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junho 06, 2016

Contar histórias em 360º

Pearl” é uma animação criada por Patrick Osborne para o formato 360º, dotada de belas história, ilustração e animação, capaz de rentabilizar na perfeição a inovação introduzida pela perspetiva 360º, embora não demonstre per se como é que o formato poderá vir a tornar-se um standard no futuro.




Osborne parte da simples premissa de que o 360º, apesar de abrir em todas as direções, congela o eixo do ponto de vista, impossibilitando o seu movimento, e ainda bem. Poder ver em todas as direções é já pesado em termos cognitivos para o espectador, se pudéssemos ainda variar o eixo do ponto de vista, a experiência tornaria-se simplesmente insustentável já que perderíamos a ação desempenhada para suportar o contar de história.

Deste modo a experiência criada acaba funcionando muito bem, exatamente porque o autor soube encontrar um ponto de vista capaz de garantir a variedade de espaço (ver making of), isto porque o ponto se vai movendo, sem qualquer ação da nossa parte, fruto do objeto em que se encontra inserido (o carro). Contudo, por várias vezes damos por nós a tentar virar rapidamente em ambas as direcções para conseguir acompanhar o que estará supostamente a acontecer, e esse acaba por ser o maior problema da abordagem 360º ao contar de histórias.

Apesar destes reparos negativos, esta abordagem tem uma mais valia indubitável que se pode ver emergir aquando de uma segunda ou terceira visualizações, mas a grande questão é se é esse será o objetivo desta, ou outras obras?

"Pearl" (2016) de Patrick Osborne

maio 28, 2016

Animação de nostalgia

Player Two” (2016) é uma animação criada por Zachary Antell como trabalho de fim de curso na Universidade de Syracuse, EUA, que se destaca pela abordagem nostálgico-emocional e ainda pelo bom trabalho de rotoscopia. A demonstrar que com apenas 21 anos é possível criar obras conceptuais e profundamente empáticas.




A ideia de partida é bem definida pelo título, o jogador dois, que serve de metáfora para irmão mais novo, que tudo aprendeu imitando o irmão mais velho, o jogador um. O filme trabalha a relação dos irmãos através dos videojogos, demonstrando como as relações se constroem, intensificam, até que a natural evolução familiar as conduz à quase extinção. Quase, porque restam sempre as experiências vividas, os momentos marcantes nunca alguma vez olvidáveis, as quais as emoções nostálgicas se encarregam de nos relembrar amiúde. Não sendo uma obra que busque o aprofundamento do significado social, é capaz de tocar todos os que passaram por este tipo de experiência.
“I chose the subject matter of video games after a small debate with my parents where I realized they never truly understood how video games affected my life; my introduction to music, to animation, and eventually filmmaking. I wanted to convey the sense of imagination and scope old single player games like Ocarina of Time surrounded children.” Zachary Antell in Short of the Week
No campo da animação, a rotoscopia desenvolvida com base em vídeo e depois trabalhada com texturas de papel e desenho semi-infantilizado contribui intensamente para a produção do sentimento de nostalgia, de memórias difusas, experiências do passado de que nos vamos relembrando indefinididamente, mas com sentimento. Não estamos perante um trabalho de demonstração técnica, mas antes de técnica focada na mensagem, da animação ao serviço da expressão. No caso de se interessarem pela produção de animação vale a pena ver o pequeno making of.

“Player Two” (2016) de Zachary Antell 

março 05, 2016

Contemplando na visceralidade

Uma curta de animação brilhante estreada no Sundance 2015 chega agora à rede pelas mãos da Vice, e vale todos os minutos. "Teeth" apresenta-nos uma pessoa obcecada com os seus dentes, levando-nos numa jornada ao longo da sua vida e dos momentos de perda de cada um dos seus dentes. Apesar deste sentido linear, classicista, existe algo de surreal na motivação e conclusão da curta, que levanta um pouco do véu sobre as nossas próprias obsessões e perdas irreparáveis.





