Um músico, M83, junta-se com uma dupla de criativos visuais, Fleur & Manu, e criam aquela que será provavelmente a primeira trilogia no formato de videoclipe. M83 trabalha sonoridades electrónicas e uma das suas músicas mais conhecidas, Outro, foi recentemente utilizada no trailer do filme Atlas (2012). A ideia para a trilogia surgiu do facto deste último album de M83 ter surgido quase como uma banda sonora na cabeça Anthony Gonzalez, fundador do projecto M83.
“I love composing music and making music with pictures in my head, it’s really what’s driving me. Cinema is the biggest influence for me – even bigger than music itself, so this album is built as a soundtrack, as an imaginary film. This is what we tried to convey with this trilogy. When I first talked with Fleur and Manu about this video project it was pretty obvious we wanted the same results. I think they were the perfect directors to achieve this…”
As três curtas utilizam como pano de fundo o cinema de ficção científica, indo buscar referências a Village of the Damned, Close encounters of the Third Kind, Akira ou 2001, A Space Odyssey. A narrativa começa com Midnight City, no qual um grupo de miúdos ganha poderes de telecinésia e foge de um asilo. No segundo, Reunion, os miúdos defrontam as autoridades e juntam-se, para no terceiro, Wait, nos levarem por uma viagem introspectiva cheia de questões à lá 2001.
Kirby Ferguson foi ao palco da TED falar sobre Embrace the Remix que tem por base o seu trabalho conceptual em redor da criatividade. Depois de quatro brilhantes vídeos que formam a série, Everything is a Remix, em que Kirby demonstrou com exemplos muito claros como é que a criatividade humana funciona, agora podemos ver tudo isto resumido numa TED de 10 minutos.
O trabalho de Kirby tem duas frentes muito concretas, uma pretende explicar como se processa a inovação e criação humanas. Num segundo plano e assente nesta desconstrução pretende desmascarar aquilo que grandes empresas como a Apple, entre outras, andam a fazer com as suas patentes e os seus processos em tribunal, demonstrando que estas deixaram de contribuir para a inovação e criatividade, mas antes para a sua castração.
O que Ferguson diz não é nada de novo, e foram já muitos os inventores, artistas, designers, engenheiros e criadores que admitiram que aquilo que fizeram não passou de fruto da inevitabilidade do avanço da raça humana ou da "inevitabilidade da tecnologia". É exatamente assim que funciona todo o espirito científico, construir em cima do conhecimento de quem veio antes de nós, e só assim conseguimos evoluir civilizacionalmente. Vejam a talk e vejam pelo menos o quarto vídeo que é o mais elaborado da série.
Este mês consegui ver um filme que andava há 14 anos para ver, e nem sequer é um filme inacessível, simplesmente em todo este tempo não consegui encontrar o momento certo, com a disposição certa para o ver. Falo de The Thin Red Line (1998) que não me desapontou, longe disso, mas julgo que por o ter visto depois de The Tree of Life (2011) acabei por não lhe conseguir dar a nota máxima. Muito provavelmente se o tivesse visto em 1998 teria dado a nota máxima, e por isso estarei a ser injusto. Para além desta obra do Malick vi ainda dois belíssimos filmes de que falei aqui já no blog, About Elly e The Boy in the Stripped Pyjamas. Pelo lado negativo, apanhei duas grandes surpresas, Cosmopolis e Savages. Cosmopolis tem uma belíssima primeira parte, mas não se aguenta na segunda metade. Savages, acaba por ser demasiado como o próprio título, e acaba por me retirar o resto da paciência que ainda tinha para Oliver Stone, inevitável lembrar-me de Natural Born Killers, mas aqui sem a componente formal, nem qualquer espírito crítico, acaba por ir em minha opinião na direcção errada. Surpreso fiquei também com o facto de Amazing Spider-Man não passar de um remake de Spider-Man de 2002, passaram apenas dez anos! Impressiona mais ainda porque é um dos personagens Marvel mais rico em histórias, porquê voltar ao mesmo!
