Mostrar mensagens com a etiqueta 3d. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta 3d. Mostrar todas as mensagens

fevereiro 01, 2015

"Creativity Inc." (2014)

É um livro impressionantemente honesto e extremamente relevante, uma leitura inebriante da primeira à última página. As principais razões para tal: 1) é um dos livros mais importantes já escritos sobre gestão de criatividade, tendo-se já tornado um clássico obrigatório; 2) é um livro construído com base numa premissa fruto de validação científica; 3) é um livro sobre tecnologias CGI e Animação, sobre a Pixar e a Disney; 4) é um livro sobre a realização de um sonho, fruto de grande ambição, visão e muita humildade. Para que se compreenda a relevância deste livro é preciso compreender quem é o autor, e o que fez. O livro foi escrito por Ed Catmull, fundador da Pixar e seu actual presidente, a única empresa na história do Cinema a ter criado mais de uma dezena de filmes (14), sem nunca ter conhecido o falhanço, com todos os filmes a atingirem o 1º lugar do Box Office, metade conseguiu o Oscar de Melhor Animação (7). Não existe nenhuma outra empresa no ramo do cinema, dentro ou fora da animação, que se compare com a Pixar, e é por isso que se torna tão importante compreender o que constitui a estrutura desta empresa.


Catmull começa o livro discutindo a origem da sua paixão, nos anos 1950 quando via os desenhos animados da Disney na televisão percebeu que era aquilo que queria fazer na sua vida. Sinto aqui alguma sintonia, mas no meu caso não foi a Disney, foi a Pixar. Tal como “Snow White” tinha sido a primeira longa de animação em 1937, “Toy Story” tornou-se na primeira longa de animação 3d em 1995. Ambas estas duas conquistas estão ao nível do primeiro passo da humanidade na Lua, por tudo aquilo que exigiram do ser humano em duas frentes: arte e tecnologia.

Para termos “Toy Story” foi preciso juntar três pessoas - Ed Catmull, John Lasseter e Steve Jobs. Como Catmull frisa várias vezes ao longo do livro, não basta talento, muito esforço e dedicação, muito daquilo que fazemos nas nossas vidas é fruto de vários acasos. Neste caso, se Jobs não tivesse sido despedido da Apple, ou se Lasseter não tivesse sido despedido da Disney, nunca teria existido a Pixar, mas estas são apenas duas das imensas bifurcações que possibilitaram que algo que começou como um sonho na cabeça de Catmull se tivesse tornado em algo real.

Uma das dimensões que mais me interessou neste livro foi perceber de que era feito Catmull, e como é que alguém com formação tão tecnológica foi capaz de desenvolver tanta sensibilidade pelos aspectos criativos. A minha conclusão depois da leitura do livro, e é algo que o próprio refere, embora não o afirme, é que o seu modelo de gestão de criatividade é baseado no modelo de peer-reviewing académico. Catmull antes de ser empresário, licenciou-se e doutorou-se em Ciências da Computação na Universidade do Utah, onde teve mais uma vez a sorte de trabalhar num dos momentos, e com uma das equipas, mais importantes da Computação Gráfica e Interacção Humano-Computador, na qual se encontravam Ivan Sutherland e Alan Kay. A sua tese de doutoramento (“A subdivision algorithm for computer display of curved surfaces”, 1974) daria origem a um algoritmo de render. Aliás ainda hoje, para mim, Catmull soa a render porque foi dos primeiros que me recordo de usar na modelação e rendering 3d.

A experiência académica de Catmull revelou-se crucial no modo como este iria passar a lidar com o conhecimento e com os seus colegas de trabalho. O conhecimento é fruto da partilha, da humildade, do reconhecimento dos demais, de ouvir e construir sempre com os outros, sempre pela via da experimentação e validação junto dos pares. O mundo académico é um ambiente descentralizado, em que cada investigador tem grande autonomia, o que tem o seu lado bom, mas obriga a que este tenha de ser proativo, capaz de se orientar, de encontrar o seu caminho, ainda que o seu trabalho só possa evoluir com o reconhecimento dos seus pares. Foi exactamente este tipo de cultura que Catmull implementou na Pixar, é este o fundamento do "BrainTrust", a equipa, rotativa, que na Pixar analisa e discute regularmente as produções em curso (mais detalhe nos pontos 5 e 6 da análise de "Imagine").

Catmull professa assim uma gestão baseada na frontalidade e abertura, na descentralização e desierarquização, na autonomia e responsabilização de cada ser individual, tudo fundamentado em dois elementos centrais, a honestidade e a humildade. Se dúvidas houvesse quanto a estes dois elementos, basta pensar, quem seria o presidente de duas multinacionais envolvidas em milhões, que faria um livro abrindo e revelando todos os detalhes da sua forma de trabalho, dos seus sucessos, mas também dos seus falhanços? Mas este livro não é apenas uma confissão, ou diário, é muito mais do que isso e Catmull vai frisá-lo a meio do livro. A razão principal porque escreveu este livro foi porque teve hipótese de validar o método de gestão criado na Pixar. Em 2006, depois de se tornar presidente da Disney, implementou aí o mesmo método de gestão de cultura criativa, seguindo uma abordagem experimental científica, procurando evitar contaminar variáveis, e o método emergiu, com nuances mas com os resultados que hoje conhecemos (veja-se nomeadamente os filmes "Wreck-It Ralph" (2012) e "Big Hero 6" (2014)). A Disney mudou radicalmente o seu modelo de gestão ao bom estilo Fordiano, e tem hoje o seu próprio BrainTrust, batizado "StoryTrust".

Diga-se que o método não emerge apenas de Catmull, ele é fruto de um projecto a três cabeças - Catmull, Lasseter e Jobs. Catmull o especialista em computação gráfica, Lasseter o especialista em storytelling e Jobs o especialista em inovação pela arte e criatividade.  Foi a obsessão deste trio por cada um dos seus domínios que permitiu o surgimento de uma Pixar. À gestão criativa em modo de peer-reviewing de Catmull, juntou-se o brilhantismo do storytelling em animação de Lasseter (vejam ou revejam “Luxo Jr” (1986), já perdi a conta ao número de vezes que mostrei este filme em aulas), a estes juntou-se a obsessão de Jobs pela fusão entre arte e tecnologia, e pela qualidade, sendo capaz de preferir perder milhões cancelando um produto ou filme, a ter um fracasso comercial.

Da esq. para a dir.: Ed Catmull, Steve Jobs e John Lasseter

Existe muito mais que gostaria de dizer sobre este livro, sobre a Pixar, sobre os “três mosqueteiros”, mas isso também estragaria o interesse da leitura para quem ainda não leu. É verdade que me deixei inebriar com o livro, dado o meu amor pela Disney e Pixar e claro todo o reconhecimento que tenho pelo legado tecnológico de várias pessoas que são aqui centrais, o Steve Jobs e a Apple, mas também Ivan Sutherland e Alan Kay, e claro Catmull, que além de se ter tornado num gestor de topo, é antes de tudo um cientista da computação. E talvez mais importante ainda, nada disto existiria sem o fruto principal, o legado artístico de Walt Disney, Ollie Johnston e Frank Thomas, e do que ficará de criadores como John Lasseter, Andrew Stanton e Brad Bird.

