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dezembro 14, 2014

Narrativas que Bifurcam a nossa Percepção

"Neblina" (2014) é um belíssimo trabalho de experimentação com a linguagem audiovisual ao nível da participação do receptor, uma busca pela criação de acessos à plástica da matéria audiovisual, um redesenhar da experiência do espectador que o obriga a participar na construção do sentido. "Neblina" é uma obra audiovisual interactiva enquadrada no âmbito do projecto "Os Caminhos que se Bifurcam" do colega Bruno Mendes da Silva, professor da Universidade do Algarve.




Do ponto de vista plástico temos, para começar, vários elementos de enorme qualidade que são combinados para engendrar toda uma atmosfera capaz de nos conduzir à suspensão da descrença, desde logo começando pela neblina que paira ao longo de quase todo o filme e cria um universo próprio, muito ficcional mas ao mesmo tempo cinematograficamente crível. Aliás todo o trabalho respira influências profundamente cinematográficas, desde logo com a banda sonora que começa num registo Nymaniano, muito atmosférico capaz de nos colar aos personagens que vão surgindo no ecrã, para a seguir nos levar para um registo clássico e Hitchcockiano que nos questiona - quem são, porque estão ali, o que fazem, para onde vão - num suspense que emerge e adensa o sentido, acalentando o nosso interesse pelo que estamos a experienciar. Tudo isto é envolvido por uma fotografia a preto e branco de grande qualidade do Rui António, com contrastes marcados, servindo a luz como pincel da expressividade de cada momento que se vive na tela.

Ainda no campo audiovisual tenho de ressaltar o uso da narração ao longo de todo o filme, porque se por um lado a podemos encarar como uma estratégia menor no dar a ver, porque colando sentidos aonde a imagem não consegue chegar, neste caso concreto acaba servindo um papel estruturante, questionando-me mais uma vez, porque obcecamos nós tanto com a especificidade de cada linguagem? Porque é que o cinema tem de ser capaz de mostrar tudo e nada deve dizer, ou porque é que o videojogo tem de ser totalmente interactivo e não pode por vezes também parar, e simplesmente dar a ver? Não será a linguagem audiovisual a linguagem de síntese, aquela que se forma do todo, que tanto pode dar a ver, como dar a ouvir, como logo a seguir dar a participar?

Desconstruindo agora a componente de interacção, em "Neblina" temos 3 fluxos de imagem em movimento e 1 fluxo único sonoro. A interface permite-nos saltar entre os 3 por meio de dois botões, à esquerda e direita da projecção central, sem que a componente sonora se altere. Do ponto de vista do design da interacção diria que a abordagem do Bruno se aproxima bastante da abordagem escolhida por Miquel Dewever-Plana e Isabelle Fougère no seu documentário “Alma, a Tale of Violence” (2012), que tinha já sido muito feliz, e aqui volta a demonstrar todo o seu interesse. Ou seja, a manutenção de um fluxo contínuo sonoro facilita a vida aos criadores, que podem assim desenhar a experiência num tempo fixo, mas para o espectador torna também a obra mais acessível. Ou seja, o facto de existir uma faixa sonora contínua mantém-me dentro da atmosfera da obra, porque me oferece a  garantia de que continuo no caminho certo, isto é, esperado pela obra, e assim relaxa-me para que aproveite e desfrute da interacção com a componente visual, sem o receio de me perder, ou de perder algo que possa comprometer a obtenção de significado.

Chegando agora ao desenho dos acessos participativos na narrativa, tenho a dizer que funcionam de forma soberba muito por força da narração. Mesmo apontando a crítica que já apontei acima, do facilitismo que é usar o texto em vez da imagem para contar, a verdade é que não consigo deixar de pensar em duas grandes obras do espectro audiovisual, provenientes de extremos opostos e que se socorrem da mesma técnica - o filme “Europa” (1991) de Lars Von Trier e o videojogo “Bastion” (2011) da Supergiant Games. A narração em “Europa” tem um efeito profundamente hipnótico, pela atmosfera que vai construindo, ao passo que em “Bastion” tem como missão conduzir o jogador ao longo do espaço-história. Ora em “Neblina” acontecem ambas as coisas, já que a voz começa por nos introduzir ao universo, seduzindo-nos e enlaçando-nos, para depois nos conduzir e atribuir sentido à nossa participação. A voz é a nossa companheira de viagem, se por um lado me faz sentir dentro do universo ficcional pelo seu tom misterioso, faz-me também sentir seguro o suficiente para experimentar com a navegação do sistema, para saltitar entre fluxos, e à medida que o vou fazendo vou ganhando um conhecimento mais profundo do sistema, e por conseguinte dos significados daquilo que estou a experienciar.

