Em 2017 a Nintendo lançou a sua nova consola Switch de que aqui dei conta com grandes expectativas, mas não é para falar da consola que escrevo já que com ela chegaram ao mercado neste mesmo ano, os seus dois novos títulos bandeira, “The Legend of Zelda: Breath of the Wild” que abriu as hostes e fez muitos de nós, eu incluído, correr a comprar, e “Super Mario Odyssey” que saiu agora mais perto do Natal. Interessa-me então neste pequeno apontamento sintetizar algumas ideias que tenho vindo a trabalhar em redor do design de jogo destes dois jogos, que simbolizam o design de excelência da Nintendo.
Começar por dizer que joguei ambos, Zelda e Mário, mas não terminei nenhum. No caso de Zelda, apesar do design inovador apresentado por força do novo modelo de mundo aberto, com um level design perfeito, uma progressão clara e apelativa, com todo um mundo muito bem orquestrado, não senti que o jogo puxasse por mim. Já com Mário, acho que nem sequer coloquei a hipótese de o terminar, pois nunca o fiz antes com nenhum da série. Joguei ainda menos que Zelda, apesar do design de jogo vir ainda mais artilhado, ou seja apresentando clara diferenciação face aos títulos anteriores, podendo classificá-lo mesmo como muito imaginativo, um hino ao fator divertimento, melhor do que qualquer parque temático.
Mas então porque não termino estes jogos? Julgo que o problema está no storytelling. Ou seja, a Nintendo utiliza o storytelling como mecânica de jogo, e não como meio para contar histórias. O modelo criado por Miyamoto, e que continua a servir a Nintendo até hoje, define o storytelling como mero condutor da ação para um fim, mas que nunca é afetado por essa ação, nem por esse fim. Ou seja os personagens evoluem nas suas capacidades de ação sobre o mundo, mas não mudam por dentro. E isto acontece porque Miyamoto não trabalha os personagens como pessoas, mas apenas como objetos. Atribui-lhes apenas capacidades de ação sobre o mundo, esquecendo as capacidades para sentir as ações desse mundo. No fundo, temos uma espécie de objetos semi-inteligentes, robôs, que nada mais sabem ou querem saber, além de circular por mundos em busca do seu fim (“a princesa perdida”), a quem vão sendo apresentados obstáculos que eles têm de resolver.
Ou seja, Miyamoto é magnífico no desenho dos obstáculos, e ainda mais no desenho das ações de resolução desses obstáculos, no modo como interliga todos os objetos e personagens na cena, mas não perde um segundo a pensar no que tudo isso representa para o seu personagem, e menos ainda para o seu jogador. Miyamoto joga tudo no fator divertimento, na criação de um sentido de fluxo pleno, por meio de ativação da lógica sobre o qual trabalha brilhantemente os ritmos de recompensa e punição, que garantem a emocionalidade, muitas vezes visceral. Mas nada do que se faz releva para o sentir dos personagens, nem o fim objetiva a dar qualquer significação aos esforços encetados.
E é por isso que quando comecei a jogar “The Legend of Zelda: Breath of the Wild”, apesar de sentir imensos avanços na lógica do design, não consegui deixar de sentir que estava a repetir a experiência vivida em “The Legend of Zelda: Skyward Sword” (2011). Zelda tem bastante mais lore que Mario, mas o lore serve de mera gratificação estética, não corresponde às necessidades de um contar de histórias, é preciso mensagem, é preciso existir algo para dizer, se não ficamo-nos pelo mero window dressing, indo pouco além do storytelling que qualquer ride de parque temático oferece.
Com tudo isto não quero dizer que os jogos são maus, ou irrelevantes, apenas constato o modo como são desenhados, acreditando que para esse desenho se tem em mente um público mais juvenil, que procura menos significação e mais gratificação emocional. O mesmo público que adora parques temáticos, sendo que existem muitos adultos que continuam a gostar dos mesmos. O mais interessante para mim é verificar que o storytelling é aqui uma mecânica, que serve ao lado das restantes mecânicas do design de jogos, para nos manter engajados no tempo, nada mais.
dezembro 09, 2017
What Remains of Edith Finch (2017)
É uma experiência de sublimação. À medida que vamos jogando, vamos ficando a conhecer a família Finch, e quanto mais vamos sabendo mais nos vamos emocionando, como se aquela família pudesse de algum modo representar todas as famílias e nos pudesse dar um olhar para a realidade da vida, para aquilo que representa estar-se vivo. É história, é ficção, é um jogo mas podia ser um filme, ou melhor ainda, um livro, porque para quem gosta de literatura a casa dos Finch mais parece um paraíso na Terra (ainda que tivesse gostado de ver um melhor trabalho de curadoria dos livros em função das pessoas e partes da casa, nomeadamente evitando repetições).
Em termos de jogo, temos uma espécie de walking simulator munido de uma série de inventivos minijogos. À partida, os minijogos atirarmos-iam logo para sequências inconsequentes, ou mesmo irrelevantes, contudo em “…Finch” estes assumem um caráter de grande relevância, não apenas pelo engenho e imaginação, mas porque funcionam como mudança de ponto de vista, permitindo que a voz que narra se desdobre, alargando o nosso conhecimento daquela realidade e densificando a experiência. Podemos mesmo dizer que a partir do meio do jogo, começamos a sentir uma enorme vontade de encontrar esses pontos, na ânsia por descobrir como será a experiência, mas também por tudo aquilo que esses pontos representam na árvore genealógica foi Finch.
No campo da história, o primeiro impacto da nossa tentativa de compreender o que nos está a ser contado, é de incredulidade. Não é por acaso que Marty Silva, no IGN, classifica a mesma de realismo-mágico. Ultrapassada essa barreira, deixando-nos inebriar pela história, vamos seguindo o fio da mesma, aceitando o fantástico, mas ao mesmo tempo relacionando-o com a nossa realidade, compreendendo aquilo que se nos conta como exagero mas próximo, sentido e realista. Ou seja, temos uma universo profundamente trágico, mas ao mesmo tempo divertido, porque aceita a tragédia como parte daquilo que faz de nós seres-humanos.
Para que tudo isto funcione, ajuda imenso a arte visual e sonora. A narração é suportada por uma voz graciosa, que vai pautando o ritmo do jogo, por sua vez amplamente suportada por texto que surge diretamente no mundo virtual, intensificando aquilo que o jogo vai querendo dizer. Se em termos de design faz lembrar walking simulators como “Firewatch” (2016) ou “Gone Home” (2013), em termos de experiência estética, tanto no aspeto visual como pela personagem principal, aproxima-se bastante de “Life is Strange” (2015).
Ian Dallas já nos tinha dado antes o belíssimo “The Unfinished Swan” (2012), uma aventura surrealista movida por um game design de pura inventividade. Desta vez, provavelmente movido pela morte da sua mãe, Shirley Dallas (1948-2013), a quem dedica o jogo, seguiu uma abordagem de design mais simples, focando-se no contar de história, dotando-o de um discurso direto, assumido pelas vozes e textos, secundarizando em parte o game design, com o objetivo claro de ir mais ao fundo do sentir dos personagens do universo criado. Um criador para continuar a seguir.
Em termos de jogo, temos uma espécie de walking simulator munido de uma série de inventivos minijogos. À partida, os minijogos atirarmos-iam logo para sequências inconsequentes, ou mesmo irrelevantes, contudo em “…Finch” estes assumem um caráter de grande relevância, não apenas pelo engenho e imaginação, mas porque funcionam como mudança de ponto de vista, permitindo que a voz que narra se desdobre, alargando o nosso conhecimento daquela realidade e densificando a experiência. Podemos mesmo dizer que a partir do meio do jogo, começamos a sentir uma enorme vontade de encontrar esses pontos, na ânsia por descobrir como será a experiência, mas também por tudo aquilo que esses pontos representam na árvore genealógica foi Finch.
No campo da história, o primeiro impacto da nossa tentativa de compreender o que nos está a ser contado, é de incredulidade. Não é por acaso que Marty Silva, no IGN, classifica a mesma de realismo-mágico. Ultrapassada essa barreira, deixando-nos inebriar pela história, vamos seguindo o fio da mesma, aceitando o fantástico, mas ao mesmo tempo relacionando-o com a nossa realidade, compreendendo aquilo que se nos conta como exagero mas próximo, sentido e realista. Ou seja, temos uma universo profundamente trágico, mas ao mesmo tempo divertido, porque aceita a tragédia como parte daquilo que faz de nós seres-humanos.
Para que tudo isto funcione, ajuda imenso a arte visual e sonora. A narração é suportada por uma voz graciosa, que vai pautando o ritmo do jogo, por sua vez amplamente suportada por texto que surge diretamente no mundo virtual, intensificando aquilo que o jogo vai querendo dizer. Se em termos de design faz lembrar walking simulators como “Firewatch” (2016) ou “Gone Home” (2013), em termos de experiência estética, tanto no aspeto visual como pela personagem principal, aproxima-se bastante de “Life is Strange” (2015).
Ian Dallas já nos tinha dado antes o belíssimo “The Unfinished Swan” (2012), uma aventura surrealista movida por um game design de pura inventividade. Desta vez, provavelmente movido pela morte da sua mãe, Shirley Dallas (1948-2013), a quem dedica o jogo, seguiu uma abordagem de design mais simples, focando-se no contar de história, dotando-o de um discurso direto, assumido pelas vozes e textos, secundarizando em parte o game design, com o objetivo claro de ir mais ao fundo do sentir dos personagens do universo criado. Um criador para continuar a seguir.
Uma imagem que dá conta da qualidade da arte visual.
dezembro 08, 2017
Pode a IA dar-nos melhor literatura?
Stephen Marche é um escritor canadiano com obra publicada e reconhecida, dedicando uma boa parte do seu trabalho à escrita de artigos e histórias para a Esquired, L.A. Review of Books, Wired, The Guardian, New York Times, entre muitas outras publicações internacionais. No meio de toda essa atividade, e como diz, estando atento ao desenvolvimentos computacionais, nomeadamente da IA, resolveu criar uma história com a ajuda de um desses programas de IA, na expectativa de conseguir criar algo nunca visto. A história é publicada na Wired deste mês, e no final conta com a análise de dois editores de topo.
