, se tiver uma prancha com 5 vinhetas e esta consistir de um diálogo entre uma mãe e um filho numa cozinha, a escolha dos ângulos da "câmara", e a abertura dos mesmos dependerá de cada desenhador. É claro que como é um diálogo, provavelmente a maioria dos
shots serão os chamados "talking heads", planos próximos em que geralmente se estabelece um jogo de campo e contracampo, de pergunta e resposta, digamos assim. Mas se não tivermos estabelecido anteriormente a cozinha, provavelmente um dos
shots será mais aberto, um
establishing shot, que nos mostrará o "set" da cena. E como não se quer que os
shots sejam demasiado repetitivos, (apesar de haver ocasiões, onde se quererá que eles sejam repetitivos, por culpa do ritmo do diálogo, por exemplo), provavelmente poderá haver um
shot médio, em que se afasta a câmara e se mostram os dois protagonistas, possivelmente da cintura para cima, e por aí adiante, vamos
shot a
shot adaptando o que o guião quer ao nosso estilo e mesmo às nossas limitações artísticas, para tentar criar algo que nos satisfaça minimamente e sirva bem o guião e os personagens.
Prancha de "Alpha", #3, p.14 (Abril, 2013)
5 - Tens tido feedback à tua arte dos fãs? Tem sido bom, como é que lidas com isso?
:: Sempre tive bom feedback dos fãs, apesar de fazer a ressalva que sou "um nobody" no mundo dos comics. Ou seja, isso vale o que vale. É claro que como em tudo há quem goste do meu trabalho e há quem deteste. No caso particular da mini-série que fiz mais recentemente do Alpha, o infame "sidekick" do Spider-man, e devido ao "ódio" que havia relativamente ao personagem e às suas aparições anteriores, e provavelmente porque o meu trabalho não os agradou, tive um feedback particularmente negativo. Quando estava a meio da série e vi que havia muitos fãs que estavam a detestar o que estava ser feito fiquei bastante desmoralizado, porque honestamente acho que estava a fazer algum do meu melhor trabalho, e como tal deitou-me abaixo um pouco. No geral o feedback dos sites de comics e dos editores foi muito positivo, mas a raiva dos fanboys de vez em quando é um pouco avassaladora. E obviamente não têm em conta que se trabalhas sozinho, a desenhar 12 ou mais horas por dia, e lês criticas sem o mínimo de critério, ou sensibilidade, isso pode ser difícil de gerir.
6 - Desenhavas em miúdo, consideras um talento natural a arte de desenhar? Quantas horas desenhas por dia?
:: Desenho desde que me lembro, e frequentei a Faculdade de Belas Artes de Lisboa durante uns anos. Provavelmente há pessoas que terão um "dom" natural, não sei, mas falando por mim, apenas continuei a desenhar quando muitos dos meus amigos pararam. Quando tenho um comic para fazer desenho o dia todo, desde as nove da manhã até às 9, 10 da noite. Não desenho à noite, e tenho por norma não fazer directas.
7 - Já trabalhaste com a EA e a Axis Animation, trabalho similar, muito diferente? O tipo de exigência era o mesmo, que diferenças notaste?
:: Geralmente o trabalho ou envolve “character design” ou ilustrações relacionadas com a temática do jogo em si, como tal pode variar muito. Acabei de trabalhar num jogo dos X-Men em que basicamente tive de desenhar personagens em dois modos diferentes, um de acção, e outro em pose relaxada.
Cena de Marvel Girl #1 (2010)
8 - A Marvel é o topo da carreira de um ilustrador de BD? Gostarias de continuar a trabalhar para a Marvel ou tens outros sonhos relacionados com a área?
:: Não sei se é o topo. Num certo sentido, sim, porque no campo especifico dos comics americanos mainstream, trabalhar com a Marvel ou a DC é capaz de ser o topo, agora isso não quer dizer que seja onde farás o teu melhor trabalho.
9 - Para terminar o que é o projecto Mia?
:: É um projecto “creator owned” com um amigo meu, o João Lemos, e que eventualmente verá a luz do dia.
Mia, Tales from the Lost Islands
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