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março 22, 2018

Livro, 'Wonderland' (2016)

"Wonderland" segue a fórmula criada por Steven Johnson nos seus livros anteriores, nomeadamente os mais recentes, dedicados ao historiar da ciência e criatividade — "The Invention of Air" (2008), "Where Good Ideas Come From" (2010) ou "How We Got to Now" (2014). Se retira o encanto de se ser surpreendido, não deixa de funcionar bem, as competências de Johnson enquanto contador de histórias são de grande excelência, ao que se acrescenta a quantidade de investigação e trabalho que coloca na feitura de cada livro que nos permite retirar muito da sua leitura. Neste novo livro Johnson deteve-se à volta de uma componente da atividade humana — o brincar — que continua a ser olhada como menor, procurando compreender o que nos conduz para essa atividade a partir de uma análise substancialmente rica sobre eventos imensamente relevantes da nossa história que não teriam acontecido sem a nossa vontade, desejo ou necessidade de brincar.


A edição em capa dura é muito boa, com bastantes ilustrações e papel de excelente qualidade.

Para abrir o livro Johnson apresenta a sua primeira grande história na qual demonstra a relevância do livro "The Book of Knowledge of Ingenious Mechanical Devices" escrito em 1206, e que serviu muitos anos depois na criação de tecnologias de suporte aos motores de combustão e barragens, e que não passava de um livro descritivo de brinquedos e sistemas de diversão para elite de Bagdade. A partir daqui, Johnson apresenta seis capítulos, cada um dedicado a uma área distinta — moda, música, paladar, ilusões, jogos, e espaços públicos — nos quais vai usar a mesma técnica de repescar eventos da nossa história para demonstrar o impacto e a relevância do brincar e do entretenimento na evolução e progresso da nossa civilização.

Páginas do livro "The Book of Knowledge of Ingenious Mechanical Devices" de 1206. Mais info.

Os tópicos e os eventos vão-se sucedendo, funcionando como pequenas aulas de história bem ilustradas que nos surpreendem e agarram o interesse do início ao fim. Desde o surgimento da cor púrpura, rara e apenas acessível à elite; ao surgimento e particularidade do cultivo da baunilha (necessitava de uma região particular onde cresciam um grupo particular de abelhas) ao impacto do algodão na moda e na criação das rotas de escravos; às especiarias que Vasco da Gama trouxe para adoçar o paladar da elite europeia, criando um tempo em que o seu peso valia mais do que o mesmo em ouro; passando pelo surgimento dos mercados aos centros comerciais; dos parques temáticos aos grandes parques naturais; das tavernas aos bares; dos teclados de música aos teclados dos nossos computadores; do Panorama ao Imax; do surgimento dos jogos com bolas de borracha na América do Sul à indústria mundial de borracha; e ainda do primeiro videojogo ao IBM Watson, ou ainda sobre o impacto do café nas nossas vidas:
“Caffeine likely played some role in the great expansion of intellectual and industrial activity that Europe witnessed in the eighteenth century, at the exact moment that coffee and tea became staples of the European diet, particularly in England and France. (The Europeans effectively swapped out a depressant — the default daytime beverage of alcohol — for a stimulant en masse, with predictable results.) Certainly caffeine was a crucial ingredient in easing the workforce of the first industrial towns into the regimented schedules of factory time.” (p.248)
Os exemplos são fortes e servem bem a causa de Johnson, o que não invalida que possamos levantar algumas questões. Nomeadamente porque aquilo que Johnson faz é pegar em casos específicos e conduzi-los para a teorização que pretende demonstrar. Cada um destes casos serviria outras justificações, já que são todos dotados de grande multivariância nas suas variáveis dependentes. nesse sentido, talvez o mais interessante surja mesmo no final do livro, quando Johnson se apresta a explicar porque partiu para todo este levantamento, porque diga-se não era preciso um livro inteiro para o fazer, um artigo científico daria conta do que ele pretendia dizer, e que era:
“The surge of dopamine that accompanies a novel event sends out a kind of internal alarm in your mind that says: Pay attention. Something interesting is happening here. Bone flutes, coffee, pepper, the Panorama, calico, Babbage’s dancer, dice games, the Bon Marché—beneath all the surface differences between these objects, one common characteristic unites them all: they were surprising when they first appeared. We were drawn to them compulsively because they offered novel experiences, tastes, textures, sounds. Illusions took our visual predictions about the spatial arrangement of objects in the world and confounded those expectations in startling ways. Spices offered exotic new flavors that our tongues had never experienced before. One of the defining characteristics of games—as opposed to, say, narrative—is precisely the fact that they turn out differently every time we play them; games are novelty machines. That’s what makes them fun (and sometimes addictive). All these forms of escape and amusement provided a “novelty bonus” to the brains that first experienced them.” (p.282)
Não colocando em dúvida esta conclusão, aliás defendendo-a de certo modo no meu trabalho à volta do brincar e jogar, tenho de dizer que o método seguido é muito pouco científico, e que existem outras abordagens que podiam servir melhor o objetivo. Por exemplo Dutton em "The Art Instinct" (2009) traça objetivos muito próximos, no caso aplicados à arte, mas fá-lo partindo da seleção sexual de Darwin construindo toda uma lógica dedutiva capaz de sustentar as suas conclusões. E repare-se que a interrogação de Johnson não é assim tão diferente, no sentido em que tanto a arte como o brincar adulto, não oferecem nada de útil ao ser-humano, ou seja são praticamente injustificáveis do ponto de vista evolucionário. E Johnson até apresenta uma explicação plausível — a necessidade assenta na curiosidade humana, na nossa infinita sede de novo — o problema é que Johnson limita-se a atribuir isso à produção de dopamina no nosso cérebro. Ora isso não chega, porque desde logo o facto da dopamina ser descarregada em cada um destes momentos só pode acontecer por razões evolucionárias. Ou seja, algo ocorreu que conduziu a que aqueles de nós que brincavam e sentiam prazer com isso (tinham descargas de dopamina) foram mais bem sucedidos que os outros que não o faziam. E se isso é fácil de ver nos dias de hoje num mundo industrializado a alta velocidade, que retribui mais e melhor aqueles que são mais criativos, nem sempre assim terá sido nas eras passadas. Ou talvez não, teremos nós sempre recompensado melhor quem era mais imaginativo e criativo?