Deixo aqui no final apenas algumas indicações do modelo de Catmull, mas são apenas isso, indicações. Leiam o livro, absorvam-no e tentem aplicar os seus ideais pelas empresas por onde passarem.
  1. As pessoas e os seus talentos, são mais importantes que as ideias.
  2. Contratem pessoas pelo seu potencial, não pelo seu passado.
  3. Contratem pessoas que sejam mais inteligentes que vocês.
  4. Todos devem sentir-se livres para contribuir com ideias. Todos.
  5. Eliminem o medo. 
  6. Não escondam os problemas, é o primeiro passo para o falhanço
  7. As primeiras conclusões, estão quase sempre erradas.
Para que estes princípios possam ser aplicados, é necessário seguir algumas lógicas de acção no seio da empresa:
  1. Honestidade e Candura. Centrais, sem honestidade a candura não emerge, e sem ela a crítica construtiva não surge.
  2. Medo e Falhanço. Preciso falhar para avançar, sendo que o medo de falhar é central, é preciso atacá-lo desde a raíz.
  3. A Mudança. Um ponto, que julgo muito relevante nestes tempos conturbados de crise, sobre a mudança, a sua necessidade, e formas de o fazer sem criar demasiados atritos, desconfiança e medo.
:: Why change?
“Many of the rules that people find onerous and bureaucratic were put in place to deal with real abuses, problems, or inconsistencies or as a way of managing complex environments. But while each rule may have been instituted for good reason, after a while a thicket of rules develops that may not make sense in the aggregate. The danger is that your company becomes overwhelmed by well-intended rules that only accomplish one thing: draining the creative impulse.”

:: How to approach change?

“Pete has a few methods he uses to help manage people through the fears brought on by pre-production chaos. “Sometimes in meetings, I sense people seizing up, not wanting to even talk about changes,” he says. “So I try to trick them. I’ll say, ‘This would be a big change if we were really going to do it, but just as a thought exercise, what if …’ Or, ‘I’m not actually suggesting this, but go with me for a minute …’ If people anticipate the production pressures, they’ll close the door to new ideas—so you have to pretend you’re not actually going to do anything, we’re just talking, just playing around. Then if you hit upon some new idea that clearly works, people are excited about it and are happier to act on the change.”
Por fim, fecho com o aspecto central de toda esta leitura, uma reiteração que vai surgindo ao longo do livro por Catmull:
To reiterate, it is the focus on people—their work habits, their talents, their values—that is absolutely central to any creative venture.


Ler também
O primeiro filme CGI, criado por Catmull há 40 anos
Como funciona a Criatividade, baseado no modelo da Pixar,
O storytelling por Andrew Stanton
O legado de Steve Jobs

Nota quantitativa no Goodreads.

Actualização 2.2.2015:
Descobri que o livro foi entretanto traduzido para português e lançado por estes dias, tendo mantido a mesma capa, mas com o título simplificado, "Criatividade" apenas.

setembro 24, 2014

Do outro lado do muro

"Greenfields" (2013) é mais uma belíssima animação de licenciatura da escola Supinfocom. Realizada por Luis Betancourt, Benjamin Vedrenne, Joseph Coury, Michel Durin e Charly Nzekwu em Junho de 2013.



Uma pequenina história que toca num ponto central da discussão sobre modelos e ideologias de regimes políticos. A distopia é apresentada, fazendo-nos lembrar os países por detrás do muro soviético de outrora, dado o salto, somos dados a ver o outro lado da realidade, da potencial sociedade capitalista. Simples, mas forte, capaz de nos questionar sobre muito daquilo que fazemos todos os dias, e porque fazemos...

Em termos técnicos temos um bom trabalho de fusão entre 3d e texturas com sabor a 2d, tudo renderizado com efeitos de outline 2d, criando toda uma estética analógica, autêntica e autoral. O melhor acaba por ser a própria realização que nos conduz e nos entrega o mundo, surpreendendo-nos e sugando-nos para a discussão que se quer lançar.

"Greenfields" (2013)

setembro 20, 2014

A força criativa vem de dentro

O festival Trojan Horse was a Unicorn ainda decorre em Troia, onde marcam presença algumas das mais importantes figuras do mundo da arte digital, aos quais se juntam alguns portugueses que trabalham pelo mundo, reencontrando-se ali por estes dias. Não vou falar da importância deste evento, embora não possa deixar de dar os parabéns ao André Lourenço e equipa, pela magnificência do mesmo.


O que me leva a escrever estas linhas é um pequeno filme criado para o evento, em jeito de manifesto, por Victor Hugo Queiroz, com texto de João Leitão e voz de Scott Ross. Finding your magic is an inside Job, com apenas um minuto e meio resume a essência do espírito criativo do mundo da arte digital, do sentir de quem trabalha nesta área. Em poucos frames podemos perceber, de onde vêm e o que os move. Compreender a essência do que suporta, impulsiona e motiva um artista digital. Tudo isto está resumido nos verbos utilizados no manifesto, que aqui replico:

"Dream, Learn, Make, Build, Create, Design, Venture, Imagine"

"THU Manifesto - Finding your magic is an inside Job" (2014) por Victor Hugo

junho 18, 2014

Recriação de grande quadro em 3D

O pintor húngaro Gyula Benczúr pintou em 1896 uma representação em grande escala (705x356 cm) da Recaptura do Castelo de Buda em 1686, ocorrida durante a batalha contra o Império Otamano. Entretanto em 2014 Zsolt Ekho Farkas resolveu dar vida ao quadro e recriar o mesmo totalmente em 3D.




Se a obra de Gyula Benczúr impressiona pela dimensão, quantidade de personagens e detalhe histórico (roupas, objectos e local) o trabalho de Farkas não impressiona menos, já que ele não se limitou a recriar uma parte da obra apenas, mas a obra em toda a sua extensão mantendo o seu aspecto visual praticamente intacto. Tanto que se torna quase impossível distinguir a trabalho final 3D do trabalho pintado.

Para a recriação foram modelados 32 personagens no Lightwave que resultaram num total de 8.5 milhões de polígonos. Para conseguir o efeito final tão próximo do quadro original, foi necessário adicionar 8 layers de cor, 8 bump maps, 4 reflection maps, 4 specular maps e 4 normal maps. No total foi gasto um mês inteiro em modelação, 3 semanas para pintar, e mais algumas semanas para o masking e efeitos finais. Mais detalhes e imagens sobre a reconstrução podem ser vistas no Béhance.

Reconstrução da Recaptura do Castelo de Buda em 1686 em 3D (2014)

Entretanto outros trabalhos do género têm sido feitos, o mais próximo deste será sobre Battle of Grunwald de Jan Matejko reconstruída em 3D, mas por 22 pessoas, da empresa polaca Platige. Outros trabalhos de autores como Picasso, Munch ou Van Gogh têm também sido adaptados..

maio 08, 2014

O "regresso" do 2d

O regresso do 2d, e em força, graças à Ubisoft. Primeiro foram dois novos tomos de Rayman, que nos devolveram às origens do personagem e à essência da sua jogabilidade, agora chegou a vez de dar o salto e usar a base de trabalho não apenas para o gameplay mas também para o storytelling. Uma das críticas que tinha feito aqui a "Rayman: Origins" (2011) e "Rayman: Legends" (2013), tinha sido exactamente sobre a ausência de storytelling, algo em que as duas novas produções - "Child of Light" (2014) e “Valiant Hearts: The Great War” (TBD) - parecem agora querer deslumbrar.





