julho 19, 2012

paisagem cinematográfica Otomanizada

Classic Movies in Miniature Style é um projecto experimental de reconstrução de imagens atuais segundo técnicas e com objectivos de envelhecimento específico. Nasceu de um trabalho de estudante de Murat Palta que pretendia fazer convergir iconografia ocidental com iconografia oriental. Deste modo pegou em cartazes e imagens do cinema americano contemporâneo e trabalhou-as no sentido de adquirirem uma nova identidade visual.

A Clockwork Orange

A paisagem cinematográfica visual de filmes como Alien (1979) ou A Clockwork Orange (1971) resultam numa nova configuração cultural visual que nos transporta para o século XVI em pleno Império Otomano. A reconstrução feita por Palta foi no sentido de lhe atribuir toda uma estilística emanada das convenções das Miniaturas Otomanas, que serviam como forma de expressão no império Otomano. As ilustrações destas miniaturas procuravam sempre ilustrar acontecimento ou eventos, mas a sua abordagem estética evitava a mera mimesis, indo assim mais pela campo da generalização e da abstracção.

Alien

Este projecto Murat Palta, não é único na forma, mas é de suma importância no mundo contemporâneo dos media visuais, porque nos dá a ver de uma forma cristalina como os nossos ideais mentais estão tão formatados e convencionados. Apesar de estilos diferentes, foi inevitável olhar para estas imagens e pensar no Cinema Indiano. Perceber porque sendo o país com a maior indústria do planeta, dificilmente consegue sair do seu país. Em contraponto levant questões como, então como é que o cinema americano consegue chegar a praticamente todos os países? Isto é trabalho para teses académicas, mas teremos aqui com certeza um misto do poder do marketing, do império, e claro da evolução estética num sentido de optimização do gosto comum.

 Goodfellas

 The Godfather

Inception 

 Kill Bill

 Pulp Fiction

 Scarface

 The Shining

 Star Wars

Terminator II

julho 17, 2012

projectos criativos, da rede para o cinema

Mais uma vez a paixão pelo que que se ama, o trabalho colaborativo e o potencial da rede a demonstrar que pode funcionar como catalisador de projectos criativos. A curta Archetype (2012) de Aaron Sims foi lançada no YouTube conseguindo gerar um enorme hype e com isso chamar a atenção dos grande estúdios, estando já em produção pela Fox.

This project was a labor of love, and so many talented, hard-working people helped in making it come to life. "Archetype" would not have been possible without all the talented individuals who contributed their time and skill, and I thank them - each and every one.

Please tell everyone you know to watch the short; the more people and positive responses we receive (and even likes on the YouTube page that we get) make a difference. With your help, we can hopefully get the feature version made - so Tweet, Facebook...get the word out!
O filme conta a participação de Robert Joy

Aaron Sims não é propriamente um qualquer desconhecido do meio. Basta aceder à sua página no IMDB e ver a quantidade filmes de grande orçamento em que trabalhou ao longo dos últimos 20 anos, nos campos de Concept Art, Character Designer, Direcção de Arte ou VFX. Títulos como Sucker Punch, The Amazing Spider-Man, Rise of the Planet of the Apes, Transformers: Dark of the Moon, The Day the Earth Stood Still, The Incredible Hulk, I Am Legend, Fantastic Four, Doom entre muitos outros. Mas uma coisa é trabalhar numa pequena área de um filme, e outra bem diferente é realizar o seu próprio filme e era isto que Sims procurava quando fez esta curta. Criar o seu projecto, implementar a sua visão, a sua ideia na forma como a imaginou. E foi isso que conseguiu.



A curta é um trabalho muito interessante de 7 minutos, que nos leva através das discussões sobre o sentires dos robôs, aqui derivado de um aspecto mais cyborg, com as misturas entre tecido e metal a gerar o aparecimento de réstias de recordações embebidas nos tecidos. Depois e como não poderia deixar de ser toda a Arte VFX são de excelência, de um nível totalmente profissional. Apesar de como nos diz Sims, o projecto ter tido um "budget of $0 with personal expense on my part and no funding".

