abril 24, 2013

David Lynch e a consciência

Trago uma belíssima conversa com David Lynch na conferência Consciousness, Creativity, and the Brain que decorreu na Universidade de Emerson, Boston em 2005. Nesta conversa podemos ver algumas das perguntas que muitos de nós já se colocaram sobre o seu trabalho, respondidas de modo directo e sem rodeios. Vale a pena ver entre o minuto 8'30'' e o minuto 36'.


Esta conferência surge no âmbito de questões relacionadas com a meditação, algo que David Lynch practica há mais de 30 anos. Com ele estão no palco o físico John Hagelin e o neurocientista Fred Travis. Ao longo de uma hora e meia pode ouvir-se muito sobre os efeitos da meditação na nossa capacidade de controlo. Um dos momentos altos acontece na viragem da primeira hora, quando em pleno palco uma pessoa que medita desde os 5 anos, é ligado a sensores EEG que medem a actividade eléctrica no cérebro. Nos minutos que se seguem poderão ver as ondas eléctricas de um cérebro durante a actividade de meditação. Se quiserem mais sobre esta discussão em redor da análise do processo mental em meditação vejam o artigo A Felicidade segundo o budista Matthieu Ricard.

Deixo aqui algumas das respostas dadas por Lynch. Deve-se ter em atenção que tudo isto é dito em 2005.

Q - Filmes que não fazem sentido.
:: "Eu gosto de histórias que tenham uma estrutura concreta, mas que possuam também algumas abstracções. A vida está cheia de abstracções. E o modo como fazemos sentido dela é através da intuição.
As pessoas estão tão formatadas para os filmes que explicam tudo a 100% que de certo modo acabam por desligar a sua intuição no momento de interpretar um filme com abstracções. Outras pessoas adoram estas abstrações, porque lhes dá espaço para sonhar. Para mim dá-me prazer criar estas abstrações e mantê-las no fluxo das imagens de um filme, porque são coisas que só o cinema pode dizer. Não são palavras, não é só música, é um conjunto de coisas misturadas dizendo algo que nunca foi dito antes.
Depende das pessoas encontrarem a sua própria interpretação. Não interessa o que eu penso. Intuição, pensamento, emoção tudo junto que trará um sentido para si."

Q - Porquê tanta violência nos seus filmes.
:: "As histórias têm áreas negras, e têm áreas claras. Têm todo o tipo de coisas... Não começamos uma história feliz, e seguimos sempre assim até ao final, se não todos adormeceriam. As histórias têm de ter estes contrastes."

Q - Meditação transcendente e cinema
:: "Existe um oceano de puro consciência dentro de cada um de nós. Mesmo na fonte do pensamento."

Q - Como cria a não-linearidade nos seus filmes
:: "As ideias não são rearranjadas. Tem que ver com o ritmo, com a emoção. Um frame a mais, ou um frame a menos pode mudar tudo."

Q - Digital e Película.
:: "A película está completamente morta. Eu penso. Com o DV temos tanta liberdade, que é magnifico.
Penso que nunca mais trabalharei com película."

Conferência "Consciousness, Creativity, and the Brain", 2005

Motherland = Metropolis + 300 + CryEngine

Motherland (2010) trabalha um tema já bastante visto, com uma técnica visual igualmente bastante utilizada, no entanto consegue fazê-lo com tanta qualidade técnica que nos deixa colados ao ecrã até ao final. Como se não bastasse, temos ainda todo o mundo virtual a ser criado sobre o motor de jogos CryEngine. Tudo isto é um projecto de estudante de fim de curso do Institute of Animation Filmakademie Baden-Württemberg.