Esta segurança no visionamento que a voz confere por meio de uma cola sonora, é também fortemente sustentada por uma outra técnica empregue de forma deliciosa pelo Bruno, que é a repetição de planos, assim como o seu uso em câmara lenta. A repetição juntamente com o desaceleramento do tempo da acção, permite-me saltitar entre fluxos sem que se crie aquela sensação de que se perdeu algo. Ou seja, quando salto entre fluxos, e vejo a repetição, ou o resto da repetição dada a sua languidez temporal, sinto-me aliviado porque não perdi o "novo", nada de "novo" surgiu ainda, e por isso posso voltar a saltitar sem medo em busca do "novo" noutro fluxo.

Deste modo, pouco depois de entrarmos na experiência damos por nós a interagir continuamente com a obra, porque à medida que a narrativa vai progredindo sentimos que cada um dos fluxos nos vai oferecendo uma compreensão que alarga os horizontes do fluxo principal. Acabamos por perceber que é na constante mudança entre os 3 fluxos que acaba por se desenhar o todo, e é por isso que “Neblina” acaba sendo uma experiência interactiva tão interessante. Porque a nossa participação, a nossa acção e interacção com a obra se torna um vício, não conseguimos parar de saltitar entre fluxos em busca de sentidos, tentando completar, tentando complementar. O Bruno conseguiu desenhar uma interacção narrativa que divide os sentidos presentes na faixa sonora pelas 3 faixas visuais de um modo que nos impele a interagir, não apenas porque queremos mais, mas também porque sentimos recompensa nessa interacção, sentimos que a obra se vai abrindo a nós, se nos vai oferecendo, e por isso nos mantemos ali, hipnotizados e à mercê da mesma.

Tenho de dizer que fui levado a visionar a obra várias vezes, daí que aquilo que aqui relato possa ser fruto desta minha ligação à experiência que se intensificou com cada uma das repetições da experiência. Sei que este modelo de interacção narrativa não serve todas as narrativas, é apenas um modelo, mas é um modelo que funciona, que pode servir na criação de novos trabalhos e que apresenta espaço para melhorias. E por isso quero agradecer profundamente ao Bruno por esta obra que rasga e trilha um novo caminho na produção audiovisual interactiva nacional. Esperemos que mais pessoas, nomeadamente alunos de mestrado ou doutoramento, vejam neste trabalho um ponto de partida para a criação de novos projectos na área.

Para experienciarem "Neblina" devem aceder à página da obra, clicar primeiro em "Como ver", e depois então entrar no primeiro link "Neblina". Utilizem o Safari para o visionamento, já que no meu caso tanto o Chrome como o Firefox apresentaram alguns problemas técnicos.


Nota: Não raras vezes enviam-me projectos (filmes, videojogos, aplicações, etc.) para analisar/avaliar aqui no blog, acontecendo muitas vezes não dar resposta. Deste modo quero aproveitar este trabalho para explicar porquê. O Bruno, sendo um colega com quem tenho trabalhado nos últimos anos, fez-me chegar este link em Julho de 2014, contudo demorei seis meses a dar conta do mesmo aqui. As razões para tal são variadas, neste caso a complexidade do trabalho exigia que eu dedicasse tempo de qualidade, e para isso precisava de tempo mas também da disposição mental correcta. Por vezes numa análise na diagonal consigo descartar de imediato os projectos que me enviam, sendo maus não falo, mas quando são interessantes procuro dedicar-lhes algum tempo, e isso acaba por os atirar para baixo na lista de coisas a fazer no blog. Isto não desculpa alguns esquecimentos da minha parte, mas espero que ajude a dar a conhecer um pouco melhor o processo.

abril 26, 2014

a interacção é a mensagem

A empresa Guy Cotten, especializada em roupas para trabalho no mar, produziu um anúncio de serviço público (PSA) a propósito da necessidade do uso de coletes em alto mar, simplesmente brilhante. O anúncio só pode ser acedido online, uma vez que o centro da sua mensagem só é compreensível através da interactividade. O conceito foi desenvolvido pela agência CLM BBDO, sendo a produção feita pela Wanda Productions e dirigido por Ben Strebel. Se ainda não experimentaram o mesmo, façam-no agora, antes de continuar a ler, em Sortie en Mer (em ecrã pleno e som alto).