Esta revolução operada pela Ubisoft está assente num motor de design de jogos proprietário, chamado UbiArt Framework, que não é mais do que um motor de jogos desenhado exclusivamente para criar jogos 2d. Pareceria anacrónico, não fossem os resultados que estão à vista com “Child of Light” (2014), acabado de sair, e “Valiant Hearts: The Great War” (TBD) que deverá sair em Junho. A ideia surge da equipa de Michel Ancel que trabalha a partir de Montpellier em França com uma equipa imensamente reduzida de pessoas (cerca de 10) quando comparado com as equipas que a Ubisoft tem no Canadá, acima das 2000, e noutras partes do globo, para desenvolver séries como “Assassins Creed”, “Far Cry”, “Tom Clancy’s” ou o tão aguardado “Watch Dogs”.

Trailer “Child of Light” (2014)


Trailer de “Valiant Hearts: The Great War” (TBD)

Este motor de jogos permite que se comece a desenvolver e a testar mecânicas de jogo imediatamente a partir de esboços de concept art [videos explicativos do funcionamento do motor 1 e 2 ]. Aliás quando olhamos para "Rayman" é isso que nos parece que temos ali, concept art ainda no seu estado puro, mas quando olhamos para "Child of Light" e “Valiant Hearts” toda a fasquia estética se eleva. Com "Child of Light" a operar numa base mais de aguarela, e “Valiant Hearts” recorrendo a composições de banda desenhada. Interessante ainda nestes dois novos jogos, é que não só se privilegiou o storytelling, como cada um destes o faz sob géneros de jogo distintos, sendo "Child of Light"orientado a RPG, e “Valiant Hearts” a aventura.
"The [UbiArt] pipeline for integrating art is really straightforward. An artist can draw concept art and integrate it directly in-game. It also allows level designers to create levels quickly and modify them on the fly. It’s the same for the animation system, which utilizes a puppet system that is very quick." [interview]
Mas esta revolução não se fica pela Ubisoft, basta olhar para o que a Unity tem andado a promover nos últimos tempos, acenando com ferramentas específicas para 2d, quando sempre se assumiu como um motor 3d. Os tutoriais e assets nesse campo não param de aumentar, e o interesse da comunidade é cada vez maior. De certa forma isto é também uma resposta ao colapso do Adobe Flash enquanto ferramenta de desenvolvimento de 2d interactivo.

Unity 2d Power

No meio de tudo isto não basta ter plataformas de desenvolvimento. Existe até um movimento na web para que a Ubisoft disponibilize o UbiArt em open source. Mas o essencial acaba por não estar aí, mas antes em toda a sensibilidade que a Ubisoft soube desenvolver para cativar os melhores artistas 2d, nas suas múltiplas variações, a trabalhar na Ubisoft.

abril 06, 2014

Expressão facial sem sentimento de estranheza

A animação facial tem sido um dos maiores problemas do realismo 3d, desde "Final Fantasy: The Spirits Within" (2001) a "Avatar" (2009), passando por "Polar Express" (2004) ou "Beowulf" (2007), já muito foi feito para conseguir ultrapassar a estranheza que resulta da animação de personagens demasiado realistas. Neste sentido a Cubic Motion juntou-se à 3dLateral para produzir uma técnica capaz de ultrapassar esses problemas. Esta técnica funciona essencialmente ao nível do software, exigindo apenas uma simples câmara e alguns marcadores para funcionar, em contra-corrente com aquilo que tem sido prática até aqui em termos de técnicas de digitalização, que têm procurado capturar mais e mais informação.




Na demo "Lydia" (ver vídeo abaixo) a captura da performance de Lydia Leonard foi realizada com uma câmara apenas, pela Infinite Realities, o rig do personagem 3d (esqueleto, ou conjunto de pontos internos para animação) foi desenhado pela 3dLateral, e a ligação entre os dados capturados pela câmara e o rig foi feita pela Cubic Motion. A Cubic diz que no processo de captura facial não podemos utilizar os mesmos métodos de captura que temos vindo a utilizar com a captura de movimentos de corpo, porque as relações de posição não funcionam da mesma forma. O uso dos métodos tradicionais de "pose-based retargeting" baseiam a animação em complexos processos de "aprendizagem" e "previsão" a partir das poses capturadas, e isso tem tendência para acentuar problemas, uma vez que requer poses sempre muito aproximadas.

imagem retirada do Making of Synchronicity (2013) 

Nesse sentido a Cubic desenvolveu uma nova abordagem matemática de resolução da malha capturada a partir dos algoritmos de visão por computador, que desenha todo um sistema capaz de operar as variações de animação, sem necessidade de recriar as poses, ou seja necessidade de recorrer a algoritmos de aprendizagem (neural-networks, etc). A ideia é que todo o processo de tradução dos pontos da captura para o rig seja realizado segundo definições humanas do movimento, e não em função de cálculos matemáticos arbitrariamente definidos pelos sistemas, e seja depois concentrada num algoritmo de resolução das necessidades do movimento. No caso da Lydia a 3dLateral modelou a cabeça, texturizou e desenhou o rig ao qual depois associou o algoritmo criado pela Cubic, para "dar vida" ao modelo.


 Demo "Lydia" (2013)

Posso dizer que daquilo que nos é dado a ver neste curto segmento de menos de 30s, o problema do "uncanny valley" (Zagalo, 2009:69) foi completamente ultrapassado, no que toca a expressão facial. Ainda não se pode dizer o mesmo da animação da cabeça, problema que se identifica ainda melhor na curta, "Synchronicity" (2013) (ver aqui abaixo), realizada pela 3dLateral para exemplificar o alcance desta técnica. Mas se se fixarem apenas na expressão facial, não falta lá nada, o realismo é completo, nada de uncanny surge ali.


"Synchronicity" (2013) de Mark Healy

Este sistema não é algo ainda no domínio da investigação apenas, a 3dLateral começou já a utilizar estas técnicas na produção de expressões para os personagens de "Ryse: Son of Rome" (2013) e parece que vários jogos que estão agora a sair já incorporam estas técnica. A realidade é que com a necessidade de cada vez maior realismo 3d a ser exigido pelas consolas de videojogos, é necessário encontrar processos que agilizem a produção e melhorem o que já temos, apesar do caminho já percorrido não deixar de ser impressionante.

março 31, 2014

quando o 3d supera o 2d

É verdade que as imagens produzidas por ilustração manual continuam a deter uma carga de pessoalidade superior às produzidas por meio de ferramentas de criação 3d. Contudo como vamos às vezes vendo, este é um panorama que se vem alterando, e por vezes conseguimos ser mesmo surpreendidos, como é o caso desta conversão de 2d para 3d realizada por Leticia Reinaldo a partir de uma ilustração 2d de Sergey Ishmaev.