Como filme de estudante, resulta de uma reflexão sobre o tema da propaganda, e análise estética do tratamente gráfico dado ao tema, nomeadamente nos anos 1920 e 1930. Assim no campo do tema, é inevitável pensar em 1984 (1948) de George Orwell, e desde então todas as suas variações. Já em termos estéticos, temos aqui uma colagem entre a composição e arquitectura de Metropolis (1927) de Fritz Lang e a saturação e o excesso visual de 300 (2006) de Zack Snyder. O resultado final é um trabalho visualmente poderoso, totalmente focado na força da sua ideia.





Muito interessante saber que todos os cenários 3d foram "filmados" dentro do CryEngine da Crytek em tempo real, o que contribui ainda mais para a exuberância técnica do trabalho apresentado. Um motor de jogos está longe de ser um sistema com a capacidade de renderização final de um pacote de software dedicado, ainda assim apresenta outras vantagens como no diz o realizador, que agora trabalha na Crytek,
"Using a real-time 3d engine gave the director more freedom and interactive feedback when building environments, lighting and planning camera moves while decreasing render and waiting times multifold."
Motherland (2010) de Hannes Appell

abril 23, 2013

Montagem Constructiva por David Bordwell

David Bordwell é um dos académicos mais relevantes na história dos estudos fílmicos, com uma carreira extremamente produtiva, tanto que depois de se aposentar da U. Madison Wisconsin continua a escrever extensos textos sobre cinema no seu blog. Mas o seu contributo não se determina pela quantidade, antes pela sua capacidade de sintetizar os estudos fílmicos e conduzi-los a um caminho sustentado do ponto de vista científico, com discursos racionais e lógicos. O que aqui trago hoje é apenas um excerto desse trabalho, um pequeno filme em que Bordwell desconstrói dois conceitos sobre o processo de montagem.


Este pequeno filme foi criado para acompanhar o capítulo 6, The Relation of Shot to Shot: Editing, do famoso volume Film Art: An Introduction, de introdução aos estudos fílmicos. Nele podemos assistir à discussão e demonstração das diferenças entre a montagem analítica e a montagem construtiva. A componente analítica diz respeito à manutenção de uma progressão de planos que determinam o local e posicionamento dos intervenientes na acção de modo a conduzir, e a ajudar o espectador. Já a construtiva, adopta o seu nome do construtivismo, e define-se através da libertação da responsabilidade de conduzir o espectador, obrigando este a trabalhar mais cognitivamente para acompanhar o que se lhe vai apresentando no ecrã.

Bordwell demonstra depois o funcionamento construtivista da montagem no caso do filme Pickpocket (1959) de Robert Bresson, colocando em evidência de um modo lógico como se constrói a estética de um filme utilizando um determinado tipo de montagem.

abril 22, 2013

"Caldera", o mundo interior da esquizoafectividade

Mais um filme de animação que procura dar a ver estados mentais inacessíveis ao exterior. Neste caso Caldera (2012) dá-nos uma visulização imaginada dos estados mentais de quem sofre de trantorno esquizoafectivo. O filme assume um tom pessoal, já que o autor se baseia na doença do seu pai. Fica o seu manifesto,



CALDERA is inspired by my father's struggle with schizoaffective disorder. In states of delusion, my father has danced on the rings of Saturn, spoken with angels, and fled from his demons. He has lived both a fantastical and haunting life, but one that's invisible to the most of us. In our differing understanding of reality, we blindly mandate his medication, assimilate him to our marginalizing culture, and entirely misinterpret him for all he is worth. CALDERA aims to not only venerate my father, but all brilliant minds forged in the haunted depths of psychosis.
Em termos visuais, não gostei da modelação da face, demasiado lisa, perde alguma densidade que podia ser utilizada em certos momentos. Embora também se possa ler como a cara de alguém que sofre de distúrbios emocionais. Por outro lado o trabalho realizado ao nível das cores foi capaz de criar verdadeiros momentos de deleite, dá vontade de parar o filme e ficar a admirar certos frames.

