março 02, 2013

metodologia científica na análise da violência

A revista científica American Psychologist acaba de publicar o artigo Violent video games and the Supreme Court: Lessons for the scientific community... escrito pelo académico Chris Ferguson. Este artigo chega-me no mesmo dia em que publico mais um texto sobre o assunto na Eurogamer, Prateleiras cheias de +18. No meu artigo defendo basicamente que é preciso proteger os mais jovens, mas que faz pouco sentido classificar grande parte dos jogos atuais para maiores de 18 anos, explicando porquê.


Neste novo texto de Ferguson coloca-se a tónica sobre a metodologia científica, e evidenciam-se problemas de parte a parte, tanto do lado de quem diz existirem provas que demonstram que os jogos tornam as crianças violentas, como do lado dos que dizem que não tornam. A realidade que Ferguson identifica é uma corrida aos estudos e escrita de papers para agradar a ideias pré-feitas, e não para verdadeiramente descobrir evidência, ou alguma verdade. O tema é muito complexo, e difícil de demonstrar, pró ou contra. Como conclusão Ferguson deixa-nos com o efeito do tempo. Foi assim com os outros media, e assim será com este. Temos de olhar para os anos passados e verificar o verdadeiro impacto histórico tido pelo media. E aquilo que os dados nos dizem ao fim de 40 anos é que na verdade os jogos não incrementaram a violência na sociedade. Atente-se no gráfico abaixo,

Violent video games and the Supreme Court: Lessons for the scientific community...American Psychologist, Vol 68(2), Feb-Mar 2013, 57-74

Impressiona ver como o aumento de vendas de videojogos não conseguiu inverter ou pelo menos manter os níveis de violência juvenil, já que esta não parou de baixar. Este gráfico feito com dados quantitativos demonstra bem como muitos estudos que têm afirmado que os jogos poderiam ser responsáveis por um aumento da violência de até 30% são completamente desprovidos de evidência empírica, e se baseia apenas e só na crença.

A série anime Elfen Lied (2005) contém violência gráfica como poucas vezes pudemos ver em videojogos

Aliás esta correlação apresentada no gráfico assemelha-se bastante à que faço no meu texto hoje na Eurogamer, sobre a cultura do Manga e Anime na sociedade japonesa,
"O Japão é um dos maiores produtores de violência gráfica, desde o Manga ao Anime, por vezes até eu enquanto adulto me sinto incomodado com algumas coisas que ali vejo serem assumidas com tanta normalidade. No entanto a sua taxa de mortes por assassinato é a mais baixa de todo o planeta [2]. Em 2009 a taxa do Japão neste campo era um terço da taxa portuguesa, que é já bastante baixa."
De resto aconselho vivamente à leitura do artigo de Ferguson, mostra bem como a ciência é o caminho para verdade, mas não é nunca a verdade em si mesmo. Para quem estuda o tema é um artigo obrigatório pela imensidão de artigos e dados compilados.

fevereiro 28, 2013

a loucura do 3D Printing

O hype em redor do 3D Printing não pára, todos os dias chegam à rede novos vídeos e talks sobre o assunto. Ainda há umas semanas aqui tinha falado do livro de Chris Anderson, Makers que trata o assunto. Entretanto no final de Janeiro chegou à rede a talk da Catarina Mota que se foca sobre o 3d Printing. Depois foi a vez do pessoal do The Creators Project falar sobre 3D Printing. E hoje chega o novo vídeo da série OffBook também para nos questionar sobre 3D Printing.

Crania Revolutis (2012) de Joshua Harker

Começando pela Catarina Mota, especialista em práticas open-source e fundadora do altLab, ela esteve no TEDxStockholm em Outubro passado a falar sobre What we can learn from hackerspaces, a talk foi disponibilizada agora em Janeiro. Aqui fala-nos da cultura hacker no que toca a construção e disseminação de ideias no formato de modelos passíveis de serem depois reconstruídos por qualquer pessoa com acesso a uma impressora 3d.

What we can learn from hackerspaces (2013)

Depois o pessoal do The Creators Project lançou o video Leaders Of The 3D Printing Revolution no qual apresenta alguns projectos bastante interessantes, nomeadamente no campo da Moda.

