fevereiro 02, 2010

Avatar, um mundo de influências

Avatar é um filme que em termos de preferências jogará nos extremos para os menos ciosos da arte cinematográfica. Pelo meu lado limito-me a apreciar mais um artefacto fílmico e a deixar-me levar pela experiência. Claramente que gostei de muitas coisas assim como gostei menos de outras. O que mais gostei foi evidentemente do brilhantismo tecnológico, é um dos objectos mais perfeitos nesse campo. Do que menos gostei, do storytelling, da incapacidade de Cameron em nos entregar uma história criativa, ou pelo menos com uma progressão e um ritmo acertado. Assim dito até parece que me ficaria pelos 50%, mas não, na verdade não podemos condenar um filme porque falha num item (que é dos mais importantes sem dúvida), tendo em conta que actua em níveis de excelência em áreas formais como os efeitos visuais, os cenários, a atmosfera, os personagens. Nesse sentido sinto-me encalhado a meio dos restantes 50%.


Roger Ebert
refere "I've complained that many recent films abandon story telling in their third acts and go for wall-to-wall action. Cameron essentially does that here, but has invested well in establishing his characters so that it matters what they do in battle and how they do it. There are issues at stake greater than simply which side wins."

O que Ebert aqui refere na primeira parte desta afirmação é o mesmo que já referi em relação ao videojogo Uncharted 2 (2009). Mas discordo por completo com ele na segunda parte desta citação, assim como Zacharek (2009). Fico a pensar porquê 160 minutos, qual a razão. Para que seja considerado um épico?! É no terceiro acto que o filme se espalha por completo. Ao contrário de Titanic aqui sabemos que os nossos heróis não morrerão, e é por isso mesmo que Cameron mata um importante personagem perto do final, para ainda assim tentar criar a dúvida e a incerteza no espectador sobre o futuro do herói. “Se aquele pode morrer, então o herói também pode”. Mas desde o momento em que se inicia a ligação entre o herói e aquele povo que sabemos que só um final pode existir. E isso demonstra a total inabilidade de Cameron para lidar com o balanceamento narrativo necessário a uma produção desta magnitude. Aliado a esta fraqueza aparece em jeito compensatório e climático, a seguir toda uma estrutura típica da narrativa de horror, o retorno do vilão quase imortal, uma e outra vez, procurando despoletar no espectador sensações, e receios por algo que sabemos não poder existir.


Vejamos a história. Todo o aspecto de guerrilha em busca do mineral é ridículo porque de tal forma exacerbado acaba por contaminar todo o aspecto espiritual do povo indígena. E contamina porque esta é a velha história do cowboy e do índio, do colonizador e colonizado, do agressor e da vítima. Ou seja, elementos tão básicos e tão vulgares que se não forem tratados de modo minimamente interessante ou subtil acabam por corroer tudo à sua volta. Por outro lado esse lado espiritual soa todo muito rebuscado e pouco interessante porque mais uma vez se mostra demais, se fala demais, se explica demais. Algo de tão mágico e divino deveria ser menos acessível. Um utilizador, Kyle M, no Metacritic refere mesmo “the entire story was a ripoff of other movies, the characters were all stereotypes.”. E tem razão ao dizer isto, em Avatar passamos grande parte do tempo a realizar comparações com outros filmes – Star Wars (1977), The Neverending Story (1984), The Emerald Forest (1985), Aliens (1986), Willow (1988), Dances With Wolves (1990), Stargate (1994), Final Fantasy: The Spirits Within (2001), Apocalypto (2006), District 9 (2009). Num outro artigo Christopher Campbell afirma “James Cameron’s Avatar is supposed to be like nothing we’ve ever seen before. So why does it look so familiar?” A resposta é muito simples, porque um filme tão caro como este teria de agradar a Gregos e Troianos. Porque para isso acontecer a única forma era transformar o produto em algo o mais fácil possível de assimilar, o mais fácil de compreender e logo familiar assim como o mais emocionante ainda que do ponto de vista das emoções simples – medo, raiva, tristeza e alegria.


Neste sentido da familiaridade mas em relação ao que fez melhor e no campo dos efeitos visuais Avatar partilha imenso com Star Wars a começar pela criação de todo um universo novo alternativo, uma sociedade externa à humana com todos as suas peculiaridades de forma e habitat. Ao mesmo tempo várias coisas os separam a começar pelas criaturas e as suas formas mais familiares: panteras, rinocerontes, dinosauros voadores. Isto permite-nos aproximar mais daquela realidade. Em Star Wars as formas são tão estranhas que nos deixam pouco há vontade e nos obrigam a uma descolagem maior.


