Mostrar mensagens com a etiqueta jogos. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta jogos. Mostrar todas as mensagens

outubro 29, 2011

"Eppur Si Muove" de Galileu para os jogos

And Yet it Moves (2010) é um jogo independente que nasceu de um projeto realizado em 2007 por quatro estudantes - Christoph Binder, Felix Bohatsch, Jan Hackl e Peter Vorlaufer - para uma cadeira de informática do Departamento de Design e Avaliação Tecnológica da Universidade Tecnológica de Viena, Austria. Esse projeto deu origem a um protótipo (PC | Mac) que foi depois apresentado em vários festivais, tendo ganho o Independent Games Festival Student Showcase em 2007. A versão de 2010 foi totalmente refeita e estendida, e pode agora ser adquirida para PC ou Mac via Steam, ou para Wii via Shop Channel.


O meu interesse em trazer aqui este jogo prende-se com dois elementos: o gameplay e a arte. And Yet it Moves apresenta um gameplay baseado no género de plataformas, mas com um twist inovador. O jogo permite-nos não só controlar o personagem mas também o mundo. Isto é, para podermos jogar temos de controlar os movimentos do personagem e levá-lo a passar de plataforma em plataforma, mas em cima disso temos uma segunda condição que passa por termos de ajustar o mundo, fazendo-o rodar de forma a permitir que o nosso personagem prossiga o seu caminho. Assim, a jogabilidade torna-se mais exigente cognitivamente, uma vez que temos a todo o momento de controlar o mundo e o personagem simultaneamente, o que configura níveis de recompensa mais elevados. Aliás logo em 2007, muito provavelmente motivado por And Yet it Moves, surgiu um outro jogo online Once in Space (2007) que de algum modo copia o gameplay e que foi agora lançado para Flash.


Aliás uma outra coisa que é muito interessante verificar é que a base deste gameplay saiu, assim como o próprio nome do jogo, da descoberta de Galileu sobre o facto de a Terra se mover em volta do Sol, e não o seu contrário. Historicamente admite-se que Galileu terá murmurado, "Eppur si Muove" ("And Yet it Moves" ou seja "No entanto Esta Move-se"), depois de ter assinado uma declaração perante a Inquisição em que assumia que tinha errado os seus cálculos. A igreja acusava-o de heresia por ter questionado os ensinamentos bíblicos que referiam a Terra como o centro do mundo.

Escultura criada por Marten Braas, que parece abstrata mas quando recebe o sol pela manhã reflete na sua sombra a frase "Eppur si Muove".

A segunda componente que me entusiasmou neste jogo assim que vi o trailer foi a arte. O jogo é construído a partir de recortes e colagens de papel rasgado. O personagem é esboçado apenas, e os NPCs são meras fotografias também recortadas. Os recortes não são apresentados com uma total perfeição, antes pelo contrário, apresentam-se propositadamente mal recortados, mas sendo uma constante no jogo, criam um coerência na representação visual. Como se tivéssemos que jogar sobre um mundo de recortes e colagens criados por uma criança. Apesar de já de si ser interessante, quando joguei apercebi-me que provavelmente existiria ali outra razão por detrás daquela representação visual, uma razão técnica. E essa razão veio a comprovar-se quando fui ler no site do jogo sobre o processo de construção da arte.
"Our team lacked a specialized visual game artist, so we looked for a style we liked that we would be able to produce. The roughness and analog feel of a world set in a paper collage provided just what we wanted, without the necessity of specialized artists building it. Each object, plant or animal that the player encounters is ripped out of a photo or movie image and rendered in scraps of paper. Every level was designed through a meticulous handmade process, including various back- and foreground layers, making it more interesting to play through." [*]

Brilhante. Nem mais, quando as competências nos faltam, o que devemos fazer é improvisar essas competências. Quando a vontade de criar se sobrepõe à existência de competências, ser criativo pode passar por ser capaz de encontrar alternativas, ir além da forma comum de fazer, socorrer-se daquilo que o mundo nos dá.


setembro 09, 2011

Limbo, o videojogo

Finalmente consegui jogar Limbo (2010), na sua versão PS3 lançada agora em 2011. Apesar de ter saído inicialmente em 2010 na Xbox 360, a sua conceção remonta a 2004, pelo menos o esboço do conceito criado por Arnt Jensen. Este tentou avançar com o jogo a solo em Visual Basic mas sendo um concept artist acabou por ter de pedir ajuda ao programador Dino Patti. Ambos acabam então por criar uma empresa, a Playdead, para poder avançar com o jogo em 2006. Com financiamentos do governo Dinamarquês e do Nordic Game Program e mais tarde da Microsoft vão chegar a ter simultaneamente 16 pessoas a trabalhar no jogo em full time. O engine e restantes ferramentas foram todas concebidas por eles. O videojogo saiu inicialmente em 2010 apenas na Xbox 360 (Live Marketplace), mas dado o sucesso alcançado, sai em 2011 também em caixa para Xbox 360, e ainda para a PS3 (PSN) e PC (Steam).


