Tenho a dizer, ainda antes de entrar no detalhe, que me parece de grande relevo o trabalho realizado por Berger, não pelo foco em si, mas pela abordagem realizada ao foco. Ou seja, Berger não se focou sobre aquilo que as pessoas mais gostam ou detestam, mas antes centrou todo o seu trabalho na tentativa de perceber o que leva uma pessoa a partilhar uma informação. Ou seja, estamos a falar de um agenciamento, que implica consciência e ação, alguém que decide que uma informação deve ser partilhada ou não. Berger começou esta investigação exatamente depois de ter comparado durante vários meses os “Artigos Mais Lidos” e os “Artigos Mais Partilhados” no Wall Street Journal, e ter compreendido que na maior parte das vezes eles não coincidiam. A partilha parece assim ser diferente do simples gostar, achar interessante ou irrelevante, porque é algo que exige uma persuasão que vai para além do gosto, a persuasão tem de ser suficientemente forte para fazer agir, colocando o sujeito no início de um processo que pressupõe autoria, ainda que apenas através da mera curadoria.
Ou seja, quando leio/vejo uma mensagem posso gostar ou não desta, mas a decisão de a partilhar, é completamente distinta do juízo moral ou estético que faço da mesma. O simples processo de partilha insinua o meu suporte ao que é dito nessa mensagem, empresto-lhe a minha identidade no momento em que a partilho. Não existe apenas a implicância de se dar ao trabalho de partilhar, por fácil que seja, mas ainda a responsabilidade de o fazer. Tomo uma posição quando partilho, ajo sobre o mundo que me rodeia, e daí posso retirar benefícios, mas também ganhar novos problemas ou até perder amigos, que poderia ter evitado mantendo-me apenas quieto! O ato de partilha é assim um processo de agenciamento da nossa parte perante o mundo, ao contrário do ato de leitura ou consumo. A grande questão que se coloca então é, sabendo das implicações que a partilha acarreta, o quê e como é que se conduz alguém a partilhar algo? Ou seja no fundo, como é que se cria e mantém uma corrente viral?
Para dar resposta a esta questão Berger passou alguns anos a fazer pesquisas sobre partilhas feitas por milhares de pessoas, incluindo uma das mais faladas que foi realizada a partir do estudo do top dos artigos do NYT mais partilhados por e-mail. Os vários estudos conduziram Berger à definição de um conjunto de factores que potenciam a partilha, e que são apresentados neste livro, os STEPPS: Moeda Social, Gatilhos, Emoção, Público, Valor Prático, Histórias.
1. Moeda Social
O primeiro factor está intimamente ligado ao ato de partilha, o que ele representa. Na verdade a partilha é um processo social que tem custos e benefícios, ainda que possamos não estar conscientes do facto, quando o fazemos. Não partilhamos algo que possa ser negativo para nós, que possa danificar a imagem que os outros têm de nós. Ou seja, a partilha é feita em função da imagem que queremos dar de nós próprios. Por isso tendemos a partilhar aquilo que possa contribuir para uma imagem mais prestigiante, como pessoa inteligente, “cool” e que está por dentro dos assuntos. A partilha de algo permite que a pessoa se afirme como sabedora, sem ter de o dizer explicitamente, daí também que as empresas explorem os atributos da gamificação, como prémios, medalhas, posições em rankings que garantam uma partilha imediata do status (ou seja atribuem uma representação imediata ao valor social) de cada um dentro do sistema.
As pessoas tendem a partilhar a novidade, o diferente, o surpreendente e notável, aquilo que contribui para gerar status. E se isto é fácil de ser conseguido com um novo iPhone, ou um novo filme do Batman, pode já não ser tão simples de fazer com o lançamento de um novo modelo de frigoríficos, etc. Mas Berger dá o exemplo do papel higiénico preto, por acaso inventado pela Renova portuguesa, mas que como ele diz, sendo algo nunca visto e impressionante, dá vontade imediata de partilhar.
2. Gatilhos
O segundo factor tem que ver com os gatilhos que conduzem as pessoas a associar diferentes ideias, ou diferentes produtos. Os gatilhos são como lembranças ambientais porque atuam sobre as nossas memórias. Por exemplo uma música no rádio pode recordar-nos um amigo ou namorado, o cheiro de pão quente pode recordar-nos a nossa avó, etc. Assim mesmo que não tenhamos visto o objecto em questão, vemo-lo na nossa cabeça. E estes gatilhos podem também podem contribuir para incrementar a partilha. Ou seja, o facto de nos recordar algo, faz com que fique presente na nossa mente, e nos leve a partilhar mais facilmente.
Este factor explica por exemplo o sucesso das listas online, que nos recordam imensas experiências vividas, sugerindo imediatamente a partilha, com a ideia de que possamos levar os outros a viver também aquelas experiências. Ou por exemplo o facto das barras de chocolate Mars terem aumentado vertiginosamente as suas vendas aquando da chegada da Missão Rover ao planeta Marte (em inglês Mars), mesmo sem a marca ter promovido qualquer campanha publicitária nessa altura. Ainda no campo dos chocolates uma ideia inteligente, foi a associação do chocolate Kit-Kat à pausa para café, que faz associar o chocolate a uma recompensa que todos conhecemos e desejamos. Ou por exemplo uma música que aparentemente ninguém daria nada por ela, mas porque se chama "Friday", acabou sendo altamente partilhada quando saiu, particularmente todas as sextas-feiras.