O programa utilizado foi desenvolvido por dois investigadores da Universidade de Toronto, Adam Hammond na área das Humanidades Digitais, e Julian Brooke na área das Ciências da Computação. A aplicação consiste num comparador de histórias, baseado em estruturas e estilo, usando técnicas de "machine learning", como o "topic modelling", para sugerir e guiar o escritor no seu processo de escrita. Pode-se assim ir escrevendo bocados de texto e obtendo comparações com os textos existentes a vários níveis, desde o simples uso das palavras, a estrutura frásica, os nós narrativos, chegando assim aos estilos de artistas reconhecidos. Marche utilizou a ferramenta para otimizar o seu trabalho criativo, tendo utilizado como base de suporte à máquina, alguns textos de referência de grandes autores da ficção-científica — Ursula K. Le Guin, Philip K. Dick e Ray Bradbury. O resultado pode agora ser lido na Wired.
O género literário da FC não é muito exigente em termos de escrita, os seus autores são mais reconhecidos pelos universos que criam do que pela beleza da sua prosa. Daí que encetar um esforço destes na área da FC poderia ser um bom ponto de partida, contudo da leitura do texto percebemos que o resultado acaba por ficar bastante aquém. Vale a pena ler as notas que Marche faz na lateral do texto, explicando as interações com a máquina, para ir percebendo o processo e o input da máquina num texto, que ainda assim conta com imensa mão humana.
Se dúvida houvesse quanto à qualidade, fica a primeira impressão de Andy Ward, editor da Random House, que não sabendo nada sobre o origem da história, diz tudo sobre o caminho longo que a IA ainda terá de percorrer:
O programa utilizado foi desenvolvido por dois investigadores da Universidade de Toronto, Adam Hammond na área das Humanidades Digitais, e Julian Brooke na área das Ciências da Computação. A aplicação consiste num comparador de histórias, baseado em estruturas e estilo, usando técnicas de "machine learning", como o "topic modelling", para sugerir e guiar o escritor no seu processo de escrita. Pode-se assim ir escrevendo bocados de texto e obtendo comparações com os textos existentes a vários níveis, desde o simples uso das palavras, a estrutura frásica, os nós narrativos, chegando assim aos estilos de artistas reconhecidos. Marche utilizou a ferramenta para otimizar o seu trabalho criativo, tendo utilizado como base de suporte à máquina, alguns textos de referência de grandes autores da ficção-científica — Ursula K. Le Guin, Philip K. Dick e Ray Bradbury. O resultado pode agora ser lido na Wired.
O género literário da FC não é muito exigente em termos de escrita, os seus autores são mais reconhecidos pelos universos que criam do que pela beleza da sua prosa. Daí que encetar um esforço destes na área da FC poderia ser um bom ponto de partida, contudo da leitura do texto percebemos que o resultado acaba por ficar bastante aquém. Vale a pena ler as notas que Marche faz na lateral do texto, explicando as interações com a máquina, para ir percebendo o processo e o input da máquina num texto, que ainda assim conta com imensa mão humana.
Se dúvida houvesse quanto à qualidade, fica a primeira impressão de Andy Ward, editor da Random House, que não sabendo nada sobre o origem da história, diz tudo sobre o caminho longo que a IA ainda terá de percorrer:
“Full of unnecessary detail, wooden, implausible dialog (Who talks like this?), and sentences that don’t actually hold up when you read them carefully. They seem like they hold up, but they don’t. It’s aimless. It uses language to describe things rather than reveal them (flowing “brightly and glamorously,” etc.). That stuff doesn’t sound human—or, better, doesn’t sound writerly. Feels like words on a page.”
Andy Ward, editor da Random House
dezembro 03, 2017
Little Nightmares (2017)
“Little Nightmares” (2017) é um sidescroller 2.5D, feito de puzzles e plataformas, o género narrativo é o horror, e o estúdio produtor é sueco. No ano passado tínhamos tido “Inside” (2016) com os mesmos atributos, proveniente de um país vizinho, a Dinamarca. Pode-se dizer que a história não é tão elaborada, apesar de intrigar não nos instiga nem questiona, dá-se mais claramente à ligeireza do género de horror, contudo trabalha muito bem a forma, com os puzzles embebidos no universo-história, e acima de tudo belíssimas atmosfera e animação.
É um pequeno jogo, com bom ritmo mas que se termina rapidamente, ainda assim morre-se muito, existem múltiplos casos em que temos de aprender por tentativa e erro, outros em que não somos suficientemente rápidos, ou ainda os casos mais complexos em que estacamos a tentar compreender como vamos fazer para sair dali. Mas nem por isso nos enfada. Li quem achasse que o jogo era pouco desafiante, outros que diziam que as mecânicas eram pouco conseguidas, não posso discordar mais, sim alguns segmentos poderiam ter sido mais testados, mas o seu design é perfeito, no sentido em que sentimos a simbiose entre jogo e narrativa.
Quanto à história, consegue-se gerar mistério que vai alimentando a nossa sede por querer saber e chegar ao final, ainda que saibamos desde o início que aquilo que se vais desvelando acabará por não ser decifrado, nem ao chegar ao fim, e assim acontece. É um universo estranho, é um universo desenhado para nos fazer sentir desconfortáveis, para conseguir criar sensações de medo, mas ao mesmo tempo, talvez por estarmos a jogar como uma menina, vamos sentido que tudo contém um lado doce, em que existe esperança no final do túnel.
A narrativa foi expandida por meio de uma banda-desenhada, inicialmente eram esperados 4 números, mas apenas 2 foram publicados. Lendo os dois primeiros percebe-se porquê, usa-se a mesma abordagem, andar em volta do mistério acabando por nada oferecer. Se funciona no jogo, pela recompensa que o próprio ato de jogar oferece, não funciona em banda desenhada, pois só a arte gráfica, ainda que boa mas não excepcional, não chega para sustentar o interesse dos leitores.
“Little Nightmares” acaba sendo uma pequena experiência interessante, tecnicamente muito conseguido, mas que provavelmente não deixará marca.
É um pequeno jogo, com bom ritmo mas que se termina rapidamente, ainda assim morre-se muito, existem múltiplos casos em que temos de aprender por tentativa e erro, outros em que não somos suficientemente rápidos, ou ainda os casos mais complexos em que estacamos a tentar compreender como vamos fazer para sair dali. Mas nem por isso nos enfada. Li quem achasse que o jogo era pouco desafiante, outros que diziam que as mecânicas eram pouco conseguidas, não posso discordar mais, sim alguns segmentos poderiam ter sido mais testados, mas o seu design é perfeito, no sentido em que sentimos a simbiose entre jogo e narrativa.
Quanto à história, consegue-se gerar mistério que vai alimentando a nossa sede por querer saber e chegar ao final, ainda que saibamos desde o início que aquilo que se vais desvelando acabará por não ser decifrado, nem ao chegar ao fim, e assim acontece. É um universo estranho, é um universo desenhado para nos fazer sentir desconfortáveis, para conseguir criar sensações de medo, mas ao mesmo tempo, talvez por estarmos a jogar como uma menina, vamos sentido que tudo contém um lado doce, em que existe esperança no final do túnel.
Uma página de "Little Nightmares Volume 1" da Titan Comics
A narrativa foi expandida por meio de uma banda-desenhada, inicialmente eram esperados 4 números, mas apenas 2 foram publicados. Lendo os dois primeiros percebe-se porquê, usa-se a mesma abordagem, andar em volta do mistério acabando por nada oferecer. Se funciona no jogo, pela recompensa que o próprio ato de jogar oferece, não funciona em banda desenhada, pois só a arte gráfica, ainda que boa mas não excepcional, não chega para sustentar o interesse dos leitores.
“Little Nightmares” acaba sendo uma pequena experiência interessante, tecnicamente muito conseguido, mas que provavelmente não deixará marca.
dezembro 02, 2017
O futuro do Audiovisual
No ano passado, uma equipa do motor de jogo Unity apresentou uma curta na Game Developers Conference 2016, intitulada "Adam: Episode 1" (2016). O impacto passou da conferência para a rede, deixando todos boquiabertos. A história tinha mistério, a intriga lançava múltiplas questões, mas foi o impacto do realismo da animação e da cinematografia, tudo renderizado em tempo-real, que mais impactou a comunidade. Algo completamente impensável pouco anos antes, o puro cinema virtual que Gaeta vinha falando. Se tudo isto já seria mais do que suficiente para o nosso espanto, a Unity resolveu adotar uma estratégia criada antes pela Blender com o seu modelo de Open Movies, e colocou online, de modo livre, todos os materiais utilizados no desenvolvimento do projeto, permitindo assim a quem o desejasse, continuar o mesmo. Como cereja no topo do bolo, quem resolveu pegar no projeto foi nada menos que Neill Blomkamp, o realizador sul-africano, que se internacionalizou com "District 9" (2009), tendo depois disso criado dois blockbusters, "Elysium" e "Chappie", sempre no género de ficção-científica.
Este pequeno resumo é suficientemente impressionante, tendo tudo para lançar discussões infindáveis sobre o futuro do cinema e audiovisual, sobre os seus aspetos relacionados com atores, cinematografia, tecnologia, vfx, mas também direitos de autor, entre muitas outras questões. Contudo, se fiz este post não foi tanto para discutir esses detalhes, que já não são novos no mundo das tecnologias 3d audiovisuais, mas antes para falar do que se seguiu a "Adam". Se o primeiro episódio criado pela equipa do Unity, que lançava a premissa, era instigante, os dois novos episódios — "Adam: The Mirror (episode 2)" e "Adam: Episode 3" — criados por Blomkamp, não ficaram nada atrás, antes pelo contrário, elevaram o nível para esmagador, verdadeiramente provocantes.
