De um lado os publicitários que procuraram desenvolver um conceito de fractura, do outro os conservadores que viram nessa ideia uma perda da identidade e desvalorização das tradições por fim a concorrência e as elites intelectuais que desvalorizam a campanha atirando farpas, como sendo uma campanha que vende mais do mesmo. Julgo que o problema de qualquer um destes ângulos está patente no fundamentalismo de que se reveste qualquer um dos discursos. Se compreendo e até defendo a campanha na sua componente estética e até publicitária já não aceito o discurso proposto pelos criativos nem tão pouco o dos seus detractores.
José Mourinho e Cristiano Ronaldo Começando pela BBDO, agência responsável pela campanha, ou o criativo, Pedro Bidarra, por detrás da
ideia fonte de 2003, a
disrupção proposta a partir das cores da bandeira é em si mesmo completamente ridícula e sem qualquer fundamento com o mínimo de sustentabilidade.
Primeiro, mudar o desenho de uma bandeira representa muito mais do que uma mera alteração económica tal como é proposta. É verdade que a nossa bandeira nem sempre foi a mesma, nem sempre se destacou com as mesmas tonalidades, no entanto não esqueçamos que falamos de tempos de monarquia sem democracia. Ou seja tempos em que a identidade do povo era reduzida ao totalitário rei, e desse modo a bandeira representava a
vontade do rei que podia pôr e dispor sem levar em conta todo um povo. Contudo julgo que o facto de Portugal ter nascido sobre os auspícios do azul pode servir como base de apoio à estética da campanha e mesmo até do turismo se este assim o pretender. Basta pensar no caso da equipa de futebol holandesa que usa uma cor única não existente na bandeira do seu país mas que também responde perante questões de foro monárquico do dito país.
Mariza e Miguel Câncio Martins Quanto ao facto de termos uma bandeira com tonalidades do sul, ou qualificado de
modo depreciativo pela BBDO de tonalidades africanas, julgo que para além de
gaffe segregacionista, ela peca pela falta de visão. Afinal qual é o
target da campanha, os restantes europeus a norte ou os africanos? É que se queremos que os colegas europeus olhem para nós, é necessário apresentar algo diferente e não mais da mesma imagem fria e nórdica que estes já têm.
Além
de que a bandeira proposta, quando colocada ao lado das restantes parece uma bandeira de faz-de-conta falta-lhe toda uma capacidade de impressão visual que um mero circulo centrado num imenso rectângulo não consegue imprimir. Já agora, em que medida é que a bandeira grega confere essa capacidade económica que falta a Portugal?
Julgo que os elementos visuais criados para além de excelente qualidade técnica apresentam excelentes detalhes estéticos e vou até mais longe concordando com a ideia da West Coast, que julgo que pode funcionar como o tal "factor diferencial". Só não me peçam para embarcar em discursos fundamentalistas, ou como a própria BBDO refere, de "bomba atómica". Desde mudanças de bandeira, à discriminação africana, passando pela primária colagem ao mito californiano. Lembro-me agora que em tempos o discurso defendia Portugal como a Florida europeia, agora defende-se como a Califórnia europeia, eu pergunto, e que tal só Portugal?
Agora olhando da perspectiva conservadora que optou por crucificar a campanha em vários artigos de opinião dos jornais de referência. Começam logo pelo fotógrafo, primeiro porque não é português depois porque não tinha necessidade de ver o seu nome tão destacado nos cartazes, ainda para mais sendo não-português. "Até parece que não temos fotógrafos de qualidade em Portugal". Aqui as leituras podem ser imensas, em defesa da campanha julgo que a colagem a
Knight tem duas mais valias, a primeira é claramente o facto de este ser um grande fotógrafo e isso reflecte-se nas imagens mas a segunda e julgo que a mais importante é o facto de providenciar um "olhar de fora" sobre Portugal. Um fotógrafo é como um
voyeur que analisa e captura os mais ínfimos detalhes do real comunicando-os depois através das imagens que cria. O facto de ser uma pessoa de fora a fotografar transmite uma certa mensagem de imparcialidade na criação visual da marca conferindo-lhe em certa medida uma maior franqueza. A critica conservadora defende também que este azul está completamente arredado da alma portuguesa e que em nada lhe confere uma identidade nacional, esquecendo que a bandeira que pela primeira vez assumiu a representação visual do povo luso está enraizada nesse mesmo azul e não no verde e vermelho.