março 03, 2018

Journal of Digital Media & Interaction

Não faltam revistas científicas no mundo, por isso de todas as vezes que pensei criar uma nova, particularmente ao longo dos últimos cinco anos, questionei-me sempre se valeria a pena, se era mesmo necessária, se não existiriam já espaços suficientes onde publicar toda a investigação que se vai fazendo nas áreas em que tenho trabalhado. Porém, desta vez esse projeto avançou, motivado pelo facto de ter mudado de instituição no final do ano passado, e pelo facto do grupo que vim encontrar, apresentar uma especificidade a nível nacional que mesmo no campo internacional encontra ainda poucos espelhos. Claro que para que um projeto destes avançasse no terreno, dada a sua exigência, seria preciso existirem mais pessoas com a mesma vontade, um centro de investigação interessado no mesmo — Digimedia — mas em particular uma colega, a Lídia Oliveira, que desde a primeira hora se mostrou totalmente disponível para levarmos este projeto por diante. Assim, a nova revista científica internacional que agora torno pública — Journal of Digital Media & Interaction — não acaba aqui, antes começa. Não faltam ideias a mim e à Lídia para o futuro da mesma, veremos até onde nos conduz, ou até onde a conseguiremos nós conduzir.


Falei da especificidade científica e por isso devo aqui explicitar a mesma, ainda que esta se encontre há muito inscrita na matriz científica da Universidade de Aveiro como área de "Ciências e Tecnologias da Comunicação", designação académica daquilo que foi em tempos a Multimédia, depois os Novos Media, seguido dos Media Interativos e que hoje tende para a designação de Media Digitais. O Scope da revista contribui para elucidar essa especificidade, definindo a abordagem como transdisciplinar, dadas as exigências que o campo apresenta. Não se trata apenas de trazer para o seio da discussão diferentes colegas, munidos de diferentes abordagens científicas, mas de cada um de nós laborar a construção de conhecimento baseado em teoria e empiria proveniente de diferentes áreas. No caso, o foco nasce da junção de duas áreas por força da evolução tecnológica: de um lado os Media, enquanto mediadores de comunicação e informação; e do outro o Design, enquanto construtor da interação entre os media e os utilizadores. Para o efeito precisamos assim de convocar para além dos Estudos dos Media e do Design de Interação, a Comunicação, a Interação Humano-Computador, os Estudos Culturais, o Design, a Psicologia, a Sociologia e as Ciências da Informação. Como facilmente se poderá entender, uma abordagem deste tipo abre um território infindável de domínios, que pode ir desde os videojogos às aplicações nos campos da saúde e educação, passando pela televisão interativa, a cibercultura, a computação física, ou o design inclusivo. Neste sentido, as áreas de interesse listadas na revista, representam apenas a ponta do icebergue daquilo que esperamos poder vir a discutir nas páginas desta nova revista.