Leaders Of The 3D Printing Revolution (2013)

Entretanto hoje a OffBook lançou um novo episódio inteiramente dedicado ao assunto, mas questionando diretamente, Will 3D Printing Change the World? O documentário repete um pouco o discurso da Catarina e o filme do grupo Creators Project, mas arrisca um pouco mais com os comentários de Joseph Flahertye da Wired no campo da impressao de orgãos humanos entre outras coisas. Uma das coisas menos interessantes de tudo fica a cargo de Michael Weinberg que vem acenar com a discussão do fim do copyright. Não vou estender o assunto agora, mas voltarei a esse tema num texto futuro em maior profundidade.

Will 3D Printing Change the World? (2013)

fevereiro 27, 2013

Programação sim, mas não só

Esta semana chega-nos uma curta da CODE.org, What Most Schools Don't Teach, com depoimentos de Bill Gates, Mark Zuckerberg, Gabe Newell, Drew Houston em conjunto com citações de Steve Jobs e Mike Bloomberg pondo a programação num verdadeiro pedestal. Sou um grande defensor do ensino da programação nas escolas, mas é preciso alguma calma com toda esta euforia. Ainda há poucas semanas tínhamos visto a TED Talk Let's teach kids to code do Mitch Resnick. Utilizar um computador criativamente não se faz apenas programando. Uma grande parte de toda a programação - tempo e recursos - é dedicada a criar interfaces e sistemas que qualquer ser humano possa entender. Não faz sentido pensar que todos precisam de saber programar, para se poder criar. Aliás este entusiasmo vai no sentido do que ainda há dias aqui falava sobre o facto de não ser porque agora todos podem criar filmes, que vamos ter melhores filmes. Percebo que se parte do zero e por isso é preciso aliciar, mas falar em superpowers não é um pouco demais?!


Quanto aos benefícios da aprendizagem da programação, esta pode ser tão benéfica quanto estudar filosofia, porque aquilo que está por detrás da base da algoritmia é o pensamento lógico que tem por base a filosofia evoluído depois com o pensamento matemático. Em termos de benefícios cognitivos, aprender a programar pode ser tão bom como aprender a tocar um instrumento musical (Steele et al, 2013), e sabemos disto há algum tempo, mas nem por isso lhe temos dedicado a devida atenção. Aprender a programar não tem de ser obrigatoriamente mais importante do que aprender a ler uma pauta, do que aprender a criar e a interpretar artefactos audiovisuais, do que aprender retórica, ou do que aprender uma segunda língua estrangeira.

Dizer que todos devem aprender a programar porque o futuro do emprego está aí é uma falácia. Obviamente que precisamos de mais programadores, mas nem por isso vamos precisar de menos criadores de literatura, de filmes, de jogos. Programar é apenas um dos muitos acto criativos que podemos desenvolver, mas não é o único, e muito menos pode existir sem os outros. Estão a imaginar a plataforma YouTube sem quem criasse as imagens em movimento que todos os dias ali são vistas por milhões? Ou o iTunes sem quem criasse música? Ou o Kindle sem quem criasse literatura?




Agora se me dizem que se deveria ensinar nas escolas, sim sem dúvida alguma. As disciplinas de TIC deveriam começar por aqui, e não por ensinar Word ou Dreamweaver. Cada vez teremos mais plataformas facilitadoras da entrada no mundo do publishing online. A essência das tecnologias da comunicação deve ter na sua base a programação porque todo este pensamento facilitará imenso tudo o que vier a seguir no campo das tecnologias. Não para criar génios da programação mas para ganhar um melhor conhecimento daquilo a que obedece cada ferramenta informática. Aqui estou em total acordo com Mitch Resnick.

Mitch Resnick Let's teach kids to code (2013) TED

Mas mesmo aqui não chega a programação, as TIC devem incluir ainda pensamento e processos de criação fomentados pelo Desenho. Ou seja para que exista um bom domínio das TIC são fundamentais estes dois itens na aprendizagem - a programação e o desenho. A falta de qualquer um destes criará sempre um défice no uso mais elaborado das TIC.


Não é à toa que a Comissão Europeia tem vindo a introduzir nos quadros de financiamento à investigação em ICT cada vez mais a componente da Criatividade procurando dessa forma fomentar um maior envolvimento entre as comunidades das artes e das tecnologias. Ensinar Word é irrelevante, porque é através da programação e do desenho que se obtém as bases para poder partir para a criação seja em Word, Dreamweaver, ou Flash/HTML5.

