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fevereiro 11, 2014

o excedente cognitivo de Shirky

Clay Shirky é professor de media na NYU e reconhecido como um grande defensor das tecnologias sociais baseadas na Internet. As ideias apresentadas em, "Cognitive Surplus: Creativity and Generosity in a Connected Age" (2011), são a algumas passagens bastante interessantes e relevantes, nomeadamente porque apresentam um discurso optimista contra alguns ataques mais pessimistas relativos ao efeitos destas novas tecnologias. No entanto, o discurso de tão optimista leva Shirky a trabalhar alguns aspectos sociais, que regulam muito das nossas vidas, de um modo por vezes demasiado ligeiro.


De forma sucinta, o excedente cognitivo de que Shriky nos fala, é o tempo que hoje gastamos na internet a interagir, a criar, e a partilhar, em vez de ficar sentados no sofá a ver televisão. O problema com esta abordagem é que esquece que nem sempre as pessoas querem interagir, nem agir, e menos ainda criar. Somos definidos por um conjunto de modos e comportamentos, que se vão alterando ao longo de um dia, semana, ou meses.

Porque quando se trabalhou arduamente ao longo de um dia, no final desse dia resta pouca energia para continuar a empurrar ideias e ações para fora de si! Ou seja, uma coisa que Shirky nunca fala é sobre a economia por detrás de todos esses comportamentos de produção criativa. Todos os exemplos dados por Shirky são servidos por "modelos do grátis", dependendo de pessoas que podem apoiar com o seu tempo livre, suportado noutras fontes de rendimento, a criação e partilha.

Ao mesmo tempo, e apesar da atividade criativa e de partilha nos realizar, não podemos criar sem consumir. Supor que todas as tecnologias de comunicação do futuro obedecerão a paradigmas de comunicação bidirecional, está longe de ser uma realidade palpável. E a questão não é de sermos ou não nativos digitais, a questão é muito mais simples que isso, a interação é um estado distinto da introspecção.

De qualquer forma Shirky acaba por tocar em várias ideias interessantes a propósito da sociedade criativa, e das novas possibilidades abertas pelas comunicação via internet. Ainda assim ideias que precisam de ser lidas com alguma contenção, já que o discurso da democratização do acesso às tecnologias esquece, por demasiadas vezes, que a criação não é feita pela tecnologia mas pelas pessoas. Como dizia Franny Armstrong, uma documentarista britânica citada por Evgeny Morozov,
"Yes, the internet is democratizing in that sense that the cheap equipment is democratizing. But just because a football is cheap and anyone can kick one around, it doesn’t mean that everybody is Ronaldo
Deste modo o que me interessa neste discurso, não é a democratização do acesso, mas a democratização da experiência e o seu potencial feedback imediato. Ou seja, as tecnologias criativas abriram novos caminhos para que qualquer um possa tentar uma ampla gama de atividades criativas e assim descobrir pela experiência, o que mais diretamente fala consigo. Num mundo de muitas escolhas, poder experimentar sem investir muito esforço é importante, porque pode contribuir para conduzir as pessoas a encontrar os seus próprios talentos.

O facto de muitas destas tecnologias estarem em rede, e incentivarem a partilha, abre a possibilidade de obtenção de feedback imediato às criações. Apesar das reacções online poderem nem sempre vir das melhores referências, nem com as melhores intenções, elas poderão contribuir para manter o interesse em continuar a via criativa. A atividade criativa depende fortemente do feedback, que deve ser filtrado em função da sua origem (se é um par com trabalho efectivo na área ou não), porque só este pode ajudar no processo de auto-aprendizagem. O feedback contribui para levar a pessoa a investir e a repetir o exercício de técnicas menos conseguidas, assim como descobrir os caminhos em que melhor se exprime. O feedback é uma das peças da atividade criativa que a rede veio tornar mais acessível.

No final, o assunto aqui discutido não tem apenas uma abordagem ou uma resposta, nem sequer uma posição correta. Aproximar o tema com preconceito é fácil, por isso Shirky acaba afirmando, "Proponents of the new and defenders of the old can’t merely discuss the transition, because each group has systematic biases that make its overall vision untrustworthy". Estamos a viver esta mudança na nossa sociedade agora, dentro de alguns anos, quando olharmos para trás, vamos com certeza rir de muitas das nossas ideias ingénuas, assim como de muitos dos nossos receios.

outubro 11, 2013

a Ciência por detrás da Arte

“The Art Instinct” de Denis Dutton é um livro de grande relevância, pela forma revolucionária como discute o complexo conceito de arte. Para dar uma ideia da extensão do interesse que este livro gerou, posso dizer que extraí doze páginas de excertos e notas do mesmo. O livro saiu em 2009, e apenas um ano depois, Denis Dutton deixava-nos, vítima de cancro, com apenas 66 anos.


Começando pelo título, Dutton assume que este é uma espécie de homenagem ao trabalho de Steven Pinker, e ao sua obra The Language Instinct (1994). As referências ao longo do livro a Pinker são muitas, diria quase na mesma proporção em que se cita Darwin. Por isso não é de estranhar que Pinker se apresente como um dos mais fervorosos adeptos da teorização da arte apresentada por Dutton, sendo citado na contracapa dizendo,
"This book marks out the future of the humanities - connecting aesthetics and criticism to an understanding of human nature from the cognitive and biological sciences."
Não posso deixar de estar em acordo com Pinker. O trabalho levado a cabo por Dutton é de uma relevância enorme, quando vivemos tempo complexos no seio das humanidades. Quando as humanidades lutam pela sua afirmação, e até manutenção no mundo académico. É chegado o tempo das humanidades avançarem e abraçarem o pensamento científico. Nada me tem incomodado mais ao longo da minha investigação científica, do que a frustração vivida com a impossibilidade de aproximar o discurso académico das artes ao discurso científico. Sempre acreditei, e temos aqui um trabalho que vem suportar esta ideia em toda a linha, que as artes, assim como as humanidades em geral, precisavam de se suportar num forte discurso científico. Que não era sustentável a simples ideia de se apresentar como uma abordagem diferente ao pensamento. Porque na verdade, um investigador, ou desenvolve ciência, ou limita-se ao discurso popular, sem necessidades de evidência, lógicas dedutiva ou indutiva, empirismo quantitativo ou qualitativo... Para quem estiver interessado nesta discussão de fundo sobre as Humanidades e a Ciência, aconselho vivamente o artigo "Science is not your Enemy" (2013) de Steven Pinker no New Republic.

Quando analisamos muito do trabalho académico nas artes, nomeadamente no estudos de cinema, fotografia, pintura ou videojogos o que vemos são meras discussões tópicas carregadas de subjetivismo, sem qualquer suporte de base científica que possa aferir o que se vai dizendo. A escrita académica nestas áreas, só se separa da escrita popular sobre os mesmos temas, na quantidade de texto e erudição apresentada. É verdade que alguns destes textos se destacam por apresentar pensamento, por digerirem ideias e assunções sobre o mundo em muito maior profundidade, e por vezes com um carácter profundamente pedagógico. Mas a sua validade deixa sempre muito a desejar, porque quase tudo se baseia no ínfimo ponto de vista, que é o de quem analisa, que se limita a apresentar a sua visão, e a dizer aos outros, ‘acreditem em mim, porque eu consigo ver o que os outros não conseguem’.

Foi exatamente contra isto que se moveram os estudos fílmicos nos últimos 20 anos, fartos de tanta diarreia mental e orgasmos em prosa. Um dos seus maiores impulsionadores, David Bordwell trouxe a psicologia e as ciências cognitivas para o estudo do cinema, e desde então estes nunca mais foram os mesmos. Hoje podemos estudar o cinema, analisar um filme, estudar a carreira de um realizador, seguindo abordagens e metodologias de base científica, apresentando evidências muito objectivas daquilo que queremos demonstrar na obra.

Ora Dutton vai neste livro muito mais longe que Bordwell. Dutton não se limita à psicologia tal como a discutimos hoje, mas arrisca a entrar numa das áreas da psicologia mais controversas das últimas duas décadas, a Psicologia Evolucionária. Este ramo da psicologia preocupa-se essencialmente em encontrar evidências que suportem os comportamentos humanos na biologia. Ou seja, estuda-se de que forma aquilo que somos mentalmente, é o resultado de adaptações ao longo do processo evolucionário, baseado na teorização da Selecção Natural e Sexual de Darwin. No fundo, começámos a perceber que tudo aquilo que somos é fruto de uma necessidade adaptativa ao mundo que nos rodeia, no sentido de garantir a nossa sobrevivência como espécie. Daí os instintos básicos de comer para manter vivo, de reproduzir para impedir a extinção da espécie, e das emoções que nos alertam para os perigos e dão cola aos laços sociais que são essenciais para uma espécie mamífera que só consegue sobreviver em grupo. O que se pensa é que todo o nosso comportamento instintivo foi moldado tendo por base estas necessidades. Mas porque é controversa esta abordagem?