Caldera esteve em concurso em vários festivais académicos - Siggraph Asia 2012 e Ars Electronica 2012 - e foi premiado no Seattle International Film Festival e no Rome Independent Film Festival.


abril 19, 2013

Informar não é Comunicar

Esta semana andei a reler Informer n'est pas Communiquer (2009) de Dominique Wolton por causa de algumas reflexões que tenho andado a fazer sobre os conceitos de copyright e open access. Entretanto aproveitei para escrever algumas linhas como pequena síntese do livro. Sobre os conceitos que me trouxeram até ele, em breve publicarei aqui um texto sobre o assunto.


Dominique Wolton é um dos gurus internacionais das ciências da comunicação, destacando-se por tratar o tema da comunicação a partir de uma perspectiva optimista. Para Wolton o fundamento da comunicação assenta na criação de relação entre diferentes. Em Pensar a Comunicação (1997) Wolton apresentava a sua teorização sobre o processo de comunicação em duas dimensões: a) o funcional, que se concretiza em meros processos de transmissão e difusão, em que a preocupação é apenas garantir a emissão e recepção; b) o normativo que se define por uma codificação da mensagem em função do meio e em função do receptor de modo a garantir a compreensão e compartilha. Ou seja, o funcional é aquilo que temos na grande maioria da comunicação tecnológica, em que existe uma emissão de informação e uma preocupação com a garantia dessa recepção. Já o normativo está preocupado em desenhar todo um processo capaz de garantir que a informação veiculada, não só chega ao outro, como é compreendida, e acima de tudo é partilhada também pelo outro.

Ora neste seu livro mais recente, Informar não é Comunicar de 2009, apresenta uma divisão destas duas dimensões em dois processos distintos, os quais já não se colocam sob o chapéu da Comunicação. Embora Wolton não reconheça que o faz, e reconhecendo eu que estou a forçar os seus pressupostos, com o objetivo de simplificar a análise dos processos. Assim Wolton passa a definir a Comunicação Funcional como apenas Informação, e só a Comunicação Normativa como verdadeira Comunicação. Esta sua redefinição vem no sentido de acompanhar as transformações tecnológicas, que se têm vindo desenvolver a um ritmo galopante, conduzindo a uma aceleração dos processos de transmissão que superam largamente a capacidade de recepção humana. Nesse sentido todo o livro acaba por funcionar como uma crítica às evoluções operadas pelas tecnologias de comunicação, nomeadamente a internet, ou melhor, os modos informativos da internet.

Aliás esta é uma crítica que já vem detrás, e que começa no Elogio do Público (1990) em que Wolton discutia a problemática da segmentação dos canais de televisão, no sentido em que a perda de discussão de diversidade, diminuia as pontes de contacto, promovendo a guetização cultural da sociedade, conduzindo à incomunicação, criando a desconfiança e a violência. Por sua vez a internet é um ainda maior exacerbamento de toda esta individualização, provocando uma destruição dos laços entre as pessoas. Um pensamento em toda a linha seguido por Sherry Turkle no seu livro Alone Together: Why We Expect More from Technology and Less from Each Other (2012). Para Wolton o processo de comunicação é algo muito sensível, frágil, e em negociação permanente, ao contrário da informação que para além de poder ser à prova da tecnologia, é capaz de evoluir ao seu ritmo. Como diz Wolton logo no início do livro, "nós sonhámos com a Aldeia Global, e agora redescobrimos a Torre de Babel" (2009:17).

Em vez da simplicidade e facilidade de comunicar prometida pela Aldeia Global, encontrámos a complexidade e a confusão da Torre de Babel.

