“
Consciousness and the Brain: Deciphering How the Brain Codes Our Thoughts” (2014) de
Stanislas Dehaene oferece-nos um excelente trabalho de divulgação da investigação científica que se tem realizado nas últimas décadas à volta do conceito de 'consciência'. A abordagem escolhida por Dehaene é a de simplificar o domínio, libertando dos tabus a que a área foi votada pelos próprios investigadores. O domínio dos estudos da consciência foi sempre bastante frágil, à semelhança do estudo das emoções, por ser considerado não apenas complexo, mas impossível de vergar ao método experimental. Desta forma este livro de Dehaene funciona quase como uma lufada de ar fresco na desmistificação e facilitação de acesso àquilo que designamos de consciência.
Dividiria o livro em três grandes partes, a introdução ao conceito e sua sustenção evolucionária, que ocupam os primeiros capítulos, simples e cheios de metáforas que se percebem muito bem, e que nos garantem uma noção bastante concreta do que é a consciência. A segunda parte, um pouco mais densa, nomeadamente por se procurar sustentar as ideias com muitos estudos realizados no campo e que acabam dedicando demasiado tempo a tecnicismos do cérebro, perdendo por vezes a nossa atenção. E depois o capítulo final no qual se aponta ao futuro da área, com dados e especulações extremamente instigantes. Deste modo quero deixar apenas algumas notas sobre a definição do conceito, e depois dedicar algumas linhas à projecção para estudos futuros.
Comecemos pela definição de consciência que Dehaene apresenta :
“consciousness is brain-wide information sharing. The human brain has developed efficient long-distance networks, particularly in the prefrontal cortex, to select relevant information and disseminate it throughout the brain. Consciousness is an evolved device that allows us to attend to a piece of information and keep it active within this broadcasting system. Once the information is conscious, it can be flexibly routed to other areas according to our current goals. Thus we can name it, evaluate it, memorize it, or use it to plan the future.” (abertura do Capítulo 5)
Isto levaria-nos a questionar de que serve então a consciência, porque não funcionamos apenas por meio de processos não-conscientes? E é nesse sentido que se torna interessante analisar o processo em termos evolucionários, que Dehaene define assim:
“consciousness supports a number of specific operations that cannot unfold unconsciously. Subliminal information is evanescent, but conscious information is stable — we can hang on to it for as long as we wish. Consciousness also compresses the incoming information, reducing an immense stream of sense data to a small set of carefully selected bite-size symbols. The sampled information can then be routed to another processing stage, allowing us to perform carefully controlled chains of operations, much like a serial computer. This broadcasting function of consciousness is essential. In humans, it is greatly enhanced by language, which lets us distribute our conscious thoughts across the social network.”
Isto é um processo que me interessa particularmente, porque o conceito de hipertexto é fundamentalmente baseado no mesmo. Se Vannevar Bush procurava emular a nossa capacidade de pensamento associativo, ou seja de processamento de múltipla informação, em paralelo, que ocorre no não-consciente, fundamental em termos de agilidade cognitiva, pelo meio ficou esquecido o problema do consciente, ou seja, o modo como filtramos a informação do exterior, como consolidamos a informação e a transportamos para o não-consciente, via processos em série. Este problema agravar-se-ia depois ainda mais com o surgimento do hipermedia/multimedia, em que os documentos passavam não apenas a apresentar diversidade não-linear de informação, mas modelada por meios distintos.
Por isso aceder a um documento multimedia, em que o conteúdo que se pretende transmitir, é espartilhado em vários objectos distintos de media a tempos não-lineares, torna a compreensão mais difícil do que aceder a um documento linear e num único meio. A ideia de que os objectos distintos se reforçam mutuamente acaba por não funcionar já que os múltiplos meios obrigam de imediato a um consumo maior de consciência. Usando linguagem informática, poderemos descrever o processo da seguinte forma:
quanto mais meios distintos utilizar numa mensagem, mais software tenho de fazer o receptor carregar para o consciente, para conseguir descodificar cada meio, sobrando menos capacidade para descodificar a essência do que se quer comunicar. Ou seja, não lemos um texto, uma foto, um vídeo ou sons da mesma forma, precisamos de usar recursos apreendidos em experiências anteriores, para descodificar cada um desses sinais. Nesse sentido - um texto, ou um vídeo, ou um áudio - permitem ao receptor concentrar-se quase exclusivamente na mensagem, assumindo o meio quase como transparente.