Porque não pode demonstrar experimentalmente a evidência daquilo que afirma. Não podemos regressar ao tempo em que a espécie humana foi gerada, nem podemos mostrar com provas físicas os processos. Aliás, este problema é o mesmo de que padece a teoria da Selecção Natural, e por isso vai sendo atacada aqui e ali, nomeadamente por interesses mais ligados à religião. Apesar disso, esta abordagem da psicologia é respeitada por muitos de nós, porque apesar de não possuirmos evidência empírica, as teorias apresentadas são fruto de todo um raciocínio lógico de base dedutivo. Além disso, não se limitam a um mero exercício de dedução, estes exercícios são depois ainda validados em confronto com os casos inter-culturais. Ou seja, cada evidência de adaptatividade de comportamento humano na espécie é sempre confrontado com a universalidade do comportamento no planeta, para poder aferir se este tem uma base biológica ou não. Esta abordagem fica desde logo explícita na abertura do livro de Dutton quando este diz,
“The universality of art and artistic behaviors, their spontaneous appearance everywhere across the globe and through recorded human history, and the fact that in most cases they can be easily recognized as artistic across cultures suggest that they derive from a natural, innate source: a universal human psychology.”
Esta universalidade do fenómeno da arte na espécie humana, é algo a que Dutton dedica os primeiros dois capítulos. No primeiro começa por introduzir-nos à ideia do "gosto universal" através do estudo de Alexander Melamid, "Painting by Numbers". No segundo realiza uma colagem ao trabalho de Pinker sobre a linguagem, mas não se limita a colar os discursos, porque pega na linguagem como gramática instintiva e desenvolve-a para um sentido artístico instintivo. Depois Dutton dedica uma boa parte a encontrar também evidências desta universalidade no discurso de alguns dos maiores estetas da história, como Aristóteles e David Hume.

Mas é depois no capítulo seguinte (3) que vamos poder encontrar o cerne do livro. Depois de defender a universalidade do ímpeto criador artístico, Dutton lança-se na sua definição da arte, sem antes disso convocar e criticar as definições de grandes nomes da estética como Kant, Tolstoi e Clive Bell. Para dar resposta às suas críticas e objeções às definições da arte, Dutton apresenta uma definição pouco usual, mas provavelmente a mais completa que podemos encontrar. A sua definição é espartilhada por 12 critérios que permitem aferir se uma obra é arte, ou não é. Com isto procura tornar o discurso mais sustentado e objectivo possível. E como ele diz, o importante de qualquer definição filosófica de arte, não deve ser procurar responder às grandes obras, mais difíceis, esotéricas ou inqualificáveis (como os readymades de Duchamps ou o 4'33” de John Cage), mas antes se deve centrar sobre uma “abordagem que trate a arte como um campo de atividades, objetos e experiências que aparecem de forma natural na vida humana”. Dutton, defende claramente a arte de um ponto de vista naturalista, destituído de preâmbulos que procuram justificar o aparente inexplicável. Assim os 12 critérios apresentados por Dutton, são,
"1. Direct pleasure.The art object - narrative story, crafted artifact, or visual and aural performance - is valued as a source of immediate experiential pleasure in itself, and not essentially for its utility in producing something else that is either useful or pleasurable.

2. Skill and virtuosity.The making of the object or the performance requires and demonstrates the exercise of specialized skills. These skills learned in an apprentice tradition in some societies or in others picked up by anyone who finds that she or he “has a knack” for them.

3. Style.Objects and performances in all art forms are made in recognizable styles, according to rules of form, composition, or expression. Style provides a stable, predictable, “normal” background against which artists may create elements of novelty and expressive surprise.

4. Novelty and creativity.Art is valued, and praised, for its novelty, creativity, originality, and capacity to surprise its audience. Creativity includes both the attention-grabbing function of art (a major component its entertainment value) and the artist’s perhaps less jolting capacity explore the deeper possibilities of a medium or theme.

5. Criticism.Wherever artistic forms are found, they exist alongside some kind of critical language of judgment and appreciation, simple more likely, elaborate.

6. Representation.In widely varying degrees of naturalism, art objects, including sculptures, paintings, and oral and written narratives, and sometimes even music, represent or imitate real and imaginary of the world.

7. Special focus.Works of art and artistic performances tend to bracketed off from ordinary life, made a separate and dramatic focus experience.

8. Expressive individuality.The potential to express individual personality is generally latent in art practices, whether or not it is fully achieved. Where what counts as achievement in a productive activity is vague and open-ended, as in the arts, the demand expressive individuality seems inevitably to arise.

9. Emotional saturation.In varying degrees, the experience of works of art is shot through with emotion. 

10. Intellectual challenge. Works of art tend to be designed to utilize combined variety of human perceptual and intellectual capacities to the full extent; indeed, the best works stretch them beyond ordinary limits. 

11. Art traditions and institutions.Art objects and per for mances, as much in small-scale oral cultures as in literate civilizations, are created and to a degree given significance by their place in the history and traditions of their art.

12. Imaginative experience. Finally, and perhaps the most important characteristics on this list, objects of art essentially provide an imaginative experience for both producers and audiences. Kant insisted that a work of art is a “presentation” offered up to an imagination that appreciates it irrespective of the existence of a represented object: for Kant, works of art are imaginative objects subject to disinterested contemplation."
Ao longo do livro Dutton vai insistir na primazia do último critério. Porque para ele, a arte só pode existir enquanto capacitadora de experiências. Algo que não é alheio a um grande grupo de estetas, como Kant, mas como ainda esta semana tivemos oportunidade de ver numa frase que circulou na web, de Brian Eno, e que deixo aqui a imagem como referência:

“Stop thinking about art works as objects, and start thinking about them as triggers for experiences.” 
UPDATE: Esta frase foi originalmente proferida por Roy Ascott.

Mas Dutton não nos fala do mero prazer que a experiência reproduz em nós, das descargas de dopamina despejadas sobre os nossos neurónios que nos satisfazem a felicidade. Dutton afirma o valor da experiência, como um processo que se constrói, não como um mero momento resultante.
“The arts intensify experience, enhance it, extend it in time, and make it coherent. Even when they replace it, they do not jump to a pleasure-moment of the human organism and provide that as a surrogate everything else (..) Every great work of art is, like climbing a mountain, about specific process of experiencing it - it is not about inducing some momentary pleasure experience that results from experiencing it. Were the case, pills really would do the trick.”
Para suportar esta ideia de experiência imaginada, Dutton suporta grandemente a sua conceptualização nos mais recentes trabalhos que se têm desenvolvido à volta do storytelling, e dos estudos evolucionários sobre a importância deste para a nossa espécie. Neste sentido faz um resenha muito interessante do valor da ficção para o humano, que acaba suportando o valor da própria arte para a espécie.
"1. Stories provide low-cost, low-risk surrogate experience. They satisfy a need to experiment with answers to “what if?” questions that focus on the problems, threats, and opportunities life might have thrown before our ancestors, or might throw before us, both as individuals and as collectives. Fictions are preparations for life and its surprises.

2. Stories - whether overtly fictional, mythological, or representing real events - can be richly instructive sources of factual putatively factual) information. The didactic purpose of storytelling is diminished in literate cultures, but by providing vivid and memorable way of communicating information, likely had actual survival benefits in the Pleistocene.

3. Stories encourage us to explore the points of view, beliefs, and values of other human minds, inculcating potentially adaptive interpersonal and social capacities. They extend mind-reading capabilities that begin in infancy and come full flower in adult sociality. Stories provide regulation for behavior."
Mas o mais interessante, acaba sendo a forma como Dutton, seguindo Pinker, vai juntar à Selecção Natural de Darwin, uma das teorias mais contestadas de Darwin, a Selecção Sexual enunciada num dos seus últimos livros, “The Descent of Man, and Selection in Relation to Sex” (1871). Darwin acreditava que a mente não passava de um ornamento sexual, no sentido em que ela vai sendo selecionada num processo evolutivo, através das suas capacidades para exercer charme, fascínio e sedução. Pinker também realiza este trabalho sobre a evolução do instinto da linguagem, percebendo a sua evolução como fruto de um processo de seleção sexual, em que o mais hábil e capaz no exercício da linguagem acaba sendo preferido para acasalar. Mas é Dutton quem acaba a dar uma espécie de remate final para a sustentação desta teorização, quando centra sobre este ponto as razões pelas quais a beleza remete constantemente para o opulento e para o desperdício,
“• Works of art will frequently be made of rare or expensive materials: silver and gold, clear jade, marble that is difficult to transport, jewels, fine hardwoods, unusual pigments, and rare dyes, such as the Tyrian purple of classical antiquity.