Ao criar uma discussão permanente 'todos para todos', assume-se um carácter profundamente funcional, já que na impossibilidade da partilha se assume como denominador a transmissão da informação. Além disso, todos assumem a posição de emissor, enquanto o papel de receptor praticamente desaparece, pondo fim à partilha e compreensão. Wolton diz, "onde estão os lugares e espaços de legitimação quando todo o mundo intervém?". Porque sem a legitimação, passamos mais tempo a tentar verificar a veracidade da informação que nos chega do que a tentar compreender o seu significado. E eu digo mesmo, não só passamos mais tempo a confirmar, como passamos mais tempo a "descascar" a informação para a conseguir compreender. Este é o grande problema de dar a todos a mesma legitimidade de falar sobre assuntos sem distinção. Daí a velha noção da comunicação social de basear as suas fontes em especialistas, algo que tem vindo a ser distorcido com o tempo. Quando temos comentadores que falam sobre todo e qualquer assunto, sabemos de antemão, que o que nos está a ser oferecido, não tem como intenção informar, menos ainda comunicar, mas apenas e só entreter. A situação atual do excessivo número de comentadores políticos em televisões nacionais é em Portugal já um clássico, claramente que estes emissores não estão ali para informar, mas apenas e só para entreter. Porque a função de um político é tomar decisões informadas, não emitir pareceres ou opiniões, para isso existem os especialistas e técnicos de cada área. Como os espectadores não estão interessadas em especialidade política, os contornos dos processos de decisão, eles falam de tudo e de nada. É para isso que as cadeias de televisão os contratam, para servirem de entertainers.

Em 2013 o número de comentadores políticos com espaço próprio na TV atingiu proporções que não se conhecem em mais nenhum país. Os políticos portugueses, deixaram de agir e tomar decisões, para estar ao serviço do entretenimento.

Aliás isto é fruto de uma ideologia que evoluiu com a internet mas não só, a ideia de que o que conta é o que a pessoa diz, e não a sua formação ou origem, é uma tentativa clara de deturpação do processo de comunicação. Porque se não tenho nenhuma forma de legitimar a origem da informação, como é que atribuo valor ao que é dito por ela? A alternativa seria verificar tudo o que ela diz, mas para isso não me adianta perder tempo a ouvi-la, já que terei de confirmar eu próprio a informação. Ou seja, temos um problema de desdobramento de emissores por um lado, em que todos falam para todos, e ao mesmo tempo um problema de concentração sobre os emissores, em que todos falam de tudo. Os dois processos conduzem a uma perda de qualidade da informação, ou seja a uma deterioração da comunicação.

Surgiu um comentador na televisão portuguesa em 2012 que legitimava aquilo que dizia com o "facto" de ser coordenador de um observatório de economia das Nações Unidas, e ainda como consultor do Banco Mundial, doutorado e docente numa universidade americana. Descobriu-se mais tarde que tudo o que o legitimava não existia. Com isto esvaziou-se o discurso, pois deixou de ser credível, já que aquilo que dizia, careceria de ser tudo confirmado, para aferir da veracidade. Ou seja, deixou se ser relevante ser ouvido, naquelas matérias em particular, em que se pretendia fazer ouvir.

Wolton define o processo geral da comunicação como sendo constituído por três componentes: o tecnológico, que diz respeito aos aspectos instrumentais da transmissão; o económico, ligado às técnicas de trocas de mensagens; e o cultural, que se refere ao espaço simbólico da comunicação. O tecnológico e o económico pertencem ao domínio do acto de informar, que por seu lado não revela preocupações de âmbito simbólico ou cultural, já que isso é relegado para a dimensão do processo de comunicação. Enquanto no processo de informar o Receptor é algo menor, no processo de comunicação o Receptor torna-se "protagonista ao negociar, filtrar, hierarquizar, recusar ou aceitar as mensagens recebidas". Contudo isto não deve ser visto, e mais ainda em tempos de interactividade, como uma troca de papéis entre emissor/autor e receptor. Wolton frisa muito claramente que “o reconhecimento da alteridade no esquema da comunicação, só o poderá ser com a condição de não se tornar na referência última. O receptor pode tornar-se tirânico. Entre a alteridade e o imperialismo, as margens são muito estreitas (..) sobrevalorizar o receptor pode implicar tanta tirania como tê-lo ‘ignorado’ em excesso” (2009:121). É isto que acaba por acontecer quando não se aceita a legitimidade de quem emite, em que as ações cognitivas do receptor passam da compreensão, à confirmação e questionação, e daí para a emissão, transformando a comunicação um-todos ou poucos-todos, num processo todos-todos. Isto é algo que tem vindo a afectar muito particularmente a indústria dos videojogos, leia-se Controlling creativity: Eight developers discuss the dilemma of interactive art (2013).