Aconselho vivamente verem os 3 episódios seguidos, mas preparem-se para a montanha-russa de sensações em cada um dos episódios. Não são questões novas para quem segue o trabalho de Blomkamp, contudo o facto de estar imensamente bem conseguido, aliado ainda ao facto de estarmos a ver algo criado em tempo-real, tudo ajuda na intensificação das sensações, e do reconhecimento. Se o primeiro e o segundo nos fazem pensar em "AI: Artificial Intelligence" (2001) ou "SOMA" (2015), este terceiro parece querer atirar-nos para os universos gótico-religiosos da série "Alien", particularmente do último "Covenant" (2017).
"Adam: Episode 1" (2016)
Num qualquer momento do nosso futuro, começaram a retirar os corpos biológicos aos prisioneiros, e a carregar os seus seres em corpos de robôs.
Aconselho vivamente verem os 3 episódios seguidos, mas preparem-se para a montanha-russa de sensações em cada um dos episódios. Não são questões novas para quem segue o trabalho de Blomkamp, contudo o facto de estar imensamente bem conseguido, aliado ainda ao facto de estarmos a ver algo criado em tempo-real, tudo ajuda na intensificação das sensações, e do reconhecimento. Se o primeiro e o segundo nos fazem pensar em "AI: Artificial Intelligence" (2001) ou "SOMA" (2015), este terceiro parece querer atirar-nos para os universos gótico-religiosos da série "Alien", particularmente do último "Covenant" (2017).
"Adam: Episode 1" (2016)
"Adam: Mirror (episode 2)" (2017)
"Adam: Episode 3" (2017)
dezembro 01, 2017
Horizon Zero Dawn (2017)
Comecei a jogar "Horizon Zero Dawn" (HZD) como um simples jogo de aventura movido por fantástico, ao qual não faltavam magos, tribos e religiões, mas com o evoluir do jogo fui percebendo que não era nada sobre aquilo que o jogo queria falar, já que tudo aquilo que via, se ia desconstruindo de forma lógica, ligando toda a representação daqueles mundos ao nosso mundo real de hoje. Ou seja, HZD é ficção científica, e eu diria mesmo, Hard SF. Como se isso não bastasse, a obra é tecnicamente muito conseguida, plena de detalhe, constituída em cada dimensão por múltiplas camadas de elementos: da arte visual ao game design, do design de som à música, da atmosfera às batalhas, da arquitetura à moda, da tecnologia à IA, do storytelling à narrativa.
Ao fechar do pano não consegui deixar de voltar a impressionar-me, como tem sido hábito, com os créditos finais, vendo desfilar os nomes das centenas e centenas de pessoas necessárias para criar HZD. Tudo parece tão simples, tudo parece ter sido ali posto de forma plenamente natural, porque tudo faz pleno sentido, mas a verdade é que, e seguindo a discussão proporcionada pelo próprio tema de HZD, criar um artefacto destes está apenas ao alcance de uma sociedade evoluída o suficiente para dominar a imensa parafernália tecnológica e conhecimento necessários à sua construção. Aliás, basta ver a quantidade de produtores envolvidos na obra para se compreender a complexidade existente apenas ao nível da gestão dos recursos materiais e humanos.
Em termos críticos, antes de jogar tinha apenas presente “Far Cry Primal” (2016), em termos de cenário e aparentemente temático, bastante próximo. Tendo jogado e terminado ambos e contrastando-os, FCP é um simples brinquedo, é divertido, a jogabilidade cria bom “flow”, mas é totalmente desprovido de “alma”, ou seja, de intenção artística, não tem nada para dizer, ficando a anos-luz de HZD. Se quisermos encontrar no terreno dos jogos algo que se aproxime de HZD teremos de procurar jogos que visualmente nem nos lembraria, tendo em conta a aposta promocional de HZD que se cingiu demasiado aos aspetos pré-históricos e tribais do universo de jogo.
"Num mundo pós-apocalíptico no qual a natureza verdejante se alastrou pelas ruínas de civilizações perdidas, a humanidade continua a resistir em pequenas tribos de primitivos caçadores-coletores. O seu domínio desta nova área selvagem foi usurpado pelas Máquinas – criaturas mecânicas ferozes de origem desconhecida."
Assim, as obras que mais rapidamente se podem associar às ideias que sustentam o mundo de HZD são as que têm trabalhado ficção-científica em ambientes pós-apocalípticos ou dominados por máquinas, para o que podemos buscar referências em jogos como “Fallout 3” (2008), “Mass Effect 3” (2012) ou “Enslaved: Odyssey to the West” (2010) que até acaba por se aproximar visualmente, embora o seu lado mais aventureiro o afaste um pouco do campo mais cerebral que é aqui explorado. Aliás, relativamente a este último ponto, diria que HZD se aproxima mais da minúcia argumentativa de “SOMA” (2015). Claro que isto se deve ao investimento no guião, mas sem dúvida ao investimento em design de narrativa, tendo para o efeito sido escolhido John Gonzalez, que antes nos tinha dado “Fallout: New Vegas” (2010), daí a natural proximidade entre os universos-história.
Tendo em conta o modo brilhante como o desenho de narrativa foi articulado, acabei por esta semana dedicar-lhe uma parte de uma palestra que dei na conferência ErgoTrip Design 2017, a que podem aceder, em parte, via slides, que deixo aqui abaixo.
Assim, tendo passado da discussão do Conteúdo para a da Forma, posso agora realizar a comparação que mais se me apresentou ao longo de HZD, nomeadamente a partir do meio, e falo de “The Witcher 3: Wild Hunt” (2015). Sim, a mensagem, a história contada, está nas antípodas, mas a forma, o design de narrativa está bastante próximo. Temos o mundo aberto, temos as “main quests”, ou nós globais, temos as “side-quests”, ou nós tribais, e depois as pequenas “errands”, ou tarefas individuais, não que não se tenha visto em outros jogos, mas a funcionar deste modo estruturado, intrincado e interdependente é algo raro de ver.
É verdade que HZD tem menos diálogo e logo menos escolhas narrativas, consequentemente o jogador não consegue jogar propriamente com a mensagem, como acontece em “Witcher 3”, mas compensa por toda a história que espalhou pelo terreno e pelas diferentes quests, por meio de mensagens texto, áudio e hologramas. À medida que vamos progredindo, e apesar de ansiarmos por chegar ao final (não tendo feito todas as "side-quests" e "errands", e tendo jogado no modo mais fácil de luta, acabei mesmo assim por precisar de 30 horas), as mensagens dispersas vão-nos atraindo cada vez mais, não só porque estão imensamente bem escritas, ou são apresentadas por meio de boas performances, mas porque vamos compreendendo o quanto da história elas têm para nos oferecer. Pode-se mesmo dizer que todos aqueles fragmentos parecem quase janelas para um passado daquele universo, um universo que dá muito prazer ler e experienciar ao longo de todo o jogo.
Em jeito de fecho, dizer apenas que HZD é uma experiência muito estimulante, tanto do ponto de vista da ação e jogo, como do ponto de vista intelectual. É mais uma obra que ultrapassa as barreiras do seu meio, e passa a figurar nos panteões da ficção-científica. Isto diz-nos também que todos aqueles que gostam do género, precisam de começar a sair dos seus meios de eleição, a literatura ou o cinema, e olhar para os videojogos, ou correm sério risco de perder muito daquilo que o género vai tendo para nos oferecer.
Ao fechar do pano não consegui deixar de voltar a impressionar-me, como tem sido hábito, com os créditos finais, vendo desfilar os nomes das centenas e centenas de pessoas necessárias para criar HZD. Tudo parece tão simples, tudo parece ter sido ali posto de forma plenamente natural, porque tudo faz pleno sentido, mas a verdade é que, e seguindo a discussão proporcionada pelo próprio tema de HZD, criar um artefacto destes está apenas ao alcance de uma sociedade evoluída o suficiente para dominar a imensa parafernália tecnológica e conhecimento necessários à sua construção. Aliás, basta ver a quantidade de produtores envolvidos na obra para se compreender a complexidade existente apenas ao nível da gestão dos recursos materiais e humanos.
Em termos críticos, antes de jogar tinha apenas presente “Far Cry Primal” (2016), em termos de cenário e aparentemente temático, bastante próximo. Tendo jogado e terminado ambos e contrastando-os, FCP é um simples brinquedo, é divertido, a jogabilidade cria bom “flow”, mas é totalmente desprovido de “alma”, ou seja, de intenção artística, não tem nada para dizer, ficando a anos-luz de HZD. Se quisermos encontrar no terreno dos jogos algo que se aproxime de HZD teremos de procurar jogos que visualmente nem nos lembraria, tendo em conta a aposta promocional de HZD que se cingiu demasiado aos aspetos pré-históricos e tribais do universo de jogo.
"Num mundo pós-apocalíptico no qual a natureza verdejante se alastrou pelas ruínas de civilizações perdidas, a humanidade continua a resistir em pequenas tribos de primitivos caçadores-coletores. O seu domínio desta nova área selvagem foi usurpado pelas Máquinas – criaturas mecânicas ferozes de origem desconhecida."
Assim, as obras que mais rapidamente se podem associar às ideias que sustentam o mundo de HZD são as que têm trabalhado ficção-científica em ambientes pós-apocalípticos ou dominados por máquinas, para o que podemos buscar referências em jogos como “Fallout 3” (2008), “Mass Effect 3” (2012) ou “Enslaved: Odyssey to the West” (2010) que até acaba por se aproximar visualmente, embora o seu lado mais aventureiro o afaste um pouco do campo mais cerebral que é aqui explorado. Aliás, relativamente a este último ponto, diria que HZD se aproxima mais da minúcia argumentativa de “SOMA” (2015). Claro que isto se deve ao investimento no guião, mas sem dúvida ao investimento em design de narrativa, tendo para o efeito sido escolhido John Gonzalez, que antes nos tinha dado “Fallout: New Vegas” (2010), daí a natural proximidade entre os universos-história.