O brilho deste trabalho advém do modo como se trabalhou a linguagem de interactividade para expressar o sentir da mensagem. Ou seja, temos um filme com um excelente cenário que nos transporta para uma atmosfera calma, preparando-nos para um choque, mas quando esse choque chega, deixamos de ser meras testemunhas do mesmo, passamos a agir, a participar, e com isso a sentir o choque de forma muito mais memorável. 

Mas não se fica por aqui, tudo isto poderia ter sido desenhado apenas para nos colocar no lugar, mas a forma como a interacção foi concebida, não nos coloca apenas no lugar, vai muito mais longe do que isso, porque nos faz sentir a principal sensação que sente o protagonista, o cansaço. Não conseguindo transmitir a sensação de frio do mar, o facto de termos de desesperadamente continuar a fazer scroll para nos mantermos à tona, exerce sobre nós uma pressão que aos poucos nos vai aproximando mais e mais da realidade do evento. Se juntarmos a isto o facto da experiência ser bastante aberta, ou seja a morte não chega para todos, nem de todas as vezes, ao mesmo tempo, e o tempo que investimos a resistir ser recompensado em progressão narrativa, torna este trabalho num dos melhores anúncios interactivos que alguma vez experienciei.


Em termos gerais, o anúncio situa-se no âmbito dos comuns PSA que usam o choque como prevenção. Temos visto trabalhos só em video, sem interactividade, que são capazes de ser mais aterradores que este. Mas é aí que julgo que estará a diferença deste anúncio, que não se preocupa com o mero choque ou terror, mas antes com o fazer passar pela sensação real, ainda que simulada. Apesar de curta, fico com a ideia de que quem passar por esta experiência dificilmente se esquecerá dela, nomeadamente quando da próxima vez estiver para entrar num catamarã para rumar ao alto mar. A simulação, a participação interactiva desenhada para atingir as nossas emoções, dificilmente descolará das nossas impressões somáticas nos próximos tempos.

Se ainda aqui estão, e ainda não experienciaram, sigam para Sortie en Mer

abril 21, 2014

Inovando o storytelling nos media interactivos

“CIA: Operation Ajax” é uma obra de leitura digital interactiva com uma forte base de banda desenhada (BD). Lançada em onze capítulos entre 2010 e 2012, não é propriamente uma novidade, mas posso dizer que é a melhor experiência que tive até hoje de BD digital. Através de uma lógica que vai para além do “motion comic” e do multimédia documental, faz um aproveitamento soberbo da plataforma tablet.



Ao contrário dos cd-roms dos anos 1990 “CIA: Operation Ajax” não se perde com deslumbramentos tecnológicos e multimédia, somos transportados para o reino da história que nos é contada, e tudo funciona em seu redor. Uma história centrada num evento político do século XX, o golpe de estado no Irão operado pela CIA em 1953. A obra é uma adaptação do livro “All the Shah's Men: An American Coup and the Roots of Middle East Terror” (2003) de Stephen Kinzer, acabando assim por trabalhar a realidade geopolítca atual que vivemos, em profundidade.

Nesta obra a narrativa é o cerne. Para isso contribui imenso a ideia de focalizar a estrutura narrativa na BD, servindo esta muito bem a progressão. Ou seja, a cada toque nosso sentimos o avanço no interior da estrutura de uma prancha, na verdade o conceito de prancha desaparece, o que temos é um “atravessar” das vinhetas, uma espécie de filme entrecortado, quadro a quadro, com animação e som, e a possibilidade de navegar para trás e para a frente. O conjunto cria uma sensação de leitura fluída, com o tempo controlado pelo leitor, mas com uma direcção narrativa capaz de imprimir ritmos e suspense. A isto adiciona-se ainda uma camada adicional de documentos fotográficos e vídeos de época que podem ser acedidos opcionalmente. Segundo Burwen o objectivo desta camada documental não era o mero aproveitamente técnico, mas tinha como objectivo aumentar o realismo narrativo,
"The features we provide will include anything we can find to augment the story we are telling, and to remind people that this stuff really did happen. That real people with personalities and families were making decisions that made a major impact on the way that we think and live today. To be able to be immersed in a narrative, and to have that narrative infused with evidence like photos or newspaper articles from the period in which the story took place, it adds an element of humanity to the drama and intrigue. I can’t go too far in revealing what we have planned, but I can say that I think it’s very exciting." [Link]
Componente documental multimédia

"Ajax" foi criado pela Cognito Comics, com a plataforma The Active Reader da Tall Chair, que funciona sobre Unity, e esteve 4 anos em produção. Parece exagero mas não é, se pensarmos que como livro de BD é desde logo enorme, com 212 páginas, a partir das quais foram produzidas 6 a 7 mil vinhetas animadas!