Em termos de tema, composição e postura a imagem 3d nada acrescenta mas a atmosfera, criada a partir da luz e partículas, por Letícia desenvolve todo um novo mundo ausente na imagem original. Não é uma mera questão de iluminação da cena, é todo o espaço circundante, das personagens que agora possuem volume e recebem a luz de uma forma que o 2d não consegue imitar, que se eleva e se transforma ele próprio numa personagem da imagem.

fevereiro 18, 2014

O tempo da animação digital

Em Janeiro tive o prazer de participar na arguição do projecto de mestrado do José Pedro Sousa Teixeira no âmbito do mestrado em Animação Digital da Escola Superior Artística do Porto - Guimarães. O projecto consistiu na criação da curta de animação digital, Agnes (2013), orientada pelos colegas Pedro Mota Teixeira e Pedro Bastos.



O que tínhamos para avaliar era uma curta de animação 3d de quatro minutos, inteiramente concebida por uma pessoa apenas, exceptuando a música e sonorização, ao longo de 11 meses, no software open source Blender. Nesse sentido a avaliação realizou-se em função dessas condições, sabendo que para além do filme tínhamos ainda um relatório bem fundamentado sobre a história da animação 3d, aspectos estéticos, e as metodologias de trabalho desenvolvidas.

Agnes (2013) é assim uma curta com algumas limitações estéticas, porque realizada por uma pessoa apenas, e em menos de um ano. Ainda assim, é um trabalho de excelência, nomeadamente no design de personagens, e criação do mundo tridimensional. A componente de animação e cinematografia apresenta também enorme qualidade. Sendo que a parte que eu gostaria de ter visto mais desenvolvida seria a das texturas e iluminação, mas sabemos bem que aí entramos no território do detalhe visual que requer bastante tempo por parte do criador. No plano temático o criador optou por brincar com motivos dos videojogos cruzando-os com tendências da animé, o que ajudou a desenvolver um universo muito próprio, com uma identidade clara, que se espelha um pouco por todo o filme, desde o movimento dos personagens à atmosfera que se gera.

Gostaria ainda de trazer aqui um outro ponto, que é muitas vezes esquecido quando falamos deste tipo de trabalhos, seja nas arguições, seja noutras situações, que é o tempo envolvido no desenvolvimento deste tipo de projectos. Já disse que foram 11 meses, mas isso fala de um modo muito genérico. Nesse sentido o José Teixeira teve a ideia de apontar todos os tempos que investiu no filme numa folha de excel, o que foi excelente, e depois teve a enorme amabilidade de me fazer chegar essas folhas de excel.

Captura da folha de excel de tempos de José Teixeira

E porque digo que isto é relevante? Porque quando ensinamos, ou falamos com alguém sobre esta área, é difícil as pessoas compreenderem o que está verdadeiramente em questão por detrás do trabalho realizado. Nesse sentido, olhando para estes dados em maior detalhe, será possível dar a conhecer com muito maior concretude o que se passa por detrás de um filme de apenas 4 minutos de animação 3d.

Assim temos que o projecto foi desenvolvido efectivamente em duas fases separadas, a primeira entre Novembro 2011 e Março 2012, e a segunda entre Janeiro e Junho de 2013. Ou seja, temos 11 meses efectivos, ao longo de dois anos. Durante esses 11 meses o José Teixeira trabalhou efectivamente na curta um total de 1570 horas, o que dá um total de cerca de 200 dias a 8 horas de trabalho. Ou seja, poderíamos dizer que foram precisos em média 50 dias para criar cada minuto de animação. Aprofundando o detalhe por áreas específicas, temos então

  1. Modelação de Personagens: 336 horas
  2. Modelação de Cenários: 480 horas
  3. Rig de Personagens: 144 horas
  4. Texturização: 144 horas
  5. Iluminação: 64 horas
  6. Animação Personagens/cenários: 1200 horas
  7. Animação Câmaras: 48 horas
  8. Render: 84 horas
  9. Montagem (Video+Som): 144 horas


Agnes (2013) de José Teixeira

Daqui podemos extrair algo que quem trabalha na área já sabe, mas fica aqui evidenciado quantitativamente, e que é o facto de que aquilo que é mais complexo, moroso, e trabalhoso  num trabalho de cinema de animação 3d, é a animação de personagens. Esta duplica o trabalho investido na modelação de personagens e cenários juntos, que é já de si um trabalho imensamente moroso dada a minúcia necessária ao trabalho de esculpir cada um dos elementos.

Podemos ainda através apenas desta discriminação perceber porque falava eu de alguns problemas na texturização e iluminação, pois ambas juntas tiveram menos investimento do que a modelação dos personagens apenas. Por outro lado é muito interessante constatar que apesar do investimento na animação das câmaras ser reduzido, a qualidade é muito boa. Ou seja, existem questões que vão para além dos dados quantitativos aqui apresentados e que se prendem com os talentos de cada um. Ou seja, um trabalho como estes requer sensibilidades muito distintas, o que torna muito complicado de conciliar tudo numa única pessoa apenas.

Modelar, Texturizar, Iluminar, Animar e Cinematografar não são a mesma coisa. Por isso quando exigimos a alguém que faça uma curta 3d, não podemos esperar que faça um trabalho com a qualidade dos efeitos de Hollywood. E já não falamos de meios tecnológicos, que deixaram quase de ser relevantes, mas porque um trabalho destes requer equipas de pessoas altamente especializadas em cada uma destas áreas. Claramente que o José Teixeira trabalha bastante bem no campo da modelação, animação e cinematografia, mas ainda assim estamos a exigir demais de uma pessoa apenas. As sensibilidades, os interesses, as experiências que temos de ter vivido, a cultura que temos de ter consumido, a prática que temos de ter treinado são bastante diferentes.

E é por isso que quando vemos um trabalho como Agnes, não podemos deixar de nos sentir felizes. Não sendo um "Rosa" (2011), é um trabalho de excepcional qualidade, é a obra-prima de José Teixeira apresentada no final no seu caminho de aprendizagem, como se fazia na idade média no âmbito das guildas de excelência.

janeiro 29, 2014

Entrevista com Carlos De Carvalho - Diretor Digital

Carlos De Carvalho (38), é francês, filho de portugueses, nascido em Lille, França. Fez a sua formação de base numa escola de artes belga, a Saint Luc de Tournai, na área de ilustração e design gráfico (7 anos) e depois terminou a sua formação, em cinema digital (2 anos), na Supinfocom, Valenciennes, França. A sua recente curta de animação "Premier Automne" (2013) ganhou 15 prémios, em festivais um pouco por todo o mundo, de Tokyo a Buenos Aires.

"Juste de l’eau" (2014) (análise e filme completo)

Assim que vi a sua nova curta, “Juste de l’eau” (2014) quis imediatamente conversar com o Carlos. Porque se já tinha ficado imensamente impressionado com Premier Automne, agora parecia-me que as dimensões técnica e estética tinham atingido todo um novo patamar. Por isso trocámos várias ideias, e aqui fica o resultado dessa conversa.