• Works of art should be very time-consuming to create. In that sense, they may demonstrate that the maker has leisure — conspicuous leisure — in a way that indirectly indicates that possesses wealth or status.

• Even if a work of art is quickly executed, the skills to make it should have been time-consuming or difficult to acquire. (skills are often manual, showing fine motor control or dexterity: “He’d painted every hair” or “She never missed a note.”)

• The created work of art may be more impressive if it is remote from any possible use. Expensive and useful can be very pleasant, but expensive and useless might well be much better.” 

• A sense of waste, and therefore handicap, can be emphasized channeling resources into work that is this fleeting: the perfect centerpiece for an expensive dinner party may be a poignantly lovely ice sculpture. Marble is fine, but ice can be even better from the standpoint of signal theory. 

• In addition to time, works of art will have required special intellectual or creative effort to create. The sheer brains and energy needed to produce Picasso’s or Wagner’s oeuvre is bound, the Pyramids, to impress us. “
Dutton não fecha esta abordagem sem antes aprofundar mais o tema e ir ainda mais longe na base de todo o processo para o qual contribui a selecção sexual, defendendo que no processo da arte, não está apenas em causa um contributo para o acasalamento e reprodução, mas acima de tudo um processo de comunhão, e de selecção do mais capaz, não apenas fisicamente mas também mentalmente.
“We find beautiful artifacts - carvings, poems, stories, arias - captivating because at a profound level we sense that they take us into the minds that made them. This sense of communion, even of intimacy, with other personalities may be erroneous - even systematically delusional - but the self-domestication of sexual selection was not about truth; it was about living the richer sociality that would carry on the human species and allow it to flourish. That too defines success, for the survival not just of the physically strongest but of the cleverest, wittiest, and wisest. If along the way this amazing process has given us Lascaux, Homer, Cervantes, Chopin, Stravinsky, and The Simpsons, as well as minds to appreciate and take pleasure in them, then so much the better."
Quase no final do livro Dutton volta ao tema, que é para mim muito caro, o da comunhão e comunicação, afirmando algo com o qual não poderia estar mais de acordo,
“Extending Darwin’s original suggestion, I believe that this intense interest in art as emotional expression derives from wanting to see through art into another human personality: it springs from a desire for knowledge of another person.”
A Arte é assim fruto de um processo evolutivo, que se originou lá atrás no processo de desenvolvimento da nossa espécie. A arte, tal como todas as outras tecnologias que fomos desenvolvendo, serve assim de elemento essencial na sobrevivência da espécie. A arte não é dispensável, a arte não é uma perda de tempo, a arte é um bem da humanidade, capaz de nos elevar mentalmente e levar aonde nenhum outro processo mental consegue. Aliás, não é por acaso, este mais recente interesse das academias de ciências pela arte. A necessidade de juntar a arte à tecnologia, revela que é na arte que reside a nossa capacidade para nos transcendermos intelectualmente.
We remain like our ancestors in admiring high skill and virtuosity. We find stylish personal expression arresting, well as the sheer wonder of seeing the creation of something new. Art’s imaginary worlds are still vivid in the theater of the mind, saturated with most affecting emotions, the focus of rapt attention, offering intellectual challenges that give pleasure in being mastered. And over all this, we still share with our ancestors a feeling of recognition and communion with other human beings through the medium of art.

Notas finais:
O livro apresenta ainda mais alguns pontos interessantes, mas que me parecem de algum modo colaterais ao centro da discussão. Apesar disso julgo que podem interessar a quem estuda cada um dos temas.
  • Autenticidade, e o falso na obra de arte. Este assunto é tratado em profundidade, porque pelo que percebi foi um dos assuntos em que Dutton investiu bastante do ponto de vista académico.
  • Análise do sentido do Olfacto. Um assunto muito interessante, nomeadamente para quem se move no campo do multimédia. Sinto que Dutton tem alguma razão na maior parte da sua argumentação sobre as impossibilidades estéticas dos aromas e cheiro. Nomeadamente quando compara este sentido aos demais, destacando a dificuldade em discernir escalas de valor, e em separar experiências.

Mais informação sobre o livro na página www.theartinstinct.com.

Para esta análise foi utilizada a edição da Oxford, mas entretanto o livro foi traduzido e lançado em Portugal pela Temas e Debates, sob o título "Arte e Instinto".

setembro 13, 2013

Em defesa das Guildas

Este texto surge no seguimento da leitura de The Craftsman” de Richard Sennett. As Guildas surgem na Idade Média alta (século XI) e vão durar até à Revolução Industrial. Em Portugal ficaram conhecidas como Mesteirais ou Mesteres (de mestres). As Guildas eram organizações que ligavam os criadores de cada arte ou profissão, por um juramento de entreajuda e de defesa mútua. Uma espécie de confraria, associação profissional, ou aquilo que hoje podemos designar de Ordem (Ordem dos Arquitetos, etc.).

The Sampling Officials (1662) de Rembrandt. Retrato dos oficiais de uma guilda de desenho de roupas de Amsterdão.

As guildas tinham vários objectivos, mas essencialmente garantiam a estabilidade da arte. Para isso definiam regras para a relação entre Mestre e Aprendiz, tal como a duração da aprendizagem, o seu custo, NDAs, e as provas a prestar no final. As provas finais consistiam na criação da chamada Obra-Prima, ou seja no melhor que estes conseguiam desenvolver após os 5 anos de aprendizagem, e que era depois avaliado pelos oficiais da guilda. Esta avaliação tinha efeitos para o aprendiz, assim como para o mestre. Esta relação de proximidade, estabelecida ao longo do tempo, permitia que o conhecimento acumulado de modo tácito pelo mestre, pelo saber-fazer, fosse passado através do exemplo e da imitação. Por outro lado, as guildas impediam que quem não lhes pertencesse pudesse praticar a arte. Deste modo garantiam que fazia sentido investir anos na relação com um Mestre, para depois conseguir o seu próprio meio de subsistência.

Carta de Ligação entre Mestre e Aprendiz, regulamentada pela guilda “The Goldsmiths’ Company”, criada em 1300 e ainda existente hoje em UK.

A duração da aprendizagem
A média de 5 anos instituída desde a Idade Média, responde à questão que recentemente foi levantada por vários estudos (Ericsson, 1993), e que tem sido amplamente citado por vários autores, como Gladwell, Colvin, e Sennett. Ou seja, para se poder pertencer a uma guilda, precisávamos de passar 5 anos no nível de Aprendiz, já estávamos a falar das 10 mil horas. No final destes anos, o Aprendiz passava à condição de Assalariado, podendo exigir dinheiro ao dia, pelo seu trabalho, para tal tinha de partir em busca de trabalho por outras cidades. Precisaria de realizar trabalho consecutivo durante mais 3 anos, dando provas no terreno, da sua arte, que eram avaliadas pelos oficiais da guilda, para poder então assumir o lugar de Mestre, ou seja abrir o seu próprio estabelecimento, e passar a ensinar outros.

O nascimento da universidade europeia
Ao mesmo tempo que surgem as Guildas, vão também surgir as Universidades, que mais não eram do que Guildas Escolásticas (Bolonha 1088, Coimbra 1288). As guildas escolásticas tinham como objectivo, alargar o pensamento crítico. Baseavam-se na análise conceptual em profundidade de ideias, construindo-se numa base de racionalidade dialéctica. O seu fundamento ficou conhecido como o Trivium - gramática, retórica, e lógica – ao qual se juntaria mais tarde o Quadrivium - a aritmética, a geometria, a música, e a astronomia – perfazendo assim as 7 artes base da Universidade Medieval.

As Sete Artes da Universidade Medieval (Ilustração do manuscrito Hortus Deliciarum de Herrad von Landsberg, do século XII)

Como guilda, a Universidade adotaria a mesma duração das demais. O primeiro grau de Bacharelo seria atribuído após provas públicas, ao fim de 5 anos, e permitia praticar cada uma das áreas escolásticas – Teologia, Direito e Medicina. Para se poder tornar num mestre, e ensinar na Universidade, era preciso fazer mais 3 anos, e assim obter o grau de Mestre.

O declínio das guildas
As guildas entraram em declínio em 1700, com o surgimento da revolução industrial. O conhecimento detido pelos artesãos foi traduzido para processos mecânicos, que eram depois realizados por máquinas de modo repetitivo e contínuo. Assim deixava de ser necessário a um ser humano, investir 5 anos a aprender uma arte, para além de que se podia produzir muito maiores quantidades.