Mass Effect 3 (2012), o final do jogo gerou tanta pressão por parte dos receptores, que os criadores se viram obrigados a criar um novo final para satisfazer os seus receptores. Ou seja, foi colocado em causa a legitimidade dos criadores, e o processo de comunicação foi corrompido.

Neste sentido Wolton critica o tecnicismo, a ideologia que acredita que a essência do processo de comunicação assenta na tecnologia e nas suas economias. Um pouco como o médico que se foca na doença e no seu tratamento, esquecendo o ser humano que se encontra à sua frente. Assim fugir ao tecnicismo é vital para se poder providenciar uma comunicação efectiva, em que o centro não seja o processo de transmissão, mas o receptor. Deste modo torna-se algo irrelevante os avanços técnicos da tecnologia nos domínios da velocidade ou multiplicidade de acessos, já que estes avanços não podem mudar o tempo que os homens precisam para se compreender mutuamente. Neste sentido a evolução tecnológica acaba por acentuar os processos de incomunicação, uma vez que o nosso cérebro não os consegue acompanhar. Daí que a informação em directo, ou as grandes ideias de 'democracia directa' percam validade, uma vez que não é pelo simples facto de ganhar acesso à informação que consigo ter tempo e capacidade para a 'digerir'. O problema é mesmo maior do que a velocidade e a quantidade de informação, já que para além de não se conseguir responder à velocidade exigida ou à quantidade apresentada, teremos sempre ainda a falta do conhecimento necessário para interpretar toda a informação, isto porque não nos poderemos especializar em tudo. Como dizia Gustavo Reis na sua palestra TEDxUnisinos 2012,
"The infinite information that is offered by search engines, translates into zero knowledge.
If there is no selection of relevant information and the creation of links between the relevant parts of that information, the infinite information tends to zero knowledge."
Ou seja, se aquilo que é comunicado é-o feito de modo meramente funcional, ou informativo, então fica de lado a hipótese do receptor poder agir sobre essa informação. Liquida-se o processo de comunicação, apesar da informação continuar a ser transmitida.

Neste sentido, o intermediário – jornalista, professor, editor, curador, académico, etc. – continua a ser fundamental para triar, hierarquizar, verificar, comentar, legitimar, eliminar e criticar a informação de modo a guiar o receptor. “Estas profissões intermediárias são indispensáveis para relativizar a ilusão de um mundo transparente, no qual cada um seria um ‘actor multiconectado’. Recordam-nos o papel dos conhecimentos que se devem transmitir. Existem competências específicas que justificam a transmissão” (2009:121). Neste sentido o intermediário terá maior ou menor capacidade para legitimar, quanto maior for o seu “capital simbólico” (Bourdieu), aquilo que permite ao receptor definir as hierarquias de credibilidade dos intervenientes na comunicação. Ou seja, não é indiferente para o receptor, a fonte que emite, o seu reconhecimento confere um determinado grau de credibilidade que facilita e incrementa a verdadeira ação de comunicação, ou seja de compreensão e compartilha.