O filme apresenta enormes qualidades no campo da ilustração, com uma arte a garantir intensa sobriedade, e maturidade, ao relato, ao mesmo tempo que lhe atribui camadas de crueza e naturalidade que criam em nós um certo mal-estar conduzindo o filme do dramático ao visceral. Isto vai de encontro ao que a dupla de realizadores, Daniel Gray e Tom Brown, que formam a Holbrooks estabeleceram como missão para a sua produtora:
"Holbrooks creates beautiful things, but never for the sake of beauty alone. Behind every frame we produce, there is thoughtfulness, integrity and value. Holbrooks paints from a broad spectrum of hues -- from the lurid to the luminescent, -- always with the goal of building narrative richness. We seek to inspire viewers’ continued thought and conversation than to provide tidy endings to our stories. We love working in the short form; where economy is essential, one must be ruthlessly compelling to make an impact with lasting resonance. In every form and duration, Holbrooks seeks to engage with the power of honesty and sensitivity."
Mas se a arte visual é soberba, toda a enfatização criada na faixa sonora incrementa terrivelmente o seu valor, desde logo com a belíssima narração do ator Richard E. Grant, mas acima de tudo pelo fantástico trabalho de foley da Antfood. Porque mais do que aquilo que se diz, conta aqui o como se diz, e toda a curta é em si mesmo um exercício estilístico de construção de uma experiência estética que nos obriga a parar, contemplar e refletir.

"Teeth" (2015) de Daniel Gray e Tom Brown
Sinopse: "Things of worth are often neglected in favour of that which might be more immediately gratifying. Unfortunately, the things that are neglected are often lost forever, irreplaceable. This is the story of a man with a misguided and intense focus – one which started in his youth and carried on to old age. His life events are chronicled through the loss of his teeth – and how his obsessive efforts to amend what was damaged bring on yet further destruction."

fevereiro 26, 2016

Gentrificação

Sublime, é o que me vem à cabeça terminada a curta “Gentrification” (2015) de Alberto Mielgo, de quem já aqui tinha falado antes a propósito de uma outra curta, Innocent, in a way” (NSFW), na qual Mielgo entrava como personagem, dando vida a si mesmo, enquanto artista, e à sua expressão em pintura a óleo. Já nessa altura tinha dado conta do facto de Mielgo trabalhar a animação além da pintura, mas esta sua nova curta apresenta toda uma evolução no controlo da linguagem cinematográfica que merece toda a nossa contemplação.




Esta curta é toda uma obra autoral em busca da expressão de uma única ideia, um conceito. A gentrificação é uma tendência dos bairros urbanos, normalmente centrais e anteriormente plenos de vida, que por via do enorme aumento de valor dos imóveis, obriga ao deslocamento das famílias de baixos recursos e pequenas empresas para a periferia das cidades.

Meigo cria uma obra simbólica para dar conta do real, optando por trabalhar em profundidade a estética audiovisual, nomeadamente a arte da animação (multiplicação e movimento no After Effects), em conjunto com as técnicas de cinematografia (desfocagem, velocidade), usando como elementos da sua narrativa, bases pictóricas criadas por si, dotadas de enorme expressividade e das melhores técnicas de ilustração e pintura (“black Inks, pencil, watercolors”). Claro que o filme não é alheio ao poder da música, tendo Mielgo socorrido-se de Franz Schubert com o seu String Quintet in C Major, D. 956: ll. Adagio.

“Gentrification” (2015) de Alberto Mielgo

“Gentrification is a visual poem that expresses the mix of feelings Mielgo has about the way cities transform when new money moves in. “I’m not criticizing gentrification and I’m not promoting it—I have a lot of mixed feelings about it, and this is just one way to look at it,” he says.” (Adobe Creator)

janeiro 12, 2016

Da visceralidade da tinta a óleo

A materialidade da pintura plastificada pela macro cinematográfica. "Tone" é um pequeno filme de Trent Jaklitsch, no qual parece estar à procura de um acesso à essência da pintura por via de grandes planos da forma e dinâmica dos óleos. A momentos parece desejar penetrar a tinta, agarrar e plasmar através da objetiva para nos dar a sentir numa montagem imensamente dinâmica envolvida por uma música eletrónica que lhe confere o ritmo perfeito.





O efeito é simplesmente hipnotizante. Depois do vídeo vale a pena uma visita a Alyssa Monks.

"Tone" (2015) de Trent Jaklitsch

novembro 28, 2015

O espírito natalício animado

Belíssima animação criada para o anúncio anual da lotaria espanhola de fim de ano, "El Gordo". A curta foi conceptualizada pela agência Leo Burnett (Espanha), produzida pela Blur (Espanha) e Passion Pictures (UK) e executada pela Milford (Suécia). Apesar de toda a polémica despoletada pela comunidade de animação espanhola, pelo não recurso a uma companhia espanhola, e em sua vez sueca, quero dizer que o traço de trabalho que aqui vemos sofre de uma clara influência da Passion, a "Pixar da publicidade".