O que faz a diferença não é a plataforma, mas o facto da animação/interacção, de grande qualidade, ter sido desenhada quadro a quadro. Aquilo que a Marvel e outros têm tentado fazer, é criar um editor que permita rapidamente transformar pranchas em objectos navegáveis. O que temos aqui é um livro de 212 páginas, totalmente reconceptualizado, ou conceptualizado desde o início, para uma lógica de acesso interactivo, com movimento e som. A cada toque no ecrã avançamos um quadro, por vezes 2 ou 3, ou melhor avança-se uma cena. A progressão não está presa a quadros fechados, mas a ambientes que podem ocupar todo o ecrã (a antiga página) que podem desenvolver-se em vários quadros, ou um mesmo quadro no qual vão surgindo novos elementos, novos balões, etc. Não existem vozes, apenas sonoridade ambiente e música, a história continua a ser acedida através dos balões, base da linguagem BD. Ou seja, "Ajax" é todo um novo modo de contar histórias, porque não é livro nem BD, não é animação nem filme, não é site nem jogo, é um novo modo de contar histórias, é um modo integrado e interactivo, e por isso complicado de descrever sem se experienciar.

Três ecrãs que concorrem para criar uma cena, que é uma página completa.

Visão completa de uma cena que comporta vários quadros sobre um quadro geral.

Como é que surge um objecto destes? O seu principal mentor veio da indústria dos videojogos, Daniel Burwen, que trabalhou na EA e Activision, na área da ilustração. Depois de ter estalado a guerra no Iraque, em 2002, e depois de ler o livro de Stephen Kinzer, Burwen encarou o projecto BD como uma forma de dar voz ao que sentia sobre o assunto. Nesse sentido convenceu Kinzer a avançar com a adaptação do seu livro para BD. Mas em 2010, com o anúncio do iPad, resolveu mudar para o formato digital. O guião ficou a cargo de Mike de Seve que depois foi adaptado para BD por Jason McNamara (The Martian Confederacy, Full Moon). Na ilustração as capas foram feitas por Steve Scott (conhecido por Batman Confidential, X-Men Forever), o design dos personagens foi criado por Jim Muniz (X-Men, Hulk), e Steve Ellis (Iron Man, Box 13, High Moon) desenvolveu um capítulo completo. Burwen refere a propósito da complexidade da integração,
“I think the hardest part was learning how to make comics. Ajax is entirely built off traditional comics, and it’s because the traditional compositions work in print that the animation and interactivity works in the iPad version. Figuring out how to create a compelling animation style that honored the print page legacy was key. It was very easy to over-animate the content, and I discovered it’s a fine line between creating a poor film experience versus a rich reading experience.” [link]
Fluxogramas do design de interacção (a qualidade não é a melhor)

Temos aqui um trabalho movido por uma forte vontade de fazer, de comunicar e expressar, e isso faz mover montanhas. Além disso tenho poucas dúvidas em afirmar que Burwen apresenta nesta obra um talento muito especial no que toca à direcção e design de narrativa e interacção. O trabalho contém uma miríade de componentes de grande qualidade, mas a singularidade da obra emerge da direcção, da forma como foi imprimido sentido narrativo e acesso interactivo ao todo.

O maior problema deste formato de contar histórias é que uma produção com este nível de detalhe e qualidade fica muito cara. Se a produção de BD já é hoje considerada cara e de difícil rentabilização, muito por conta do online (pirataria), quando entramos neste detalhe multimédia os preços disparam, tal como diz Don Norman, “What is the future of the book? Very expensive.” Inicialmente cada capítulo era vendido por $7,99 mas recentemente o projecto foi colocado na íntegra grátis na AppStore. Este projecto acaba demonstrando várias coisas, essencialmente que a criatividade e imaginação conseguem ir muito além daquilo que por vezes temos acesso no mercado, mas que a inovação por si só não chega, é preciso que o mercado esteja pronto para a receber.