Limbo começa por se destacar pelo facto de ser um jogo a preto e branco, algo completamente invulgar na estética dos videojogos, mas mais do que isso, é a atmosfera visual criada no ambiente de jogo. A componente visual é muito forte, faz um uso brilhante da profundidade de campo, apesar de se tratar de um jogo 2d, e joga muito na base do fundo e forma. Dada a pouca iluminação que as áreas de jogo possuem, passamos grande parte do tempo a tentar identificar os objectos que se nos apresentam, uma vez que apenas os conseguimos percepcionar pelo seu contorno e contraste com o fundo. Ou seja em termos estéticos Limbo é brilhante.
A segunda componente em que se destaca é o tema ou história e aqui destacaria uma review que se pode encontrar na página do jogo retirada da Joystick que deu a Limbo a nota 10/10.
“Dark, disturbing, yet eerily beautiful, Limbo is a world that deserves to be explored."

Ou seja a temática fortemente sedimentada na atmosfera criada para o jogo, começa pela simples quest de um rapaz que vai à procura da sua irmã no limbo. O jogo apresenta-se apesar do preto e branco num ritmo bastante pausado, com paisagens de fundo bastante calmas e atrativas, com uma linguagem não verbal do rapaz que apela também ela à calma, aliás a fazer lembrar ICO (2001).


Mas depois somos por vezes fortemente sacudidos em termos emocionais. Momentos de quase terror, e até mesmo alguma aversão dependendo das fobias de cada um, apelando ao verdadeiro significado de limbo em termos literários. O que gera na experiência de jogo algo que já vai sendo comum nos jogos independentes e que é esta tentativa de confrontar géneros, misturar e recriar. Não seguindo as convenções torna-se mais fácil surpreender os jogadores e criar marcas emocionais.


E assim entramos nas questões do gameplay que posso categorizar apenas como de muito inteligente. Existem várias coisas que me impressionaram na forma como foi desenhada a interação. A primeira desde logo os puzzles que nos vão aparecendo como obstáculos ao avanço no jogo. Simples, mas que obrigam a pensar, diria minimalistas. Mas o mais interessante é que o jogo não tem dó nem piedade de "matar" o nosso herói. E aqui é que julgo que está algo brilhante no game design, é que eles optaram por desenhar a nossa morte como quase uma inevitabilidade em cada puzzle. Morremos muito em Limbo, porque é a forma de apreendermos os puzzles. Nesse sentido da apreensão do jogo, somos eliminados mas imediatamente conduzidos ao momento anterior para tentar novamente. Deste modo, apesar de a morte ser por vezes horripilante, somos levados a insistir, e a insistir, até conseguirmos decifrar o puzzle. As nossas mortes continuam a ter impacto em nós, porque são por vezes macabras, mas a sensação de recompensa por termos solucionado o puzzle apaga a dor das emoções negativas.


Analisado isto diria que Limbo é uma verdadeira bomba de emoções opostas, que brinca com os nossos sentimentos, e abre novos horizontes no design e expressão dos videojogos.



setembro 03, 2011

Kingdom Rush (2011)

Kingdom Rush é um dos melhores, se não mesmo o melhor jogo de Tower Defense lançado na plataforma Flash em free-to-play de sempre. O que o torna tão interessante é a enorme variabilidade - de inimigos, torres, upgrades e conquistas - conseguida no gameplay face ao que o género está habituado.


Para além da variabilidade, o sentido de progressão que o ritmo do gameplay consegue incutir na experiência é muito claro e aditivo. Claro que ajuda imenso o facto de terem optado por não tornar o jogo muito difícil, o que não quer dizer que não tenhamos níveis bem complicados de resolver (mas nada que a ajuda por via de excelentes vídeos de estratégias não possa solucionar).





Por outro lado o jogo possui uma arte de excelência tanto gráfica como sonora. Todo o trabalho 2d é apresentado sob um traço perfeito de comic com uma excelente seleção de cor tudo sob um tom alegre e bem disposto. Desde os personagens aos mapas, sente-se o trabalho colocado em cada elemento, o enorme detalhe que cada figura apresenta. A música confere o sentido épico e de progressão necessário ao ritmo do jogo.



É extremamente interessante ver que Kindom Rush foi desenvolvido pela Ironhide Game Studio que não é mais do que um pequeno estúdio do Uruguai criado, em 2010, por três pessoas: Alvaro Azofra, Pablo Realini e Gonzalo Sande. Não sendo este o seu primeiro jogo, já tinham lançado em 2010 Clash of the Olympians e Soccer Challenge 2010.