Do outro lado temos depois as vozes da concorrência publicitária que foi entrevistada pelos vários jornais que apresentam um discurso semelhante ao das elites intelectuais da nossa sociedade. Aqui a crítica assume contornos característicos de um vulgar "bota-abaixismo" começando pelo exercício básico da colagem da campanha ao discurso salazarista do Portugal dos três Fs (Fado (Mariza), Fátima e Futebol (Mourinho e Cristiano)). É de notar que este discurso se fez cliché de uma crítica pessimista desde há 30 anos para cá. Tendo vindo a assumir ele próprio, sim, uma conotação com o pessimismo e
miserabilismo desses tempos em que tudo o que é feito hoje pela imagem de Portugal é sempre avaliado em comparação ao passado nacionalista e desse modo à visão afunilada dos 3 Fs.
Carmo Fonseca e Joana Vasconcelos Os nossos intelectuais, questionam ainda as pessoas apresentadas para representar Portugal. Se por um lado Cristiano ou Mourinho são vistos como os "mongos do futebol" apesar de serem celebridades internacionais, já Carmo Fonseca e Joana Vasconcelos são os "desconhecidos" por não representarem qualquer visibilidade nos media e desse modo não serem do conhecimento das massas, chegando a sugerir-se nomes como António Damásio ou Paula Rego. Ora este é um discurso um pouco esquizofrénico, se é muito conhecido , mas é futebolista não deve estar lá, se não é conhecido, ainda que possuidor de um reconhecido talento em áreas de ponta, também não deve estar lá. É evidente que quem fez a campanha não dedicou à escolha das pessoas uma mera tarde de
brainstorming, ou então duas horas para escrever um artigo de jornal, mas terá antes disso e para além dos estudos de mercado, desenhado uma estratégia que se foca sobre os potenciais
targets da campanha. Façamos um pequeníssimo e simples exercício. Se para as massas detentoras de conhecimentos generalistas os nomes de Mourinho e Cristiano são facilmente identificáveis e correspondem a fortes empatias. Já para as minorias das artes ou ciências o apelo pela via de nomes do seu meio gera um apelo mais identificativo do que propriamente daqueles que já deixaram o meio para trás para agora pertencerem à pequena constelação dos famosos.
Vanessa Fernandes e Nelson Évora Existe depois todo um outro discurso mais disperso que reflecte sobre o modo como se pode criar uma marca para um país e que defende que o uso de personalidades não é o melhor caminho. Que uma marca precisa de mais do que isso e que não pode ser conotada com simples sujeitos. Desculpem lá, mas uma marca de impacto global, não se cria com uma campanha. Primeiro é necessário ter um produto que prove tecnicamente que funciona, e que é bom (Nike, Coca-cola, Mercedes, Beatles, Sony, Vinho do Porto, etc.). Só depois, uma campanha de criação de identidade e marca poderá ter impactos junto do público criando o tal
seguidismo, ou grupos de fãs e afins. Não querendo dizer com isto que Portugal não tem coisas boas, mas antes que estas não são muitas vezes identificadas com o nome do país, porque muitos desse produtos optaram por se internacionalizar utilizando modelos que evitam o "Made in Portugal" ao mesmo tempo que os menos qualificados continuaram a chegar às pessoas com esse selo denegrindo-o cada vez mais. Ou seja, é necessário trabalhar um pouco mais este problema que é estrutural e isso poderá mesmo, quem sabe, ser conseguido à boleia de campanhas que foquem a excelência e que por arrasto levem a que os modelos adoptados pelas marcas portuguesas internacionalizadas se deixem seduzir por esta nova via. É preciso ainda não esquecer que uma marca cria-se com várias e persistentes campanhas e não se pode atirar a matar sobre uma campanha que ainda vai no adro, uma vez que temos na rua apenas a
primeira de três partes da campanha global projectada a um ano. Não esquecer ainda que esta campanha apresenta desde já uma variante ao uso de sujeitos.