Trailer

Podem descarregar a obra, para iPad e iPhone, completamente gratuita, na App Store (484 mb).


Links de Interesse
Do comic para a animação interactiva, in Virtual Illusion
Comunicação visual digital, in Virtual Illusion
Brandon Generator, animação interactiva online, in Virtual Illusion
Reinventing the Graphic Novel for the iPadpalestra de Daniel Burwen no SXSW 2012
Narrative Mechanics - The Elements and Spaces of Interactive Storytelling, [Slides] Palestra de Daniel Burwen na React 2013

junho 28, 2013

Hollow, um documentário interactivo

Foi lançado esta semana mais um documentário interactivo online, Hollow (2013) de Elaine McMillion. Este é um trabalho que interessa ver por duas razões, o seu conteúdo e a forma. Na parte do conteúdo porque dá conta de uma realidade nos EUA, que conhecemos bem em Portugal, a desertificação de cidades no interior. Na forma, interessa analisar o modo como o projeto foi desenvolvido em termos de linguagem de interactividade.




McDowell County, é um condado de Wets Virginia que perdeu ao longo dos últimos 50 anos, 4/5 da sua população, passando de 100 mil para pouco mais de 20 mil habitantes. Isto criou uma sensação de cidade fantasma, abandonada no tempo. Foi por causa disto que Elain McMillion resolveu criar este documentário. Com uma formação em Jornalismo, e um mestrado em Artes Visuais, resolveu avançar para algo que pudesse ter um maior impacto junto da comunidade, capaz de fazer mover as pessoas em redor da causa. Nesse sentido optou por um documentário em formato online, interactivo, e social. Ou seja, a sua ideia não era apenas dar a conhecer o problema, mas contribuir para gerar acção em redor do problema. Para o fazer recorreu ao Kickstarter onde conseguiu 30 mil dólares, e lança agora o documentário interactivo online para que todos possam ver, mas acima de tudo, todos se possam juntar à causa.
Our hope is that through storytelling and the creation of multidimensional images, the community members will begin to see their environments and neighbors in a new way and begin to work together to preserve the history and make positive contributions to their communities. Elaine McMillion
Posso dizer que fiquei impressionado com a componente técnica do trabalho desenvolvido. A mescla entre vídeo, imagem, música e texto, com plena interatividade, e altamente fluída, é de uma excelência enorme. Tudo feito em HTML5, o que dá bem conta do novo mundo pós-Flash. Nomeadamente a primeira parte da timeline populacional é muito boa, com uma interacção toda feita através do simples scroll, que apesar de nos permitir apenas controlar o tempo e ritmo do documentário, acaba por nos atribuir grande responsabilidade na gestão da informação e de toda experiência.

Já em termos de criação de sentido, tenho algumas dúvidas sobre o potencial deste modelo. Ou seja, adorei o que foi feito em termos técnicos, e do seu poder em termos emocionais e perceptivos, mas tenho receio que o banho de informação e de media que levamos durante a interacção com o artefacto possa impedir um acesso mais profundo ao que se quer dizer. De certo modo sinto que nossa cognição fica demasiado sobrecarregada com todo aquele banho de informação em distintos canais. Acredito que somos levados a criar imagens gerais abstractas de tudo o que vamos absorvendo, e retemos apenas sensações e impressões de tudo o que nos foi dito.

Por outro lado, este banho de media, poderá ter um efeito distinto do documentário meramente fílmico, no sentido em que pela sua imensidão de ideias e acessos distintos, pode levar as pessoas a desejarem contribuir para a sua ampliação. Isso é o melhor de toda a estratégia por detrás desta obra. Os criadores abriram as portas para que as pessoas pudessem enviar para o projeto trabalhos seus - imagens, vídeos, depoimentos - contribuindo assim para uma ampliação dos significados do projeto, mas acima de tudo contribuindo para as ligar mais intimamente ao mesmo, criando um verdadeiro espírito comunitário à volta deste.

