Todo o tomo se concentra na descoberta, adolescente, do amor pelo sexo oposto, dedicando-se Proust a dissecar o ruminar que nos assombra em cada nova relação que se enceta. Na primeira parte temos a primeira relação com Gilberte, filha de Swann e Odette, e na segunda parte surge Albertine.
A primeira parte surge com maior intensidade, provavelmente por se tratar da descrição da primeira verdadeira paixão do narrador/Proust, o que lhe permite uma verdadeira escalpelização das emoções, sentimentos e ideias. É delicioso ver Proust a trabalhar as ideias vertidas em texto no sentido de nos dar a entender o que se sente em cada momento, o que cada esgar ou palavra é capaz de estimular dentro de nós, como o nosso cérebro equaciona, se melindra e esconde, ou avança destemidamente para raciocínios não-lógicos, carregados de emoção, toldados pela paixão. Neste sentido toda a primeira parte apresenta um trabalho de enorme profundidade na desconstrução da psicologia humana, do estudo dos processos da consciência, cognição e experiência humanas.
"Se verdadeiramente, como julgámos, nada distinguimos na primeira audição, a segunda, e a terceira, seriam outras tantas primeiras, e não haveria razão para se compreender alguma coisa mais à décima. Provavelmente o que falta, da primeira vez, não é a compreensão, mas a memória. Porque a nossa, relativamente à complexidade das impressões que tem de enfrentar enquanto escutamos, é ínfima, tão breve como a memória de um homem que, enquanto dorme pensa em mil coisas que imediatamente esquece, ou de um homem meio caído na infância que não se recorda no minuto seguinte do que acabaram de lhe dizer. A memória não é capaz de nos fornecer de imediato a recordação destas impressões múltiplas. Mas tal recordação forma-se nela a pouco e pouco, e relativamente às obras que ouvimos duas ou três vezes somos como o estudante que releu várias vezes antes de adormecer uma lição que julgava não saber e que a recita de cor na manhã seguinte.” (trad. Pedro Tamen, p. 107)Já na segunda parte entra-se num registo mais leve, com o narrador a partir para uma estância balnear (Balbec), deixando para trás Gilberte, para desse novo cenário ver surgir o seu segundo amor, Albertine. Nesta segunda parte vão entrar alguns novos personagens, nomeadamente o pintor Elstir que me decepcionou um pouco. Esperava mais da relação, que as descrições do espaço assumissem um patamar mais visual, mas isso não acontece. Talvez porque estamos aqui demasiado focados sobre as raparigas de Balbec, quem verdadeiramente atrai o jovem. Em termos visuais, o primeiro volume consegue ter partes mais ricas que aquelas que aqui vão decorrer a partir das conversas sobre várias telas.
Balbec, nome dado por Proust à praia de Cabourg, aqui representada numa obra de René-Xavier Prinet "La plage de Cabourg"
E agora, resta-me avançar para o terceiro volume. Fica a ligação para as minhas impressões do Volume I.
[Marcel Proust, (1919), “Em Busca do Tempo Perdido - Volume II - À Sombra das Raparigas em Flor”, Relógio D'Água, ISBN 9789727087365, trad. Pedro Tamen, 2003, p. 542]
Ler também
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume I
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume II
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume III
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume IV
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume V
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume VI
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume VII
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