O mais interessante de RDR no campo do tema é a forma como atualiza o western, como consegue casar os mundos clássicos do western americano de John Ford e Howard Hawks, com os mundos do anti-herói enigmático e emocional do “spaghetti western” de Sergio Leone e Sergio Corbucci. As enormes pradarias e a longa busca em equipa pela vingança, acaba por dar lugar a uma busca solitária e desinteressada, totalmente anti-heróica. Mas ao mesmo tempo que John Marston ganha densidade, as referencias cinematográficas vão-se descolando, e este vai ganhando o seu lugar na galeria do género.
The Searchers (1956) de John Ford
Django (1966) de Sergio Corbucci
Red Dead Redemption (2010) da Rockstar
O que é que eu prezo mais, o modo como chego até ao universo ficcional e o apreendo, ou o modo como ele gera uma experiência memorável e inesquecível dentro de mim? Eu poderia dissertar aqui sobre todas as diferenças formais, entre jogar, ler e ver. Mas isso será mesmo relevante? Vou mais longe ainda, será mesmo relevante escolher o melhor medium, como venho defendendo nos últimos anos, para a história que se quer contar?
Serão mesmo diferentes, para nós, seres-humanos dotados de um poder de imaginação admirável, a teia de ideias gerada a partir do rádio-drama “The War of the Worlds” (1938) de Orson Welles, da banda desenhada “The Walking Dead” (2003) de Robert Kirkman, do filme “The Shawshank Redemption” (1994) de Frank Darabont, do livro “Perfume” (1985) de Patrick Süskind, do videojogo “The Last of Us” (2013) de Neil Druckmann? A resposta, talvez seja que não. Não existe diferença, porque essa teia, não é mais do que o modo como criamos sentido a partir do mundo que nos rodeia. Essa teia de ideias, é o modelo narrativo, que fomos obrigados a imprimir em todos os media que fomos criando com as tecnologias que fomos desenvolvendo.
A cada novo medium, entramos em devaneios sobre as suas novas possibilidades formais, sobre o modo como pode contribuir para mudar o modo como vemos o mundo. Mas quando a tecnologia, e o conhecimento sobre o seu uso estabiliza, percebemos, que não passámos de crianças deslumbradas com o novo. Inevitavelmente voltamos sempre ao mesmo modo de fazer, porque é só através desse modo de contar, que conseguimos fazer explodir ideias na imaginação de quem nos ouve, lê, vê ou joga. Isto são ideias que me perseguem há vários anos, para o qual os avanços na neurociência muito contribuíram, e aos poucos me foram convencendo da sua veracidade. Sobre isto aconselho vivamente a leitura do texto de Pedro Monteiro “On Defense Of A Biological Link Between The Human Brain And The Narrative Form” (2013) no qual ele realiza um exercício de demonstração da biologia da teia narrativa.
“most universal human cultural creations are made as a reflection of the way human minds work – what this concept represents is that brains don’t have to evolve to accommodate new cultural creations, since those creations are but a mirror of the old brain way of working.”Tudo isto para dizer que de certo modo estamos na recta final da busca por um modo próprio de contar histórias nos videojogos. Ao longo dos últimos 10 anos, já nos dedicámos mais a criar os artifícios da gramática narrativa do meio, do que a tentar inovar o modelo de contar histórias. A estabilização epistemológica deste aparelho não é uma coisa má, em si. Se é verdade que perde algum encanto científico, porque o lado exploratório aproxima-se da total desvelação, também é verdade que o meio amadureceu, e é hoje capaz de expressar-se de uma forma muito mais completa.
***SPOILER******
Voltando a RDR em concreto, não posso deixar de discutir uma sequência relevante em termos do design de interactividade. O modo como está desenhada a morte do personagem principal deixa algo a desejar. A razão para o meu descontentamento prende-se com o facto de terem desenhado a sua morte como qualquer uma das outras mortes que experienciámos ao longo de todo o jogo. Ou seja, quando morro o impacto que sofro, não é aquele de uma narrativa com toda a carga já construída por RDR, mas antes, a morte normal dos videojogos, em que em vez de nos deixarmos levar pela perda, nos começamos a questionar “como é que tenho de sair do celeiro, para evitar ser morto?” Até que percebemos que não há segunda chance, que estamos mesmo mortos. Se senti algum impacto maior foi mais porque já estava de pré-aviso para algo de grande impacto no final do jogo. Mas o Dan Houser perdeu aqui a oportunidade de criar uma das cenas mais memoráveis de toda a história dos videojogos. A interactividade tem um potencial estético enorme em termos de responsabilização quando agimos, e de impotência quando nos é retirada. Esta cena final merecia mais, muito mais em termos de design de interacção.
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Para fechar, apenas dizer que RDR é uma experiência inesquecível, os personagens, o ambiente e os eventos formam um todo muito completo, coerente e esteticamente muito aprazível. RDR será uma referência não apenas na cultura dos videojogos, mas do western, durante muitos anos.
Nota: Muitas das ideias que lanço neste texto sobre a narrativa e os aspectos formais do videojogo, são ideias com que venho trabalhando, mas estão longe de se apresentar num forma definitiva. Agradeço todos os comentários que queiram partilhar sobre o assunto. E para adensar a discussão vejam a média-metragem feita por John Hillcoat fazendo uso do mundo do jogo, Red Dead Redemption: The Man From Blackwater (2010) .