Ficam os links para experienciar o documentário, e para obter mais informação sobre todo o projecto.

janeiro 06, 2012

Melhor 2011: Artefactos Interactivos Online

Cheguei a pensar fazer um texto com os jogos indie e as aplicações interactivas em simultaneo, uma vez que ambos estão dentro da categoria de media interativos, contudo ficava demasiado pesado em termos de imagens e informação. Deste modo os Indie Games têm o seu texto próprio, e aqui ficam os melhores artefactos interactivos online do ano de 2011. Esta lista diz apenas respeito a artefactos criados para browser web.


1 - Wondermind


2 - A Girl Story 



3 - Desperados Experience


4 - Museum of Me


5 - Being Henry


6 - Take This Lolipop


7 - 3 Dreams of Black


8 - Hugo Boss


9 - Slavery Footprint


10 - Victims of Gang Violence


11 - Arab spring: an interactive timeline of Middle East protests


12 - My Switzerland


13 - Boone Oakley


14 - Pleasure Hunt


15 - Lights - Ellie Goulding

dezembro 04, 2011

Quem é Han Hoogerbrugge?

A propósito do meu último texto, resolvi revisitar o trabalho de Han Hoogerbrugge, um nome que é uma referência no mundo da interatividade web desde os anos 90. Hoogerbrugge surpreende pela sua enorme multidisciplinaridade, aliás nos dias que correm diria transmedialidade. Começou como artista de cartoons e comics, chegou à web via Gifs Animados, e depressa se apoderou da ferramenta de authoring de referência na web nos últimos 15 anos, o Flash.


Hoogerbrugge é em primeiro lugar um artista visual, um rótulo que lhe permite trabalhar desde a Ilustração, aos Comics, à Animação, aos Video Clips, à Animação Interativa, aos Brinquedos, e agora aos Videojogos. Hoogerbrugge criou um universo artístico próprio, no sentido em que concebeu toda uma forma de gerar envolvência com os experienciadores fazendo uso de pequenas ligações com a realidade do nosso dia-a-dia envolvidas por grandes doses de non-sense e abstracionismo minimal. Podemos dizer que Hoogerbrugge é em si uma corrente estética, muito também graças à enorme quantidade de material que produz. Com esta atitude está a dizer-nos que o que interessa é fazer, criar.
Creativity, it's not a thing, is something that happens. Creativity is not the point, sometimes it'll be bad, others it'll be good. You seat down, and you got to think of something, or you go around and get an idea for free.
Quando falo em transmedia no caso de Hoogerbrugge, não é apenas e só por causa da sua capacidade de usar várias media, mas é antes pela forma como ao longo destes 15 anos criou um universo próprio que pulula os vários media.
You bring together different kinds of disciplines whitout any kind of prejudice. That's what I really like. An open approach to the creative fields.
Criou um mundo narrativo à volta de um alter ego ilustrado da sua própria imagem. Este alter ego serve-lhe para satirizar o mundo a partir de conceitos base sobre a condição humana. É um trabalho assumidamente minimalista, tanto conceptual como tecnicamente, fazendo quase sempre uso do preto e branco. Aqui ficam alguns dos trabalhos essenciais,


Modern Living/Neurotica Series (1998-2001) [Interactividade]


Hotel (2004 - 2006) [Interactividade]


Nails (2002-2007) [Interactividade] 


Fuck Death (2008) [Brinquedo] 
Treating a very heavy subject, but it's inevitable, so why don't make fun of it.


Prostress 2.0 (2008 - presente) [Comic/Cartoon] 
So many things going on today, it's very difficult to focus.





The Young Punx - "MASHitUP" (2008) [Video Clip]



Pet Shop Boys - "Love etc." (2009) [Video Clip]





Prostress Ad (2010) [Publicidade]





Quatrosopus, Pavilhão Dinamarquês na Biennale de Arte de Veneza 2011 [Exposição Artística]



Mais info:
Livros [1] [2] [3]
Entrevista Make Blog (video)
OFFF Festival
Flash on the Beach Conference

novembro 26, 2011

Trauma (2010), um jogo com história interativa

Trauma (2010) de Krystian Majewski, é um jogo. Enfatizo isto porque a reacção normal é dizer que é mais do que um jogo, que é também mais do que uma narrativa interactiva. Pois na verdade é tudo isso, é uma experiência interactiva. É uma experiência que entrosa muitíssimo bem a componente de jogo com a componente de história, e por isso cria nas pessoas esta sensação estranha de que não é um jogo nem é um filme, mas parece ambos.