xxxxx About Elly 2009 Asghar Farhadi Irão [Análise]
xxxx The Boy in the Striped Pyjamas 2008 Mark Herman UK [Análise]
xxxx The Thin Red Line 1998 Terrence Malick EUA
xxx Atmen 2011 Karl Markovics Austria
xxx PingPong2006 Matthias Luthardt Alemanha
xxx Wonderful Days 2003 Moon-saeng Kim Coreia Sul
xx Savages 2012 Oliver Stone EUA
xx Cosmopolis 2012 David Cronenberg Canada
xx The Amazing Spider-Man 2012 Marc Webb EUA
xx People Like Us 2012 Alex Kurtzman EUA
xx Extraterrestrial 2011 Nacho Vigalondo Espanha
xx Trespass 2011 Joel Schumacher EUA
[Nota, Título, Ano, Realizador, País]
[x - insuficiente; xx - a desfrutar; xxx - bom; xxxx - muito bom; xxxxx - obra prima]
O MoMA adquiriu 14 videojogos para a sua colecção de arte moderna, e enquadrou-os no campo do Design, mais especificamente do Design de Interacção. Os videojogos são sem dúvida os objectos que mais têm contribuído para o conhecimento e avanço no campo da interactividade. Mas porquê Arte? Porque quando analisamos o trabalho desenvolvido ao longo dos últimos 40 anos nesta área, torna-se inevitável qualificar dessa forma alguns dos seus trabalhos chave, porque essencialmente representaram mudanças de paradigma criativo.
Sorry Jones, but you don't understand the nature of videogames [resposta a]
A curadora do MoMA Paola Antonelli, italiana e defensora do Design como Arte (ver Ted Talk), diz-nos que o trabalho de selecção foi feito conjuntamente com o especialista em design de algoritmos Kevin Slavin (ver Ted Talk), Chris Romero que fez recentemente a sua tese de mestrado sobre videojogos e museus, e os críticos da Kill Screen Jamin Warren e Ryan Kuo. Em termos mais gerais explica o que está por detrás do trabalho de curadoria e do interesse do MoMA nos videojogos,
"curators seek a combination of historical and cultural relevance, aesthetic expression, functional and structural soundness, innovative approaches to technology and behavior, and a successful synthesis of materials and techniques in achieving the goal set by the initial program. This is as true for a stool or a helicopter as it is for an interface or a video game, in which the programming language takes the place of the wood or plastics, and the quality of the interaction translates in the digital world what the synthesis of form and function represent in the physical one."
flOw (2006) de Jenova Chen
Paola Antonelli refere que os parâmetros utilizados na selecção foram quatro - comportamento, estética, espaço e tempo.
Behavior "scenarios, rules, stimuli, incentives, and narratives envisioned by the designers come alive in the behaviors they encourage and elicit from the players" Aesthetics "Just like in the real world, particularly inventive and innovative designers have excelled at using technology’s limitations to enhance a game’s identity" Space "an architecture that is planned, designed, and constructed according to a precise program, sometimes pushing technology to its limits in order to create brand new degrees of expressive and spatial freedom" Time "Interaction design is quintessentially dynamic, and the way in which the dimension of time is expressed and incorporated into the game is a crucial design choice."
Tetris (1984) de Alexey Pajitnov (versão arcade)
Os quatro parâmetros escolhidos colocam em total evidência a ênfase na arte do design de interacção. Dos quatro, a componente estética é a menos conectada com este campo, e a mais facilmente compreendida pelos críticos e historiadores de arte. Talvez por isso se perceba que pessoas como Jonathan Jones reajam tão violentamente a esta acção do MoMA, porque simplesmente não compreendem o que está aqui em questão. Isso fica em plena evidência quando Jones diz,
"The worlds created by electronic games are more like playgrounds where experience is created by the interaction between a player and a programme. The player cannot claim to impose a personal vision of life on the game, while the creator of the game has ceded that responsibility. No one "owns" the game, so there is no artist, and therefore no work of art."
Passage (2007) de Jason Rohrer
"Não existe artista" porque "a experiência é criada entre o jogador e um programa"! Mas como é que isso difere da experiência criada entre um livro e um leitor, entre um quadro e um espectador? Toda a arte requer interacção cognitiva por parte do seu receptor. Aliás fenomenologicamente falando, não existe arte sem receptor.
Katamari Damacy (2004) de Keita Takahashi
Jones refere-se aqui à interactividade mas esta é apenas aquilo que torna a arte dos videojogos singular, tal como a montagem torna o cinema singular. Mas a interactividade não se cria no vazio, não surge do nada, é antes fruto do comportamento, estética, espaço e tempo criados por um autor. É todo um trabalho de uma enorme mestria no desenho de cada experiência de interacção de um jogo. E não, não é uma mestria estagnada na forma, é uma mestria em permanente evolução, em busca da originalidade, tentando quebrar convenções e cânones, em busca da criação de formas experienciais nunca antes percepcionadas. E isto não é arte?