Archetype (2012) de Aaron Sims

julho 16, 2012

um Império no mundo da Animação

Trago uma curta que saiu em Dezembro 2011 por altura do 110º aniversário de Walt Disney, como são muitas as coisas que me chegam vou guardando e algumas acabam por ser apenas analisadas muito tarde. Foi o caso desta curta, D. on Ice (2011) de Ale McHaddo, que acreditei ser algo completamente diferente quando me chegou.


D. on Ice baseia-se no mito urbano de que Walt Disney não terá sido sepultado mas criogenizado. A partir daí encena um ressuscitar passados 200 anos da sua morte, o que nos coloca em 2166. Ao acordar Walt Disney é levado a visitar o seu império, e é-lhe explicado como os seus sonhos foram implementados enquanto esteve "no gelo". Desta forma o filme trabalha o futuro, e muito do presente daquilo que é e será, ainda que de modo figurado, a Disney.



D. on Ice é um filme que todos os que trabalham no mundo da animação vão gostar de ver, reflecte sobre o estado da arte actual e o seu futuro. Claro que atira essencialmente ao actor principal que é a Disney, mas não é apenas disso que se trata. Temos aqui uma curta que executa uma crítica social em profundidade ao meio, e que julgo que é preciso ouvir e reflectir. Ouvi algumas vozes levantar-se contra o filme, porque estaria de alguma forma a endeusar Walt Disney, mas não é disso que se trata aqui, é sim da arte da animação. De lhe reconhecermos o valor enquanto arte, e não como mera indústria de produção de lucros.




Uma última nota, o filme é brasileiro o que me deixa ainda mais satisfeito. Foi criado pela 44 Toons que é uma empresa de São Paulo que trabalha a animação em vários suportes - tv, cinema e jogos. O fundador da 44 Toons, e realizador desta curta, Ale McHaddo é ainda professor de game design na Universidade Anhembi Morumbi aonde trabalha com colegas como a Adriana Kei da Cats in the Sky.


D. on Ice (2011) de Ale McHaddo

julho 14, 2012

José Alves da Silva, uma referência em character design 3d

Fiquei impressionadíssimo com o trabalho de José Alves da Silva que assumo, desconhecia. E o mais interessante é que não desconhecia o seu trabalho, desconhecia é que alguns trabalhos desses que agora reconheci fossem do José Alves da Silva. A última lista de artistas nacionais que aqui publiquei não lhe fazia qualquer menção.

Lil B! (Junho 2012), criado com 3ds max, VRay, ZBrush

O José acabou o seu curso em Arquitectura em 1996 e logo a seguir fundou a empresa Pura Imagem, empresa de 3d dedicada à visualização de Arquitectura. Esteve na Pura Imagem durante 15 anos (com mais 3 sócios), até que em 2009 cedeu a sua quota para se dedicar à actividade de freelancer na área de personagens. Em certa medida isto explica porque é que o seu trabalho criativo pessoal apenas começa a aparecer em 2009, mas talvez mais importante tenha sido o facto de nesse ano ter vencido o Image Master Award no CGSociety Challenge XXIV, com Mouse Love (2009).

Mouse Love (Agosto 2009) criado com 3ds max, Photoshop, VRay, ZBrush

As obras de José Alves da Silva são de uma qualidade incrível. Não é tanto a escultura/modelação, ou o realismo, é mesmo o detalhe, a assimetria e a “rugosidade” das formas e os pormenores na construção dos cenários. Depois em termos de textura e shadings é tudo tão absolutamente perfeito, bem saturado, realista mas suficientemente cartoonizado. Ou seja, o trabalho de José Alves da Silva não é daqueles que dizemos ser tecnicamente perfeito, ele é apenas e só, artisticamente brilhante.