Tendo em conta o modo brilhante como o desenho de narrativa foi articulado, acabei por esta semana dedicar-lhe uma parte de uma palestra que dei na conferência ErgoTrip Design 2017, a que podem aceder, em parte, via slides, que deixo aqui abaixo.
Assim, tendo passado da discussão do Conteúdo para a da Forma, posso agora realizar a comparação que mais se me apresentou ao longo de HZD, nomeadamente a partir do meio, e falo de “The Witcher 3: Wild Hunt” (2015). Sim, a mensagem, a história contada, está nas antípodas, mas a forma, o design de narrativa está bastante próximo. Temos o mundo aberto, temos as “main quests”, ou nós globais, temos as “side-quests”, ou nós tribais, e depois as pequenas “errands”, ou tarefas individuais, não que não se tenha visto em outros jogos, mas a funcionar deste modo estruturado, intrincado e interdependente é algo raro de ver.
É verdade que HZD tem menos diálogo e logo menos escolhas narrativas, consequentemente o jogador não consegue jogar propriamente com a mensagem, como acontece em “Witcher 3”, mas compensa por toda a história que espalhou pelo terreno e pelas diferentes quests, por meio de mensagens texto, áudio e hologramas. À medida que vamos progredindo, e apesar de ansiarmos por chegar ao final (não tendo feito todas as "side-quests" e "errands", e tendo jogado no modo mais fácil de luta, acabei mesmo assim por precisar de 30 horas), as mensagens dispersas vão-nos atraindo cada vez mais, não só porque estão imensamente bem escritas, ou são apresentadas por meio de boas performances, mas porque vamos compreendendo o quanto da história elas têm para nos oferecer. Pode-se mesmo dizer que todos aqueles fragmentos parecem quase janelas para um passado daquele universo, um universo que dá muito prazer ler e experienciar ao longo de todo o jogo.
Em jeito de fecho, dizer apenas que HZD é uma experiência muito estimulante, tanto do ponto de vista da ação e jogo, como do ponto de vista intelectual. É mais uma obra que ultrapassa as barreiras do seu meio, e passa a figurar nos panteões da ficção-científica. Isto diz-nos também que todos aqueles que gostam do género, precisam de começar a sair dos seus meios de eleição, a literatura ou o cinema, e olhar para os videojogos, ou correm sério risco de perder muito daquilo que o género vai tendo para nos oferecer.
novembro 25, 2017
Desmoralizados por um ciclo de desejo sem freio
O texto "The Demoralized Mind" é de 2016, mas fica para mim como um dos textos mais interessantes que li em 2017. O seu autor, John F. Schumaker, um académico da área da Psicologia Clínica com trabalho reconhecido internacionalmente ao longo de décadas, fala-nos sobre a epidemia das doenças mentais, focando-se na depressão, indo ao fundo da mesma, para mostrar que quando não é patologicamente motivada, é mais certo tratar-se de um problema do foro do significado, que se pode designar por Desmoralização.
Da Depressão à Desmoralização
Mas o que é a Desmoralização?
Eu trabalho a Ciência todos os dias, e por mais que queira contradizer este panorama, não consigo. A realidade que habitamos hoje, pós-industrial e embebida de facilidades, que nos deveria fazer chorar de alegria a cada momento, não consegue elevar o nosso sentir. Já Harari repete esta ideia por várias vezes nas suas duas obras, "Homo Sapiens" (2014) e "Homo Deus" (2017), dizendo que tudo aquilo que hoje temos, tudo aquilo que aparentemente conseguimos além do que já tínhamos na Idade Média, em nada nos faz sentir melhores, ou ser mais felizes do que quem viveu nessa altura. Mas Schumaker vai mais longe, tentando explicar porque razão estamos a ser corrompidos pelo nosso "sucesso", citando os estudos do antropologista Raoul Naroll, que:
Ou seja, a nossa ânsia por nos liberar das "verdades" religiosas, entre outras, atirou-nos para um mar de incerteza e dúvida, no qual só nos resta continuar a navegar em frente. Por sua vez, ir em frente está-nos no DNA, precisamos continuamente de mais, de conseguir ter mais, de ir mais além. Mas quanto mais vamos obtendo mais precisamos de obter para continuar a sentir que dominamos o mar que navegamos, fazendo com que conseguir ter mais seja o nosso único desígnio. Deste modo, se este nosso desejo intrínseco é a nossa maior força, enquanto seres humanos, centelha fundamental da curiosidade e da criação de novo conhecimento, parece ao mesmo tempo estar a tornar-se na nossa maior prisão.
O "tratamento" sugerido é complexo, citando novamente Fromm, "We can’t make people sane by making them adjust to this society. We need a society that is adjusted to the needs of people". Ou seja, o problema não está nos indivíduos, mas na rede social que os sustenta a todos. Não podemos mudar nada disto de modo individual, e o maior paradoxo de tudo isto é que quanto mais livre é a sociedade mais individualistas nos vamos tornando, afastando-nos de poder vir a encontrar uma solução para o problema. O destino de tudo isto, proposto por Schumaker, é distópico, mas talvez não seja irrealista, porque na orgânica da natureza tudo funciona por ciclos, e cada ciclo atinge sempre o seu fim para dar lugar a um novo.
Atualização 26.XI.2017
Se o texto acima termina numa nota negativa, numa certa desesperança face ao que nos aguarda enquanto espécie, como em tudo o que é discussão filosófica, existe sempre um outro lado da argumentação. Nesse sentido, veio mesmo a calhar o último episódio da "Shot of Awe" de Jason Silva, publicado também ontem, que aqui deixo para contrabalançar. Silva é reconhecido pelo seu imenso otimismo, à lá Carl Sagan, e este pequeno shot de vídeo é inspirador, para quem se quiser deixar levar.
Da Depressão à Desmoralização
“Three decades ago, the average age for the first onset of depression was 30. Today it is 14. Researchers such as Stephen Izard at Duke University point out that the rate of depression in Western industrialized societies is doubling with each successive generational cohort (..) depression is so much a part of our vocabulary that the word itself has come to describe mental states that should be understood differently (..) Since it shares some symptoms with depression, demoralization tends to be mislabelled and treated as if it were depression. A major reason for the poor 28-per-cent success rate of anti-depressant drugs is that a high percentage of ‘depression’ cases are actually demoralization, a condition unresponsive to drugs.”Esta é uma realidade incontornável, as drogas são cada vez melhores neste domínio, da fluoxetina à paroxetina ou citalopram, mas estamos ainda muito longe de uma SOMA à lá Aldous Huxley, porque se nos fazem sentir felizes, funcionam mais como anestesia, esquecimento das dores do mundo, e quando o seu efeito termina, tudo fica igual ao ponto de partida, porque o problema não está na serotonina, está no modo como atribuímos significado à realidade.
Mas o que é a Desmoralização?
“Rather than a depressive disorder, demoralization is a type of existential disorder associated with the breakdown of a person’s ‘cognitive map’. It is an overarching psycho-spiritual crisis in which victims feel generally disoriented and unable to locate meaning, purpose or sources of need fulfilment.”Mas porque está então tomar conta de nós, em pleno século XXI? Schumaker aproxima-se de Lipovetski e Baudrillard, e aponta o dedo à sociedade de consumo, para dizer que as suas práticas e rotinas estão atingir-nos e a corroer-nos por dentro.
“Consumer culture imposes numerous influences that weaken personality structures, undermine coping and lay the groundwork for eventual demoralization. Its driving features – individualism, materialism, hyper-competition, greed, over-complication, overwork, hurriedness and debt.”
“The level of intimacy, trust and true friendship in people’s lives has plummeted. Sources of wisdom, social and community support, spiritual comfort, intellectual growth and life education have dried up. Passivity and choice have displaced creativity and mastery. Resilience traits such as patience, restraint and fortitude have given way to short attention spans, over-indulgence and a masturbatory approach to life.”
“Research shows that, in contrast to earlier times, most people today are unable to identify any sort of philosophy of life or set of guiding principles. Without an existential compass, the commercialized mind gravitates toward a ‘philosophy of futility’, as Noam Chomsky calls it, in which people feel naked of power and significance beyond their conditioned role as pliant consumers. Lacking substance and depth, and adrift from others and themselves, the thin and fragile consumer self is easily fragmented and dispirited.”
“By their design, the central organizing principles and practices of consumer culture perpetuate an ‘existential vacuum’ that is a precursor to demoralization. This inner void is often experienced as chronic and inescapable boredom, which is not surprising. Despite surface appearances to the contrary, the consumer age is deathly boring. Boredom is caused, not because an activity is inherently boring, but because it is not meaningful to the person. Since the life of the consumer revolves around the overkill of meaningless manufactured low-level material desires, it is quickly engulfed by boredom, as well as jadedness, ennui and discontent. This steadily graduates to ‘existential boredom’ wherein the person finds all of life uninteresting and unrewarding.”
“Repeated consummation of desire, without moderating constraints, only serves to habituate people and diminish the future satisfaction potential of what is consumed. This develops gradually into ‘consumer anhedonia’, wherein consumption loses reward capacity and offers no more than distraction and ritualistic value. Consumerism and psychic deadness are inexorable bedfellows.”Ou seja, Schumaker fala do consumismo como alavanca, mas coloca o dedo numa suposta génese deste consumo que parece advir pela perda da crença, pela perda das verdades religiosas, e consequente ausência de guias ou orientações. Estamos entregues a nós próprios, restando-nos apenas a constante luta por mais, e mais, e mais, ainda que nos iludamos a nós mesmos com a ideia de que tudo o que fazemos tem como fundamento o melhorar e fazer bem ao humano.