Nos anos 1970 o mesmo aconteceria com o surgimento da computação. O conhecimento começava a ser traduzido para sinais digitais, com grandes capacidades de computação, o que permitia que muitas artes que ainda não tinham sido afectadas pela mecânica, fossem afectadas pela computação.

Atualmente atravessamos uma nova fase de revolução, com a robótica, automação em conjunto com a IA, a atingir níveis de processamento e de precisão muito superiores ao que tínhamos no passado. (ex: e-David)

Porque deveríamos preservar o espírito das Guildas?

1 - Porque, apesar da mecânica, da computação e da robótica, continuamos a precisar de ter pessoas altamente qualificadas, com grandes níveis de competência. A diferença entre uma sociedade desenvolvida, e uma subdesenvolvida, está exactamente na quantidade de competências detidas pela sua população.
A Alemanha foi o único país que não aboliu as guildas com o advento da Revolução Industrial. Talvez não seja por acaso que a Alemanha seja o país que manteve até hoje o sistema escolar mais entrosado com o sistema produtivo. Já aqui falei amplamente dos seus ganhos, nomeadamente da qualidade dos seus produtos, reconhecida mundialmente. Ainda recentemente estive a trabalhar em Moçambique, e pude verificar in loco, que o maior problema da sociedade, é a falta de competências. Por isso continua a ser tão verdade, o ditado, “não dês peixe, ensina antes a pescar”.

2 - Porque apesar de termos sido capazes de proceder ao registo de muito conhecimento tácito, continua a faltar-nos muito daquilo que está implícito nesse conhecimento. Começámos por registar o conhecimento sob linguagem escrita, e vimos quão difícil era fazê-lo (ver as 4 receitas de 4 chefs, em Sennett). É verdade que o surgimento da linguagem audiovisual no final do século XIX, resolveu muitos dos problemas da linguagem escrita. E não menos verdade, que o surgimento da linguagem de interactividade resolveu muitos dos problemas da linguagem audiovisual. Mas nada disto pode substituir a relação Humano-Humano.

3 - Porque nas profissões criadas depois do desaparecimento das guildas, como por exemplo quase todas as Indústrias Criativas baseadas em Tecnologias de Comunicação (Design, Animação, Programação, etc.) as pessoas têm sido exploradas e desprezadas pela sociedade. A ausência de uma forma de comungar os mesmos valores, seja Guilda, Ordem, Aliança, Confraria, conduz o sujeito individual à condição de descartável da sociedade (ver os problemas atuais dos profissionais de criação de VFX). É assim necessário, não apenas algum tipo de instituição que regule o trabalho, mas mais do que isso que regule a aprendizagem, os fundamentos base, assim como os modos de acesso à profissão.

Claro que existem problemas. Uma guilda, tal como um sindicato, procura além do melhor para a profissão, o melhor para os seus praticantes, e nem sempre isso coincide com o melhor para a sociedade como um todo. Basta relembrar o episódio dos Ludditas que destruíam durante a noite as máquinas da revolução industrial, porque queriam impedir o avanço tecnológico e a modernização dos hábitos. E em Portugal, quantos se têm levantado contra os poderes das várias Ordens existentes, acusando-as essencialmente de corporativismo.

Mas não é por acaso que chamamos pontos de Revolução aos vários momentos de mudança na nossa história, porque as transformações são dolorosas. Aquilo que está neste momento a acontecer com a Robótica, que já rouba empregos à mão de obra mais barata do globo, é uma revolução que já começou. A Organização Mundial do Trabalho, fala numa escassez de 200 milhões de empregos. Esta crise que Portugal atravessa, não é uma crise criada por políticos portugueses (apenas), é antes fruto dos impactos de mudanças mundiais, que atingem primeiro, e mais violentamente, os menos bem preparados.

Mas esta revolução, tal como as outras estabilizará, e dará lugar a novos momentos de abundância. E cada um de nós encontrará novas formas de se tornar útil, e necessário. Neste sentido, defendo as guildas, como uma necessidade, mas guildas capazes de evoluírem, e de se adaptarem à evolução do conhecimento humano.

setembro 05, 2013

Wonderland | A Short Form Doc on Creative Commerce (2013)

O documentário, Wonderland (2013) de Terry Rayment e Hunter Richards, fala-nos dos diferentes sentires do criador no momento de criar um artefacto pessoal versus um produto comercial. Artistas, designers e criativos falam de dinheiro, de liberdade, de restrições, de ambições, dos egos, dos clientes e  de como se balanceia tudo isso no dia-a-dia.

"You can't predict the end result, and that's part of the process, the beauty in it."… "Trying to plan in the future, will not work… you've to live in the now… focus on doing things, not on the the end results… we have to focus on each step…"… "the goal is always to get better…"… 
Há umas semanas tive oportunidade de escrever um texto para a Eurogamer, sobre este assunto, a propósito de um texto de Adam Saltsman, em que este desabafa sobre os seus dilemas criativos na escolha dos próximos jogos a desenvolver. Dei ao texto um título bem ilustrativo Bipolaridade Criativa.

Diagrama a partir da classificação de David Lewndowski em Wonderland

Neste documentário, David Lewndowski acaba por no meio da conversa dar uma possível classificação do impacto do dinheiro sobre a liberdade criativa de cada um. Converti a sua definição num eixo visual (diagrama acima), que de forma simples se poderia resumir por: “quanto mais dinheiro mais corrompida é a criatividade de um projecto”. Claro que as exceções existem,
"Sometimes there's total miracles… oh my God, did they just allowed me to create that, and they paid for that. My heart still flexes my creative muscles I can still feel alive when I express myself."

julho 30, 2013

um hino à arte de criar

Foi em tempos tipógrafo, hoje com 97 anos e sérios problemas de visão, cria arte gráfica, com apenas o Microsoft Paint. Muito sinceramente, não sei com que me surpreenda mais, se a idade tão avançada, se a criação de arte visual por alguém com forte debilidade no campo da visão, ou o simples facto de se poder criar algo com qualidade a partir de uma ferramenta como o Paint. Falo de Hal Lasko, do Ohio, EUA.


O computador é aqui uma verdadeira ferramenta de acessibilidade, porque é o simples efeito de permitir o zoom da imagem que possibilita  Hal Lasko continuar a produzir trabalho visual. Ou seja, Lasko trabalha as imagens ao nível do pixel, tal como se produzisse uma ilustração através da técnica de pontilhismo. Claro que para o fazer, e tendo em conta todas as suas limitações de visão e próprias da idade, precisa de imenso tempo, chegando a levar 2 anos para criar uma imagem apenas.




Uma das coisas que mais me impressionou, foi o filho dizer que ele não pára de falar sobre o seu trabalho, que não gosta de ir ao estúdio dele porque depois não consegue sair de lá, o seu pai não pára de lhe mostrar coisas. Isto é deveras impressionante, porque mostra a tenacidade da sua motivação intrínseca. Mas mostra ainda o quão importante é a comunicação na arte. A necessidade do pai mostrar ao seu filho o que faz, e receber feedback, para que faça sentido continuar. Ou seja, a motivação é intrínseca, mas ainda assim precisa de se alimentar. Tal como o filho, o aluno, o aprendiz precisam continuamente de feedback para poder continuar a trilhar o seu caminho.
"he painted on the computer all. the. time. No one knew how important this program would become to Grandpa until he lost some of his vision in 2005 because of wet macular degeneration. Since then Hal has also lost the majority of his hearing. Despite these "setbacks" Grandpa wakes up everyday and is still inspired to create." [fonte]
Só uma motivação tão desmedida como aquela que podemos ver expressa no documentário permitiu que Hal Lasko tivesse claramente evoluído dos primeiros desenhos para os últimos. Podemos notar um claro aumento de complexidade visual, e como o incremento no domínio da técnica acabou por libertar Hal do figurativo realista, permitindo-lhe atingir uma vertente mais impressionista. É um verdadeiro hino à arte de criar.

The Pixel painter (2013) de Josh Bogdan e Ryan Lasko

[via Gizmodo]

junho 19, 2013

experimentação numérica e criativa

Em tempos de Processing 2.0 vale a pena ver o documentário Hello World! Processing (2013) criado pelo Ultra-Lab, um grupo dedicado ao open hardware. O documentário é interessante pelos projectos que mostra, pela quantidade de entrevistas realizadas, e acima de tudo pelo modo como introduz o universo do Processing em todo o seu esplendor experimental, processual e criativo.


O Processing é uma linguagem aberta criada para guiar as pessoas menos orientadas à matemática no processo de aprendizagem da programação. É uma linguagem pensada para iniciar o estudo da algoritmia, porque permite muito rapidamente obter feedback do que se vai fazendo. Tem a vantagem de ser desenhada sobre o Java e por isso ser multiplataforma. Por outro lado a versão 2.0 integra desde já os modos Javascript e Android, que permitem criar projectos directamente para HTML5 e Android.