Tequila Tatu - an Armadillo's Alcohol Addiction (Fevereiro, 2011) criado com 3ds max, VRay, ZBrush

Tendo em conta que qualidade deste nível não se vê todos os dias, não admira nada todo o reconhecimento que este artista nacional tem tido internacionalmente. São mais de 10 capas de revistas - 3DCreative, BANG!, PIXEL magazine - e livros internacionais - ZBrush Character sculpting - mais de 20 artigos/inclusões em revistas internacionais - 3D Artist (UK), 3D World (UK), 2D Artist (UK), 3DCreative (UK), Zupi (Brasil), PIXEL magazine (Républica Checa), Animation Reporter (India), Mars (China) - e nacionais - Computer Arts (Portugal), BANG! (Portugal) -, e mais de 60 distinções/prémios - CGTalk CG Choice Award, 3D Total Excellence Award, CG Hub Gold Award, It's Art Hall of Fame, Game Artisan's Award of Recognition, Deviant Art Daily Deviation, CG Arena Excellence Award, 3D Artists Jury Pick, Dopw Award, Art Limited Choice Gallery, GoldenTopia Award, 3D Artist Picture of the Week, CG Feedback Top CG Award, Art Squared Monthly Masterpiece -.

Capas de José Alves da Silva na 3dcreative entre 2009 e 2012

A juntar a tudo isto José Alves da Silva publicou ainda trabalho em alguns dos livros mais emblemáticos da arte 3d internacional - Exposé 9 e 10, Exótique 5 e 6, Digital Art Masters 5 e 6, Digital Art Masters 7, d'Artiste Character Modelling 3, Photoshop for 3Dartists, ZBrush Character sculpting -. Com tudo isto tenho poucas dúvidas que o José seja o artista 3d português mais reconhecido e premiado internacionalmente de sempre.

Fiz entretanto algumas perguntas ao José, que teve a amabilidade de responder e com grande celeridade. As respostas são muito interessantes para todos os que partilham a profissão, mas acima de tudo todos o que buscam entrar nela. Leiam mas acima de tudo percam-se no meio do seu magnífico trabalho, cada obra está tão cheia de pequenos detalhes que podemos passar muito tempo a olhar para cada uma delas.

A break from Bamboo (Maio 2011) criado com 3ds max, mental ray, Photoshop, ZBrush


1 – Como se atinge este nível de mestria de uma arte que exige ao mesmo tempo conhecimentos de escultura e de pintura?
:: Eu acredito que temos sobretudo de ganhar cultura visual, conhecendo o trabalho de outros artistas e enchendo a nossa cabeça de memórias. Os princípos base da arte são universais e intemporais. Aprendemos muito apreciando a arte de todos os períodos históricos, assim como os artistas contemporâneos. Essa vai ser a matéria a partir da qual iremos criar as nossas futuras obras. Acredito que a originalidade é sobretudo uma nova abordagem a algo que já conhecemos. Sem memória não há matéria para criar.
Pintar e esculpir é materializar a imagem que temos na nossa cabeça. A escultura e pintura digitais são mais fáceis do que as suas vertentes tradicionais, temos muitas hipóteses de errar e rectificar. Por isso podemos dar-nos ao luxo de ir experimentando e rectificando até atingirmos a imagem mental que criámos. É uma questão de persistência e treino das mãos para que acompanhem a cabeça.

Rhino General (Outubro 2011) criado com Photoshop, ZBrush

2 – Quanto do teu trabalho acreditas ser fruto de talento individual, e quanto do teu trabalho é aprendizagem?
:: Não sei se talento e trabalho podem ser separados. No caso do desporto podemos falar de uma aptidão física/genética, em relação às artes acho que é mais uma questão de educação e muitas horas de dedicação. Acredito que quem comece a desenhar/pintar cedo e mantenha essa actividade ao longo da sua vida consegue ter uma destreza superior a quem comece na idade adulta, da mesma maneira que uma criança que aprenda uma língua muito cedo tem a fluência de um nativo, não se passando o mesmo quando aprendemos uma língua mais tarde.
No meu caso, acho que sempre gostei muito de desenhar/pintar e nunca deixei de o fazer. O que faço é o resultado de todas as horas que treinei/estudei ao longo da minha vida.