Eu trabalho a Ciência todos os dias, e por mais que queira contradizer este panorama, não consigo. A realidade que habitamos hoje, pós-industrial e embebida de facilidades, que nos deveria fazer chorar de alegria a cada momento, não consegue elevar o nosso sentir. Já Harari repete esta ideia por várias vezes nas suas duas obras, "Homo Sapiens" (2014) e "Homo Deus" (2017), dizendo que tudo aquilo que hoje temos, tudo aquilo que aparentemente conseguimos além do que já tínhamos na Idade Média, em nada nos faz sentir melhores, ou ser mais felizes do que quem viveu nessa altura. Mas Schumaker vai mais longe, tentando explicar porque razão estamos a ser corrompidos pelo nosso "sucesso", citando os estudos do antropologista Raoul Naroll, que:
“used numerous examples to show that entire societies can become predisposed to an array of mental ills if their ‘moral net’ deteriorates beyond a certain point. To avoid this, a society’s moral net must be able to meet the key psycho-social-spiritual needs of its members, including a sense of identity and belonging, co-operative activities that weave people into a community, and shared rituals and beliefs that offer a convincing existential orientation.”Ora isto aproxima-se de algo que tenho vindo a estudar a propósito das razões que nos levam a jogar videojogos, e que me tem levado a compreender que as motivações para o ato de jogar assenta fundamentalmente em disfunções humanas cognitivas. Ou seja, muitas das rotinas exploradas pelo design de videojogos para engajar os jogadores, estão diretamente ligadas a vieses cognitivos que podemos encontrar, por exemplo, definidos no trabalho de Daniel Kahneman. Ora o que Naroll parece querer dizer é que a nossa cognição, por sofrer destes vieses e entorses, requer algum tipo de estrutura externa, de condicionamento, para se manter equilibrada, o que já era dito antes por Erich Fromm a propósito do “frame of orientation”, que é aqui também citado, acabando Schumaker por rematar: “demoralization is a generalized loss of credibility in the assumptions that ground our existence and guide our actions.”
Ou seja, a nossa ânsia por nos liberar das "verdades" religiosas, entre outras, atirou-nos para um mar de incerteza e dúvida, no qual só nos resta continuar a navegar em frente. Por sua vez, ir em frente está-nos no DNA, precisamos continuamente de mais, de conseguir ter mais, de ir mais além. Mas quanto mais vamos obtendo mais precisamos de obter para continuar a sentir que dominamos o mar que navegamos, fazendo com que conseguir ter mais seja o nosso único desígnio. Deste modo, se este nosso desejo intrínseco é a nossa maior força, enquanto seres humanos, centelha fundamental da curiosidade e da criação de novo conhecimento, parece ao mesmo tempo estar a tornar-se na nossa maior prisão.
O "tratamento" sugerido é complexo, citando novamente Fromm, "We can’t make people sane by making them adjust to this society. We need a society that is adjusted to the needs of people". Ou seja, o problema não está nos indivíduos, mas na rede social que os sustenta a todos. Não podemos mudar nada disto de modo individual, e o maior paradoxo de tudo isto é que quanto mais livre é a sociedade mais individualistas nos vamos tornando, afastando-nos de poder vir a encontrar uma solução para o problema. O destino de tudo isto, proposto por Schumaker, é distópico, mas talvez não seja irrealista, porque na orgânica da natureza tudo funciona por ciclos, e cada ciclo atinge sempre o seu fim para dar lugar a um novo.
Atualização 26.XI.2017
Se o texto acima termina numa nota negativa, numa certa desesperança face ao que nos aguarda enquanto espécie, como em tudo o que é discussão filosófica, existe sempre um outro lado da argumentação. Nesse sentido, veio mesmo a calhar o último episódio da "Shot of Awe" de Jason Silva, publicado também ontem, que aqui deixo para contrabalançar. Silva é reconhecido pelo seu imenso otimismo, à lá Carl Sagan, e este pequeno shot de vídeo é inspirador, para quem se quiser deixar levar.
"And Ode to Knowledge" (2017) de Jason Silva
novembro 24, 2017
Metáforas no cinema
Ganhou prémios em vários festivais internacionais, é uma curta que mescla animação e imagem real, tem momentos altos de grande engenho; arrisca a trabalhar um tema complexo, um sentimento abstracto, algo muito difícil de trabalhar em cinema, mas fá-lo bem, apesar de recorrer a uma técnica da literatura que tem sido sempre difícil de rentabilizar no cinema, a metáfora.
"Dissonance" (2015) fala-nos de um homem que sofre de uma disfunção mental, preso numa realidade alternativa, criada pela sua própria imaginação, fora dessa sua esfera existe a realidade na qual vivem a sua ex-mulher, que o abandonou, e a filha em quem não consegue deixar de pensar. Till Nowak optou por dar a ver o mundo interior desse homem, recorrendo ao poder de gerar o impossível via computador, plasmou mundos visuais que deformou através de formas impossíveis para assim criar metáforas visuais do mundo imaginário em que vive o nosso protagonista.
Se o filme nos surpreende, e a narrativa está bem desenhada para nos manter envolvidos, as transições entre realidades, e nomeadamente o modo como cada uma reflete a outra, acaba por cansar. O problema de tentar criar um mundo visual de algo que alguém sente, é que por mais preciso que seja, é sempre tão objetivo que acaba por nos afastar em vez de aproximar do sentir subjetivo do personagem. Daí que o cinema evite as abordagens metafóricas, e se limite mais a mostrar o que se sente por ações, deixando para o espetador o trabalho de imaginar o que se passa dentro da cabeça de quem sofre.
A metáfora e a analogia são o modo natural de ilustração da literatura, contudo nesse campo, por mais que se metaforize, nunca saímos do abstrato simbólico do alfabeto. No cinema, quando metaforizamos, criamos realidades alternativas, paralelas, que acabam competindo pela atenção e interesse dos espetadores, desenvolvendo uma espécie de duplicidade que desfoca a empatia e o sentimento, perdendo-se em unidade de ação, em coerência e como tal retirando força à experiência da obra.
"Dissonance" (2015) fala-nos de um homem que sofre de uma disfunção mental, preso numa realidade alternativa, criada pela sua própria imaginação, fora dessa sua esfera existe a realidade na qual vivem a sua ex-mulher, que o abandonou, e a filha em quem não consegue deixar de pensar. Till Nowak optou por dar a ver o mundo interior desse homem, recorrendo ao poder de gerar o impossível via computador, plasmou mundos visuais que deformou através de formas impossíveis para assim criar metáforas visuais do mundo imaginário em que vive o nosso protagonista.
Se o filme nos surpreende, e a narrativa está bem desenhada para nos manter envolvidos, as transições entre realidades, e nomeadamente o modo como cada uma reflete a outra, acaba por cansar. O problema de tentar criar um mundo visual de algo que alguém sente, é que por mais preciso que seja, é sempre tão objetivo que acaba por nos afastar em vez de aproximar do sentir subjetivo do personagem. Daí que o cinema evite as abordagens metafóricas, e se limite mais a mostrar o que se sente por ações, deixando para o espetador o trabalho de imaginar o que se passa dentro da cabeça de quem sofre.
A metáfora e a analogia são o modo natural de ilustração da literatura, contudo nesse campo, por mais que se metaforize, nunca saímos do abstrato simbólico do alfabeto. No cinema, quando metaforizamos, criamos realidades alternativas, paralelas, que acabam competindo pela atenção e interesse dos espetadores, desenvolvendo uma espécie de duplicidade que desfoca a empatia e o sentimento, perdendo-se em unidade de ação, em coerência e como tal retirando força à experiência da obra.
"Dissonance" (2015) de Till Nowak
novembro 19, 2017
Técnicas de colagem em literatura
Gosto de colagem, mas não gosto da colagem. Expandindo, gosto do processo criativo por detrás da colagem usada nas artes visuais, mas raramente me entusiasmo com as obras resultantes, ficando-me pelo prazer que retiro da apreciação dos processos criativos. Com “Outono” (2016) de Ali Smith, aconteceu-me o mesmo, e por isso dei por mim a refletir sobre as técnicas e objetivos da colagem enquanto terminava a sua leitura.
O tradutor, Manuel Alberto Vieira, não surge destacado na capa por acaso, fez um excelente trabalho, capaz de converter o impacto da lírica em inglês para português.
A colagem é um processo ancestral, apesar de cunhado apenas nos tempos do Modernismo, já que só nessa altura ganha relevo, porque ganha adeptos que lhe dão esse relevo, tais como Georges Braque e Pablo Picasso. Para isso contribui também a revolução que decorria, por essa altura, em redor do significado da arte, dos seus criadores, técnicas e acima de tudo objetivos. Mas contribui também os efeitos da revolução industrial que veio permitir um controlo muito mais fino dos distintos elementos, pelas diferentes colas e vernizes fundamentais na sustenção das diferentes técnicas. Neste sentido temos a procura do Novo junto com o Poder do industrial, e por isso não admira que a colagem assente num processo industrial de montagem, ou como viria a ser definido mais tarde, de assemblagem. Ou seja, juntar diferentes partes de materiais e formas com vista a criar um novo todo.
Em “Outono” a protagonista Elisabeth é professora de história de arte, tendo realizado uma tese sobre uma artista real, Pauline Boty [1938-1966], uma das poucas artistas britânicas a trabalhar o domínio da Pop Art, seguindo as passadas de Andy Warhol. Smith poderia ter-se ficado pela referência, mas não o faz, Boty ganha um papel central, tornando-se não apenas protagonista, mas ao mesmo tempo uma influência maior nos temas discutidos, e mais relevante ainda, do meu ponto de vista, na técnica literária.
Assim, se ao começar a leitura me deslumbrei com a lírica incutida, aos poucos fui detetando que a poética de Smith não assumia um caráter regular, que não era só o tempo que variava terrivelmente, o discurso eram discursos que mudavam de tom, os temas salpicavam de tudo um pouco, e a beleza rítmica nem sempre emergia. A meio do livro comecei a enfastiar-me, comecei a desprender-me, ao mesmo tempo que tentava compreender o que estava a acontecer, dizendo para mim próprio, “tudo isto não passa de um amontoado de eventos presos por fita cola”! E então fez clique, compreendi o que Smith estava a tentar fazer, o seu estilo não era só distinto e novo envolvido por qualidades poéticas, tinha um propósito, Smith seguia as pegadas da sua protagonista, Boty, e criava assim uma espécie de colagem literária.