O Processing é a linguagem de programação que utilizamos há mais de cinco anos no Mestrado em Tecnologia e Arte Digital. Há dois anos quando iniciámos o Mestrado em Media Interactivos, ainda demos uma oportunidade ao ActionScript 3.0, mas a partir deste ano passaremos a utilizar aqui também o Processing.


março 29, 2013

Off Book: "Can Hackers Be Heroes?"

Excelente documento da série OffBook que nos fala de algo que sabíamos, mas que os media se encarregaram de distorcer ao longo dos anos 1980 e 1990 ao ponto de termos deixado de acreditar no significado do conceito "Hack". Por outro lado nos anos 2000 com a evolução do DIY no campo da electrónica o conceito ressurgiu para re-significar aquilo que sempre tinha significado. Hoje podemos encontrar a palavra "hack" associada a todo o tipo de remix ou reconstrução de estruturas, como é por exemplo o caso dos Ikea Hackers.




De qualquer modo continua a passar a ideia que distingue o hack de software do hack de hardware. O hack de software continua a ser visto como algo invisível, complexo e incompreensível por isso é dado a uma visão mais esotérica, conotada com coisas menos positivas. Por outro lado o hack de hardware por ser visível e mais acessível em termos conceptuais, é aceite como algo positivo, porque se pode ver o processo e o fruto da criação. A pessoa é reconhecida por ter criado algo, algo tangível. O hacker de hardware é respeitado, é um fazedor, um criador. Já o hacker de software continua a ser rotulado como um salteador, alguém que não se mostra nem se identifica, que invade e se aproveita daquilo que é dos outros. Diga-se que toda a paranoia gerada em redor dos Anonymous nada tem contribuído para dissipar este rotulo.

fevereiro 28, 2013

a loucura do 3D Printing

O hype em redor do 3D Printing não pára, todos os dias chegam à rede novos vídeos e talks sobre o assunto. Ainda há umas semanas aqui tinha falado do livro de Chris Anderson, Makers que trata o assunto. Entretanto no final de Janeiro chegou à rede a talk da Catarina Mota que se foca sobre o 3d Printing. Depois foi a vez do pessoal do The Creators Project falar sobre 3D Printing. E hoje chega o novo vídeo da série OffBook também para nos questionar sobre 3D Printing.

Crania Revolutis (2012) de Joshua Harker

Começando pela Catarina Mota, especialista em práticas open-source e fundadora do altLab, ela esteve no TEDxStockholm em Outubro passado a falar sobre What we can learn from hackerspaces, a talk foi disponibilizada agora em Janeiro. Aqui fala-nos da cultura hacker no que toca a construção e disseminação de ideias no formato de modelos passíveis de serem depois reconstruídos por qualquer pessoa com acesso a uma impressora 3d.

What we can learn from hackerspaces (2013)

Depois o pessoal do The Creators Project lançou o video Leaders Of The 3D Printing Revolution no qual apresenta alguns projectos bastante interessantes, nomeadamente no campo da Moda.

Leaders Of The 3D Printing Revolution (2013)

Entretanto hoje a OffBook lançou um novo episódio inteiramente dedicado ao assunto, mas questionando diretamente, Will 3D Printing Change the World? O documentário repete um pouco o discurso da Catarina e o filme do grupo Creators Project, mas arrisca um pouco mais com os comentários de Joseph Flahertye da Wired no campo da impressao de orgãos humanos entre outras coisas. Uma das coisas menos interessantes de tudo fica a cargo de Michael Weinberg que vem acenar com a discussão do fim do copyright. Não vou estender o assunto agora, mas voltarei a esse tema num texto futuro em maior profundidade.

Will 3D Printing Change the World? (2013)

janeiro 26, 2013

Makers (2012) de Chris Anderson

Tenho sentimentos mistos sobre o novo livro de Anderson, Makers: The New Industrial Revolution (2012). De um ponto de vista sou um crente nos Makers, nos que fazem acontecer, na motivação intrínseca, na criatividade pessoal. Mas a partir de outro ponto de vista, não posso aceitar a ideia simplista de que vamos transformar todo o modelo industrial num modelo caseiro. Porque apesar de Chris Anderson saber e dizer mais do que uma vez no livro que estamos a falar de nichos e não de todo o espectro da vida social, muitos dos seus argumentos acabam por entrar em paradoxo. Essencialmente porque para afirmar algumas das coisas que afirma tem de partir da condição de que o mundo inteiro vai passar a funcionar neste modelo, o que joga por terra várias das suas previsões futuras. Apesar disto este é um livro que todos aqueles que estudam e se interessam pelo futuro do trabalho, pela tecnologia e pela criatividade devem ler, ainda que com as devidas cautelas.


Chris Anderson foi editor da Wired ao longo de toda a primeira década de 2000 tendo saído no final de 2012 para se dedicar à gestão da sua empresa 3DRobotics, que usa aqui como um dos exemplos base para lançar a conceptualização de todo este livro. Depois de nos ter trazido dois livros imensamente discutidos, The Long Tail: Why the Future of Business Is Selling Less of More (2006) e Free: The Future of a Radical Price (2009) Anderson procura em Makers evoluir as suas ideias do virtual para o real, aplicando exatamente os mesmos princípios que desenhou nos dois livros anteriores: "a cauda longa da distribuição online" e o "modelo de criação grátis". Gostei de ambos os seus livros anteriores que tal como este apresentam como objectivo primário a previsão do futuro dos impactos e efeitos da tecnologia. Mas tanto esses como este sofrem do facto de se apresentarem mais como extensos artigos de revista, baseados em pequenas histórias, do que de estudos em profundidade, tendo em conta tratarem assuntos de grande complexidade.

Em Makers Anderson apresenta-nos o impacto da internet sobre a mudança que está a acontecer dos bits para os átomos. Essencialmente demonstra como os processos de manufactura à escala global estão a mudar drasticamente os modos de produção de bens, e como isso está a produzir impactos acentuados sobre o empreendedorismo, a inovação e a criatividade. O centro da sua discussão baseia-se sobre o aparecimento de duas máquinas - impressão 3d e corte a laser – e de dois modelos de produção/distribuição – conhecimento aberto e crowdfunding. Com estes quatro elementos Chris Anderson assume que é possível mudar todo o modelo industrial, e assim construir a tal Nova Revolução Industrial.

Peças criadas com uma impressora 3d

Assim o que Anderson nos diz é que estes quatro elementos serão capazes de transformar a indústria de produção em massa, que custa milhões e serve milhões, numa nova indústria que produz produtos com supostamente a mesma qualidade dos produtos de massa, mas com as vantagens de poderem ser produzidos em pequenas quantidades (1 a 10 mil) e logo altamente personalizáveis. Deste modo esta nova revolução responderá duplamente às necessidades das pessoas: por um lado permitirá que todos possam construir as suas próprias "coisas" (DIY); por outro permitirá construir as "coisas" segundo os desejos individuais de cada um.

Exemplo dado no livro: Armas da 2ª Guerra Mundial criadas pela BrickArms para preencher o vazio deixado pela LEGO que se recusa a criar armamento contemporâneo para as suas colecções.

O problema que vejo aqui é exatamente o facto de falarmos de “coisas”. Na sua generalidade aquilo que foi apresentado por Anderson ao longo de todo o livro não passa de pequenos exemplos de bens supérfluos, que realmente preenchem buracos deixados vagos pela grande produção, mas que a sua existência per se raramente produz alterações com impacto no mundo, o nas nossas vidas. Aliás ao longo do livro e à medida que vamos ouvindo os exemplos, vou ficando com a ideia que esta nova comunidade de que nos fala Anderson, já existe, aliás sempre existiu, e chama-se de comunidade de inventores. São pessoas que se dedicam a bricolar com ferramentas e tecnologia e dessa forma vão encontrando novas soluções para pequenos problemas. Sempre tivemos comunidades criadas por essas pessoas, e além disso existem empresas que já se especializaram na comercialização dessas ideias como por exemplo a DMail, ou aqueles canais de vendas na TV.

Mas não podemos confundir, como Anderson faz aqui, estes modos de invenção criativa com a investigação científica que é necessária realizar para se poder chegar a processos e modelos capazes de dar origem a um Airbus A380, a uma placa gráfica de alto desempenho, a um motor de combustão eléctrica, etc. Aliás tem até uma certa piada ver Anderson assumir que como os carros estão a deixar de ser mecânicos e estão a passar a funcionar por via eléctrica e digital, estes serão muito rapidamente tomados em mãos pelos novos makers!!! Isto são ideias peregrinas e até perigosas, porque assumem que o desenvolvimento e o engenho humano têm limites. Ou seja que depois de desenvolvido o carro eléctrico, já não vamos mais precisar de ciência para os continuar a melhorar e a evoluir, apenas será preciso trabalhar em cima dos modelos já desenvolvidos realizando pequenas modificações ou pequenos incrementos.