"Justino" encarna todo o espírito natalício de uma forma bastante simples, sem maneirismos nem piruetas muito piegas, por via da personagem principal que nos conduz e faz sentir, sempre nos limites do humor e solidário. A modelação e animação são sólidas, sem grande exibicionismo, servem-nos um universo paralelo credível mas adorável. O making of não dá muita informação sobre a construção técnica, mas contribui para o conhecimento mais claro do modo como foi concebido o conceito pela agência.

Concordo com a comunidade de animação espanhola, que a execução deveria ter sido realizada em Espanha, já que isto é algo que também vemos acontecer muito em Portugal. Somos países de parcas oportunidades para este tipo de projectos, e por isso acaba por ser muito triste ver projectos desta envergadura, e ainda por cima com dinheiro público, voarem para outros países, sem que para isso se apresentem claras mais valias. Até porque não vejo os grupos suecos, como por exemplo a IKEA a tentar promover outras culturas que não sejam as do próprio país.



A música que serve de banda sonora é, "Nuvole bianche" de Ludovico Einaudi, retirada do álbum Una Mattina (2007). Einaudi vai estar em Portugal em Abril 2016.

novembro 17, 2015

No interior de uma mente autista

A brasileira Lobo criou mais um anúncio social brilhante para a ONG Autism Speaks. Recorrendo a uma mescla muito interessante de materiais ("mixed-media"), foi criada uma animação que consegue dar conta do mundo interior vivido por uma criança com autismo, de forma muito explícita e direta.




Se o resultado final é brilhante, todo o processo de design para chegar até ali não é menos, já que apesar de falarmos de um trabalho de foro artístico, ele é profundamente baseado numa lógica centrada no utilizador. No pequeno making of percebemos como decorreu o processo e a partir de onde surgiram as ideias centrais para o desenho daquilo que podemos ver ao longo do curto minuto de duração, algo que o próprio realizador confirma em entrevista ao Motiongrapher.

Toda a informação recolhida foi depois trabalhada em termos visuais e materiais, sobre os quais se desenhou então uma pequena história que desse coerência ao interior do mundo da criança, e conseguisse num breve minuto conferir uma experiência completa (com princípio, meio e fim) aos espectador, como se pode ver na imagem abaixo.

Design do fluxo emocional do anúncio [fonte]

Todos os cenários são reais, fabricados em estúdio, apenas os personagens foram criados em 3D por razões de tempo. Existe uma clara tentativa de misturar diferentes materiais, procurando assim dar vida à diversidade intrínseca da mente de cada um de nós. Neste minuto estiveram envolvidas 50 pessoas ao longo de 2 meses.

"Autism Speaks" (2015) da Lobo

novembro 10, 2015

Animação 3d: "Os Laços de Sangue"

Uma animação literalmente sumptuosa. Toda a direcção de arte trabalha de forma soberba a luxuria da relação de sangue em questão, criando todo um universo, que não sendo propriamente inovador é altamente eficiente e consistente na criação do sentimento que subjaz à personagem principal. Mais um belíssimo trabalho de alunos da escola francesa de cinema e animação George Méliès.




Temos todo um conjunto de cenários barrocos, cheios de folhos e formas curvas, cobertas por contrastes de luz intensa e volumosa, tudo toldado por tons de vermelho sangue. As personagens assumem uma caracterização particular, autoral, fina e detalhada, de grande coerência entre si.

O menos conseguido, ainda que falemos de uma curta de 3 minutos, acaba sendo a história, pelo cliché, assim como pela tentativa gorada de sugestão, que acaba por passar mais como explicação. Ainda assim a narrativa trabalha em consonância com toda a restante arte, acabando por funcionar como a necessária cola e justificação da criação do universo.

"Les Liens de Sang" (2015) de Sophie Kavouridis, Manon Lazzari, Marion Louw, Simon Pannetrat e Thomas Ricquier

outubro 17, 2015

Profissão: Animador

Bruna Berford criou uma pequena animação, do tipo ensaio audiovisual, onde dá conta dos requisitos necessários ao cumprimento da profissão de animador. Um filme curto com excelente ritmo, no qual se dá conta, dos primeiros passos ao resultado final da acção do criativo. É um filme relevante por não assumir o deslumbramento que a profissão provoca, mas antes por enfrentar o esforço que a prática requer com grande honestidade.



Este filme é o resultado de um trabalho realizado por Berford para a disciplina de Stop Motion Experimental na Academy of Art University, onde se licenciou em Animação. Berford é atualmente Cinematic Artist na Telltale Games.