3. Emoção
O caso da emoção, é um dos mais estudados nas últimas duas décadas, tendo sido altamente explorada em todas as suas dimensões, fisiológica, cognitiva, comportamental, etc. Aqui Berger vai socorrer-se da perspectiva fisiológica, que define as intensidades de atividade fisiológica que cada emoção requer. Assim nas emoções intensas positivas temos a – Euforia e Alegria – e nas negativas – Raiva e Nojo. Nas emoções pouco intensas fisiologicamente, positivas temos – tranquilidade e relax – e nas negativas - tristeza e melancolia.
Berger a partir dos seus estudos conclui que temos uma maior tendência para partilhar emoções positivas, porque estas contribuem diretamente para a Moeda Social. Ou seja, partilhamos que fomos promovidos no emprego, mas não partilhamos que o nosso filho teve negativa num exame. Por outro lado somos capazes de partilhar as negativas, quando isso pode contribuir para repor algum sentido de justiça (crianças magoadas, cães abandonados, pessoas em grande sofrimento, etc.). Já quando as histórias apresentam apenas a tristeza, sem um culpado não há lugar a canalização de raiva, logo não há partilha. O mesmo sucede as histórias de mero relaxamento ou tranquilidade, sem um motivo que exalte esse estado, torna-se em algo sem potencial agenciador.
Modelo Circumplexo de Russell (1980), tal como apresentado no livro Emoções Interactivas (2009:51)
No fundo o que Berger nos diz, é o mesmo que eu acabei encontrando a propósito da interactividade nos videojogos, que aquilo que nos leva agir são as emoções que despoletam excitação e ação, e não as que despoletam repouso ou inação. Ou seja, o acto de partilha é um acto de acção tal como o de interacção, requerendo ambos agenciamento da nossa parte, daí que as emoções mais intensas fisiologicamente, nos predisponham a realizar o esforço da partilha, o assumir de responsabilidades, o querer agir, o querer mudar o rumo dos eventos.
4. Público
Este factor não traz propriamente nada de novo já que se limita a ser um dos factores da persuasão social mais amplamente estudados, conhecido como “Prova Social”. Um exemplo clássico é escolhermos o restaurante que está cheio para jantar, e não o vazio. Neste sentido temos tendência para imitar o outro, embora só o possamos fazer quando o vemos. Ou seja, é necessário tornar as coisas públicas, para que estas possam ser imitadas.
O exemplo dos auscultadores do iPod serem brancos foi uma das jogadas mais bem elaboradas, já que conseguiu tornar público algo que normalmente estava escondido. Outro exemplo que Berger fala é o das campanhas de donativos para várias lutas, e uma que fez uso do tornar público, foi uma campanha que ficou conhecida como Movember, deixar crescer o bigode como suporte aos problemas de saúde dos homens. O bigode faz as pessoas lembrarem-se que devem contribuir para a causa.
5. Valor Prático
Este é um dos factores mais óbvios e naturais no suporte da partilha, e que tem que ver com o real valor que aquela informação pode ter para os outros. Partilhamos para ajudar os outros, por isso escolhemos a informação que partilhamos em função daquilo que pode ajudar o próximo. Por isso partilhamos bons negócios, ofertas, descontos, promoções. Por outro lado isto explica porque razão uma grande parte dos artigos mais partilhados são sobre Saúde (novos tratamentos, novos resultados, etc) e Educação (TED, Courseras, etc).
6. Histórias
O último factor é bem conhecido de quem segue este blog, já que o tenho aqui trazido vezes sem conta, ainda recentemente a propósito do livro The Storytelling Animal de Gottschall ou a propósito das ideias de Ira Glass sobre o Storytelling e a Criatividade. E o que sabemos é que a forma de organização narrativa é vital na transmissão de informação, logo é também vital na motivação para a partilha. Se formos capazes de embrulhar a nossa ideia ou produto numa boa história, mais facilmente ele tenderá a espalhar-se. Aliás Berger fala mesmo no Cavalo de Tróia, a história é o nosso cavalo de Tróia para chegar aos outros.
Berger fala em detalhe sobre os anúncios da Dove, nomeadamente do Dove Evolution parte da campanha iniciada em 2004, Real Beauty. Aliás o sucesso desta abordagem ao mundo dos cosméticos foi tão forte que em 2013 a Dove voltou a conseguir outro gigantesco viral com o anúncio Dove Real Beauty Sketches. Ou seja, as pessoas precisam de boas histórias, porque são as boas histórias que as fazem mover, que as fazem desejar continuar a agir sobre o mundo em que vivem.
Para quem não quiser o ler o livro, ou quiser mais um pouco de informação sobre cada um destes pontos dados pelo próprio autor, deixo a lista de seis vídeos que Jonah Berger gravou sobre cada um dos Factores.
Para terminar quero falar rapidamente de um assunto próximo que tem andado a circular nos últimos tempos, e que diz respeito aos anúncios pagos no Facebook, e ao modo como muitas das partilhas que fazemos não chegam a ser vistas pelos nossos amigos. Num vídeo recente do canal Veritasium, os anúncios pagos no Facebook são desmontados como sendo uma autêntica fraude. Ou seja, as pessoas pagam para ter mais likes, e eles aparecem, mas isso não quer dizer que se traduza em mais engagamento com a nossa página. Aliás, se assim fosse esta metodologia proposta por Berger não faria qualquer sentido, bastaria comprar likes na loja do Facebook!
Serve este assunto de fecho para alertar para o facto de termos de começar a interiorizar a ideia de que mais likes no facebook, ou mais seguidores no twitter, etc. está longe de ser sinónimo de verdadeira popularidade, interesse, e menos ainda relevância. Disseminar ideias, mensagens, produtos, exige esforço, pode ser um esforço metódico e premeditado, mas está longe de se limitar a uma mera compra de espaço para anunciar, ou de likes.