Examine-se a complexidade do motor de um avião a jacto.

Eu sei que não é bem isto que Anderson quer dizer, mas é esse caminho que trilha, quando afirma o fim da grande indústria baseada na colaboração muito estreita e responsável de equipas altamente especializadas para a substituir por comunidades online que dão feedback quando podem, ou quando lhes interessa. Quando afirma o fim da proteção de ideias (conhecimento aberto) e impede que estas possam pagar o esforço de quem tem de parar para pensar. Quando afirma a produção apenas em função daquilo que as multidões estão interessadas (crowdfunding) e esquece que a maior parte da tecnologia que hoje suporta a sociedade não é sequer compreendida pelas multidões. Quando afirma que vamos buscar empregos à China através da automação, e esquece que os que são criados cá, são uma ínfima parte das nossas necessidades, uma vez que usamos robôs porque ficam mais baratos do que a mão de obra na China.

Apesar de toda esta minha análise crítica, julgo que existe algo em que Anderson tem razão, e é sobre os novos modos de vida e trabalho do futuro. Estas tecnologias existem, estão aí e não vão parar o seu processo natural de aumento de automação. Ou seja, com a ajuda da robótica cada vez mais será possível empregar menos pessoas porque 1 pessoa poderá fazer o trabalho de 5, 10 ou 20. Isto aumenta enormemente a produtividade das empresas, a produtividade de um país. Aliás acredito que quando comparamos a produtividade nacional com a de países mais desenvolvidos, o factor essencial que diferencia, não é propriamente a qualidade dos seus trabalhadores, embora a Educação pese bastante, mas pesa ainda mais a quantidade de tecnologia e automação introduzida nas indústrias dos países.

Mas mais robótica implica menos empregos, não? Não propriamente, se conseguirmos fazer evoluir a legislação laboral e fazê-la acompanhar a evolução tecnológica. Não podemos continuar com jornadas de 8 horas. Não é aceitável de um ponto de vista social, que uma empresa empregue 1/4 das pessoas, mas realize lucros 4 vezes superiores. Aliás estou em crer que muito da distorção provocada nos últimos 50 anos entre a classe média e o 1% de milionários se deve exatamente a isto. Nesse sentido a solução está à vista, vai requerer políticos fortes para o fazer, e passa por reduzir a jornada de 8 para 4 horas máximas. Poderemos empregar mais do dobro das pessoas por cada empresa/instituição. A empresa continuará a ser lucrativa, as pessoas continuarão a ter um meio de subsistência. Mas a pergunta que se coloca é, o que farão as pessoas com tanto tempo livre?

A resposta está exatamente neste livro de Anderson, as pessoas passarão a poder construir coisas fora do tempo em que estão no seu emprego diário e chato. Sim porque os empregos chatos e stressantes não deixarão de existir. Ao contrário do que por vezes Anderson parece acreditar, vamos continuar a precisar de canalizadores, de lixeiros, de limpezas, de manutenção de máquinas, de guardas prisionais assim como vamos continuar a precisar de juízes, de professores e formadores, de enfermeiros e assistentes na doença, velhice e deficiência, etc. O mundo está cheio de necessidades que só o ser humano consegue cumprir. E quando a tecnologia evolui, esta não pode ser vista como algo mau para o ser humano. Ela é boa para nós, a única coisa que precisamos de fazer é garantir que exista regulação capaz de impedir grupos restritos de se aproveitarem do avanço desta para ignorar a restante população.

Com a maior parte do tempo por nossa conta, todos poderemos fazer aquilo que nos dá verdadeiro prazer, que nos emociona, que nos garante autoestima, que alimenta a nossa vontade de viver dia após dia. Porque só a condição de Maker, seja através de um processo de criação material ou de criação social, é capaz de nos garantir os meios para atingir o equilíbrio na felicidade.


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janeiro 23, 2013

o poder social dos videojogos

OctoCloud é uma escultura-videojogo, e é a mais recente instalação de tecnologias criativas do grupo brasileiro SuperUber. No vídeo Russ Rive fala do modo como foi desenhado o jogo, a atenção ao gameplay, e discute a experiencia social suscitada pela escultura-videojogo. Podemos dizer que estamos perante um novo modelo de escultura, não apenas escultura-jogo, mas também de escultura social.



Os videojogos são por natureza obras sociais, mesmo quando jogamos sozinhos, a questão que nos colocamos sempre que encontramos um desafio difícil num jogo a sós, é "se os outros conseguem, eu também consigo". Mas os videojogos são essencialmente sociais porque na sua essência está o acto de brincar, e nada é mais poderoso na criação de cola social. Podemos ver no brincar uma forma de aprender a lidar com o mundo, mas mais importante do que isso o brincar é o elo que nos mantém unidos.

  

maio 31, 2012

Imagine: How Creativity Works (2012)

Imagine: How Creativity Works (2012) é o terceiro livro de Jonah Lehrer. Depois de Proust era um Neurocientista (2007) e How We Decide (2009), dois belíssimos livros de divulgação na área das neurociências, traz-nos agora um trabalho à volta das questões da criatividade. Um livro que faz todo o sentido no seguimento de How We Decide, porque a criatividade no fundo, não é mais do que um processo refinado de tomada de decisões, de resolução de problemas.


Em termos gerais o livro é muito interessante, condensa muito daquilo que se tem estudado sobre o assunto em poucas páginas, carregadas de exemplos e estudos que suportam o que se vai alegando. Apesar de me parecer um bom livro, julgo que fica algo abaixo daquilo a que Lehrer nos habituou. Senti o estilo da escrita a aproximar-se demais de alguns bestsellers de divulgação de ciência, como os livros de Malcolm Gladwell ou Daniel Pink, que pegam em meia dúzia de casos e constroem um livro a partir desses casos. Nos seus anteriores dois livros, Lehrer usava os casos apenas como mote para ir ao fundo das questões, para sobre eles trabalhar a forma como ele próprio vê a realidade. Dando a sua visão pessoal, contribuindo para um avanço do pensamento. Aqui por vezes parece que se fica por agregar casos que suportem uma ideia, sem depois a aprofundar na sua visão pessoal.

Síntese de ideias do livro narrado pelo próprio Jonah Lehrer

Apesar de tudo isto é um livro obrigatório. Food for thought, para vos ajudar no vosso caminho. Não é um livro de receitas, mas em certa medida pode quase funcionar como tal. Em termos específicos existem vários momentos altos no livro, que diga-se, lê-se muito rapidamente e fluidamente. Passo assim em revista aqui alguns dos pontos que mais me interessaram desta leitura.


1. Analisar de fora (Outsider)

O livro começa com o caso de R&D do produto Swiffer. Depois dos PhDs em química terem chegado à conclusão que não era possível melhorar mais os produtos de limpeza, a Procter & Gamble resolveu fazer outsourcing numa empresa de design. Pedindo especificamente um produto novo. Estes, ao contrário dos químicos, não foram ver como melhorar o produto, mas foram antes tentar perceber como é que a actividade era realizada, passaram 3 anos a estudar os comportamentos das pessoas que limpam o chão. Gravaram e viram centenas de horas de vídeo, até que um dia viram alguém usar papel de cozinha meio-húmido para limpar o sujo e deitar fora. E foi aqui que se deu a epifania para criar o Swiffer.


O que a Procter & Gamble aprendeu com tudo isto foi que as soluções por vezes têm de vir de pessoas não especialistas, pessoas de fora do meio. Neste sentido Lehrer dá também o exemplo da 3M uma das empresas que mais patentes tem criado nos últimos anos, porque praticamente se dedica apenas à inovação e ao desenvolvimento de novas ideias para outras empresas. E o que estes fazem no seio da empresa, é muito particular. Possuem pessoas de áreas científicas muito distintas que rodam regularmente entre distintas áreas, mesmo que nada tenham a ver com elas. Para além disso existem processos na empresa que sugerem o transporte de técnicas de umas áreas para outras. Depois de ler isto, sem dúvida que a 3M merece um estudo em profundidade relacionado com a noção de transdisciplinaridade.