 
"Occupation: Animator" (2014) de Bruna Berford

outubro 11, 2015

Filmes da Gobelins 2015

Mais um ano, mais uma vaga de filmes de fim de curso da Gobelins chega à rede. Os filmes deste ano parecem-me um pouco mais introspectivos e reflexivos, apesar dos poucos minutos de que dispõem para tal (2 a 4 minutos). Em termos técnicos continuamos a poder ver do melhor que se faz no mundo académico da animação internacional. Dos 8 filmes agora publicados, seleccionei os 4 que mais me emocionaram, e que passo a apresentar.






"Que Dalle" (2015) de Caroline Cherrier, Hugo De Faucompret, Eva Lusbaronian, Arthus Pilorget, Johan Ravit

É um belíssimo trabalho de cinema que se socorre da ilustração e animação para criar um universo de realismo enfatizado, trabalhado ritmicamente para estimular em nós as distintas emoções da história que vai construindo. Os cenários são envolvidos por um imenso trabalho de luz e sombras, e a animação catapultada por meio da montagem e composição. Impressionante do ponto de vista técnico, tanto na coerência da estética da ilustração, como na criação da obra audiovisual como um todo, nomeadamente montagem e cinematografia. Vale a pena passar pelo TheCab, blog de concept art, para saber mais sobre o processo de criação de "Que Dalle".


"Made in China" (2015) de Vincent Tsui

Um trabalho que opta por uma linha de ilustração autoral, no sentido de servir o aprofundamento da mensagem, como garante de intenção expressiva. Se por vezes nos rimos, outras somos convidados à contemplação em profundidade sobre a sociedade que habitamos.


"Wildfire" (2015) de Hugues Opter, Pierre Pinon, Nicole Stafford, Valentin Stoll, Arnaud Tribout, Shang Zhang

O filme, apesar de curto procura dar um lampejo das ansiedades que trespassam a mente de uma mulher-bombeira, na sua relação com o trabalho e família. A animação segue um trabalho tradicional, com a ilustração a fugir para traços a óleo, de modo a contribuir para um extrapolar da complexidade da mente da personagem.


"Ama" (2015) de Liang Huang, Mansoureh Kamari, Julie Robert, Tony Unser

É o filme lírico da série, por meio de uma base a óleo somos levados pela mão no sonho de uma senhora num mar do Japão.


[via Short of the Week]

setembro 22, 2015

o movimento da metamorfose

Para quem gosta de animação, a última curta de Masanobu Hiraoka é um verdadeiro doce, com o movimento a surgir a partir de metamorfoses fluídas, criando toda uma experiência escapista e perceptivamente líquida. Hiraoka está ligado ao colectivo francês Je Regard, no qual colabora Carlos de Carvalho, de quem já aqui falei antes, esta sua animação foi-me enviada pelo Nuno Folhadela a quem fico imensamente grato.





Interessante como Hiraoka vai desenhando todos os seus elementos a partir da base do desenho - o ponto, a recta, o plano, as formas - e depois as vai metamorfoseando, umas nas outras, criando um bailado de movimento gráfico que nos seduz e compele a ir atrás de cada nova forma, de cada novo traço, de cada nova cor. No campo da cor a coerência é grande, com um equilíbrio contido, e ao mesmo tempo uma palete que lhe confere uma enorme peculiaridade visual.

março 13, 2015

Nós e a natureza

Depois da experiência que vivi na semana passada na minha primeira visita ao Grand Canyon, encontro hoje um filme de Ryan Deboodt sobre a maior caverna conhecida, Hang Son Doong. O que liga estes dois espaços é o facto de serem ambos, obras criadas pela própria natureza, com dimensões majestosas e dotadas de formas profundamente curvo-orgânicas. É diferente passear num local destes a ver um filme, mas o filme de Deboodt impressiona, dando uma ideia aproximada do que se pode esperar ali contemplar.




Estes monumentos naturais servem essencialmente para isso, para a contemplação. Ao contemplarmos o poder e arte da natureza, podemos conhecer melhor o mundo que habitamos, mas podemos ainda aprender mais sobre aquilo de que somos feitos, porque em essência, nós e a natureza, em nada nos distinguimos.