"Premier Automne" (2013) (análise e filme completo)


1 - De onde veio a ideia para “Juste de l’eau”?
:: Para mim "Juste de l’eau" é um bom resumo do meu trabalho. O meu trabalho é muito baseado na interpretação que o espectador possa fazer dele. Responder cabalmente a essa pergunta seria como congelar a história do filme. Direi apenas que existe alguma da minha fantasia na ideia de que sou de Portugal, e muito do meu amor por este país.



2 - Como foi financiado o filme? 
:: O filme é inteiramente auto-produzido, eu sozinho durante um mês de pré-produção, e depois três meses de produção com uma equipa de 6 pessoas.


3 - O estúdio JeRegarde é um estúdio independente, como é que vocês financiam o vosso trabalho? 
:: Je Regarde é um coletivo que reúne muitos artistas de diferentes origens. Como Masanobu e Shino que trabalham e vivem no Japão, ou Andrea que vem de Itália. Os restantes membros são franceses. O financiamento dos nossos projetos é altamente variável. Por exemplo, "Premier Automne" recebeu apoio financeiro por parte das autoridades e de assistência a nível local e nacional (CNC).
No entanto, "Juste de l'eau", não teve qualquer apoio financeiro. Aconteceu tudo muito rápido. E a obtenção de subsídios é um processo muito longo e tedioso. Por isso alguns projetos podem ser montados sem financiamento por causa da flexibilidade e velocidade a que decorrem.


4 - Como está a produção de animação em França para jovens criadores? É um país que apresenta boas oportunidades a quem quiser deslocar-se, para aí fazer uma carreira?
:: Embora a obtenção de financiamento seja um processo longo e tedioso, em França temos um dos melhores sistemas de financiamento para curtas-metragens. Não acho que seja a melhor a pessoa para responder à pergunta sobre a vinda de criativos para França. O que posso dizer é que há um montes de oportunidades, porque França é neste momento o terceiro maior produtor de animação do mundo. Além disso, as escolas da área, pela qualidade da sua formação ganharam uma reputação internacional, exemplos como Supinfocom, Les Gobelins, La Poudrière...


5 - A julgar por um filme tão próximo de Portugal, gostarias de viver e trabalhar em Portugal?
:: Sim, se surgir a oportunidade, será um prazer viver e trabalhar em Portugal.



6 - Em termos estéticos, e percebendo que é uma marca de algumas animações tuas, o que buscas com aquele efeito de centrifugação da imagem? É apenas um efeito visual, ou tem algo mais subjacente?
:: A minha abordagem não é reproduzir a realidade, mas antes garantir a maior distância possível. Eu procuro todos os meios possíveis para extrapolar e expandir o meu universo, sem me fixar no realismo. Essa liberdade, e despreendimento, torna o meu trabalho muito mais fácil, pelo menos para mim. Estas perspectivas amplificadas, permitem-me colocar as minhas linhas de força onde quero, a fim de compor as imagens como pretendo.



7 - No teu filme anterior, "Premier Automne" essa técnica não está presente porquê?
:: "Premier Automne" é essencialmente um mundo vegetal em curva. A característica visual é principalmente sobre o fundo negro que absorve leves toques de vegetação. Este é um universo introspectivo e espectral. As perspectivas distorcidas são mais facilmente adaptadas às linhas retas como linhas de edifícios. Por outro lado, cada filme tem sua própria identidade e espero desenvolver um novo estilo visual para cada novo projeto.


8 - O que quer dizer o ganso morto nas costas do pequeno porco?
:: A primeira vez que vemos o personagem principal, parece que enfrentamos um anjo. O contra-campo corrige a percepção deste porquinho para nos mostrar um animal morto. Eu gosto deste contraste. Ajuda a diferenciá-lo dos outros porquinhos, e a tornar visível ao espectador a representação da sua alma morta. Também é importante para simbolizar o que leva da vida, e no final a esperança.


9 - Que técnicas e tecnologias foram utilizadas para a criação do filme?
:: Os personagens, as caravelas, e a água é tudo em 3D, feito com Softimage. O resto é feito a partir de ilustração 2D, com muita composição em After Effects. Tentamos otimizar o trabalho, há coisas que são mais rápidas em 3D, e por vezes outras são mais rápidas em 2D.


10 - Qual foi a cena mais complicada de compor?
:: Todas as cenas de multidão foram bastante complexas. Houve muita animação para gerir e colisões a serem evitadas.



11 - Existe algum detalhe técnico que te deixe particularmente orgulhoso neste filme?
:: Embora o plano seja muito curto, fiquei muito feliz com o resultado da dança dos porcos casados que se transformam em monstros. Esta foi uma técnica que eu gostaria de ter desenvolvido e ampliado ainda mais. Para mim o 3D é muito rígido, por isso quis encontrar alternativas para que os personagens pudessem evoluir na sua aparência.



12 - Qual é o futuro desta curta? Vais enviar para Festivais, TV, etc?
:: Sim, é isso. Embora eu ache que a prioridade desta curta-metragem continue a ser a Web.


13 - E tu, como vai ser o futuro, que projectos novos tens?
:: Fazer curtas-metragens é caro. Eu não posso fazer isto por tempo indeterminado, por isso preciso de alternar com encomendas da publicidade. Sobre os meus projetos futuros, tenho um monte de ideias que gostaria de desenvolver, mas uma coisa de cada vez.


janeiro 06, 2014

"Abita", crianças de Fukushima

Fukushima foi palco de um enorme desastre radioativo após um tsunami que varreu a costa do Japão em 2011. A discussão em redor da libertação de radiotividade da central nuclear e os seus efeitos na população tem sido bastante limitada. Nesse sentido Shoko Hara, japonesa a residir na Alemanha, resolveu fazer o seu filme de fim de curso em Media Design na Universidade Estatal Cooperativa de Baden-Württemberg (DHBW), juntamente com o seu colega de curso Paul Brenner, sobre as crianças de Fukushima que não podem brincar na rua.

"Abita", animated short film about Fukushima children who can't play outside because of the radioactivity. About their dreams and realities.

"Abita" (2012) foi apresentado em vários festivais de animação, e continua a concurso em vários outros. Em 2013 ganhou o prémio de Melhor filme de Animação no International Uranium Filmfestival, Rio de Janeiro, 2013. Em termos técnicos temos uma brilhante fusão entre 3d e ilustração a aguarela, o que lhe confere um caráter atual mas tradicional ao mesmo tempo. As pequenas fragilidades de câmara e de animação de personagem são fortemente compensadas pela animação do traço a aguarela. Por outro lado a mensagem que o filme transporta, de tão forte faz-nos esquecer por momentos que estamos a ver uma simples animação, convertendo-nos àquele universo, àquela idea, empatizando com aquela, e milhares de outras crianças, que vivem hoje naquela cidade.
"O simbolismo japonês foi uma fonte de inspiração em nosso filme. A Libélula representa a primeira ilha japonesa, por causa de sua forma. A libélula também simboliza a esperança, a perspectiva, o sonho, a energia no Japão e une todos os elementos naturais como água, terra e ar. O desastre de Fukushima acabou destruindo estas energias positivas, contaminando a água, terra e o ar - assim deixando as crianças sem qualquer perspectiva para o futuro. As libélulas no Japão são portadores de fertilidade - agora comprometida pela radioatividade." Shoko Hara

"Abita" (2012) de Shoko Hara e Paul Brenner

novembro 19, 2013

robôs e o consumismo

Mais uma pequena curta de animação criada pela Big Lazy Robot, de quem ainda no mês passado aqui tinha trazido a curta Keloid (2013). Agora com iDiots (2013) resolveram deixar a ficção-científica para trás, assim como espetáculo visual, e criaram uma pequena pérola de crítica social. Muitos irão identificar-se, e questionar-se sobre as suas ações e comportamentos, nomeadamente os meus colegas mais geeks e mais próximos de uma marca que todos conhecem. Mas não se iludam com a marca, a crítica é sobre todos nós.