What Most Schools Don't Teach (2013) CODE.org

(Existem duas versões desta curta, a mais pequena só com os grandes nomes e que dura cerca de 5 minutos sendo a mais partilhada. E esta que tem quase 10 minutos mas tem os depoimentos inicias das crianças que são uma delícia, tem alguns depoimentos mais extensos, e tem ainda um professor que fala do Scratch.)

Outros Links de Interesse
Universidade e Emprego, nas Áreas Criativas
TED sobre a criação de escolas melhores

fevereiro 26, 2013

"The Room" e os efeitos free-to-play

The Room (2012) impressionou-me pela qualidade da sua arte que acaba por fazer de um jogo bastante simples de resolução de enigmas um jogo extremamente envolvente e imersivo. Acredito mesmo que essa terá sido uma das razões que mais terá pesado para ter sido eleito o Melhor Jogo do Ano 2012 na App Store pela Apple.


The Room foi criado pela Fireproof, uma empresa especializada no outsourcing de arte, tendo trabalhado para a série LittleBigPlanet (2008, 2011, 2012) ou a DJ Hero (2009, 2010). Numa entrevista na EDGE referem que não tinham pensado fazer o seu primeiro jogo para iPad. Esta ideia terá surgido apenas depois de terem jogado Epic Citadel (2012). Ficaram impressionados com a arte, e eu confesso que também fiquei, Citadel é uma dessas pequenas pérolas visuais que vale a pena jogar apenas para desfrutar da arte visual. The Room apesar de não ter a paisagem e o espaço de Citadel, não fica atrás em nada, aliás em detalhe e atmosfera consegue mesmo ser mais elaborado e por isso mais fascinante.


Mas uma das coisas mais interessantes reveladas na entrevista, foi a decisão de lançar o jogo em versão paga e não free-to-play. Porque chegaram a equacionar a ideia de exigir pagamento pelas ajudas dadas dentro do jogo para a resolução de cada enigmam referindo depois que não o fizeram porque tiveram receio de desvirtuar o gameplay. Ou seja de criar na cabeça do jogador a ideia de que os enigmas eram mais difíceis apenas para obter mais dinheiro pelas ajudas. Isto deixou-me realmente bastante reflexivo porque na verdade consegui imaginar-me nessa situação, e a desistir do jogo caso me pedissem dinheiro por cada ajuda. Ficaria aquela sensação de jogo barato, que apenas está ali para nos sacar dinheiro, e que não está suficientemente preocupado com aquilo que tem para dizer, ou que não acredita suficientemente naquilo que tem para vender.



Por outro lado é como diz Robert Dodd (programador do jogo) se eles não tivessem o seu negócio de outsourcing de arte, provavelmente não teriam arriscado lançar o jogo numa versão paga, já que o os jogos de maior sucesso são praticamente todos Free-to-Play. A realidade é que cada decisão que temos no game design de um jogo pode trazer consigo uma imensidão de efeitos e impactos inesperados na atitude do jogador.

fevereiro 25, 2013

entre a película e o digital

Side by Side (2012) é um documentário interessante sobre o momento de transição que atravessa a indústria cinematográfica a propósito da descontinuação da película e da invasão do digital. O documentário em si nao é nada de especial, falta ritmo e falta densidade informativa. Diz-se pouco de relevante e original sobre o assunto. Mistura-se suporte digital e imagem digital. Acaba por funcionar mais como um documento que permite guardar impressões de alguns dos principais actores no meio desta transição.


O final acaba por ser o melhor, quando se questiona o futuro do cinema, o futuro da película e do digital. As facções emergem, com uns a defender que o único meio de preservação do cinema que garante a sua permanência é a película. Por outro lado gostei de ver Steven Soderbergh a subverter esta ideia feita sobre o poder de preservação da película e a defender que não, que o digital sim permitirá algo que a película nunca permitiu, porque no futuro poderemos reconstituir qualquer obra digital tal como foi criada. O que é verdade, sabemos bem de todos os problemas que temos tido com os restauros de película que nos mostram hoje coisas no cinema que o próprio realizador não viu na altura.


No meio de todas as discussões ainda há tempo para a provocação do costume, sobre os baixos custos e o facto de todos agora poderem produzir um filme. Interessante ver como até aqui as facções emergem. De um lado os que acham que a democratização só trará lixo, do outro alguns que consideram que este é o futuro do meio, a democratização da criação. Desta conversa é impossível não reter a lucidez da afirmação simples e certeira de David Lynch,
"Everybody, and his little brother, has piece of paper and a pencil, but how many great stories have been written on that piece of paper. Now the same thing is going to happen in cinema."