A caverna de Hang Son Doong está situada no Parque Natural Phong Nha Ke Bang no Vietname, tendo sido apenas descoberta em 1991. Possui um comprimento de 5 km, e 200m de altura por 150m de largura. As imagens a partir do chão foram captadas com uma Canon 6D, com uma objectiva 16-35mm, para as aéreas foi utilizado DJI Phantom 2 com uma GoPro HERO4 Black. Existem vários planos soberbos, mas gostei particularmente do plano inicial em que percebemos o contraste entre o tamanho da caverna e as pessoas que parecem pequenas formigas, no topo de picos dotados de curvas graciosas, e também do plano em que se pode admirar o volume da luz a entrar pelos buracos da caverna. Um filme a ver e a rever, e mais um local para visitar um dia.

Hang Son Doong (2015) de Ryan Deboodt


[Via This is Colossal]

março 06, 2015

Como a tecnologia nos muda, ou não...

As neurociências trouxeram imensos benefícios a praticamente todos os domínios do conhecimento, da psicologia à medicina, desde que o objecto de estudo se relacione com o ser-humano, elas estão no centro. Contudo precisamos de ter algum cuidado quando transferimos o conhecimento do meio académico para o meio geral, já que pelo meio se dão sempre amplificações e reduções que acabam, por vezes, por redundar em distorções. Um desses temas é o da plasticidade do cérebro, que tem sofrido um hype tremendo, nomeadamente quando associado às tecnologias de comunicação, como a internet (ver mais em Nicholas Carr, a internet e o nosso cérebro). Neste sentido, trago hoje dois pequenos filmes à discussão.



O primeiro, “Has Technology Changed Us? Rewiring the Brain” (2015), criado pela BBC e Open University, que vai de encontro exactamente ao problema que refiro acima. O filme, escrito por Nigel Warburton um filósofo britânico (e narrado por Gillian Anderson), pega no conhecimento entretanto desenvolvido no campo das neurociências e especula abertamente sobre o alcance desse novo conhecimento. Assim quem veja este filme, sem qualquer informação adicional, ficará com a ideia que o nosso cérebro, independentemente da idade, se adapta e modela ao sabor dos dias, que podemos mudar os nossos hábitos e personalidades, e que por isso mesmo o nosso cérebro se está a adaptar à velocidade e multitasking das tecnologias de comunicação, com todos os benefícios e problemas daí decorrentes. Ora, isto tudo é muito interessante enquanto especulação filosófica, mas tem pouco ou nenhum assento em ciência. O nosso cérebro muda sim, mas não muda à velocidade da nossa vida. Para determinadas mudanças são precisas gerações, para outras é preciso bem mais, entramos num processo de selecção natural que pode demorar milénios a efectuar-se.

Has Technology Changed Us? Rewiring the Brain” (2015) de Nigel Warburton

E é aqui que aproveito para introduzir o novo ensaio-audiovisual de Adam Westbrook, “A Briefer History of Time: How technology changes us in unexpected ways” (2015). Tenho apresentado aqui os filmes que Westbrook tem feito para o Delve (ver os vídeo-ensaios anteriores), desta vez trago um trabalho seu para o Fusion, feito como encomenda, e por isso feito de forma bastante mais rápida, segundo o próprio num terço do tempo, logo sem o amadurecimento que nos habituámos a ver no Delve. Contudo continua a ser um bom trabalho. E se o junto ao filme da BBC é porque ele dá conta do impacto das tecnologias, do modo como elas nos modificam, alteram aquilo que somos, sem precisar de entrar em teorias especulativas, apenas apresentando factos históricos e seus efeitos. A diferença, entre estas abordagens, está no tempo, mas não o das horas, o das gerações. Como a tecnologia imprime novos hábitos e comportamentos e como estes, com o passar dos tempos, se vão afirmando como parte de nós, ainda que não percamos nunca a percepção daquilo que somos. Ou seja, podemos mudar e aceitar mudar aquilo que somos, mas em essência mantemos aquilo que somos, continuando a sentir o apelo para retornar a essa forma que faz de nós seres humanos, e não outra coisa qualquer.

A Briefer History of Time: How technology changes us in unexpected ways” (2015) de Adam Westbrook

fevereiro 25, 2015

Uma animação do social

Spectators” (2013) de Ross Hogg, estudante da Glasgow School of Art, é uma curta de animação digna de ombrear com o melhor que se faz em literatura, no que toca ao tratamento dado à descrição do ser humano e sua interacção social. A animação serve aqui, tal como o texto serve por vezes, a descrição da expressão humana num detalhe impressionante. Hogg dá-nos a experienciar uma partida de futebol apenas do ponto de vista dos seus espectadores, fazendo-o com um sentido de observação extremamente refinado.