Como dizem os criadores, "é apenas uma pequena brincadeira, e não deve ser levada demasiado a sério". Apesar disso, não deixa de ser um objecto acutilante, capaz de desencadear reflexão, e não apenas o deslumbramento pela técnica do filme. Não é que nos abra uma nova perspectiva sobre o mundo que habitamos, já todos percebemos que o mundo do consumismo é isto, mas nunca é demais relembrar-nos. O mais impactante, acaba por estar na analogia entre nós e aquelas caixinhas vermelhas, supostamente desprovidas de um sentir humano. Será que nos estamos a transformar neles?

novembro 14, 2013

Marte, há 4 mil milhões de anos

Nunca como hoje se discutiu tanto Marte. As razões são várias, desde as novas sondas enviadas a Marte, com sistemas de robótica avançada, até ao facto de ser o passo natural depois da Lua. A NASA tem muita gente envolvida neste novo programa, e a sua sustentabilidade depende da aceitação dos contribuintes, em continuar a suportar os mesmos. Nesse sentido, a cada mês que passa vão nos sendo oferecidos novos conteúdos audiovisuais sobre o lugar. Cada um mais espetacular que o anterior [9.2012; 10.2012; 10/2013].


A verdade é que fruto de marketing de investigação ou não, estes materiais fazem-nos sonhar e reflectir. Não sabemos bem porquê, já que estes lugar fora do nosso planeta são por norma muito menos aprazíveis que o nosso próprio ecossistema. No entanto julgo que existe algo de transcendente sobre o próprio feito de ir além da redoma em que estamos envolvidos no nosso planeta. Algo que por um lado nos provoca um medo profundo, porque nada é mais forte emocionalmente do que o medo do desconhecido, mas por outro lado é um medo que desperta em nós a contemplação mais essencial sobre aquilo que somos, enquanto espécie, e individualmente enquanto sujeitos dotados de consciência.
"Billions of years ago when the Red Planet was young, it appears to have had a thick atmosphere that was warm enough to support oceans of liquid water - a critical ingredient for life. The animation shows how the surface of Mars might have appeared during this ancient clement period, beginning with a flyover of a Martian lake. The artist's concept is based on evidence that Mars was once very different. Rapidly moving clouds suggest the passage of time, and the shift from a warm and wet to a cold and dry climate is shown as the animation progresses. The lakes dry up, while the atmosphere gradually transitions from Earthlike blue skies to the dusty pink and tan hues seen on Mars today." [NASA]
Mars Evolution (2013) da NASA

outubro 19, 2013

ilusão e compositing analógico

Elgin Park é o nome de uma cidade americana ficcional, criada por Michael Paul Smith. Paul Smith (1950) dedicou os seus tempos livres, nos últimos 25 anos, à paixão pela criação de modelos em escala. Com um pano de fundo baseado na sua obsessão pela atmosfera americana dos anos 1950, a cidade impossível foi surgindo através de diferentes edifícios e muitos carros. Um detalhe, esta cidade inexistente, tornou-se famosa, não pelas maquetas, mas pelas fotografias criadas a partir desses modelos, que contribuíram com um grau de realismo tal, capaz de nos fazer duvidar da não existência de Elgin Park.



Paul Smith é de base um ilustrador, tendo trabalhado na ilustração de livros assim como na direcção de arte de espaços para museus e lojas, assim como maquetista de arquitectura. Como tal o seu hobby, a construção da cidade Elgin Park, revelou-se o ideal por estar em total sintonia com o seu trabalho e a sua vida diária.

O que mais me impressionou e levou a falar aqui deste trabalho, foi sem dúvida o enorme realismo que podemos experienciar a partir das suas imagens, criadas com as maquetas. Um realismo particular, porque aquilo que podemos aqui ver é conseguido através de um método especial de construção da representação da realidade na fotografia. O método não é propriamente complexo, nem novo, mas suficientemente eficaz, para que as pessoas se ponham a questionar sobre a realidade da representação. Aliás, o método é tão simples que as pessoas depois de o conhecerem, duvidam mesmo que possa ser apenas tal como descrito por Paul Smith.

O que temos aqui então, é como dizia o colega Leonardo Pereira, e muito bem, uma espécie de "compositing analógico". Uma composição, uma construção, da imagem final a partir da mistura de um pedaço fotografado da realidade - luz, atmosfera, partes de arquitectura real - misturado com um pedaço de irrealidade - as maquetas. Tudo isto é composto num espaço físico, sem qualquer trabalho de iluminação artificial, e fotografado com uma câmara fotográfica básica, compacta, sem qualquer tipo específico de objectiva, inicialmente com apenas 6MP. A imagem que sai da máquina, é o que vemos aqui, não existe qualquer tratamento fotográfico sobre as imagens, não existe qualquer Photoshop, e isso impressiona, e muito.



Ora para Paul Smith conseguir obter este resultado final através de uma qualquer máquina fotográfica, e sem pós-produção, existe apenas uma condição para chegar a esta qualidade, a composição criada no mundo real tem que ter uma qualidade incrível. Falo nomeadamente do detalhe das maquetas, da forma como estas são justapostas aos ambientes reais, e claro sem dúvida do ângulo e momento de luz da realidade escolhida para fotografar. Numa entrevista, à Fstoppers, Paul Smith dá mais detalhes sobre a ciência por detrás do efeito, e mais à frente nessa entrevista explica os problemas por detrás de se fotografar com demasiada resolução:
"The whole forced perspective process was used extensively in early movie making back in the 1920′s. Because it was too expensive to create massive full size sets outside, detailed models were created and placed at the correct distance behind the actors to create the illusion of a city or some fantasy location. It was a very effective special effect.The use of models in Cinema is still happening today. As a matter of fact, audiences are tiring of CGI and model making is getting a resurgence. The actual math that is involved to create a consistently good forced perspective shot is something I can’t figure out because I am math challenged.  Over the years I’ve been doing this, I’ve developed a sense of how far I have to be away from any given background to make the scene work. There are still times when I have the shot set up, look through the camera and discover the distance is incorrect. In a very unprofessional way, I drag the table with the diorama on it until the scene lines up correctly.
What I have found is that 14 megapixels is almost too much for what I need to take convincing diorama shots. There is too much information being recorded which makes every little detail show up in the photographs. When working with miniatures, at least for myself, too much detail distracts from the total scene. Also, to capture a “retro” feeling, there needs to be a blur of sorts. If you go through old photos there is a slight lack of clarity to them. I think psychologically it gives them some emotional distance." 