Daí que o enfoque comunicativo do multimédia não possa ser a multimedialidade mas antes a interatividade, como tenho defendido ("
Media Criativos e Interactivos" (2010),
Jornalismo 'Interactive Storytelling'? (2015)). Porque aquilo que diferencia os novos media dos tradicionais é apenas, e só, a interatividade, já que a união de diferentes media vem desde os anos 1930 sendo feita pelo cinema. E
quando falo de interatividade, não falo de um processo aberto, ou rizomático, de acesso a múltiplas fontes de informação, mas antes de um processo cíclico de interacção - conversacional - entre o artefacto e o receptor. Daí que pensar, desenhar e construir um artefacto a partir do seu potencial de interatividade, seja totalmente distinto de o fazer a partir do potencial de junção de diferentes media.
No último capítulo são várias as questões e desafios apresentados para os quais ainda não temos respostas, e que se revelam de enorme importância, das quais escolho aqui discutir duas:
1: "Can we figure out whether a monkey, or a dog, or a dolphin is conscious of its surroundings?"
Neste ponto Dehaene discute os vários estágios do conhecimento científico porque passámos em termos do que separa o homem dos animais, sendo que no mais recente estágio se assumia que o que determinava esta diferença estava na capacidade do homem poder reflectir sobre si mesmo, algo que nos estudos mais recentes se tem demonstrado, com grande evidência, que vários animais são também capazes de fazer, ou seja, os animais possuem consciência. Deste modo Dehaene procura elaborar uma ideia que demonstre a linha que nos separa dos animais, e fá-lo usando uma abordagem cognitiva assente nos processos de linguagem, com a qual concordo inteiramente:
“although we share most if not all of our core brain systems with other animal species, the human brain may be unique in its ability to combine them using a sophisticated “language of thought.” René Descartes was certainly right about one thing: only Homo sapiens “use[s] words or other signs by composing them, as we do to declare our thoughts to others.” This capacity to compose our thoughts may be the crucial ingredient that boosts our inner thoughts. Human uniqueness resides in the peculiar way we explicitly formulate our ideas using nested or recursive structures of symbols (..) in agreement with Noam Chomsky, language evolved as a representational device rather than a communication system—the main advantage that it confers is the capacity to think new ideas, over and above the ability to share them with others. Our brain seems to have a special knack for assigning symbols to any mental representation and for entering these symbols into entire novel combinations (..) The recursive function of human language may serve as a vehicle for complex nested thoughts that remain inaccessible to other species. Without the syntax of language, it is unclear that we could even entertain nested conscious thoughts such as He thinks that I do not know that he lies. Such thoughts seem to be vastly beyond the competence of our primate cousins.”
2: "Could we ever duplicate them in a computer, thus giving rise to artificial consciousness?”
Para o o final Dehaene deixa um assunto, semelhante ao do ponto anterior, mas numa direcção diferente. Se no caso dos animais, estamos focados em tentar perceber o que nos coloca em planos diferentes, no caso da Inteligência Artificial, estamos interessados em perceber se será verdadeiramente possível criar um processo matemático que simule a consciência. Um tópico que me tem preocupado nos últimos anos, por causa da minha investigação na área de emoções, e que discuti aqui já a propósito de
um livro de Oliver Sacks e de uma
talk de António Damásio.
“I have no problem imagining an artificial device capable of willfully deciding on its course of action. Even if our brain architecture were fully deterministic, as a computer simulation might be, it would still be legitimate to say that it exercises a form of free will. Whenever a neuronal architecture exhibits autonomy and deliberation, we are right in calling it “a free mind” — and once we reverse-engineer it, we will learn to mimic it in artificial machines (..) Our neuronal states ceaselessly fluctuate in a partially autonomous manner, creating an inner world of personal thoughts. Even when confronted with identical sensory inputs, they react differently depending on our mood, goals, and memories. Our conscious neuronal codes also vary from brain to brain. Although we all share the same overall inventory of neurons coding for color, shape, or movement, their detailed organization results from a long developmental process that sculpts each of our brains differently, ceaselessly selecting and eliminating synapses to create our unique personalities. The neuronal code that results from this crossing of genetic rules, past experiences, and chance encounters is unique to each moment and to each person. Its immense number of states creates a rich world of inner representations, linked to the environment but not imposed by it. Subjective feelings of pain, beauty, lust, or regret correspond to stable neuronal attractors in this dynamic landscape. They are inherently subjective, because the dynamics of the brain embed its present inputs into a tapestry of past memories and future goals, thus adding a layer of personal experience to raw sensory inputs. What emerges is a “remembered present,” a personalized cipher of the here and now, thickened with lingering memories and anticipated forecasts, and constantly projecting a first-person perspective on its environment: a conscious inner world.”
Ler mais:
A consciência de Damásio, o Eu ou a Alma
Musicophilia (2007), música e consciência