The Boxing Kangaroo (Abril 2010) criado com 3ds max, mental ray, Photoshop, ZBrush

3 - Com tanto reconhecimento internacional e nacional, o número de pedidos  de trabalho que te chegam devem ser muito superiores ao que consegues dar  resposta, como é que arranjas tempo para criar trabalho teu, e participar em concursos?
:: Na verdade já há cerca de 2 anos que não faço um trabalho pessoal (a 100%) e não participo em concursos. No entanto, sempre que escrevo um artigo para uma revista que implica fazer uma imagem ou faço um trabalho comercial para um cliente tento dar o melhor de mim. À partida tento que todos os trabalhos que faço sejam matéria para portfólio. A verdade é que em muitos deles coloquei tanto de mim que acabam por parecer trabalhos pessoais, mas na realidade não são.  É o resultado de eu ter a grande sorte de trabalhar naquilo que me apaixona fazer.

Barrio Guy (Julho 2010) criado com 3ds max, Photoshop, VRay, ZBrush

4 - Tendo tu passado pela Universidade na área de arquitectura, o que é que achas que faz falta no Ensino Superior por forma a facilitar a geração de mais talentos nacionais na área do 3d?
:: A área do 3d implica (como muitas outras) uma aprendizagem que excede em muito aquilo que se pode dar num curso. É uma área muito tecnológica e em permanente mutação do ponto de vista das ferramentas e técnicas que usamos. Ninguém pode esperar tirar um curso e que essa bagagem de conhecimento lhe sirva para o resto da vida. Apenas 3 anos após o curso já tudo terá mudado.
Os cursos ou formação devem servir sobretudo para criar bases saudáveis, sobretudo ao nível das disciplinas fundamentais da arte. Também devem ser ensinadas as ferramentas e técnicas actuais mas incutindo no aluno a cultura da contínua aprendizagem e investigação. Só assim conseguirão sobreviver na indústria. Um curso em que estas duas vertentes sejam privilegiadas constituirá uma boa plataforma de lançamento.
Do que tirei no curso de Arquitectura, uso sobretudo aquilo que aprendi nas disciplinas de desenho, realçando a importância da teoria da côr ou a forma como devemos manter a mente aberta em relação a novas técnicas. O facto de ser um curso criativo, em que desenvolvemos projecto durante cinco anos também nos incute hábitos de criação diários. No entanto, na minha área sou sobretudo auto-didacta e tento, de facto, aprender coisas novas todos os dias e manter-me actualizado.
Aconselho a que as pessoas estudem em cursos que lhes ofereçam boas bases artísticas e que complementem esse conhecimento com disciplinas mais técnicas que explicam o uso das ferramentas (software). A partir daí é necessário manter a cabeça aberta para o resto da vida.

julho 13, 2012

o mito, da pintura para o cinema

Mais um trabalho, Metamorphosis (2012), que evoluiu da Pintura para o Audiovisual. Depois de Gogh, Munch e Picasso temos agora Titian com a sua obra Diana and Actaeon (1559). A curta baseia-se no mito de Diana e o Alce, que por se tratar de uma lenda, tem diferentes abordagens narrativas sobre o que realmente se teria passado.

Diana and Actaeon (1556–1559) de Titian, National Gallery, London

O mito mais conhecido diz-nos que o caçador se transformou em alce, e viu a sua morte nas mandibulas de cães caçadores. Nesta curta, o geral está lá, partimos da tela, mas o resto serve a imaginação. Não digo que seja uma abordagem original, é algo que temos visto vários vezes no cinema de género no campo do horror.