Impressiona o nível de detalhe do trabalho aqui executado. Demonstra que a paixão por algo pode conduzir à criação de obras que por vezes nos transcendem. Por outro lado, olhando para a carreira de Paul Smith, percebemos que não se chega aqui apenas porque se gosta, mas porque se investiu nesta atividade toda uma vida. Que o investimento em produção criativa ao longo do tempo, nos pode conduzir a um grau de mestria, por vezes único.





Mais fotografias podem ser vistas nas contas SmugMug e Flickr do autor.

outubro 07, 2013

a essência técnica

Finalmente Keloid foi lançado. Tinha aqui falado do teaser em 2011, esta semana a espanhola Big Lazy Robot publicou finalmente a curta terminada. Criada como modo de fugir às pressões comerciais, apresenta-se como o melhor cartão de visita que uma empresa de VFX pode apresentar.


Este é um daqueles trabalhos que fruímos pela sua essência técnica. Confesso que o teaser me tinha deixado com maiores expectativas e que três minutos eram manifestamente insuficientes para dar lastro a todas as ideias que pululavam no ecrã. Talvez por isso tenha revisto o filme duas vezes de seguida, para poder saborear mais deste trabalho assombroso.

Ao longo dos curtos três minutos sentimos o experimentalismo visual tocar o seu zénite. Foram dois anos de trabalho que a BLR condensou em técnica e arte. O visual e o movimento apresentam um ritmo por vezes cliché, mas é desse cliché que vemos sobressair a inovação. Keloid não depende da história, a narrativa é aqui mero adereço, porque a experimentação está apenas interessada em induzir um estado emocional no espectador, a alegria de presenciar uma obra visual tão perfeita quanto tecnicamente é hoje possível.

Keloid (2013) da Big Lazy Robot

setembro 24, 2013

Moonbot, publicidade, e comida biológica

A Moonbot Studios, estúdio responsável por obras como "The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore" (2011) e "Numberlys" (2012), traz-nos mais uma belíssima animação 3D. Scarecrow (2013) pretende ser um PSA (public service announcement), mas é aqui suportado por uma grande empresa privada, a Chipotle, o que desencadeou toda uma reação online contra o filme da Moonbot. Embora esta não seja a primeira animação da Chipotle sobre o tema. Para quem anda atento ao universo da animação online, ainda não se deve ter esquecido de "Back to the Start" (2011) com música dos Coldplay, interpretada pelo Willie Nelson.



The Scarecrow apresenta-se como uma animação belíssima, denotando claramente a marca dos criativos da Moonbot, ex-Pixar, tanto na leveza e suavidade dos cenários e personagens, como na forma como conta a história, com muito cuidado e detalhe. Não estando ao nível de Fantastic Flying Books, para anúncio publicitário tem uma qualidade extraordinária. A Moonbot lançou ainda um pequeno making of que vale a pena ver. Mas para não ficar por aqui, o filme utiliza como banda sonora, a música “Pure Imagination”, do filme “Willy Wonka & the Chocolate Factory” (1971), interpretada por Fiona Apple. E ainda... para suportar e fazer durar a ideia foi feito um pequeno jogo para iPad, algo em que a Moonbot se especializou. Sempre que realiza uma curta, lança em conjunto um artefacto interactivo de suporte, ou vice-versa.

The Scarecrow (2013) Moonbot para a Chipotle

No campo do tema, o assunto que aqui é trazido, é novamente o da produção biológica versus produção industrial. O filme mostra o lado negro da industrialização, das condições de produção, do processamento da comida, algo que neste momento já ninguém pode ignorar, e muito mais haveria a explorar sobre tudo isto. Fá-lo de um modo bastante informativo, mas procura atingir sobretudo o lado sentimental da questão, explorando a nossa empatia pela natureza. Ao ponto de alguns críticos acharem que se foi longe demais, e que o filme pode acabar por não conseguir promover o que se pretende, mas antes afastar as pessoas e levá-las a pensar em tornar-se vegetarianas. Por outro lado, outros alertam, que se queremos verdadeiramente mudar as coisas, não é substituindo uma alimentação por outra que vamos lá, precisamos de mudar os nossos comportamentos em termos de alimentação a um nível bem mais profundo que isso.

Outra grande questão que se colocou na rede, logo após o lançamento do filme, foi o facto de que a Chipotle pouco se diferencia das demais marcas que pretende aqui criticar, utilizando a mesma linguagem que estas, apenas subvertendo algumas ideias aqui e ali para assim procurar convencer um nicho específico de público. Ou seja, a sua preocupação não é a natureza, como nos quer fazer crer, mas a faturação. Por isso em poucos dias surgiu na rede um filme, Honest Scarecrow, que realiza uma paródia a The Scarecrow.


Honest Scarecrow (2013) de Funny or Die

Seja como for, a comida processada e alterada geneticamente é uma realidade com que temos de viver nos dias de hoje, e tudo o que pudermos fazer para nos afastar dela, será em nosso proveito. Basta ver a incidência de cancro, com Sobrinho Simões um dos mais respeitados especialistas internacionais na área do cancro, a apontar que nos próximos anos em Portugal, um em cada três portugueses sofrerão de um qualquer tido desta doença! Outro exemplo que lia agora pela manhã, os adoçantes provocam uma perturbação do modo como os nossos corpos reagem ao mundo externo em termos de gratificação. A ilusão do doce, é apenas isso uma ilusão da percepção, mas tal como acontece ao nível de todos as ilusões da percepção, podem acarretar enormes problemas para nós.

Ou seja, quando mudamos algo no universo natural, é sempre impossível prever todas as consequências dessas nossas ações. Na natureza é tudo de tal forma interligado e interdependente, que a mais pequena variação, provoca ondas de transformação onde menos se espera. Por vezes estas ondas são sofríveis, outras vezes são superáveis, mas quase sempre acarretam custos para alguém, que tem de sofrer para dar os primeiros sinais de alerta.

setembro 19, 2013

Entrevista com Luís Belerique, environment artist de "RiME"

Conheci o Luís Belerique (35) há uns anos, quando lhe pedi para lecionar um workshop de Blender na Universidade do Minho. Na altura soube que era Licenciado em Astronomia, e que o 3d era uma coisa autodidata. Na semana passada descobri que estava agora em Madrid a trabalhar, como environment artist na Tequila Works, num dos jogos mais ambicionados para a PS4, RiME, e por isso não resisti a fazer-lhe algumas perguntas. Aqui ficam, juntamente com as respostas que ele teve a amabilidade de responder.