Another World (1991) de Eric Chahi
Myst (1993) de Robyn Miller e Rand Miller
Quando Jones diz "look at those masterpieces it holds by Picasso and Jackson Pollock, and what you are seeing is a series of personal visions". Sim, visões pessoais, tal como Katamari Damacy ou Portal, para não falar em Another World ou Myst. E porque não Pac-Man ou Tetris, porque uma obra de arte não vale por si apenas, vale também pelo contexto e momento da história em que aparece, vale pelo que tem a dizer sobre o meio em que se expressa, pelo modo como vai além do até aí imaginado pela genialidade da mente humana.
Depois de um episódio de nicho, a OffBook traz-nos um episódio que fala sobre uma das artes mais presentes na cultura ocidental, o Design Gráfico. Existe pouca coisa que se crie na nossa sociedade hoje que não passe por alguma processo de design gráfico, seja na elaboração da proposta ou ideia, seja na distribuição de um produto. Somos hoje incapazes de conceber uma sociedade sem design gráfico.
Por ser uma forma de arte tão presente quase nos passa pela cabeça que talvez não valha a pena considerá-la como uma arte. Também o facto de estar tão intimamente ligada ao lado comercial, faz com que muitos a olhem com algum desdém. Depois a sua vertente funcional acaba também por afastar alguns dos mais puristas defensores do reduto da arte. Mas a realidade é que o design gráfico tem um enorme impacto sobre nós, mexe conosco, comunica conosco porque essencialmente consiste na arte de comunicar visualmente.
Though often overlooked, Graphic Design surrounds us: it is the signs we read, the products we buy, and the rooms we inhabit. Graphic designers find beauty within limitations, working towards the ultimate goal of visually communicating a message, be it the packaging of a product, the spirit of a book, or the narrative of a building. Utilizing a language of type and imagery, graphic designers try to make every aspect of our lives defined and beautiful.
Está a decorrer a I Conferência Internacional em Ilustração e Animação em Ofir, organizada pelo IPCA, sob a direcção da Paula Tavares, Paul Wells e Pedro Mota Teixeira. Entretanto aproveitei o hiato de espera pelo jantar para escrever um pouco sobre as ideias que pulularam durante esta tarde pela conferência.
Ao final da tarde estive a presidir a uma mesa na qual pudemos discutir questões em redor das camâras virtuais, e o seu poder para se mostrar a si próprias. Ou seja, pegando no exemplo de abertura de Fight Club em que a câmara sai de dentro do cérebro de Edward Norton, para nos mostrar algo impossível com uma câmara real. Até que ponto neste campo as câmaras se estão a limitar a mostrar em vez de contar, era a questão lançada.
Imagem da sequência de abertura de Fight Club (1999)
O autor do texto perguntava até que ponto a mimeses deixa de se diferenciar da diegeses. Na mesa seguinte surgiu uma nova discussão que veio de encontro a esta lógica da diegeses e mimeses, e que nos falava sobre a diferença entre a ilustração e o texto, e o facto da ilustração conseguir comunicar ideias que o texto parece não estar apetrechado para fazer.
"A verbal metaphor, because it can be imagined differently by each reader, might not be strong enough to overcome established assumptions. However, actually seeing that metaphor creates a more concrete experience." (Susan M. Hagan)
É fácil pensar nos filmes da RSA Animate em que as ideias são transformadas em ilustrações para percebermos o quanto esta afirmação pode ser real. A facilidade com que acedemos ao conteúdo da comunicação quando esta ganha corpo visual. Por outro lado não posso deixar de confrontar isto com as ideias com que me tenho debatido recentemente e que vão num sentido contrário, ou talvez não, depende da abordagem. A minha ideia é de que a imagem por ser mais fácil de apreender se torna mais limitada na capacidade para comunicar sentidos mais complexos.