Escultura de Acteon e os cães caçadores, no palácio de Caserta, Sul de Itália

Em termos de arte audiovisual, temos um trabalho de grande excelência técnica principalmente na realização e fotografia, criado pela Tell no one, que dá gosto ver e rever. Sinto que as novas propriedades imagéticas proporcionadas por todo este movimento de pequenas câmaras fotográficas DSLR, vai deixando a sua marca, e abrindo novos territórios no modo de contar histórias em formato audiovisual.


Off Book: "The Art of Logo Design"

Novo episódio Off Book é sobre uma arte tão antiga como a própria arte. O design do logo nada mais é do que a criação de uma única imagem capaz de transmitir uma ideia.


Este episódio passa ao de leve sobre a história dos logos, dá uma passagem pelos básicos do design de logos, fechando com a propriedade que é considerada aqui a mais importante, a intemporalidade.

A logo can express everything, but it should definitely express the thing that's the most important, the thing that needs to be expressed.

julho 12, 2012

pensamentos em diálogo com o corpo

Ontem foi dia de estreia da performance Strings of Thought na CEC Guimarães 2012. Um trabalho criado por Lígia Teixeira e Ivan Franco do colectivo Milliways. A performance apresentada resultou da combinação de dança contemporânea, cenografia interactiva e media digitais.

Imagem de Liza Wade Green

Em termos de conceito, a coreografia e o cenário evocam uma metáfora das ligações neuronais, da construção de pensamento, derivado dos processos contínuos de tomada de decisão. As bifurcações nas escolhas, os avanços e os recuos, as pausas e as suspensões para a reflexão, as acelerações e travagens nas respostas. Segundo a sinopse,
"No diálogo com a consciência cruzam-se argumentos baseados em valores morais, personalidade, razão e emoção, resultando muitas vezes em dilemas difíceis de resolver. Este olhar para dentro representa o diálogo com o “eu”, a personalidade alternativa que faz parte da condição humana e que tantas vezes induz uma luta interior." 
Do conceito surge a obra, e dessa, outra ideia salta à vista, a questão insurgida com Damásio, da luta entre o corpo e a razão, entre a emoção e a cognição. Da performance podemos denotar toda esta tensão como um contínuo da nossa vivência. Quando a mente procura ser o centro de controlo, mas o corpo reage e nem sempre da forma esperada, acabando muitas vezes por ser este a moldar a nossa atitude, a nossa reacção, a nossa decisão. Porque na tomada de decisões, não existe apenas razão, nem apenas emoção, coexistem, dialogam e entram em acordos de compromisso.

Imagem de Radek Konopka

Em termos de cenário e media interactivos, o espetáculo é muito interessante porque explora algumas ideias novas. A performer está presa por uns cabos, e esses cabos por sua vez estão ligados a um sistema de produção sonora/musical. Mas a interacção não é meramente reactiva, Ivan Franco diz-nos que optou por desenvolver sistemas de resposta embebidos em algoritmos generativos para gerar incerteza na reactividade, o que em meu entender evoca um pouco o contínuo caos do pensamento de cada um de nós. Passamos assim parte do espectáculo a tentar perceber quem controla quem.

Na área da dança, Ligia Teixeira não é puxada pelos cabos antes o contrário, é ela quem controla todo o sistema. Daí que o seu trabalho seja ainda mais interessante porque a forma como esta expressa o conceito através do movimento do seu corpo, consegue criar em nós a ilusão de que ela está de certo modo e em vários momentos, a ser literalmente arrastada pelos cabos, ou seja pelos pensamentos e devaneios, e que o corpo ora domina, ora se submete.

Imagem de Liza Wade Green

Visualmente o trabalho funciona com grande impacto visual, não só pela estranheza dos cabos, mas também do guarda-roupa, uma saia comprida em material semi-rígido escuro lembrando códigos de indumentária industrial futura. As luzes que sustentam o peso da escuridão em plena sintonia com o movimento do corpo e as reacções dos "pensamentos" (os cabos). Senti que estávamos perante um cenário de ficção-científica distópico, não só visual mas conceptual também, atirado para as questões do controlo do pensamento, da imobilidade em face do desconhecido promovido pela escuridão e "nevoeiro".