No essencial esta obra resume o acto de comunicar como um ato de partilha, de sedução e de persuasão, mas como diz Wolton, “o desafio está menos no acto de partilhar o que é comum, e mais no facto de aprender a gerir as diferenças que nos separam” (2009:11). Wolton baseia todo o seu discurso no pressuposto antropológico da “alteridade”, que nos diz que todo o homem social interage e é interdependente do outro. Assim a comunicação tem como referente "a busca do outro e da relação", sendo um processo frágil, em negociação e legitimação constante.

abril 18, 2013

Space Bound (2013), ternura em 3d

When Death’s door is only a few breaths away, how would you choose to spend your last moments? É este o ponto de partida de mais um filme de estudante de Ellen Su e Kyle Moy da School of Visual Arts de Nova Iorque.


Space Bound (2013) é um filme com dois minutos e meio, uma criança e um cão no espaço, consegue questionar-nos sobre tanto em tão pouco tempo. É uma curta de animação 3d carregada de ternura, amizade e empatia. Impossível não se ligar no tema e sentir a mensagem. O final fica por conta da imaginação de cada um decidir!



Em termos estéticos, temos um 3d clássico, muito conseguido, com um bom trabalho ao nível da cor, muito saturada muito orientada à animação tradicional para crianças mais novas. A modelação e o character design muito redondinho capaz de conferir um carácter de brandura à mensagem e tema. No campo narrativo temos uma clara influência do mundo dos videojogos, conseguindo dessa forma criar em tão pouco tempo 2 ou 3 momentos de grande ligação emocional.

Space Bound (2013) de Ellen Su e Kyle Moy

Retratos da auto-estima

Não é um experimento científico, longe disso, faltam aqui muitos ingredientes, nomeadamente a experimentação com homens ou a experimentação com pessoas que conhecem há mais tempo as pessoas, além do facto de o desenho não poder ser equacionado como um dado completamente objectivo, já que se socorre da subjectivade do desenhador e do receptor. Apesar disso é um experimento poderoso, e capaz de lançar algumas luzes sobre a a construção que cada um de nós faz sobre a identidade.



O experimento é simples e consiste em ter um profissional de desenho criminal a desenhar dois retratos de uma mesma pessoa. Um dos retratos descrito pela própria, e outro descrito por uma pessoa desconhecida que teve apenas uma pequena conversa com esta antes de fazer o retrato. O resultado final expõe as retratadas à imagem que fazem de si, e à imagem que os outros concebem de si. Os retratos finais são completamente díspares.

Retratos da Beleza Real (2013) Ogilvy Brazil

A campanha concentra-se na beleza, é uma campanha feita pela Ogilvy Brazil, aliás por isso mesmo se forem ao site da campanha poderão ver o filme com legendas em português. O objectivo passava por dar às mulheres uma demonstração mais objectiva da sua beleza. Algo dentro do estilo de campanhas anteriores da Dove (Ogilvy Toronto, The Evolution of Beauty), mas nos casos anteriores pretendia-se passar a ideia através da desconstrução professional das imagens de beleza que pululam nos media. Aqui foi seguido um caminho diferente, em vez de atacar o criativo, atacar directamente a fonte do problema, a ideia que cada sujeito faz de si.

Julgo que esta campanha é muito conseguida, não propriamente do ponto de vista da beleza, mas antes mais da identidade. A beleza diz apenas respeito à nossa aparência, e o que podemos ver nestes retratos vai muito para além da diferença de aparências. Os retratos criados por Gil Zamora estão na medida do possível despojados de emoção, embora quando vemos o filme não pareça, porque a montagem fílmica entre o retrato e a retratada confere propriedades ao desenho que este não tem (vejam depois os desenhos isoladamente abaixo).  Apesar do esforço de neutralidade emocional (nomeadamente manutenção de mesma posição da boca e dos olhos/sobrancelhas) quando realizamos a comparação é inevitável ler emoções porque elas servem-nos para caracterizar e diferenciar os retratos. Neste sentido o que se pode identificar nos retratos e que me parece mais relevante são as questões relacionadas com a jovialidade e a força interior.