Veio isto a propósito de uma Ted X - The Mystery of Storytelling de Julian Friedmann na qual se defendia que o filme de Hollywood se tem vindo a tornar mais visual, e nesse sentido os seus filmes contêm sensivelmente apenas 2/3 do diálogo dos filmes Europeus. Este abaixamento do diálogo não é algo que surja do plano criativo, mas tem sido mais uma imposição mercantilista no sentido de tornar os filmes acessíveis em todo o planeta em termos línguisticos. Ora o que me debato, e lanço aqui a questão, é até que ponto o facto de tornar o filme mais visual e menos dialogado, se impôs como uma limitação gramatical da linguagem cinematográfica, que ao ficar impedido de usar o texto se viu incapaz de atingir camadas de sentido mais complexas, talvez só acessíveis pela linguagem. Sobre isto tenho discutido com as minhas colegas do projecto engageBook. O exemplo dado pela Ana Lúcia, é muito relevante,
“Quando alguém diz ou escreve Árvore. Todos aqueles que ouvem ou leem, visualizam na sua cabeça uma árvore diferente. Quando por outro lado se plasma a palavra numa imagem, todos na audiência veem mentalmente a mesma árvore.”
Assim temos que o texto, em vez de fechar uma ideia, de a limitar, abre-a muito mais. Neste sentido podemos dizer que o texto é pela sua natureza formal, uma obra sempre minimal. Ou seja o texto consegue estimular no leitor quase sempre um universo de sentidos em diferentes camadas (a tal Obra Aberta (1962) de Umberto Eco), algo que a imagem só consegue fazer quando se agarra ao lado mínimo do visual, quando de algum modo se esconde e não mostra o que tem para dizer.
Uma imagem vale mil palavras. Será?
Além disto o texto tem ainda um outro poder muito importante, que é o facto de que: quando Eu ouço a palavra “árvore”, eu vejo a Minha “árvore”, e não a do autor da ilustração. Neste sentido a capacidade para se ligar afectivamente é mais ampla no texto do que na imagem. Se assim é, resta à imagem como única porta de salvação ficar-se pelo convencionado, pelo cânone, para conseguir chegar a todos, para conseguir tocar a todos. Talvez isto explique em parte, porque o Cinema e os Videojogos se fazem cada vez mais de sequelas. Mas enfim, isto daria para muito mais discussão, e muito provavelmente em breve voltarei aqui a este tópico.
"We ❤ Retro Media: Vinyl, VHS, Tapes & Film" é o 30º episódio da série OffBook e saiu já no início deste mês, mas ainda não tinha tido oportunidade de o ver. É um episódio dirigido a um nicho dos nichos da arte moderna. Este episódio fez-me lembrar o episódio #25 - The Art of Glitch dado o carácter circuncscrito e limitado da técnica e dos seus públicos.
Quero no entanto dizer que a crítica que faço diz respeito mais às cassetes de audio e de vídeo, e não propriamente ao Vinyl e Filme. Julgo que as propriedades de uns são incomparáveis com as propriedades de outros, em termos de registo e preservação. Aliás as cassetes nunca passaram muito da ideia de mero registo de cópia, e não um real detentor de obra original.
No fundo tudo isto que aqui falamos não passam de suportes das obras, não são as obras, e é nesse sentido que não lhes atribuo grande validade. Aliás se pensarmos no CD enquanto suporte, terá sido o suporte que mais rapidamente cresceu na história dos media, talvez ainda superado pelo DVD, um seu sucedâneo, e da mesma forma se tornou no suporte que mais rapidamente se desvaneceu.
We live in a digital world that gives us all the media we could possibly dream of at the click of a mouse, yet many people miss the old school physical formats from our past. Listening to vinyl and cassettes allows us to connect with music in a different way than MP3s. VHS and 8mm create visual aesthetics and atmospheres that are difficult to replicate in digital video.
Não é propriamente revolucionário, mas o interessante é percebermos que é possível criar vídeo a partir de qualquer tecnologia de produção visual. O Instagram é uma rede social de fotografias que tem a particularidade de colocar à disposição dos utilizadores um conjunto de filtros retro que transformam e marcam todas as fotos que ali entram. Estes filtros tornaram-se imediatamente numa imagem de marca da própria rede. Aliás o Instagram conseguiu em poucos anos roubar a mística que a Polaroid tinha criado no mundo das fotos físicas. Usando as mesmas dimensões de uma fotografia Polaroid, e aplicando filtros conjugados de transformações da saturação/desaturação, de brilho, contraste, e sharpening, o Instagram criou uma identidade formal própria na apresentação de fotografias. Com todo este sucesso era inevitável que alguém se lembrasse de criar um vídeo com recurso a esta aplicação.