Com tudo isto a Procter&Gamble e outras empressa resolveram criar o site Innocentive. Neste site depositam os problemas que as suas equipas de R&D não conseguem resolver. E esperam que apareça alguém que seja capaz de oferecer uma solução. Pode parecer uma forma de outsourcing barata, uma vez que no fundo não há investimento. Mas não é disso que se trata. O que está aqui em questão é garantir que pessoas que nada têm que ver com aquelas áreas possam surgir com uma ideia a partir de um ponto nunca antes imaginado possível. É algo que vai muito para além dos focus groups ou inquéritos, porque podemos ter milhares de pessoas a olhar para o problema de ângulos inimagináveis. E só isso per se garantirá à partida avanços e inovação. Aliás Lehrer dá o caso de um físico que resolvia problemas de química,
“Ed Melcarek, a seven-time solver on InnoCentive, perfectly exemplifies this finding. Although Melcarek has a master’s degree in particle physics, he has never solved a physics challenge on InnoCentive. Instead, he peruses the chemistry and engineering categories on the site, searching for problems that might benefit from his expertise.”
2. Epifania e Serendipidade

A meio do livro Lehrer tenta definir mais em concreto o conceito de criatividade, acabando por o rotular de momento de epifania. Aquele momento em que a nossa mente vê claramente a ideia cristalizada, em que se faz luz. Um momento que é normalmente precedido de serendipidade na associação de ideias mentais. Lehrer fala nas ondas Alfa, que se verificam nos momentos que precedem a epifania. É como se estas varressem o nosso cérebro à procura de ligações, até descobrir o caminho entre ligações correcto. Quando encontram dá-se a epifania. Ao que parece estas ondas alfa não se activam de modo igual em todos nós, e parece, não é uma verdade absoluta, que as pessoas que produzem doses mais elevadas destas ondas são normalmente mais criativas, mais capazes de gerar novas ideias.


Em termos menos técnicos, Lehrer define de forma muito interessante o que diferencia a epifania do pensamento analítico, dedutivo ou indutivo. É que aqui a ideia aparece-nos à mente de modo quasi-instântaneo, como que empurrada pela serendipidade, enquanto no analítico sentimos claramente a nossa mente a deambular por entre ideias e pensamentos em busca de soluções lógicas.

3. Trabalho e Foco

Mas a criatividade não é, de todo, apenas fruto da serendipidade, e de ondas alfa. Lehrer dá-nos muitos exemplos ao longo do livro que demonstram o quanto a criatividade advém e muito do trabalho duro e persistente.
“The reality of the creative process is that it often requires persistence, the ability to stare at a problem until it makes sense. It’s forcing oneself to pay attention, to write all night and then fix those words in the morning. It’s sticking with a poem until it’s perfect; refusing to quit on a math question; working until the cut of a dress is just right. The answer won’t arrive suddenly, in a flash of insight. Instead, it will be revealed slowly, like a coastline emerging from the clouds.”
Exemplos disto são a quantidade enorme de cientistas, artistas e outros que tomavam drogas para acelerar o seu trabalho, para se manterem acordados, tudo em nome da persistência da busca pelas respostas. E daqui Lehrer vai falar-nos de um caso extremamente interessante que é o de Clay Marzo, um surfista campeão mundial com Síndrome de Asperger. O que o Asperger faz é normalmente levar a pessoa a evitar o contacto social e a concentrar-se intensamente numa actividade. Neste caso Marzo só consegue estar bem consigo próprio estando dentro de água, e a surfar. Pode passar mais de 8 horas diárias a fazê-lo.



E é isto que faz a diferença, alguém que treina, e treina, e treina vai tornar-se cada vez melhor. Não porque é um criativo, com excesso de ondas Alfa, mas por focar-se, treinar, experimentar, testar, tão intensivamente que acabará por conseguir desenvolver qualidades que os outros não conseguem. E a verdade é que se procurarem por doentes com Asperger vão encontrar muitos que se deram muito bem na vida. Apesar de não estarem identificados como tal, muitos acreditam por exemplo que Bill Gates, Steven Spielberg, Mark Zuckerberg entre outros sofrem de Asperger. A razão é a sua declarada inabilidade para lidar com o social, e a sua obsessão com aquilo que fazem. Estes possuem um problema que os leva a focar todas as suas energias apenas naquilo que lhes interessa, e podem por isso conseguir destacar-se.

Isto não quer dizer que o Asperger seja uma bênção. Um doente com asperger pode focar-se em coisas que não são de todo relevantes em termos financeiros na nossa sociedade. Por exemplo saber os nomes todos de listas telefónicas, ou contar folhas de árvores. Ou seja, o que nos diz este ponto, é apenas e só, que a capacidade de nos focar-nos intensamente sobre algo pode ajudar em muito ao desenvolvimento de acções criativas, originais, que inovam.

4. Deixar Fluir

Neste ponto Lehrer trabalha sobre as questões da limitação do nosso córtex pré-frontal, que já tinha discutido em How we Decide, e dando vários exemplos que poderão ler no livro. O que me interessa aqui reter é o facto de o nosso córtex pré-frontal ser limitado em termos de quantidade de informação que consegue processar. Ou seja enquanto estamos totalmente conscientes não conseguimos lidar com mais do que 5 a 7 elementos simultaneamente. Existem drogas que ajudam, os chamados desinibidores, e existem pessoas que conseguem de algum modo suspender esse controlo do córtex pré-frontal, embora isto tenha as suas consequências no resto dos comportamentos.
“The lesson of letting go is that we constrain our own creativity. We are so worried about playing the wrong note or saying the wrong thing that we end up with nothing at all, the silence of the scared imagination. While the best performers learn how to selectively repress their inhibitions, to quiet the DLPFC [Dorsolateral Prefrontal Cortex] on command, it’s also possible to lose one’s inhibitions entirely. The result is always tragic, but it’s a tragedy often limned with art.”
O nosso sistema DLPFC é dos últimos a desenvolver-se integralmente durante a nossa infância. Por isso existem ideias como a de Picasso “Every child is an artist. The problem is how to remain an artist once we grow up”. Ou seja o que se passa é que em crianças os nossos sistemas de censura não estão activos, e à medida que vamos crescendo vamo-nos tornando cada vez mais conscientes impossibilitando o improviso, ficando demasiado preocupados com o dizer a coisa errada no momento errado. Como refere Lehrer "It’s at this point that the infamous “fourth-grade slump” in creativity sets in, as students suddenly stop wanting to make art in the classroom.” 

Ainda assim podemos sonhar com a fluição de ideias mesmo em adultos, temos é de saber como. Por exemplo o passear livremente pela cidade experienciando as suas sensações, aquilo que Baudelaire qualificou de actividade de Flanêur, podem ser momentos que ajudem a exponenciar a criatividade. Porque é nesses momentos de despreendimento, de deixar fluir, que somos capazes de estabelecer mais pensamentos associativos entre ideias que jazem no nosso inconsciente. Aliás alguns estudos feitos sobre a sesta, demonstram o quão positiva esta é em termos criativos, por permitir esses momentos de relaxe e abertura ao inconsciente na troca de ideias.
“Once we fall asleep, the prefrontal cortex shuts itself down; the censor goes eerily quiet. Meanwhile, neurons all across the brain start shooting out squirts of acetylcholine. But this isn’t the usual excitement of reality; this activity is semi-random and unpredictable. It’s as if the mind is entertaining itself with improv, filling nighttime narratives with whatever spare details happen to be lying around.”

5. Social e Small Talk (Pixar)

Num estudo realizado sobre os musicais da Broadway chegou-se a uma conclusão que nos parece perfeito senso comum, mas que devemos recordar constantemente.
“creative collaborations have a sweet spot: “The best Broadway teams, by far, were those with a mix of relationships,” Uzzi says. “These teams had some old friends, but they also had newbies. This mixture meant that the artists could interact efficiently — they had a familiar structure to fall back on — but they also managed to incorporate some new ideas. They were comfortable with each other, but they weren’t too comfortable.”

Ou seja, para que possamos ser mais criativos, não devemos estar apenas rodeados de grandes amigos, nem de grandes desconhecidos, precisamos de uma mistura saudável. Por outro lado não basta juntar as pessoas de qualquer forma e esperar que estas colaborem apenas e só. Para isso Lehrer dá o excelente exemplo da Pixar, e dos seus métodos de trabalho. A Pixar lançou-se na construção de um novo edifício que foi totalmente pensado por Steve Jobs para poder estimular a criatividade dos criadores da Pixar. Nesse sentido em vez de criarem 3 edifícios separados, foi criado apenas um, e foi criado um enorme hall no centro do edifício de modo a permitir que todos se encontrassem. Para Jobs a questão central de uma empresa passava pela estimulação de interação entre os seus empregados.