Ainda podem ver hoje e amanhã no CAAA, Guimarães.

Nyman, McAlmont, Cooper e Cobby num remix criativo

Max Cooper é compositor de música de dança com um toque de melancolia e racionalismo, que lhe dá toda uma aura mística no meio. Da sua biografia, para além das mais de 50 obras originas editadas podemos retirar o seguinte,

A melancholy composer whose live sets can raise blisters in a club, Cooper is as comfortable writing abstract electronica as he is writing dancefloor techno 12"s . A rationalist with an otherworldly, idealistic side, Cooper is also a wildly creative musician who until recently had a day job as a sober scientist.
O seu mais recente trabalho, Recontructions EP (2012) é isto mesmo, um misto entre a electrónica de dança e a clássica contemporânea. O que Cooper nos traz, é um trabalho feito em cima de um trabalho prévio também ele já colaborativo, Secrets, Accusations and Charges (2009). Uma composição de Michael Nyman em conjunto com David McAlmont no formato de ensemble, fazendo uso de composições previas para vários filmes - The Piano, Gattaca; The Cook, the Thief, His Wife and Her Lover - editado no álbum The Glare (2009). Na composição Cooper diz que utilizou apenas duas pistas sonoras, o ensemble de Nyman, e a voz de McAlmont para criar a nova track. As composições de Nyman ficam assim quase irreconhecíveis, no entanto a aura mantén-se lá, e a voz de McAlmont ficou ainda mais leve, flutuando por cima da melodia, carregando ainda mais na melancolia.

Michael Nyman e David McAlmont

Max Cooper diz-nos que foi a primeira vez que Michael Nyman deu autorização para que se pudesse realizar uma remix do seu trabalho. Desse modo tínhamos aqui já uma obra de grande riqueza criativa e colaborativa, contando com Nyman, McAlmont e Cooper. Mas este trabalho levaria ainda uma última colaboração, Nick Cobby, para a criação do teledisco.

Nick Cobby
"After listening to the track, I was aware of how important the vocal element is in the track, which added an emotional and human element alongside Max's sonic soundscapes. I knew that i wanted to include real people for the first time, but i wanted to change their appearance; making them something more animated and kinetic, and therefore bring them into Max's world."

Desta forma o filme criado por Cobby que segue Cooper nos seus devaneios pela arte electrónica. Fazendo uso da interface Kinect para a captação de dados de representação tridimensional de pessoas, que depois foi operado através de tecnologias criativas de transformação generativa dos dados por forma a construir uma narrativa animada para o trabalho de Cooper. Um trabalho que não deixa de me lembrar o melhor do João Martinho Moura.

Max Cooper

Para terminar, o que temos aqui impressiona, claro pela qualidade do trabalho final, mas antes de mais pela possibilidade de colocar em contacto tanto talento, o que saúda inevitavelmente a qualidade da criatividade em termos de produto de remix. Deliciem-se com o filme e a música.

Max Cooper "Reconstruction" of Michael Nyman & David McAlmont "Secrets, Accusations & Charges" (2012) film by Nick Cobby

julho 09, 2012

o Futuro do Livro

Epilogue: the future of print (2012) de Hanah Ryu Chung é um filme sobre o objecto livro. Na manhã do possível desaparecimento do livro substituído por formas digitais que fazem do livro uma identidade etérea, este documentário questiona-nos se será mesmo assim. São lançadas várias pistas sobre a impossibilidade de assim ser.