Existe uma tendência para ser mais crítico de si, para exagerar os traços pessoais, por exemplo se a mulher se considera mais forte aparece com uma cara muito redonda, se se considera muito magra aparece com uma cara cadavérica. O problema acaba por emergir desta exacerbação dos defeitos que cada um vê em si que por sua vez acabam por contribuir para criar uma imagem de si mais triste e sem vida. E isto não será imune ao modo como as pessoas se vão descrevendo, claramente que quando me descrevo de modo crítico o faço com algum pesar e tristeza porque a crítica está imbuída desse espírito, e claramente esse tom foi passado para o desenho final. Por outro lado as imagens criadas a partir daquilo que as outras viram, estão desprovidas de tom crítico já que a interação entre as pessoas foi mínima, por isso o modo como se descreve é carregado de um tom mais positivo, reforçando a ideia de jovialidade, alegria, simpatia, ou amizade. Por isso falava no início que seria interessante fazer este retrato com pessoas que se conhecem desde pequenas, ou ainda com pessoas que gostam da pessoa e pessoas que não gostam, para vermos como as diferenças seriam ainda mais carregadas.

Tudo isto apenas para concluir que precisamos não propriamente de nos preocupar mais ou menos com a nossa beleza, mas precisamos sim, e muito de nos preocupar com a nossa auto-estima. Muito mais importante do que ter capacidade para ver em nós uma pessoa bonita, é a capacidade para reconhecer em nós, uma pessoa de que gostamos, independentemente da beleza.




abril 17, 2013

histórias do Title Design

Esta semana surgiu mais um documentário na rede sobre a história do desenho de genéricos, The Film before The Film (2013). Esta é uma arte que me interessa particularmente e sobre a qual já trabalhei do ponto de vista académico. De qualquer modo aproveito este artigo para listar três trabalhos anteriores que se cruzam e ajudam a reforçar os momentos mais relevantes da história deste meio.


O filme A History Of The Title Sequence traça, literalmente, a história do desenho dos genéricos apresentando os nomes dos mais importantes designers desenhando-os seguindo os estilos de cada designer. É um pequeno filme que poderia funcionar como genérico de um documentário maior sobre a área. Vale a pena ver um pequeno making of do filme.

A History Of The Title Sequence (2011) de Jurjen Versteeg

Ainda em 2011 o site The Art of Title preparou uma sequência com alguns dos mais importantes excertos de title design da história do cinema, desde Intolerance até The Social Network. A curta tem apenas música, e apresenta os excertos em modo cronológico. Foi criado para introduzir o prémio Title Design Finalists Screening no SXSW, Austin em 2011.

A Brief History of Title Design (2011) de Ian Albinson

Em 2012 foi a vez da série OffBook realizar também um episódio dedicado à arte do desenho de genéricos. Nessa altura apresentei aqui o documentário e discuti-o em função do artigo que tinha escrito para a academia sobre o assunto, com excertos traduzidos para português.


E finalmente chega-nos agora este novo trabalho, The Film before The Film (2013) de Nora Thoes e Damian Pérez criado na Berliner Technische Kunsthochschule. Uma curta documental que traça a evolução dos genéricos através de uma breve análise da história do cinema. Em certa medida é como se pegasse no trabalho A Brief History of Title Design (2011) de Ian Albinson e o estendesse, adicionando ainda uma narração que vai contando toda a história e importância do meio. É provavelmente o trabalho documental mais completo sobre a história do meio. 


The Film before The Film (2013) de Nora Thoes e Damian Pérez

Outros trabalhos na área dos genéricos que tenho aqui discutido podem ser encontrados seguindo a etiqueta Titles.


ACTUALIZAÇÃO 20/04/2013
Em conversa o Daniel Brandão referenciou ainda a curta documental  "What is Motion Design ?" (2012) de Paola Boileau e Kook Ewo, na qual podemos ver excertos de genéricos misturados com idents de televisão, videoclips e jogos. Um documentário criado para dar suporte a uma ideia que os autores têm e que passa por criar em França um museu dedicado ao Motion Design. Vale a pena ver.