“The First Ever Music Video Filmed Entirely Using Instagram"
O vídeo foi criado por Arturo Perez para a banda mexicana The Plastics Revolution. Foi fotografado na cidade de São Francisco mas ao contrário do que chegou a circular na rede, as fotografias não foram feitas com um iPhone, mas antes com uma Canon 7D, só depois foram colocadas no iPhone 4s para serem convertidas para o Instagram. O que era inevitável, pois existem partes do vídeo que só poderiam ter sido feitas com outras máquinas muito mais rápidas ou então no formato de vídeo. Arturo Perez refere assim que usou a Canon 7d, para poder fazer uso da sua capacidade de fotografar 7 imagens por segundo. Deste modo foram feitas 45 mil fotos na Canon, das quais foram seleccionadas 1905 para ser convertidas para Instagram e são essas que aparecem neste vídeo.
Acabei de ler The Age of Empathy de Frans de Waal, que viagem magnífica. Trabalho com o conceito da Empatia desde o início da década passada, e vi o evoluir da aceitação do conceito pela academia ao longo dos últimos anos, ler tudo isto foi um reforçar de muitas convicções. Não conhecia ainda Frans de Waal que foi eleito em 2007 um dos 100 cientistas a seguir pela Time. O seu trabalho enquanto biólogo, primatologista e etologista levou-o a desenvolver estudos comparativos entre os animais, só mamíferos, e o ser humano, e a procurar compreender que características animais se comparam connosco. De Waal publicou vários livros mais ligados à primatologia e etologia, mas apareceu no ano passado numa TED muito partilhada, Moral Behavior in Animals, e que praticamente resume o conteúdo de The Age of Empathy.
Neste livro e nesta Ted, De Waal fala da empatia, mas abre a sua aplicabilidade, ao comparar a empatia animal com a do ser humano, coloca o dedo na ferida aberta pelo capitalismo em 2007. De Waal recua lá atrás para nos dizer que Charles Darwin não nos deixou apenas o legado da Selecção Natural, demonstrativo do vigor competitivo. Depois de escrever a Origem das Espécies, escreveu The Expression of the Emotions in Man and Animals (1872), aonde explicava em muito maior detalhe como se processava a comunicação interpessoal e social tanto nos animais como nos humanos através da emoção. Como diz De Waal, “biology is usually called upon to justify a society based on selfish principles, but we should never forget that it has also produced the glue that holds communities together” (2009:7). O problema é que a ciência não estava ainda preparada para o estudo das emoções no tempo de Darwin. Aliás como o De Waal vai sempre dizendo ao longo deste livro, a academia sempre foi reticente em aceitar a possibilidade de equiparar as características animais com as dos humanos. Em termos cognitivos, emocionais, comportamentais, ou de consciência. Não sabemos se por forças religiosas, ou se por simples obstinação antropocêntrica, mas ainda hoje persistem tiques na academia e fora dela nesse sentido.
Ted Talk Moral Behavior in Animals (2012) de Frans de Waal
Aliás um dos melhores documentários que vi até hoje, e que continua a ter muito pouca divulgação, chama-se Why Dogs Smile and Chimpanzees Cry (1999). É uma obra poderosa, capaz de demover qualquer antropocentrista. Ao longo de hora meia somos levados a compreender como entre o homem e os restantes mamíferos, existem tão poucas diferenças. Mas diga-se que o grande responsável por se ter colocado as Ciências Afectivas no mesmo patamar das restantes ciências na academia foi António Damásio, e o seu O Erro de Descartes (1994). Com ele foi possível começar a aceitar-se no plano científico o conceito de empatia sem se ser rotulado de fantasista, ou pior. Continuamos a trabalhar para demonstrar a sua cientificidade, mas são cada vez mais as áreas que abraçam o conceito, desde a Psicologia à Biologia. E se no campo da criatividade antes se falava em Desejo e Projecção, conceitos caros à Psicanálise, hoje assumimos a Empatia como o grande conceito que define de forma ampla a relação entre os seres, entre os seres e os animais, e entre os seres e os objectos ou obras.