"54321" (1963), é uma das obras de Pauline Boty mais citadas ao longo de "Outono"
Podemos pensar que não é bem a mesma coisa, já que a colagem escrita não é nova, e mais, é algo ligeiramente distinto. Quantos experimentos não foram já desencadeados a partir da mescla de múltiplos textos distintos, por vezes feitos por múltiplos autores ou em múltiplas épocas distintas, mas com o objetivo de criar uma obra una. Aliás, o que é “Ulisses” (aqui analisado) se não uma grande colagem literária de estilos de escrita? Mas Joyce assume essa colagem, separa, para que não restem dúvidas, os estilos em capítulos. Smith não o faz, Smith nunca assume a colagem. Mas olhando para a arte de Boty, o que vemos é exatamente isso, colagem não assumida. Repare-se como a colagem em Boty existe não existindo, ou seja, o que temos é uma técnica única (pintura a óleo) numa tela, da qual brota uma imagem que assume características da “colagem”. Ou seja, os elementos pertencem a outros materiais (fotografia, jornais, etc.) mas esses são aqui reconstruídos, se separados na proveniência autoral e material, aqui surgem juntos porque redesenhados sem recurso material aos originais. Do mesmo modo, Smith seleciona e corta múltiplos elementos distintos que insere no seu discurso por recurso a mudanças no tempo, espaço, e vozes distintas assumidas pela narração (o discurso indireto livre, tão amado pelo Modernismo).
"It's a Man's World I" (1965) de Pauline Boty
"It's a Man's World II" (1965) de Pauline Boty
Neste sentido, é muito interessante a desconstrução que Smith faz da obra de Boty, de que aqui realço o destaque dado à tela desaparecida, "Scandal '63" (ver abaixo), na qual surge pintada uma fotografia, tornada icónica, de Christine Keller, a figura central do escândalo britânico Profumo (recomendo a visualização do filme "Scandal" de 1989 para compreender o caso). Dessa tela sobrou apenas uma prova da sua existência, uma fotografia (ver abaixo), mas o mais interessante é que nela, Boty não recorre a fotografia icónica (ver abaixo), mas antes a uma variante dessa. Ou seja, Boty terá tido acesso aos negativos da sessão fotográfica, tendo escolhido uma muito próxima, mas distinta (ver abaixo). Deste modo, Smith não apenas fictiona mas aproveita para lançar leituras interessantes sobre a arte de Boty. Numa nota lateral, aproveito para dizer que conhecer, ou procurar informação sobre o escândalo de 63, sobre a artista, tal como estar por dentro do sucedido com a campanha do Brexit é central para conseguir ligar os distintos elementos que Smith vai assemblando ao longo das páginas.
A fotografia que nos mostra Boty segurando a tela desaparecida "Scandal '63" em 1963.
A fotografia icónica de Christine Keller, figura central do escândalo de 1963, por ser amante, aparentemente ao mesmo tempo, do Secretário de Estado de Guerra, John Profumo, e de um espião russo, Yevgeny Ivanov.
Os negativos originais da sessão fotográfica de Keller, em que se pode ver a imagem selecionada por Boty para a sua tela (a segunda na vertical, mais à esquerda).
Mas, como dizia na abertura, se adorei compreender o processo criativo, o resultado não me entusiasmou, e não porque a escrita de Smith não seja excecional, mas antes por algo mais perceptivo, mais experiencial, porque do mesmo modo também não me encantei pelas obras de Pauline Boty, assim como também nunca me apaixonei com as colagens de Hannah Höch, entre outros criadores do movimento. No fundo, e voltando a Joyce, reconhecer a qualidade técnica, admirar o virtuosismo, compreender o alcance do que se pretende não é suficiente para nos fazer sentir. Não que não nos provoque, repare-se como o João Carlos Pereira na sua resenha no Goodreads, captou muito bem o efeito deste processo de assemblagem:
"Registo apenas alguns dos adjectivos que me suscitaram a leitura da novela "Outono": "versátil – desconcertante - decepcionante – mutante – original – extravagante - ilógica – surpreendente – admirável – desequilibrada – repetitiva – inconsistente – confusa – heterogénea – incombinável – desigual – complexa – incompreensível – fatigante – invulgar."
Por outro lado, “Outono”, dito pela própria autora, é apenas a primeira parte de quatro. Ou seja, li apenas um quarto de um todo, e talvez exista muito mais nos restantes volumes que assumo poderem vir a alterar o meu sentir sobre um todo que ainda desconheço. Não sabemos se o Brexit continuará sequer a surgir como pano de fundo, que diga-se, está para mim ainda demasiado "quente", para se dar à literatura. Repare-se como o assassinato de Jo Cox surge aqui quase em nota de rodapé, algo que me incomodou, mas que provavelmente não poderia ser diferente, já que correria o risco de contaminar o resto da narrativa. Mas é provável que o tempo continue a ser central, não apenas pelo modo como Smith brinca com as disparidades de idades dos protagonistas que "viajam no tempo", mas especialmente pelo que se pode resumir num dos momentos mais altos deste volume, em que soltei várias gargalhadas em catadupa, quando se define o sucedido com a obra de Pauline Boty da seguinte forma:
"Ignorada. Perdida. Redescoberta anos mais tarde. Depois ignorada. Perdida. Redescoberta novamente anos mais tarde. Depois ignorada. Perdida. Redescoberta ad infinitum." (p.196)
novembro 14, 2017
Animação: "À Noite Eu Danço com a Morte"
Não tem grande história, é mais um filme de fim de curso francês, mas são seis minutos de puro deleite e encanto visual. "La Nuit Je Danse Avec La Mort" (2017) parte de uma aparente apologia das drogas para nos levar até à salvação pelo amor, mas a premissa acaba servindo para nos levar até à vertigem da imaginação, aos mundos alterados das realidade alternativas, psicadélicas e fantásticas.
Vincent Gibaud, formado na LISAA, conseguiu financiamento através de crowdsourcing, e juntou ao seu grupo de trabalho uma equipa de quase 50 pessoas para nos dar a ver esta pequena jóia da animação. Em termos técnicos, não temos nada de muito excecional, mas a coesão e a simbiose entre o que se mostra e pretende dizer é tão intensa que não conseguimos desligar do filme, nem depois deste terminar.
Vincent Gibaud, formado na LISAA, conseguiu financiamento através de crowdsourcing, e juntou ao seu grupo de trabalho uma equipa de quase 50 pessoas para nos dar a ver esta pequena jóia da animação. Em termos técnicos, não temos nada de muito excecional, mas a coesão e a simbiose entre o que se mostra e pretende dizer é tão intensa que não conseguimos desligar do filme, nem depois deste terminar.
"La Nuit Je Danse Avec La Mort" (2017) Vincent Gibaud
novembro 12, 2017
A Avó e a Neve Russa (2017)
O autor, João Reis, conseguiu surpreender-me com esta segunda obra, ao mudar completamente de registo, desde a escrita ao tema, ainda que mantendo alguns laivos daquilo que poderá vir a dar contornos à sua marca autoral. Claro que a isto não é alheio o facto de o livro ter nascido de uma residência artística no Canadá, o que vem dar razão a muito daquilo que sabemos, em termos criativos, sobre o contexto cultural e a mudança, e os seus impactos na mundividência e imaginário. Por outro lado ainda, este segundo livro de João Reis tem mais fôlego, dando conta da sua capacidade para gerar e gerir complexidade narrativa.
Começando pelo menos bom, a escolha de uma criança de 10 anos para protagonista foi um risco tremendo, e se foi praticamente superado, era inevitável o surgimento de deficiências. Olhar o mundo, de modo dramático, pelos olhos de alguém ainda em formação, tão distante ainda da consciência completa do drama que habita, é muito complicado. Salinger enfrenta problemas parecidos em “Uma Agulha no Palheiro”, apesar de estar a lidar já com um adolescente. O nosso protagonista aqui aproxima-se mais, em idade, de Tom Sawyer e Huckleberry Finn, mas Twain foi mais inteligente fugindo às complexidades do drama, desenhando tudo sobre um novelo de aventuras, recorrendo a personagens secundárias para introduzir níveis mais complexos de análise da realidade.
No campo narrativo surgem também alguns problemas que me parecem motivados pela necessidade de cumprir com a encomenda da residência artística, ou seja, a construção de um cenário cosmopolita. Mas se a multiplicidade de proveniências dos nossos personagens é totalmente credível num país reconhecido pela sua construção a partir de todas essas identidades, o facto de Reis se servir das várias grandes tragédias ocorridas nos países de cada um dos provenientes torna o cenário narrativo menos orgânico e insuflado de premeditação na escolha dessas origens. O ponto que mais negativamente me marcou foi a aproximação entre o Holocausto e Chernobyl, em que se sente o recurso ao elemento emocional, indo depois mais longe, até ao simbólico (manequins). Este último ponto, do simbólico, metáforas figuradas, já vem de trás em Reis, parecendo ser uma marca que procura instituir nos seus textos, mas que é algo que não abona em favor da explicitude dos mesmos.
Dito tudo isto, o livro é mais, e se tem problemas tem tanto ou mais virtudes. Desde logo o personagem, que sofrendo ocasionalmente de alguma inverosimilidade, acaba por funcionar como uma âncora a que nos agarramos e não mais largamos até à última página do livro. A sua inocência e ingenuidade são absolutamente impressionantes, capazes de nos arrastar para o interior das nossas memórias de criança, e ver o mundo pelos olhos dele e nossos, porque Reis conseguiu encontrar o tom perfeito para potenciar a nossa empatia. Existe todo um desenhar de esperança frágil que concorre para nos dar a ver um mundo difícil sob tons menos hostis e que garante o nosso interesse e colagem contínua aos pensamentos da criança.