Sobre isto quero apenas dizer que esta é a realidade, claramente que tivemos, temos e continuaremos a ter um incremento na produção audiovisual, tal como tivemos com a literatura, mas isso está longe de querer dizer que vamos ter todas as pessoas a criar, ou que isso per se é condição suficiente para surgirem melhores criações.

fevereiro 23, 2013

TED sobre a criação de escolas melhores

Andreas Schleicher é o director do Program for International Student Assessment, mais conhecido por rankings PISA da OCDE, e traz-nos aqui uma TED talk poderosa, Use Data to Build Better Schools, sobre as revelações que podemos obter através da análise detalhadas dos vários resultados do PISA.


Apresenta uma nova forma de avaliar os dados, realiza comparações no tempo de vários países, incluindo Portugal, e explica o que aconteceu em termos de políticas educativas que originaram as evoluções nos vários países. É um discurso que por vezes choca com algumas das minhas convicções, nomeadamente na questão dos rankings e das diferenças sócio-psicológicas de cada aluno. Mas que assumo aqui que me deixei convencer pelo seu discurso, mais ainda pelas evidências demonstradas e por um discurso que não se encerra num ranking mas reconhece as práticas por detrás desses rankings, como diz Schleicher,
"In the past, different students were taught in similar ways. High performers on PISA embrace diversity with differentiated pedagogical practices. They realize that ordinary students have extraordinary talents, and they personalize learning opportunities. High-performing systems also share clear and ambitious standards across the entire spectrum. Every student knows what matters. Every student knows what's required to be successful."
Para além dos alunos, uma discussão sempre tida é a do investimento na educação em cada país, e aqui temos mais uma abordagem muito interessante. A educação não é apenas uma questão de investir mais do que os outros, mas saber em que é que se deve investir. Os países vivem todos estados evolutivos diferentes e por isso precisam todos de abordagens distintas para poder caminhar no sentido de melhorar os seus resultados. Mas existem vários princípios fundamentais que são aqui lançados por Schleicher e que demonstram o avanço de Portugal nos últimos 20 anos, por outro lado alguns desses princípios parecem-me ter sido postos claramente em jogo no nosso país nos últimos 4 ou 5 anos, tais como,
"Everybody agrees that education is important. Everybody says that. But the test of truth is, how do you weigh that priority against other priorities? How do countries pay their teachers relative to other highly skilled workers? Would you want your child to become a teacher rather than a lawyer? How do the media talk about schools and teachers?"
Para mim isto é fundamental, e é mais uma enorme diferença entre Portugal e os melhores países, o reconhecimento da carreira de professor. Em Portugal o professor perdeu a respeitabilidade, primeiro dos políticos, depois dos media, e claro que a sociedade não ficou indiferente e seguiu-lhe os passos. Se eu não quero que os meus filhos sigam a carreira de professor como é que eu posso esperar ter uma boa educação para os meus filhos nas nossas escolas?! Mais uma vez como diz Schleicher,
"Nowhere does the quality of an education system exceed the quality of its teachers. High-performing systems are very careful in how they recruit and select their teachers and how they train them. They watch how they improve the performances of teachers in difficulties who are struggling, and how they structure teacher pay. They provide an environment also in which teachers work together to frame good practice. And they provide intelligent pathways for teachers to grow in their careers."
Não é isto que temos por cá. Mais, não se trata de ter os melhores porque tiveram as melhores notas, ter os melhores porque são os melhores a promover a aprendizagem. Mas esta promoção não é feita com burocracia insustentável que não deixa espaço ao professor para que ele possa ser criativo nessa promoção. Como diz Schleicher é aqui que está uma enorme diferença, ter professores responsáveis pelo desenvolvimento, criação e inovação das próprias práticas pedagógicas.
In bureaucratic school systems, teachers are often left alone in classrooms with a lot of prescription on what they should be teaching. High-performing systems are very clear what good performance is. They set very ambitious standards, but then they enable their teachers to figure out, what do I need to teach to my students today? The past was about delivered wisdom in education. Now the challenge is to enable user-generated wisdom.
High performers have moved on from professional or from administrative forms of accountability and control sort of, how do you check whether people do what they're supposed to do in education to professional forms of work organization. They enable their teachers to make innovations in pedagogy. They provide them with the kind of development they need to develop stronger pedagogical practices.

um vídeo DIY sobre criação DIY

Pequeno documentário brilhante sobre uma estilista brasileira que cria de modo totalmente independente e assente sobre os princípios do DIY. O documentário é em si mesmo uma homenagem a esses princípios da estilista buscando emular todo o lado manual, artesanal e bastante íntimo das técnicas criativas. A ver e a rever.