A Empatia começou pelo simples significado de senso comum - “colocar-se no lugar do outro” e evoluiu entretanto. Zillmann trabalhou a conceptualização no campo da Psicologia dos Media definindo a Empatia como um estado no qual, não apenas “sentimos como o outro, mas sentimos pelo outro”. No campo da neurociência em 1998 Gallesse e Goldman descobriam os chamados neurónios-espelho que permitiram avançar o nosso conhecimento sobre os processos neurológicos por detrás da empatia. Os neurónios-espelho, são responsáveis pela nossa atividade de mímica do outro, e de certo modo explicam processos afectivos mais básicos como o Contágio Emocional. Baron-Cohen (2003) pelo seu lado dividiu a empatia em duas componentes - cognitiva e afectiva. A primeira define a capacidade para “prever o comportamento ou estado mental de outra pessoa”, enquanto a componente afectiva define a “resposta emocional apropriada ao estado emocional da outra pessoa”. Posto tudo isto eu dizia no meu livro Emoções Interactivas, que
"o processo de empatia é um processo complexo, que está intimamente relacionado com as teorias da mente ou da simulação mental sobre a nossa capacidade para construir um modelo da mente do outro seja por meio da simulação ou imaginação, que potencie a competência para antecipar as acções do outro e, desse modo, não só perceber e sentir o outro, mas também agir, ajustando-se emocionalmente ao outro. É um dos pilares fortes da interacção social..." (Zagalo, 2009:62)
De Waal neste seu livro leva a definição um pouco mais longe, porque estabelece uma relação mais directa entre a imagem mental de empatia e a nossa acção fisiológica. Partindo de tudo o que elenquei aqui antes, desde o senso comum aos neurónios-espelho, De Waal diz,
“empathy and sympathy start not in the higher regions of imagination, or the ability to consciously reconstruct how we would feel if we were in someone else’s situation. It began much simpler, with the synchronization of bodies: running when others run, laughing when others laugh, crying when others cry, or yawning when others yawn.” (De Waal, 2009:51)
A "Sincronia dos Corpos", é para mim o conceito mais importante apresentado neste livro. Um processo mecânico, sem complexidades, fruto da evolução das espécies, e através do qual conseguimos ao longo de milénios, desenvolver sistemas sociais de tão grande complexidade. Aliás Rizzolati num artigo de 2004 vai mais longe elevando a importância dos processos de gregariedade, à condição básica do nosso sistema de aprendizagem,
“Se queremos sobreviver, precisamos de perceber as acções dos outros. Para além disso, sem compreender a acção, a organização social é impossível. No caso dos humanos, existe uma outra faculdade que depende da observação das acções dos outros: aprendendo imitando. Diferentemente da maior parte das espécies, nós somos capazes de aprender imitando, e esta faculdade está na base da cultura humana” (Rizzolatti e Craighero, 2004).
Esta afirmação de Rizzolatti é interessante duplamente, porque se é verdade que somos o que somos, porque aprendemos imitando, e evoluímos imitando, não é menos verdade que os animais não sejam capazes de o fazer. E esse acaba por ser uma das grande discussões presentes neste livro de De Waal. Demonstrar que eles têm consciência de si, e que eles conseguem aprender uns com os outros, que eles conseguem sentir empatia. O que eles têm, em princípio, é um processo de memorização menos sofisticado, que impossibilita que o conhecimento se acumule, e desse modo se possa transformar e evoluir. No fundo o que faz de nós seres ligeiramente diferentes dos animais, é a nossa capacidade para exercitar continuamente o método experimental, procurar antever o “depois”, através de tudo aquilo que sabemos do “antes”.
Mas o mais importante é que tudo isto demonstra que o discurso sobre a evolução das espécies tem sido erradamente associado à competitivdade e agressividade. Percebe-se daqui que se somos hoje a espécie mais evoluída do planeta é graças ao enorme sentido colaborativo e de partilha que conseguimos estabelecer na interacção social. Tem sido através deste sentido, que cria rede social, que temos conseguido evoluir o conhecimento de nós próprios. Mas se isto surpreende quem defende teorias económicas do relacionamento social, não surpreende quem estuda a psicologia social desde há mais de 50 anos.
O mesmo experimento de Frans de Waal com os mesmos resultados mas do documentário Capuchins: The Monkey Puzzle
Não é de agora que estabelecemos a forma como o ser mamífero funciona por oposição ao réptil. A essência está presente desde a primeira hora em que nascemos. Sem uma vinculação forte entre mãe e filho, a possibilidade do bebé sobreviver é muito reduzida. Passamos a infância toda dependentes dos seres mais velhos, que nos levam comida a boca e dão carinho. Dos estudos realizados há mais de meio de século, em tempos perturbados, percebemos que o bebé não definha apenas por falta de comida, mas também por falta de contacto humano. Sem o contacto humano, o nosso cérebro não constrói as sinapses necessárias para poder compreender o outro, e emocionar-se com o outro, os fundamentos da empatia não se constroem tornando-se num ser associal. A empatia é assim, como diz De Waal, a cola que nos mantém juntos, e nesse sentido é uma das característica que a Selecção Natural tudo tem feito para preservar.