"TRAUMA tells a story of a young woman, who survives a car accident. Recovering at the hospital, she experiences dreams that shed light on different aspects of her identity - such as the way she deals with the loss of her parents."
Trauma percorreu vários festivais em 2010, tendo sido finalista do CADE 2010, do EIGA 2010, e ainda finalista no IGF 2010 nas categoria - Grande Prémio, Excelência em Arte Visual e ainda Excelência em Audio. Entretanto em Agosto de 2011, Krystian Majewski resolveu colocar o jogo online gratuitamente. Deixo aqui uma pequena análise a partir de três dimensões: narrativa, gameplay e técnica.



Narrativa
Não tem sido fácil a geração de narrativas interactivas que nos cativem, assim como não tem sido fácil a inclusão de mecânicas de jogo no seio de narrativas.
Deste modo o simples facto de termos aqui uma experiência narrativa perfeitamente equilibrada, ainda que concentrada, mas com bastante força para nos emocionar é já de si um sucesso.
Isto é conseguido, em parte, graças ao facto de a narrativa acontecer na cabeça de alguém que atravessa um "trauma", facilita a criação do enredo não-linear, e da atmosfera que nem sempre precisa de fazer sentido.


Gameplay
Totalmente em sintonia com a narrativa e a técnica fotográfica escolhida para a representação, oferece objectivos de curto prazo, médio prazo, e fechamentos que se abrem à exploração em diferentes variantes.


Nos objectivos de pequeno prazo temos as polaroids que vão incentivando a nossa busca geográfica do espaço de jogo. Nos de médio prazo, os fechamentos de cada uma das quatro áreas ou sonhos. Estes fechamentos servem-nos doses mais elevadas de recompensa uma vez que cada um destes abre-nos novos espaços geográficos de exploração interactiva e por fim a recompensa narrativa em forma de pequeno filme. Todos estes objectivos nos conduzem ao final do jogo, que apesar de ter vários fechamentos possíveis, atribui um sentido à mensagem narrativa e a toda a nossa interatividade com o jogo.


Técnica
A técnica é um dos elementos centrais no sucesso deste artefacto. A mestria conseguida por Krystian Majewski na condução estética da obra foi totalmente ganha. Em primeiro lugar destacar três componentes muito fortes - Vozes, Música e Fotografia - que dão corpo a toda a experiência. Não posso dizer que são o elemento central do jogo, mas sem a qualidade e escolhas aqui apresentadas, dificilmente este objeto teria chegado até onde chegou em termos de narrativa e gameplay. A música e efeitos sonoros, finalistas do IGF 2010, foram criados por Martin Straka.
Para finalizar referir que apesar de se ter optado por uma interacção point-and-click, o que aqui temos está tão bem trabalhado que ultrapassa totalmente todas as deficiências que são reconhecidas a este modelo de interação gráfica. Nunca somos deixados frente a um ecrã estático sem qualquer reacção à nossa acção. Assim como o que temos de fazer não passa, de todo, por perscrutar apenas todos os cantos de cada imagem em busca de feedback para clicar, mas antes passear pelo espaço de jogo em busca da zona onde estará o objecto de que "precisamos". A salientar ainda que o jogo foi concebido totalmente em Flash, apesar de trazer algumas componentes em 3d.



Combined with the unconventional story, it is aimed to be a compact and deep game for a literate and mature audience.


Atualização 27.11.2011: Para mais informações sobre os custos de produção, o modo de distribuição, entre outras coisas vejam a entrevista com Krystian Majewski realizada pelo TPG.

julho 21, 2011

vídeo online e a interatividade de solidariedade

Brilhantemente criativo e emocionalmente pungente, é assim que classifico a campanha da Mahindra Education Trust & the Naandi Foundation dividida em dois produtos o filme-site A Girl Story e o website A Girl Store.


A Girl Story é brilhante em termos de inovação estética. Fazendo uso de Javascript e da API do YouTube, a Strawberry Frog criou todo um novo modelo de comunicação audiovisual online. A ilustração e a animação são satisfatórias, o que é verdadeiramente relevante aqui é como o conceito de montagem cinematográfica se transforma de corte em sliding transitions, e de forma totalmente coerente tanto na narrativa como visualmente. Para além disso como a envolvência do enquadramento continua a fazer sentido para o seio da narrativa central.