Helen Rodel diz, "quero desconstruir a ideia que as pessoas têm do tricô e do crochê" e com isto apenas lançou-se num modelo inovador criando uma nova corrente com recurso a duas técnicas manuais que tinham caído em desuso. Foi este detalhe, de repescar o antigo e torná-lo novo, que diferenciou o seu trabalho e lançou a sua carreira a nível internacional. O documentário apresenta estas ideias, e deixa-nos entrar um bocadinho adentro das ideias da estilista e do seu dia-a-dia marcadamente organizado em redor de aspectos criativos.

Helen Rödel (2011) de Estudos MMXI

fevereiro 22, 2013

Universidade e Emprego, nas Áreas Criativas

Trago uma discussão sobre a importância do ensino superior porque se vai ouvindo um discurso nas áreas criativas - das artes à informática - que vende a ideia de que um curso superior não serve para nada, que é tempo perdido. Aponta-se o facto de que quem dá aulas não trabalha na indústria, logo seguido da ideia de que à indústria interessa apenas a experiência do saber fazer. E podemos até elencar vários casos de sucesso nacionais e internacionais, o único problema é que estes casos são as exceções, e não a regra.


Este é um assunto que me diz directamente respeito, na medida em que trabalho na academia no ensino de áreas criativas. É um assunto sobre o qual reflicto continuadamente. Todos os anos me questiono se os cursos que temos na Universidade reflectem as necessidades da sociedade, se o que estes oferecem representam uma mais valia para o estudante, se o modo como abordo cada assunto é suficientemente envolvente para levar à compreensão do que está em questão. Neste sentido este texto surge motivado por alguns textos recentes que li a propósito dos cursos superiores de videojogos [1, 2, 3] assim como a partir de tudo aquilo que me ocupa muitas vezes a mente sobre este assunto.

Primeiro quero separar o discurso americano do discurso Europeu. Se me perguntarem se vale a pena fazer um curso superior em jogos, jornalismo, cinema ou pintura pagando propinas no valor de 100 mil dólares, como se discute no Kill Screen Daily, provavelmente terei de responder que não. A razão é simples, a educação de uma pessoa não é algo que serve apenas aquela pessoa em particular, serve toda a sociedade desde a família dessa pessoa, à empresa mais sofisticada deste país. Nesse sentido, obrigar uma pessoa a endividar-se para a vida para fazer um curso superior é uma aberração. Isto não é o que temos na Europa, e espero que nunca venhamos a ter. Pagar três mil euros por um curso superior completo é dinheiro mas convenhamos que é ainda um preço simbólico. Assim deixo algumas razões iniciais para se fazer um curso superior nos dias de hoje:
  1. A educação cria espaço para o erro, e tempo para aprender com este. Isto é fundamental num diploma, porque garante ao empregador que quem está à sua frente já investiu tempo, aprendendo com os erros. O diplomado é alguém que vai errar menos e perder menos tempo a aprender.
  2. O diploma é ainda um selo de garantia para o empregador de que a pessoa que está à sua frente é capaz de assumir tarefas/projectos de longo termo e levá-las até ao final. Algo que não é de somenos, tendo em conta que um dos maiores problemas nas áreas criativas surge na elevada taxa de projetos iniciados versus terminados.
  3. A experiência não ensina teoria, mas a teoria ajuda a compreender a experiência em maior profundidade. Permite melhorar as suas competências em profundidade, e não apenas em extensão. Não se trata de saber mais, trata-se de compreender a essência da actividade, para com isso ganhar autonomia e independência crítica.
  4. A turma de alunos serve de referencial entre iguais, com os mesmos sonhos criativos. É a comunidade que permite ao aluno encontrar-se. Descobrir aquilo em que é bom, ou em que é melhor que os seus pares.
O ponto 3 é dos mais importantes porque serve para responder a algum discurso que sempre existiu, mas que se vem afirmando ainda mais com a erosão criada pela extinção do movimento industrial e a abertura de uma nova economia baseada nos sistemas de informação e comunicação. E ainda pela ausência de reconhecimento por parte de metodologias herdadas do modelo industrial que professavam um ensino igual para todos, fazendo tábua rasa das claras diferença existentes entre indivíduos. Este discurso, defendido por pessoas como Ken Robinson, Ivan Illich ou Alvin Toffler, diz-nos que a Escola é uma instituição assente em valores errados, porque professa uma formatação das mentes de modo igual. Diz-nos que é algo que foi promovido pela revolução industrial, para criar pessoas bem comportadas para trabalhar em linhas de montagem, ou seja autómatos desprovidos de espírito crítico.