Tudo isto não seria possível sem noções muito concretas de desenho, animação, som e especialmente câmara. O desenho serve a expressão por meio da abstracção, não se focando no detalhe da aparência dos sujeitos, para assim enfatizar os seus comportamentos, que por sua vez são alavancados pela animação dos seus corpos, posturas e gestos. O som envolve o desenho abstracto e dá-lhe vida, concentrando o nosso olhar apenas sobre o que se pretende mostrar, sem esquecer aquilo que não se mostra, e que somos obrigados a imaginar. Por fim a câmara segue todas estas facetas enquadrando-as e dando a ver, apenas quando se deve dar a ver, gerindo assim a nossa atenção, destilando e focando as nossas emoções.

É um filme carregado de pequenos detalhes, alguns verdadeiramente soberbos. Não resisto a referenciar um em particular do uso da câmara quando é marcado o único golo em que a câmara trabalha literalmente para sincronizar-nos emocionalmente com os espectadores. Em travelling rápido, a câmara estaca de frente ao espectador que aguarda pelo golo, a câmara enquadra-o num plano médio, permitindo que a sua cara saia de plano, não a seguindo, mantendo enquadrado a parte de baixo do sujeito, uma área sem vida nem expressão, como que prendendo ali o nosso olhar, enquanto o som continua a acção, elevando a nossa ansiedade para descobrir a cara, e nela descobrir se será golo. Muito bom.

"Spectators" (2013) de Ross Hog

janeiro 23, 2015

O estranho mundo do esquecimento

Belíssima animação de Stephen McNally, como trabalho do Mestrado em Animação pelo Royal College of Art, consegue-nos capturar por meio de uma ilustração distante dos cânones mas altamente evocativa, conjuntamente com uma mensagem de fundo e uma musicalidade que trabalham para tornar o evocativo numa atmosfera densa que se agarra a nós. São apenas dois minutos que se vêem, re-vêem, e voltam a ver. Uma delícia.



O tema adapta-se na perfeição, ou melhor a plástica escolhida funciona em total sintonia com aquilo que se quer expressar, a ideia de esquecimento, dos fiapos de recordações que se vão decompondo na nossa cabeça, e da qual parecem emergir sombras de pessoas, tal como neste filme, indefinidas, esguias, pouco dadas ao realismo em alta-definição, com faces que se desvanecem com o tempo que parece não conseguir sustentar os registos de toda essa informação.

"Forgot" (2013) de Stephen McNally

dezembro 01, 2014

viajantes do espaço

O artista digital Erik Wernquist criou um belíssimo filme que mais parece um documento audiovisual enviado do futuro no qual dá conta das nossas hipotéticas viagens através do sistema solar - passando por Jupiter, Saturno Marte, etc - para aproveitar a estonteante beleza natural deste magnífico universo. Para intensificar a viagem escolheu excertos da leitura de "Pale Blue Dot" (1994) por Carl Sagan para acompanhar a viagem em "Wanderers" (2014).




O mais interessante deste impressionante trabalho é que tudo foi feito com base em material verdadeiramente recolhido do nosso sistema solar. Wernquist recorreu à NASA para aceder a documentação e imagens e assim conseguir recriar, do modo mais próximo possível, os vários ambientes que podemos ver no filme. Claro que o fez acrescentando, a camada que torna o trabalho verdadeiramente impressivo, a presença do ser humano. Mais informação sobre cada uma das montagens, pode ser acedida na Galeria de Imagens, clicando em cada uma.

"Wanderers" (2014) de Erik Wernquist 
"For all its material advantages, the sedentary life has left us edgy, unfulfilled. Even after 400 generations in villages and cities, we haven't forgotten. The open road still softly calls, like a nearly forgotten song of childhood. We invest far-off places with a certain romance. This appeal, I suspect, has been meticulously crafted by natural selection as an essential element in our survival. Long summers, mild winters, rich harvests, plentiful game—none of them lasts forever. It is beyond our powers to predict the future. Catastrophic events have a way of sneaking up on us, of catching us unaware. Your own life, or your band's, or even your species' might be owed to a restless few—drawn, by a craving they can hardly articulate or understand, to undiscovered lands and new worlds.

Herman Melville, in Moby Dick, spoke for wanderers in all epochs and meridians: "I am tormented with an everlasting itch for things remote. I love to sail forbidden seas..."

Maybe it's a little early. Maybe the time is not quite yet. But those other worlds— promising untold opportunities—beckon.

Silently, they orbit the Sun, waiting."
Excerto de 'Pale Blue Dot: A Vision of the Human Future in Space' (1994) lido por Carl Sagan