Um dos aspectos que me parece mais relevante e é referido por quase todos os entrevistados, é o eterno problema do digital com a sua "atitude" muito pós-moderna da temporariedade e da descartabilidade. Ou seja, no reino do digital, tudo dura muito pouco, e tudo é muito facilmente substituído por outra moda qualquer. Não precisamos de voltar muito atrás no tempo, para saber que magníficos livros digitais editados no formato de CD-Rom são hoje ilegíveis. Tenho-os aqui na minha estante, mas não lhes posso aceder, a não ser que recorra uma miríade de processos que me permitam emular o sistema informático do passado, isto para não falar da grande possibilidade de os bits que estavam naquele CD já terem desaparecido.


Ou seja, quando os entrevistados nos falam do objecto livro como "permanently available, to remain accessible" que "the beauty of the book is that it is absolutely static, it is printed, and the content never changes", sou obrigado a dar-lhes razão. Quando dizem que o livro digital é algo que "progresses every month" que "the ebook is not going anywhere, every year we got more and more", é também verdade. Desde que lançámos os e-readers da moda, a quantidade de formatos de livros digitais não tem parado de aumentar. Não posso deixar de sublinhar uma frase que me ficou gravada quanto aos e-readers,
"This technology hasn't found what is good at, yet"
Por outro lado, e em termos de experiência táctil mas acima de tudo estética, é verdade também que "all the eBooks are presented in the same manner, and this changes the option to experience the singleness of each book". Ou seja não existe um objecto, uma identidade livro, existe apenas algo que está ali dentro, mas que nunca assume o carácter de uma obra, de um todo. E isto leva-me a um último ponto, o da posse do objecto
"The chance to own something, you valued it as possession... I can't imagine giving someone a ebook for Christmas"

Mas reflectindo sobre a posse. também me lembro bem de ter esta atitude face aos CDs e aos DVDs, e a realidade é que estes acabaram por desaparecer. E isso deve fazer-nos questionar sobre as diferenças em termos de medium e plástica expressiva. Quando falamos de um álbum de um músico, ou de um filme de um realizador, não existe um objecto que o encarne. Porque o CD é apenas um suporte, o album circula na rádio, na televisão, no cd, no vinyl, na cassete, no mp3, na internet, tal como o filme. A essência desta arte não está no seu suporte. Por outro lado, e seguindo esta abordagem lógica, o livro está muito mais próximo da tela do pintor. Apesar da sua reprodutibilidade, este mantém ainda resquícios dessa fisicalidade, dessa unicidade, que faz do livro um objecto que funde o discurso e o objecto num só. Como é dito a uma certa altura "books are an aesthetical medium as and informational medium".


Mas atenção, porque isto é verdade, mas apenas para alguns livros. Existem várias categorias de livros, que pela sua natureza são efémeros. Falo de muitos dos livros que hoje rotulamos de livros de supermercado, com historietas para consumir e deitar fora. Mas falo também do material que produzimos na nossa investigação diária. Muito dele em poucos anos estará desactualizado e inútil sem actualizações. Claro que devemos manter o registo, mas esse não necessita de encher bibliotecas inteiras, nem tão pouco desbastar florestas. As bases de dados online científicas, são e devem ser a resposta. Assim como todos os sistemas de acesso livre e aberto a essa informação.


Para fechar, uma última constatação que acredito que muitos de nós poderemos vir a sentir no futuro próximo, "ebooks are an invisible abstraction, and the more it happens the more the tactil impression will become important".


Sobre o documentário, está muitíssimo bem conseguido, é mais um belíssimo trabalho de estudante. Hanah Ryu Chung realizou este projecto como trabalho de fim de licenciatura na Ryerson University, Toronto. Foi pena apenas os problemas de som na captação de algumas entrevistas, mas dada a qualidade de tudo o resto, torna-se perfeitamente sofrível. Vejam aqui abaixo, são 20 minutos, mas valem bem o tempo investido.


This documentary is a humble exploration of the world of print, as it scratches the surface of its future.
The act of reading a “tangible tome” has evolved, devolved, and changed many times over, especially in recent years. I hope for the film to stir thought and elicit discussion about the immersive reading experience and the lost craft of the book arts, from the people who are still passionate about reading on paper as well as those who are not.