Kingdom Rush sendo um jogo free-to-play foi lançado sob licenciamento da Armor Games e desse modo o único site onde é possível jogar é no site da própria Armor Games. Para além disso e dada a qualidade do jogo podemos ver que entretanto os seus criadores já acrescentaram uma componente de Premium Content, ou seja mais uma forma de fazer dinheiro com o jogo, mas mais do que isso, uma forma de garantir o contínuo desenvolvimento do mesmo.


E para demonstrar o quanto gostei deste jogo, aqui fica o ecrã final do mesmo. Dos poucos jogos Flash que terminei.


agosto 22, 2011

A melancolia de Grey

Grey (2011) pertence a todo um novo mundo de jogos independentes, mais preocupados com a mensagem, a ideia, a história, do que com a originalidade do gameplay. O gameplay aqui serve o propósito de levar o jogador a participar do mundo do jogo, a tornar-se íntimo da relação entre um rapaz e uma rapariga.


É um jogo pequeno, rápido, sem grandes dificuldades, que vale pela mensagem que passa. É adorável no sentido em que se bate por trabalhar áreas emocionais pouco comuns nos videojogos, como a tristeza e a melancolia.


Grey de Kevin McGrath apresenta-se sob uma capa de simplicidade passada pela ação do menino que percorre o mundo em busca dos objetos perdidos da menina. A cada objeto encontrado o menino tem de o levar de volta. À medida que a menina vai recebendo os objetos o mundo vai-se transformando. É um jogo no qual podemos sentir a progressão narrativa a acontecer, no final faz-se luz sobre toda a simplicidade apresentada.


Aqui abaixo podem ler uma interpretação da história por detrás do jogo. Deixo-a a cinza para que leiam apenas depois de jogarem. Joguem, não leva mais de 15 minutos, e depois voltem aqui para ler e ver se concordam.

**SPOILER de Little Hat**
It seems that the boy you play as is a dead one who exists only in the girl's memories. As first, the world is void of colour in the mind of the girl, who cannot let go because of her sadness. As you give her the things that she like, you give colour to her empty world. Once you help her let go of her sadness, and let go of your death, then she can finally be happy and live her life full of colour; grey no more.

agosto 03, 2011

"Sweatshop": Comunicação Pública via Videojogos

Sweatshop (2011) é uma espécie de PSA em formato de videojogo, Flash free-to-play, criado pela Littleloud para o Channel 4 Education. Esta dupla já no ano passado tinha realizado um PSA em formato de web-história interactiva, este ano optou pela linguagem explícita de jogo. É mais um passo importante em direcção à afirmação do potencial dos jogos enquanto meio de expressão. O que está aqui em causa é um jogo que questiona a sociedade, questiona o meio político, e obriga-nos a reflectir sobre a sociedade de consumo em que vivemos, e que nós ajudamos a criar todos os dias.


É muito interessante analisar como é que a mensagem passa diferentemente de um documentário fílmico, ou de um texto. Aqui somos colocados na pele do "explorador". Não estamos apenas a ler ou a ver o problema, fazemos parte dele, e somos chamados a agir. Se queremos ganhar temos de perpetrar as ações, o que nos faz compreender o que está no âmago da exploração de uma maneira que um documentário não consegue fazer. Ou seja percebemos o que leva, instiga, aquelas sweatshops a fazer o que fazem.


Com esta compreensão do processo, não quer dizer que passemos a aceitar, mas antes pelo contrário, passemos a compreender muito melhor o que está por detrás de tudo aquilo. De repente e com apenas um pequeno jogo, é possível explicar à sociedade, que o que cria estes locais, não são forças imaginárias vindas diretamente do inferno, do mal encarnado. Mas antes que é tudo parte de um processo desenvolvido a partir de um sistema aberto e no qual nós temos um papel muito importante.


O jogo possui três áreas ou fábricas, e cada uma possui dez níveis. O interessante é analisar como o aumento de complexidade típica das mecânicas de Tower Defense cresce em sintonia com o tema da exploração de crianças nas fábricas. À medida que o jogo vai avançando e a complexidade se vai estruturando, o discurso do jogo torna-se mais e mais efetivo.


Aliás as próprias mecânicas de Tower Defense, são aqui distorcidas para responder melhor à mensagem que o jogo pretende passar. Enquanto num normal jogo deste género, como Kingdom Rush (2011) a diversidade de equipas é o melhor, aqui em pouco tempo começamos a perceber que o modo para atingir melhores resultados é usar massivamente um dos elementos, as crianças. Por outro lado, se em vez de sintonizarmos o máximo de pontuação no jogo, ativarmos a nossa preocupação com o bem estar dos trabalhadores, seremos levados a definir estratégias que evitem o uso das crianças, mesmo sabendo que elas otimizam a nossa produção. Diria que é uma forma invertida do jogo nos levar a tomar consciência dos nossos atos. Para além de fazer uso de uma lógica de psicologia invertida, diria que com isso ganha o interesse do jogador, pois evita o facilitismo do discurso educacional que é castrador em termos motivacionais.