Ora isto corresponde cada vez menos à realidade. Se é verdade que a componente de avaliação realizada por exames escritos se encaixa neste padrão, as mudanças que vêm surgindo nos últimos tempos com a evolução dos métodos de avaliação a tornarem-se cada vez mais abertos, e mais preocupados com os processos de construção do que com os resultados finais alterou muito disto. Nomeadamente nas áreas criativas onde raramente se trabalha com exames escritos. O projecto é aqui a referência, porque é este que nos permite avaliar, não apenas a competência concreta, mas a evolução da competência, e o seu contexto. É possível desta forma compreender se o aluno está preparado para continuar a evoluir, mesmo que o resultado final não seja tão bom com o dos colegas. Porque é na Universidade que se falha, e por isso não é relevante se o aluno acerta, o que é importante é que tenha compreendido o processo que o levou a falhar.


Mas mais do que isto. Existe uma necessidade absoluta das pessoas se encontrarem nas escolas entre iguais. De perceberem o que os diferencia. De compreenderem em que medida podem fazer diferente ou melhor. A teoria que se ensina numa Universidade, não cria mentes que pensam todas da mesma forma. Antes pelo contrário é a experiência sem substrato teórico que cria a mesma e única forma de compreender a realidade. Sem a teorização não se consegue compreender a essência do que está em causa, e por isso só em raras excepções a inovação surge da mera experiência. A teorização realizada num âmbito universitário procura antes de mais explodir o status quo das ideias canónicas. Procura demonstrar que existe A mas também existe B, e que nenhuma das duas é mais relevante, porque cada uma têm as suas abordagens, perspectivas, contextos, e histórias. Cabe ao aluno compreender e crescer criticamente, e é nesse sentido, que vem o que cito a seguir de Jeff Parrott,
"Vocês precisam não só de passar pela escola e pela criação artística, mas precisam de se destacar, ir além do que vos é pedido." [1]
Ou seja, um dos maiores problemas do aluno que sai de uma Universidade no século XXI é que já não chega ter um diploma que certifica competências. É preciso que além dessas competências, a pessoa se diferencie, se evidencie em algum elemento da área em que se formou. A diferença face a século XX está na massificação de pessoas com o mesmo curso superior. Nesse sentido, não chega saber muito de uma grande área, porque temos muitas pessoas a saber muito de uma grande área. É preciso além disso que essa pessoa se diferencie, se destaque em algum componente da grande área em que se formou.

Ou seja, o drama de um aluno do ensino superior hoje, não pode ser tirar boas notas para ser o melhor aluno ou evitar chumbar para poder terminar o grau. Chamo drama porque trata-se de algo muito mais interno e pessoal do que exteriorização numa tabela de notas. É um conflito interno que passa por encontrar-se e transformar-se, assumir uma identidade definida, delineada e distinta. Um aluno que no final dos três anos tem um grau, mas não sabe em que é que pode fazer a diferença, dificilmente conseguirá um emprego duradouro e no campo do curso que frequentou. Nesse sentido ficam algumas ideias sobre como proceder para se encontrar, para se transformar, para ir além daquilo que a Universidade garante e conseguir mais facilmente uma posição no mercado.

- Identidade Virtual - 
Colocar online o trabalho que se vai fazendo, tendo o cuidado de apenas escolher o melhor (Site pessoal, Fóruns e Grupos Online). Dar-se a conhecer e promover o seu trabalho, permite não só construir uma identidade reconhecida pelos outros como permite através do feedback recebido compreender se está na boa direcção ou não.
Alguns fóruns são frequentados por profissionais da área, nesse sentido temos ali uma oportunidade de perceber melhor o nosso potencial. Escrever em fóruns não deve contudo ser encarado como algo menor e aonde se faz o que nos apetece sob o manto do anonimato. Antes pelo contrário é preciso dar-se a conhecer com um grande sentido de humildade, demonstrar vontade de aprender, sempre.