Mas o conceito vai ainda mais longe, operacionalizando-se segundo uma base interativa e social, transpondo assim o nível meramente fílmico, ao colocar nas mãos dos espetadores a hipótese de poderem ser feitos novos capítulos para aquela história. Ou seja, aquilo que vemos é passível de ser alterado e transformado, em função das nossas ações de solidariedade.
"Tarla’s story progresses only by audience donations that unlock new chapters within the YouTube film series. To ensure a smooth, filmic quality, each YouTube video is programmed to allow Tarla to seamlessly transition from one frame to the next."
Em termos puramente formais, parece quase como se tivéssemos um rolo de fita, com selos em forma de pequenos capítulos vídeo, e a fita se fosse desenrolando, permitindo a mescla entre os selos, à medida que nós vamos contribuindo para o bem estar das pessoas envolvidas no próprio filme.


O segundo produto desenvolvido por esta fundação, A Girl Store, é mais forte ainda, porque menos preocupado com a componente estética, e mais em manipular a nossa condição e consequentemente a nossa ação. É um conceito que cria uma nova abordagem à interatividade de solidariedade fazendo uso de uma metáfora e cruzando-a com algo não expectável de todo. Veja-se a imagem abaixo, e visite-se o site, é forte, e dá vontade de ajudar a mudar o mundo.



Toda esta campanha será um dos exemplos a dissecar em termos criativos e tecnológicos, como fonte de inspiração para os projetos que se venham a produzir ao longo do próximo ano letivo no Mestrado em Media Interativos. Já agora, a 2ª fase já abriu, por isso ainda vão a tempo de se inscreverem.

fevereiro 13, 2011

a arte de Recortar e dar a Escolher

A Analogue teve uma ideia interessantíssima: pegar num filme, que pertence ao domínio público em termos de copyright; recortar esse filme em pequenas unidades; utilizar as unidades de filme para construir uma narrativa interactiva.
O filme escolhido é nada menos que o clássico "Night of the Living Dead" (1968) de George A. Romero. O modelo narrativo de interactividade também não podia ser diferente do clássico Choose Your Own Adventure, isto porque qualquer outro modelo implicaria o desenvolvimento de cenas adicionais.

Como cereja em cima do bolo, toda a obra, Editing the Dead (2011), foi criada (authored) no YouTube, e está assim disponível para que todos a possam apreciar. Aliás dentro do género Zombie e da narrativa interactiva, o YouTube já tinha sido palco para uma outra obra de carácter comercial Hell Pizza. criada pela littlesisterfilms.

novembro 21, 2010

Anime interactiva

Agradeço desde já ao Marcio Paranhos pelo envio desta ligação para mais uma narrativa interactiva online, Attraction (2010).
Então o "Institut National de Prévention et d’Éducation pour la Santé" (INPES) Francês na sua mais recente campanha de sensibilização dos jovens para o tabaco resolveu investir num filme de anime (animação manga) interactiva. Isto não será de estranhar se soubermos que a França é o maior consumidor de manga depois do Japão.


Para criar Attraction (2010) mandou chamar Koji Morimoto um artista japonês reconhecido pelo seu trabalho em Akira (1988) de Katsuhiro Otomo, Kiki’s delivery service (1989) de Hayao Miyazaki e Beyond, um episódio de Animatrix (2003).


Do ponto de vista da mensagem do artefacto, a directora do INPES diz-nos,
"C'est une métaphore de la manipulation de l'industrie du tabac qui entretient, par ses stratégies marketing, une promesse d'émancipation. Il s'agit d'ancrer dans les esprits l'idée qu'en allumant sa première cigarette, le jeune sera privé de son libre arbitre"
Da forma narrativa interactiva o jogador pode seguir através de uma perspectiva subjectiva de cada personagem e agir sobre o filme fazendo uso de uma câmara e da ligação ao Facebook. A câmara permite o reconhecimento de apresentação de objectos de diferentes cores, o reconhecimento de movimentações da cabeça, ou a sua oclusão pode desencadear acções de progressão narrativa. Do lado do Facebook são recuperadas imagens dos "amigos" que vão aparecendo espalhadas pelos cenários.

Nesta imagem pode ver-se a inclusão da minha imagem de perfil Facebook actual

Não há aqui nada de muito inovador do ponto de vista da forma narrativa, contudo é interessante verificar que a condicionante participativa poderá obter resultados junto do target da campanha no sentido em que o objecto tem maior probabilidade de se propagar viralmente do que um normal vídeo, muito pelo deslumbramento causado.