What is Motion Design ?" (2012) de Paola Boileau e Kook Ewo

abril 16, 2013

Entrevista com Mario Costa, realizador freelance

Portugal transborda de talento, trago mais um magnífico videoclip criado por um antigo aluno meu, o Mario Costa que me deixa muito contente. O Mario esteve na UMinho a fazer o seu mestrado em Audiovisual e Multimédia, tendo depois estagiado na produtora Persona Non Grata em Coimbra. O mais relevante em si é o interesse genuíno pela arte cinematográfica e a admiração que nutre pelo cinema português. Algo que fica bem evidenciado neste pequeno videoclip de cinco minutos.



Sem dúvida que o melhor está na fotografia e montagem, as suas áreas de preferência. Diria que em termos de estética se nota alguma influência do trabalho de António Ferreira, o que me diz particularmente bastante já que considero ser um dos mais interessantes talentos nacionais pela singularidade do seu trabalho que consegue juntar muito bem influências internacionais com traços profundamente portugueses. E isso podemos também sentir neste videoclip do Mario Costa para os Lululemon.


Lululemon, Flying Fortress (2013)

Entretanto resolvi passar-lhe algumas perguntas para percebermos melhor o que está por detrás do filme, e percebermos também como anda o espirito criativo nacional em tempos de crise profunda.

Em relação ao videoclip, quanto tempo demorou a fazer? Que tecnologias e softwares utilizaste?
:: O projeto surgiu no final do ano passado e foi-se alongando devido a fatores como a falta de disponibilidade e o estado do tempo. Como não havia um prazo estabelecido para a entrega do projeto, foi possível trabalhar nele durante algum tempo.
Em relação às tecnologias e software, usei o que tinha ao meu dispor. Uma DSLR (Canon 550D), uma GoPro Hero (esta apenas foi utilizada em três cenas), um tripé e um slider.
Na edição e pós produção usei o Adobe Premier pro e o After Effects (para algumas composições). A correção de cor foi feita com o DaVinci Resolve Lite.

O que é que foi mais complicado de fazer?
:: Para mim, o mais complicado foi a parte da produção porque é a parte com a qual me identifico menos. O facto de exercer várias funções nem sempre permitiu que me conseguisse concentrar a 100% em todas. É complicado realizar e ao mesmo tempo filmar, há sempre pormenores de que só mais tarde, já na fase da edição, nos apercebemos.

O que é que te deu mais prazer em todo o projeto?
:: Foi ter trabalhado com pessoas que conheço bem. Estivemos entre amigos e houve alguns momentos de diversão. Para além disso, também me identifico bastante com este projeto.

Como é que surgiu o projeto? Quantas pessoas trabalharam na concepção do filme? E dessas quantas foram pagas para trabalhar?
:: Conheço os Lululemon, somos da mesma cidade, eles convidaram-me para fazer este videoclip e eu aceitei. Eu fiz o trabalho técnico e a realização e participaram três atores. O trabalho foi remunerado.

Como é que está a área em Portugal? Como é que se conseguem estes trabalhos? Dão para viver, ou servem apenas para fazer currículo?
:: Pela minha experiência, é preciso ser muito persistente. Para além disso, a construção de uma boa base de contactos é fundamental e isso só se consegue trabalhando e também é deste modo que se vai criando um currículo. É muito difícil viver destes trabalhos, mas à medida que o nosso trabalho é reconhecido, as propostas vão surgindo.

Como é que se luta todos os dias para produzir trabalhos criativos num país que aparentemente lhe dá tão pouco valor?
:: É preciso gostar muito do que se faz, a situação do nosso país, como todos sabemos é bastante complicada e em tempos de crise a cultura é relegada para segundo plano. Como consequência ou até mesmo pela falta de uma cultura de trabalho nesta área, o audiovisual é pouco reconhecido em Portugal.