A narrativa está dividida em duas partes, uma primeira mais de contextualização em que nos é dado a conhecer o mundo daquela criança e os conflitos que a rodeiam, e uma segunda parte em que se enceta a aventura, que acaba por fazer valer todas as virtudes daquela criança. A sua inocência e esperança alimentam e propulsionam o sentido narrativo, muito alimentado pelo companheiro de viagem e pelas diferentes peripécias que vão tendo de enfrentar. Neste sentido, Twain tinha razão, as aventuras com amigos e os encontros fortuitos permitem dar a ver muito mais do interior das crianças, do que uma abordagem dostoyevskiana de entrar pela psicologia dos personagens adentro. O companheiro que segue com a criança, e os diferentes conflitos encontrados, funcionam literalmente como espelhos externos do interior da criança, e por isso vamos sentido que a conhecemos cada vez melhor com o progresso de toda essa segunda parte.
Tudo isto é servido por uma história que não tendo nada de muito original, nem muito particular, acaba por dar uma volta completa, fechando o círculo de sentidos, preenchendo por completo a nossa necessidade de significados. A criança cresce com o passar de páginas, e nós crescemos com ela, o mundo que era mais distante e alimentado pela ingenuidade, vai-se tornando mais real e consequente. Nada é fácil nesta nossa realidade, e se em criança a ausência de compreensão parece facilitar o atravessar e aceitar das dificuldades, nada nos garante que em adultos tenhamos atingido a plenitude da compreensão dessa realidade. Talvez o fundo da questão não assente na não compreensão, talvez o nosso problema em adultos seja antes o foco circunscrito aos problemas e conflitos, esquecendo tudo o que de bom existe em nosso redor, permitindo que o lado negativo acabe por toldar todo o lado positivo que a vida também contém.
Começando pelo menos bom, a escolha de uma criança de 10 anos para protagonista foi um risco tremendo, e se foi praticamente superado, era inevitável o surgimento de deficiências. Olhar o mundo, de modo dramático, pelos olhos de alguém ainda em formação, tão distante ainda da consciência completa do drama que habita, é muito complicado. Salinger enfrenta problemas parecidos em “Uma Agulha no Palheiro”, apesar de estar a lidar já com um adolescente. O nosso protagonista aqui aproxima-se mais, em idade, de Tom Sawyer e Huckleberry Finn, mas Twain foi mais inteligente fugindo às complexidades do drama, desenhando tudo sobre um novelo de aventuras, recorrendo a personagens secundárias para introduzir níveis mais complexos de análise da realidade.
No campo narrativo surgem também alguns problemas que me parecem motivados pela necessidade de cumprir com a encomenda da residência artística, ou seja, a construção de um cenário cosmopolita. Mas se a multiplicidade de proveniências dos nossos personagens é totalmente credível num país reconhecido pela sua construção a partir de todas essas identidades, o facto de Reis se servir das várias grandes tragédias ocorridas nos países de cada um dos provenientes torna o cenário narrativo menos orgânico e insuflado de premeditação na escolha dessas origens. O ponto que mais negativamente me marcou foi a aproximação entre o Holocausto e Chernobyl, em que se sente o recurso ao elemento emocional, indo depois mais longe, até ao simbólico (manequins). Este último ponto, do simbólico, metáforas figuradas, já vem de trás em Reis, parecendo ser uma marca que procura instituir nos seus textos, mas que é algo que não abona em favor da explicitude dos mesmos.
Dito tudo isto, o livro é mais, e se tem problemas tem tanto ou mais virtudes. Desde logo o personagem, que sofrendo ocasionalmente de alguma inverosimilidade, acaba por funcionar como uma âncora a que nos agarramos e não mais largamos até à última página do livro. A sua inocência e ingenuidade são absolutamente impressionantes, capazes de nos arrastar para o interior das nossas memórias de criança, e ver o mundo pelos olhos dele e nossos, porque Reis conseguiu encontrar o tom perfeito para potenciar a nossa empatia. Existe todo um desenhar de esperança frágil que concorre para nos dar a ver um mundo difícil sob tons menos hostis e que garante o nosso interesse e colagem contínua aos pensamentos da criança.
A narrativa está dividida em duas partes, uma primeira mais de contextualização em que nos é dado a conhecer o mundo daquela criança e os conflitos que a rodeiam, e uma segunda parte em que se enceta a aventura, que acaba por fazer valer todas as virtudes daquela criança. A sua inocência e esperança alimentam e propulsionam o sentido narrativo, muito alimentado pelo companheiro de viagem e pelas diferentes peripécias que vão tendo de enfrentar. Neste sentido, Twain tinha razão, as aventuras com amigos e os encontros fortuitos permitem dar a ver muito mais do interior das crianças, do que uma abordagem dostoyevskiana de entrar pela psicologia dos personagens adentro. O companheiro que segue com a criança, e os diferentes conflitos encontrados, funcionam literalmente como espelhos externos do interior da criança, e por isso vamos sentido que a conhecemos cada vez melhor com o progresso de toda essa segunda parte.
Tudo isto é servido por uma história que não tendo nada de muito original, nem muito particular, acaba por dar uma volta completa, fechando o círculo de sentidos, preenchendo por completo a nossa necessidade de significados. A criança cresce com o passar de páginas, e nós crescemos com ela, o mundo que era mais distante e alimentado pela ingenuidade, vai-se tornando mais real e consequente. Nada é fácil nesta nossa realidade, e se em criança a ausência de compreensão parece facilitar o atravessar e aceitar das dificuldades, nada nos garante que em adultos tenhamos atingido a plenitude da compreensão dessa realidade. Talvez o fundo da questão não assente na não compreensão, talvez o nosso problema em adultos seja antes o foco circunscrito aos problemas e conflitos, esquecendo tudo o que de bom existe em nosso redor, permitindo que o lado negativo acabe por toldar todo o lado positivo que a vida também contém.
novembro 11, 2017
Animação portuguesa no i9
A animação "Macabre" de Jerónimo Rocha e João Miguel Real realizada em 2015, chegou à rede há quinze dias através do canal Dust, especializado em curtas de ficção-científica, tendo sido ontem objeto de destaque no i9, um dos sites de referência sobre tecnologias, inovação e ficção-científica. Se não fosse por mais nada, já mereceria o destaque aqui pelo modo como foi recebido na rede, apesar de que pela informação que consegui obter, o filme não ter tido grande sorte nos festivais. Estas duas abordagens, ou recepções são interessantes já que dão conta da ambivalência que senti ao ver o filme.
Começando pelos festivais, e pela estética da obra, podemos dizer que o filme atinge pontos bastante altos em termos de cenário, ambiente e atmosfera, muito à custa da ilustração e design de som, assim como da composição e enquadramentos. No campo da animação, estando longe da perfeição, oferece não raras vezes momentos bem conseguidos, que nos prendem e tornam credível toda atmosfera. Contudo o filme peca em duas componentes demasiado evidentes, a duração (19 minutos) e a estrutura narrativa. Poderia entender a vontade de estender a duração para ajudar à criação da emocionalidade de suspense, mas é claramente excessiva, acabando por obrigar os criadores a recorrer não apenas a redundâncias como a clichês, o que ainda a meio do filme já começa a fazer perder o interesse da audiência. A duração acaba por ter impacto na narrativa, nomeadamente porque por via da necessidade de enchimento do tempo acabam surgindo ideias gastas, imensamente vistas, sem ponta de originalidade e que mereciam ter ficado de fora. Porque se a elipse narrativa que segura a síntese da obra é muito boa, uma boa parte do trabalho criado para preencher o interior da elipse é, muito honestamente, mediano.
Ou seja, se o i9 e o Dust têm interesse no filme é pela elipse narrativa desenvolvida, que acaba por dar todo um sabor instigatório ao texto da obra, fazendo-nos refletir e voltar atrás no filme mentalmente para recuperar o que vimos, e voltar a sentir o todo mais intensamente. Mas diga-se, não era necessário o recurso a Escher para tal, ainda que pudesse ter surgido como homenagem, assim como não eram necessárias as quantidades de redundâncias que vão surgindo, parecendo os realizadores ter receio que o público não compreenda o que se vai passando. A premissa que segura a elipse é per se imensamente forte, e acredito que se o filme tivesse menos de metade da sua duração, tendo em conta a qualidade apresentada nas diversas componentes artísticas, teria conseguido chegar bastante mais longe em termos de reconhecimento.
Começando pelos festivais, e pela estética da obra, podemos dizer que o filme atinge pontos bastante altos em termos de cenário, ambiente e atmosfera, muito à custa da ilustração e design de som, assim como da composição e enquadramentos. No campo da animação, estando longe da perfeição, oferece não raras vezes momentos bem conseguidos, que nos prendem e tornam credível toda atmosfera. Contudo o filme peca em duas componentes demasiado evidentes, a duração (19 minutos) e a estrutura narrativa. Poderia entender a vontade de estender a duração para ajudar à criação da emocionalidade de suspense, mas é claramente excessiva, acabando por obrigar os criadores a recorrer não apenas a redundâncias como a clichês, o que ainda a meio do filme já começa a fazer perder o interesse da audiência. A duração acaba por ter impacto na narrativa, nomeadamente porque por via da necessidade de enchimento do tempo acabam surgindo ideias gastas, imensamente vistas, sem ponta de originalidade e que mereciam ter ficado de fora. Porque se a elipse narrativa que segura a síntese da obra é muito boa, uma boa parte do trabalho criado para preencher o interior da elipse é, muito honestamente, mediano.
Ou seja, se o i9 e o Dust têm interesse no filme é pela elipse narrativa desenvolvida, que acaba por dar todo um sabor instigatório ao texto da obra, fazendo-nos refletir e voltar atrás no filme mentalmente para recuperar o que vimos, e voltar a sentir o todo mais intensamente. Mas diga-se, não era necessário o recurso a Escher para tal, ainda que pudesse ter surgido como homenagem, assim como não eram necessárias as quantidades de redundâncias que vão surgindo, parecendo os realizadores ter receio que o público não compreenda o que se vai passando. A premissa que segura a elipse é per se imensamente forte, e acredito que se o filme tivesse menos de metade da sua duração, tendo em conta a qualidade apresentada nas diversas componentes artísticas, teria conseguido chegar bastante mais longe em termos de reconhecimento.