But Jobs realized that it wasn’t enough simply to create an airy atrium; he needed to force people to go there. Jobs began with the mailboxes, which he shifted to the lobby. Then he moved the meeting rooms to the center of the building, followed by the cafeteria and coffee bar and gift shop. But that still wasn’t enough, which is why Jobs eventually decided to locate the only set of bathrooms in the atrium.
Jobs acreditava que os melhores encontros acontecem por acidente, no hall, no estacionamento, no bar. Jobs sabia que a chamada small talk não era uma perda de tempo, que as conversas aleatórias seriam uma fonte constante de novas ideias. E este tipo de ambiente é o que podemos hoje encontrar em empresas como a Apple, a Google ou a 3M. Como disse Brad Bird o criador de Incredibles e Ratatouille
“The atrium initially might seem like a waste of space . . . But Steve realized that when people run into each other, when they make eye contact, things happen. So he made it impossible for you not to run into the rest of the company.”

6. A Crítica é fundamental na criatividade

Um outro ponto importante no livro de Lehrer e que é ainda trabalhado na questão dos métodos de trabalho da Pixar, tem que ver com uma das maiores falácias de sempre no mundo das técnicas de criatividade, nomeadamente a técnica do Brainstorm. Vários estudos têm mostrado que esta técnica não é particularmente feliz quando comparada com outras, ou mesmo quando comparada com indivíduos a trabalhar isoladamente. Ainda assim, eu acredito particularmente no seu potencial, mais ainda se seguirmos a lógica espacial apresentada no ponto anterior.


Ou seja, o que Alex Osborn nos disse sobre a sua ideia do Brainstorm é que esta devia ser aplicada de forma a evitar a crítica. Ou seja juntar as pessoas e levá-las a regurgitar tudo o que lhes vai na mente, sem o receio de que alguém as criticasse. Isto faz algum sentido quando pensamos no ponto acima discutido sobre o Deixar Fluir. O problema é que os estudos têm demonstrado que as ideias que surgem dos normais processo de brainstorm são em número e qualidade reduzidas.

Na Pixar, todos os dias de manhã existem reuniões de Brainstorm, mas com uma nuance muito distinta de Osborn, é que aqui todos devem contribuir, criticando aquilo que está mal feito. Apontando os defeitos, chamando as coisas pelos nomes. O problema de um brainstorm deste tipo é que tem de ser muito bem gerido e regrado, porque corre o risco de rapidamente resvalar para a agressividade. Nesse sentido a Pixar impõe a seguinte conduta, denominada de Plussing. Uma ideia muito simples, que passa por, sempre que alguém critica alguma coisa, essa crítica deve conter um Plus, ou seja uma nova ideia que ajude a combater o problema encontrado. Segundo Charlan Nemeth, psicólgoca at UC-Berkeley, o que acontece é que,
“the reason criticism leads to more new ideas is that it encourages us to fully engage with the work of others. We think about their concepts because we want to improve them; it’s the imperfection that leads us to really listen.”
Aliás é por causa disto que as provas de doutoramento ou mestrado, ou os processos de revisão de artigos dos nossos pares, são tão importantes, nomeadamente quando trabalhados numa perspectiva crítica. É que para eu apontar uma crítica a um trabalho tenho de me envolver totalmente com ele, tenho de entrar dentro da cabeça do seu autor, e pensar como ele, ver a raiz do problema e procurar a sua solução. Se for apenas para dizer bem, esse processo nunca chega a acontecer. Envolver-me com o trabalho significa que não só o aluno vai ganhar, mas eu próprio ganho.


Charlan Nemeth realizou mais alguns estudos que demonstram a raiz do problema do brainstorming tradicional, e que passa pelo facto de o nosso cérebro não funcionar muito bem em termos de livre associação de ideias. Temos tendência para associar ao comum, fácil e familiar. Se perguntam por cor azul, o nosso cérebro diz Céu, ou Oceano. O interessante é a sugestão descoberta por Nemeth para evitar estes buracos do nosso pensamento associativo, e que passa por estimular as pessoas com ideias contrárias, mesmo que erradas, mas que nos façam tirar do marasmo do cliché.

Num dos seus estudos, colocou sujeitos a dizer as cores dos slides que passavam na tela, e no meio dos sujeitos colocou um colaborador, que de vez em quando gritava umas cores ao lado, ou menos usuais, como em vez de dizer vermelho dizia rosa, ou em vez de azul, Turquesa. Quando a seguir questionou as pessoas que tinham sido expostas à sessão com o colaborador que emitia respostas contrárias ou à margem, as pessoas reagiam com respostas mais invulgares que o grupo que não tinha sido exposto ao colaborador. Ou seja, à pergunta associativa para azul, já não diziam céu ou oceano, mas diziam por exemplo Smurfs ou Tarte de Amora.


7. A fricção humana e não a cidade

Este último ponto que aqui discuto é aquele em que mais discordo do pensamento de Lehrer. Ele monta todo um discurso para justificar o facto de que as Cidades são por natureza mais criativas que os meios pequenos, as aldeias. Lehrer suporta-se em Geoffrey West que nos diz que,

"As cities get bigger, everything starts accelerating. Each individual unit becomes more productive and more innovative. There is no equivalent for this in nature. Cities are a total biological anomaly. But you can’t understand modern life without understanding cities. They are the force behind everything interesting. They are where everything new is coming from."
É verdade que concordo com a necessidade de “fricção urbana”, esta pode ser muito útil e benéfica. Aliás responde àquilo que Jobs professava, de todos encontrarem-se com todos, da small talk, do inesperado. Mas não podemos tão facilmente extrapolar isto de um grupo de pessoas para um grande cidade. E o maior problema é que isso está à vista, se por exemplo Silicon Valley é um dos maiores centros criativos do mundo, por outro lado cidades gigantescas na China, México ou Brasil não se tornam automaticamente criativas apenas através da sua densidade populacional. Lehrer admite que estas discrepâncias entre cidades existem e procura trabalhar o problema realizando uma interessantíssima comparação, mas na qual falha para mim o seu objectivo. Realiza uma comparação entre a Route 128 em Boston e Silicon Valley, segundo Vivek Wadhwa, professor da Duke

 “If you were betting on an area to dominate [the tech sector] in 1975, you’d have been wise to bet on Route 128. It had a giant head start over everywhere else. The region had several elite research universities, such as MIT and Harvard, and a long list of successful technology firms. These companies had big contracts with the Defense Department and controlled the market for microchips and electronic hardware."
A verdade é que a história não deu razão a este pensamento. Aliás este caso de Leher está mal desde o ponto de partida, porque Moutain View em San Jose, era um lugar agrícola em 1956 quando William Shockley o co-criador do transístor aí se instalou para abrir a Shockley Transistor Corporation, que viria a impulsionar a criação da Intel. Vejam o que é hoje Mountain View, o que demonstra que foi possível gerar grande criatividade num meio pequeno. Para além disso, Mountain View tinha nessa altura uma população de 6 mil pessoas, e em 2010 apesar de todo o desenvolvimento tecnológico, e patentes criadas, está abaixo das 100 mil pessoas, longe, muito longe de ser uma grande cidade.

Mountain View

Depois Lehrer vai tentar demonstrar que o problema da Route 128 ter perdido para Silicon Valley se deveu ao facto de esta ser dominada por empresas gigantes que preservavam segredo de tudo o que faziam e que com isso impediam a criatividade de brotar. Ao contrário de Silicon Valley aonde as pequenas empresas dependiam umas das outras para se fazerem valer, e que por isso partilhavam muitas ideias. O que é em parte verdade, a partilha criativa é um enorme estímulo à criatividade, mas não é o único caminho.  

Steve Wozniak e Steve Jobs com o Apple I

Para fechar o assunto Leher dá o exemplo do aparecimento da Apple baseado no sistema de partilha, que é verdade. Nisso Wozniak era totalmente diferente de Jobs, tinham visões muito diferentes. Mas a verdade é que a marca criativa deixada pela Apple, não é o Apple I e II de Wozniak, mas o Macintosh e o iPhone, que por sinal foram criados em grande segredo por Steve Jobs. A diferença, é que esses produtos foram criados em segredo, mas por uma equipa de pessoas que trabalhava sob um ambiente criativo igual ao que foi discutido acima no caso da Pixar.


Jobs era extremamente indelicado e rude nas críticas que fazia aos seus colaboradores, mas a verdade é que exigia destes que também fossem críticos e exigentes para com ele. Nas suas reuniões, não era anormal existirem grandes discussões e perturbação emocional entre as pessoas, e estas insurgirem-se contra as ideias de Jobs. Claro que se o fizessem teriam de ter argumentos para sustentar a sua crítica. E talvez seja esse um dos maiores segredos da história da Apple. A discussão profundamente crítica e exigente dos mais ínfimos detalhes dos produtos em desenvolvimento.

Para fechar, este não é o derradeiro livro sobre Criativade, talvez porque isso não seja possível, porque esta é em si mesma impossível de definir. Na sua essência, a criativdade é a originalidade, sempre diferente, não padronizável. Aliás como o próprio Jonah Lehrer admite quase no final do livro "Every creative story is different".