- Consumo, quase obsessivo, da Área - 
É um dos pontos mais relevantes na definição da identidade. É preciso devorar tudo o que se faz na área em que nos movemos - seja videojogos, cinema, pintura, jornalismo, design, etc. Por várias razões:
  • Para ter a sorte de encontrar o clique que nos fará mover em termos criativos. Quase todos os criadores têm um artefacto que lhes fez a uma determinada altura da vida tomar decisões e enveredar por A ou B.
  • Para conhecer o que se faz na área, e compreender o que define a qualidade dos artefactos da área.
  • Para compreender o que está em falta na área, ou aquilo em que existem ainda poucas pessoas a trabalhar.

- Trabalho em Equipa -
Ser capaz de trabalhar em equipa é de extrema relevância porque nenhuma profissão permite que vivamos isoladamente. Isto requer uma grande dose de inteligência social que é importante adquirir enquanto se está na Universidade. Ser capaz de compreender o outro e fazer cedências ajuda a optimizar processos, ajuda a conseguir resultados de forma mais eficaz, e com tudo isto ganhar reconhecimento dos pares.

- Amigos Pares -
Ter um grupo de amigos na área de trabalho é extremamente relevante para se pode obter o feedback mais honesto e sincero possível ao nosso trabalho. É este feedback que nos mantém ativos, e é este que nos vai moldando, empurrando para a área em que somos, ou poderemos vir a ser, bons.

- Criar, Criar, Criar - 
A Universidade requer a realização de trabalhos, testes e projectos mas existem ao longo de um ano imensos tempos de pausa, nas paragens das aulas, nas férias, nos fins-de-semana, e até mesmo na fase em que as aulas são mais expositivas e requerem menos entregas. É preciso criar, sempre, nunca parar. Investir na criação contínua é o único ponto numa actividade criativa que não pode nunca ser dispensado. Sem ele não existe criador. Porque só o trabalhado continuado permite evoluir na arte, o que juntamente com o feedback que se vai recebendo garante a prossecução do caminho para a melhor definição de si.



Pode parecer complicado mas é muito menos do que parece. Depende apenas de nós. Não é preciso fazer tudo o que digo aqui. Somos todos diferentes, e vemos todos o mundo de formas diferentes. Para uns fará mais sentido uns pontos, para outros outros pontos, e para outros ainda pode até fazer tudo sentido. Acima de tudo interessa muita dedicação e paixão pelo caminho que se trilha, que não seja motivado por um mero ordenado no final do percurso, mas apenas e só por crescer enquanto ser humano.


[1] Day zero: Tips for starting out as a game artist, in Gamasutra, 2013
[2] What Game Students Should Know Already, In GameTheory, 2010
[3] Do game designers actually need to go to school?, in KillScreen Daily, 2013

fevereiro 20, 2013

processo criativo, dos 2 aos 25 anos

Marc Allante surgiu na rede com uma nova técnica de pintura que se tornou viral ao longo do último ano e que ficou conhecida por Colourful Dripping Wet, (ver no exemplo A Portrait of Hong Kong). Allante é um artista de 25 anos autodidacta, residente em Hong Kong.

A Portrait of Hong Kong, (2012), Marc Allante

Esta técnica produz resultados muito interessantes, mas o que me levou a fazer este texto, não foi propriamente a técnica, mas antes um texto de Allante no seu blog sobre a evolução da sua arte, em jeito de comemoração do seu sucesso online ao fim de um ano. O texto é muitíssimo interessante porque aparece ilustrado com uma selecção de desenhos seus criados a partir da idade de 2 anos.

É a primeira vez que tenho oportunidade de admirar a evolução natural no tempo de um ilustrador. E o essencial que podemos extrair desta análise é que o talento não existe, o que existe é apenas e só uma vontade continuada de prática deliberada criativa [1]. Tudo isto num processo criativo que evolui, amadurece e nunca pára de se transformar. Não existe magia, nem qualquer talento divino. A criação artística não acontece por acaso, é antes fruto de anos de dedicação séria [1]. Ficam as imagens, no sítio do autor é possível ter mais informação sobre cada uma das imagens.

2 anos

3 anos

4 anos

5 anos

6 anos

7 anos

8 anos

9 anos

10 anos

11 anos

13 anos

14 anos

15 anos

16 anos

17 anos

19 anos

20 anos

22 anos

23 anos

24 anos

25 anos


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