RiME (TBD) da Tequila Works para PS4

1 – Como é que foste parar à Tequila Works? Há quantos anos estás na empresa, e que funções já desempenhaste? 
:: Vim para Madrid estagiar ao abrigo do programa Inov-Art, e quando acabei o estágio aproveitei para melhorar os meus dotes artísticos, porque, embora antes já tivesse alguma experiência como artista e formador, sentia que o meu trabalho poderia e deveria ser melhor.
Então entrei num curso de escultura digital, para aprender a usar ZBrush, e também estive alguns meses numa academia de arte, para praticar desenho a carvão e assim obter uma fundação artística mais sólida.
Tinha o objectivo de trabalhar como artista 3D em jogos, e eventualmente fiz um teste de arte para Tequila Works, gostaram do que fiz e tenho tido a honra de ser um "hellworker" (o nome carinhoso que os trabalhadores da Tequila Works têm) desde 2011. Trabalho principalmente como "environment artist", modelando e texturizando objectos para colocar nos cenários e também como "world builder", montando esses elementos de modo a fazer os níveis. Mas também tive a oportunidade de trabalhar em coisas diferentes, desde fazer storyboards para cinemáticas até arte conceptual.

2 - Podes explicar-nos o que faz um editor de níveis? E de que forma o teu percurso académico tem servido para o trabalho que desenvolves?
:: A edição de níveis de um jogo envolve vários departamentos, principalmente os designers de jogo, que definem a jogabilidade, layout do mapa, navegação, etc, criando um mapa básico com caixas. Depois, entram os artistas, para revestir com assets gráficos (como paredes, mobiliário, edifícios, plantas, etc)  e assim contextualizar o mapa; se é uma autoestrada, um hospital ou uma refinaria abandonada. E é nessa fase onde entro, quer modelando os vários objectos e módulos gráficos, quer colocando esses elementos no mapa e trabalhando na iluminação dos mapas, já dentro do editor de jogo, que na Tequila é o editor do motor Unreal.
A minha formação académica (Astronomia) normalmente não é muito relevante, porque são trabalhos de naturezas muito diferentes, mas ocasionalmente é útil.
Por exemplo, em Deadlight (2011), usei alguns conceitos básicos de astronomia para unificar a iluminação de alguns níveis, alinhando a posição do Sol de acordo com a hora do dia, pois esses níveis decorriam ao longo de uma noite e um dia, e a iluminação deveria reflectir esse avanço no tempo.

RiME (TBD) da Tequila Works para PS4

3 – Os videojogos são o teu interesse principal, ou são apenas um dos meios no qual tens a oportunidade de desenvolver o teu trabalho?
:: Quando era mais novo, jogava imenso, mas agora não jogo tanto, talvez algum jogo casual no telemóvel ou na tablet. Talvez porque agora tenha menos tempo livre, aproveito para regenerar energias vendo séries, filmes, desenhando ou (tentando) trabalhar em projectos pessoais. Além dos jogos, tenho outros interesses, como ilustração e banda desenhada, onde tive a sorte de trabalhar com vários artistas em projectos muito interessantes e indies, como Murmúrios das Profundezas (2008) e Voyager (2011).

 Murmúrios das Profundezas (2008), banda desenhada do colectivo R'Lyeh Dreams

4 - Quantas pessoas trabalham na empresa? São de que nacionalidades? Conheces mais portugueses aí em Espanha na área de jogos?
:: Trabalham cerca de 20 pessoas, entre trabalhadores que estão no escritório e trabalhadores à distância. A grande maioria são espanhóis, mas também temos pessoas dos EUA, Suécia, Alemanha e Argentina. Cá em Espanha não conheço mais portugueses a trabalhar em jogos.

5 – A Tequila trabalha apenas com financiamentos privados, ou também concorre a financiamentos públicos (ex. do governo espanhol ou da comunidade europeia)?
:: A Tequila é uma empresa autofinanciada, e RiME é um jogo first-party da Sony.

6 – Trabalhaste no primeiro jogo, Deadlight. Apesar deste apresentar um gameplay de plataformas 2d, todo o restante ambiente era notável em termos de arte 3d. Porque é que nessa altura não optaram por um gameplay que aproveitasse todo o investimento realizado na criação dos cenários?
:: Bem, quando entrei na Tequila já estavam no último ano de produção de Deadlight, e portanto já essas decisões já tinham sido tomadas há muito tempo, mas pelo que depreendi, uma das inspirações para Deadlight foram jogos antigos como Flashback (1992) e Another World (1991), na Tequila queriam fazer um jogo recuperando o espírito desses clássicos.
O estilo visual desde o princípio era muito marcado pelo contraste entre as silhuetas negras e o fundo mais claro e detalhado, mas era muito mais simples que o atual, e ao longo do tempo evoluiu para um aspecto mais hiperrealista, para melhor mostrar a "beleza" de um mundo decadente e pós-apocalíptico.

Deadlight (2011) da Tequila Works

7 – Em RiME parece que deixaram para trás o plano, no caso do gameplay, e avançaram para um jogo completo 3d em terceira-pessoa. O que é que isto representa em termos de valores de produção? O estúdio aumentou o seu número de pessoas, ou é a mesma equipa? 
:: Houve algumas mudanças na equipa, reforçámos o departamento de programação, mas no geral a equipa não cresceu muito mais do que era em Deadlight. Por isso, a produção de Rime é mais exigente que Deadlight, e para compensar o facto de construirmos um cenário mais aberto em 3D, escolhemos um estilo visual um pouco mais minimalista (mas não menos interessante), além de querermos fugir ao estilo hiperrealista que é muito comum hoje em dia. Afinal, um dos lemas da Tequila Works é fazer coisas pequenas mas com bom gosto.

Young girl in Silvery Sea (1909) de Joaquin Sorolla

8 – A Kotaku já disse que RiME é o jogo mais bonito até agora revelado para PS4. Mas também muito se tem falado no facto de RiME estar muito colado a ICO. O que é pensas sobre isto, em termos de estética e jogo? 
:: É um motivo de orgulho para a equipa que compararem RiME com ICO (2001) mostra como existem muitos jogadores que anseiam por experiências diferentes e mais evocadoras. Talvez seja por isso que se compare com ICO, o facto de haver poucos jogos com este tipo de ambientação, é um género muito pouco saturado, ao contrário de outros, como os FPS.
Contudo, a inspiração para o aspecto visual de RiME vem dos filmes de Hayao Miyazaki, por exemplo, Porco Rosso (1992), e de artistas como Joaquín Sorolla, muito conhecido pelos seus quadros onde captura a luz e ambiente da costa Mediterrânica espanhola.
Quanto a jogabilidade, quando tornarmos pública mais informação, vão ver que RiME será um jogo diferente, com uma identidade muito própria.


9 – Vais continuar pela Tequila, e por Madrid, ou tens intenções de voltar a Portugal?
:: Vou continuar pela Tequila, o ambiente é fenomenal e ainda parece um sonho trabalhar com colegas tão experientes e profissionais. Além disso, ver a reação a RiME também é muito motivador! Eventualmente gostaria de voltar a Portugal, as saudades da família e de conviver com amigos de longa data são muitas, mas a situação atual do país infelizmente faz com que o regresso seja algo mais longínquo. Pelo menos, Portugal está mesmo aqui ao lado e de vez em quando, dá para matar essas saudades.

Obrigado pelo interesse numa entrevista, sinto-me lisonjeado. Quero acabar agradecendo a Raúl Rubio, chefe da Tequila Works, e José Luis Vaello, director de RiME, pela colaboração dada nas respostas a esta entrevista.