Tecnicamente as qualidades de Avatar estão na captura de performance, no qual claramente investiram muita pesquisa e desenvolvimento de soluções para criar o que podemos agora ver. Estes impactos percebem-se melhor quando vemos os making of, e vemos a tecnologia envolvida e mais do que isso vemos o efeito da captura directamente sobre o desenho 3d. Contudo e apesar do brilhantismo das técnicas, e superioridade face a muito do que se tem feito, não são elas as responsáveis por eliminar o efeito uncanny valley, é antes um conjunto de dois vectores: iluminação e cartoon. Ou seja é a superioridade da iluminação verdadeiramente fotorealista que cai sobre os personagens e lhes confere um acetinado realista ao mesmo tempo que as suas feições são meramente hominídeas. Se compararmos Sigourney Weaver em Avatar e Angelina Jolie em Beowulf (2007) conseguimos de imediato ver o efeito de uncanny a acontecer com Angelina mas o mesmo não se sucede com Sigourney aqui. Mas se olharmos novamente para "Sigourney Avatar" veremos que esta é uma Sigourney com formas exageradas (olhos e orelhas aumentadas, pele de cor diferente) tal como o aquilo que fazemos com um cartoon. E por isso funciona tão bem. Aliás não podemos deixar de referenciar todo o trabalho feito por Andy Serkis com Gollum, e no quão credível Andy Serkys tornou esse personagem 3d.


Para além da captura de performance temos todo este universo criado em CGI, "Of the 162 minutes of film, 117 minutes equaling 1,832 shots was created by Weta's angels, over 2,000 if you count the omits." (CGSociety). Com uma selva construida de modo generativo ou procedural, ou seja em que as árvores embebidas em código crescem e se multiplicam de forma "natural" sem a ajuda de qualquer modelador humano. Um universo que inicialmente deveria ter sido criado em tons de azul à semelhança das criaturas mas acabou por ficar verde. Motivo da alteração: "demasiado azul". Em minha opinião mais uma vez por questões de familiaridade. Um universo de plantas azuis seria algo surreal e distante para nós, por outro lado um universo verde é do mais exótico e ecológico que se possa imaginar.


Quanto ao 3-D fiquei convencido da sua possibilidade, não da sua necessidade. Ou seja por nenhum momento me senti perturbado pelo mesmo, nem pelos óculos. Mas também não senti nunca que a minha experiência tivesse sido enriquecida face a um visionamento normal 2d. Aliás senti em certas alturas um efeito de túnel, no qual se perdia o poderoso efeito do wide scope tão característico do 2:35. A experiência de paisagem em toda a dimensão do olhar porque tudo se concentra no centro e em profundidade. Quando tomamos atenção ao detalhe perdemo-nos por vezes a ver a beleza do recorte dos personagens sobre o fundo, mas isto parece surgir como layers (camadas) de elementos independentes no filme. Julgo mesmo que este modo acaba por elevar mais barreiras de artificialidade do que aquelas que retira. Sentimo-nos a olhar para dentro de um mundo “plástico”. Apesar de feito com um nível de excelência muito grande, apesar de eu não ter sentido absolutamente qualquer desconforto, sou muito sincero, não sinto que tenhamos ganho algo com esta tecnologia. Por outro lado acredito que se esta tecnologia for antes pensada para preencher todo o muro frontal mais uns 50% das paredes laterais de uma sala de cinema, aí julgo que poderemos ganhar algo.


Finalmente e sobre o conceito de Avatar em si, julgo que vem levantar questões bem diferentes das levantadas por Matrix e a sua realidade substituída, aliás as mesmas questões recentemente levantadas em Surrogates (2009). Aqui já não temos as questões cartesianas da mente desligada de um corpo refutadas por Damásio. Ou das realidades injectadas (ex. Matrix, 1999), caso do cérebro numa tina, dependente de informação que lhe chega por via de eléctrodos. Temos antes uma pessoa completa, mente e corpo, que por sua vez controlam um outro corpo em pleno estado acordado. Aliás o filme exemplifica este modo constantemente através dos robôs grandes que são controlados por militares no seu interior.


Posto tudo isto Avatar é uma aventura através da imaginação de um criador, é mais um mundo-história do tipo dos criados na arte dos videojogos do que propriamente a narrativa finita de um filme. É um mundo-história atractivo e cativante, um escape do nosso mundo. Avatar não nos deixa indiferentes, ficamos colados naquele universo durante muitas horas após o seu visionamento...

2 comentários:

  1. Quando vi o filme, não fiquei convencido com a narrativa, isto é, não achei que a história de romance me cativasse para o filme. Por isso, concordo que Cameron não conseguiu ter a capacidade de nos entregar uma história num storytelling criativo. Mas também era necessário criar esse tipo de argumento, como aconteceu em Titanic, porque senão qual seria a outra forma de "colar" um espectador em frente à tela durante 160 m? A obra visual e estética não bastaria. Talvez Robert Ebert tenha razão, quando afirma que filmes recentes abandonaram o conceito do storytelling em três actos, mas talvez até haja necessidade disso nas exigências cinematográficas dos dias de hoje. Pessoalmente, creio que não é a melhor opção, afinal estamos a falar de uma ordem lógica que já vem do tempo de Aristóteles e segundo sei fundamenta toda a teoria narrativa.
    Concordo que Avatar conseguiu construir todo um novo mundo de fantasia e personagens, comparável a filmes como Starwars entre outros, mas acho que a sua ruptura no cinema não vai ser comparável a filmes como aquele, porque o efeito 3 D não é de si tão espectacular como os media quiseram passar e, nesse aspecto concordo com o professor que a tecnologia envolvida não nos trouxe nada de relevante, talvez a sua ideia possa ter melhor resultado no futuro.

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