"Macabre" (2015) por Jerónimo Rocha e João Miguel Real
novembro 08, 2017
Sentidos e Tecnologia
O mais recente episódio da série Dark Web do Nowness — uma série de pequenos filmes que segue o género "Black Mirror" — intitula-se "Senses" (2017) e responde literalmente pela designação, criando uma experiência, de cinco minutos, que nos entra pela mente adentro ativando toda a nossa visceralidade.
O melhor da curta, em termos narrativos, advém pela estrutura e progressão, que começa por nos agarrar por um lado mais narcisista e techno-sexual, evoluindo por diferentes possibilidades até à consagração pela RV. No campo da direção artística temos todo um trabalho de cor e montagem que fazem notar como tudo segue em crescendo, adotando a linguagem audiovisual uma estética que serve a impressão de sentires, substituindo-se à ausência dos estímulos reais presentes na diégese virtual. Tanto a narração como a direção artística acabam por desenvolver um filme bastante singular, simultaneamente sensorial e autoral. Em entrevista, Fran de la Fuente, diz
O melhor da curta, em termos narrativos, advém pela estrutura e progressão, que começa por nos agarrar por um lado mais narcisista e techno-sexual, evoluindo por diferentes possibilidades até à consagração pela RV. No campo da direção artística temos todo um trabalho de cor e montagem que fazem notar como tudo segue em crescendo, adotando a linguagem audiovisual uma estética que serve a impressão de sentires, substituindo-se à ausência dos estímulos reais presentes na diégese virtual. Tanto a narração como a direção artística acabam por desenvolver um filme bastante singular, simultaneamente sensorial e autoral. Em entrevista, Fran de la Fuente, diz
"I’m fascinated by cinematography in general. A lot of what’s on the final picture was worked on in the early stages of the script. We wanted to create a very specific and accentuated look. That required designing, in detail, every scene prior to shooting. We used a wide colour palette, and worked with contrast, depth of field and camera movements. Above all, I think one of our biggest successes was finding the right locations! Throughout the whole project we complemented each other very well; we contributed what each of us knew better and is more passionate about. But we also took a lot of risks, and we achieved many of them! "
"our objective was to work mostly on fashion and advertising. Like scenes and settings. In that sense we were inspired by many other young directors of music videos, short films like ours, and so on. Also, for me personally, Black Mirror is beyond any doubt a clear visual and narrative inspiration. "O filme é um trabalho completamente independente, financiado pelos próprios criadores, Alexan Kevork Sarikamichian e Fran de la Fuente, ambos argentinos e formados na Universidad del Cine, Buenos Aires, sendo a música também original para o filme.
"Senses" (2017) de Alexan Kevork Sarikamichian e Fran de la Fuente (mirror link)
novembro 07, 2017
Animação: "Eu Estou Aqui"
A componente visual é tão despida e a animação tão conseguida que para os mais desatentos pode parecer apenas mais uma pequena curta a falar de problemas existenciais. Mas, se pararem de seguir a história e mensagem, e atentarem no detalhe do que nos está a ser dado a sorver audiovisualmente, vão perceber a profunda mestria da arte da animação.
O que temos aqui é apenas uma pequena mancha branca que se movimenta, e sobre a qual se movimentam três traços principais, os olhos e a boca. É verdade que a voz é sumptuosa, rica em textura, cheia de dramatização, mas é a imagem que lhe dá o encanto, e faz o todo transcender-se. O modo como os olhos vão da indiferença à tristeza, e como a boca dá corpo às palavras que se vão ouvindo, tudo junto com o menear da cabeça ao ritmo do discurso, torna a animação praticamente hipnótica.
Por outro lado, a mensagem é também muito forte, e vale a pena ver até ao final, ainda que o resultado possa sentir-se críptico, a sinopse — "Alone in an aging cosmos, a traveller’s pilgrimage comes to an end." — e uma segunda visualização ajudarão sem dúvida a chegar ao âmago da ideia.
O que temos aqui é apenas uma pequena mancha branca que se movimenta, e sobre a qual se movimentam três traços principais, os olhos e a boca. É verdade que a voz é sumptuosa, rica em textura, cheia de dramatização, mas é a imagem que lhe dá o encanto, e faz o todo transcender-se. O modo como os olhos vão da indiferença à tristeza, e como a boca dá corpo às palavras que se vão ouvindo, tudo junto com o menear da cabeça ao ritmo do discurso, torna a animação praticamente hipnótica.
"I'm Here" (2016) de Eoin Duffy
Por outro lado, a mensagem é também muito forte, e vale a pena ver até ao final, ainda que o resultado possa sentir-se críptico, a sinopse — "Alone in an aging cosmos, a traveller’s pilgrimage comes to an end." — e uma segunda visualização ajudarão sem dúvida a chegar ao âmago da ideia.
novembro 05, 2017
Depois do Fotorrealismo
No outro dia deixei aqui algumas questões a propósito dos avanços da Inteligência Artificial no campo das artes digitais o que gerou alguma discussão, tendo depois o Artur Coelho partilhado, em resposta no Facebook, o video-ensaio "Goodbye Uncanny Valley" (2017) de Alan Warburton, que pode ser visto no final deste texto. Entretanto a Nvidia colocou online um vídeo impressionante (ver imediatamente abaixo), junto ao texto "Nvidia reveals photoreal fake people portrait generator", no qual dá conta dos resultados da investigação que tem andado a desenvolver em redor da IA e do fotorrealismo. Vale a pena espreitar esta evolução da Nvidia antes de entrar no vídeo de Warburton em que se discutem novas estéticas do pós-fotorrealismo.
O trabalho de Warburton pretende exatamente discutir o que teremos depois deste fotorrealismo que não só se se tornou hoje uma realidade, como uma realidade criada pelas próprias máquinas. Para o efeito propõe um enquadramento para análise com que concordo, constituído por 4 dimensões: "Uncanny Valley", "Frontier", "Wilderness" e "Beyond". As duas primeiras dizem respeito ao momento atual, sendo brevemente analisadas nos seus aspetos mais comerciais e incrementais. As duas últimas dizem respeito à possível resposta que a arte tem para dar ao avanço tecnológico.
A dimensão de "Beyond the Frontier" é subdividida em três grandes vectores: "Post-Truth"; "Post-Cinema"; "Theoretical Photorealism". Os três casos são paradigmáticos do que temos vindo a assistir no mundo das artes visuais e audiovisuais, colocando em causa muitas das fundações de realidade que detínhamos, ao mesmo que tempo que abre perspectivas imensamente ricas sobre aquilo que nos espera nestes campos. Ou seja, se os casos de post-truth dão conta de potenciais distopias, o "post-cinema" mostra-nos todo um novo mundo cinematográfico que nos aguarda, e o "theoretical photorealismo" dá-nos ainda mais esperança, ao juntar a arte e ciência.
Já a dimensão de "Wilderness" apesar de ser aquela que mais encaixa numa conceptualização de Arte, no seu sentido de procura pela subversão dos paradigmas existentes dos usos e potenciais das técnicas e tecnologias, acaba sendo aquele que para mim menos oferece em termos de novas ideias. Reconhecendo o engenho e a criatividade dos artistas por detrás das diversas obras apresentadas, tendo adorado a maioria delas, ficam-se pela subversão, tal como ficaram os movimentos do modernismo — surrealismo, dadaísmo, cubismo, etc. Não é suficiente fazer diferente, introduzir estranheza, grotesco ou barroco, para que as ideias possam seguir sendo utilizadas e transformadas, é preciso algo mais.
Nvidia reveals photoreal fake people portrait generator
O trabalho de Warburton pretende exatamente discutir o que teremos depois deste fotorrealismo que não só se se tornou hoje uma realidade, como uma realidade criada pelas próprias máquinas. Para o efeito propõe um enquadramento para análise com que concordo, constituído por 4 dimensões: "Uncanny Valley", "Frontier", "Wilderness" e "Beyond". As duas primeiras dizem respeito ao momento atual, sendo brevemente analisadas nos seus aspetos mais comerciais e incrementais. As duas últimas dizem respeito à possível resposta que a arte tem para dar ao avanço tecnológico.
Enquadramento do CGI por Alan Warburton
A dimensão de "Beyond the Frontier" é subdividida em três grandes vectores: "Post-Truth"; "Post-Cinema"; "Theoretical Photorealism". Os três casos são paradigmáticos do que temos vindo a assistir no mundo das artes visuais e audiovisuais, colocando em causa muitas das fundações de realidade que detínhamos, ao mesmo que tempo que abre perspectivas imensamente ricas sobre aquilo que nos espera nestes campos. Ou seja, se os casos de post-truth dão conta de potenciais distopias, o "post-cinema" mostra-nos todo um novo mundo cinematográfico que nos aguarda, e o "theoretical photorealismo" dá-nos ainda mais esperança, ao juntar a arte e ciência.
Já a dimensão de "Wilderness" apesar de ser aquela que mais encaixa numa conceptualização de Arte, no seu sentido de procura pela subversão dos paradigmas existentes dos usos e potenciais das técnicas e tecnologias, acaba sendo aquele que para mim menos oferece em termos de novas ideias. Reconhecendo o engenho e a criatividade dos artistas por detrás das diversas obras apresentadas, tendo adorado a maioria delas, ficam-se pela subversão, tal como ficaram os movimentos do modernismo — surrealismo, dadaísmo, cubismo, etc. Não é suficiente fazer diferente, introduzir estranheza, grotesco ou barroco, para que as ideias possam seguir sendo utilizadas e transformadas, é preciso algo mais.
"Goodbye Uncanny Valley" (2017) de Alan Warburton
Subscrever:
Mensagens (Atom)