Como uma revista não existe per se, menos ainda uma revista científica, interessa aqui dar conta do mais importante deste anúncio, e que é a nossa primeira Chamada de Artigos estar aberta até ao dia 30 de Abril de 2018. Quem submeter agora, habilita-se a publicar naquele que servirá de nº1 a esta revista. Para já ainda não temos ISSN, porque este só é atribuído depois de publicado um primeiro número, por se tratar de uma publicação periódica. Relativamente à indexação, todos os que sintam alguma reticência, posso assegurar-vos que o nosso objetivo, tanto meu como da Lídia, é indexar a revista nos principais serviços internacionais no mais curto espaço de tempo, tendo perfeita noção do trabalho que isso implica. Aliás, nesse mesmo sentido elegemos o Inglês como língua principal de trabalho da revista, mantendo no entanto aberta a possibilidade de publicar artigos em português, francês e espanhol.

Peço-vos então que partilhem o CFP e deem a conhecer o Journal of Digital Media & Interaction, e claro, submetam os vossos artigos.

fevereiro 12, 2018

CFP: Storyworld Design

Já está online a Chamada de Artigos para um número especial da revista científica espanhola ICONO14 dedicado ao Storyworld Design. Creative perspectives for an Organic Transmedia, que será editado por mim e pela colega Beatriz Legeren Lago da Universidade de Vigo. A I14 é uma revista da área das Tecnologias da Comunicação, baseada na Universidad Complutense de Madrid, e está indexada na Web of Science.


Como diz o subtítulo — Creative perspectives for an Organic Transmedia — o nosso foco são os aspetos ligados ao desenvolvimento e criação de Transmedia, ou seja, interessa-nos essencialmente discussões sobre os modos como se faz e fez ou ainda prospetivas e especulações sobre como inovar ou avançar os modelos atuais de design no sentido de obter a maior organicidade possível.

Diagrama do design de mundos-história transmedia. Gráfico de Peter von Stackelberg

O deadline para a submissão dos artigos completos é Setembro 2018, sendo a revista depois publicada em Janeiro 2019. Qualquer dúvida, contactem, e por favor partilhem o CFP abaixo, na versão PDF ou a partir da própria revista.

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Call for Papers for a journal special issue on

Storyworld Design. Creative perspectives for an Organic Transmedia

** Journal **
Journal ICONO14
ISSN: 1697-8293 | DOI: 10.795/ri14 | URL: https://icono14.net


** Deadlines **
Opening date for the submission of proposals: 1 July 2018
Deadline for submission of full articles: 15 September 2018


** Guest Editors **
Beatriz Legeren Lago, University of Vigo (Spain) [blegeren@uvigo.es]
Nelson Zagalo, University of Aveiro (Portugal) [nzagalo@ua.pt]


** Publication date **
1 January 2019


** Presentation **
Digitalization affects not only consumption, but also creation. Stories should not be designed only for one medium (screen), they should be created with many screens in mind. Making the most of their different characteristics will enrich the story and provide new ways to approach a fictional universe that can become pervasive through the design of organic transmedia products.

As creators we can no longer focus on only one medium, we need to be aware of how they interrelate in the new media ecosystem. We must also reflect on how to apply our creative potential, either by relying on simple multimedia, intermedia or crossmedia scenarios or by taking active steps to develop transmedia. Independently of the future ecosystem in which our creations will take place, narrative production should nowadays be understood more in terms of a fictional universe rather than in terms of a closed story. In other words, the current mix of technical possibilities, media and media channels allow, and almost demand, the continuation, extension, adaptation, or extrapolation of the story.

Note how, in recent years, we have changed our own discourse, talking about narrative design instead of narrative writing. This is explained by changes in the media ecosystem, the increased demand for narrative products but, especially, by the need to create narratives that work as organic systems capable of linking different stories, multiplying perspectives, and creating universes.

None of this is indifferent to production companies’ needs to create new intellectual property. The need for content to keep all the content networks active has led to increased production, but creating new products is always a risk. Audiences tend to prefer sequels or prequels; in other words, stories that in some way are connected to universes they already know. Spectators are quick to identify and empathise with these universes and want to access them more. This means that, increasingly, each new story can no longer be considered as just a story; it must have conditions to be expanded into new and complete narrative universes.

On the other hand, we cannot forget how the world of communication has abandoned the unidirectional creation paradigm. We can no longer think about creators and receivers, we need to understand that we are communicating with other creators. In other words, we need to be aware that fictional universes don’t end when they are released; that is the moment in which they really begin, as fans appropriate them and give them continuity in their communities. Over time, continuous creation cycles mean that these fan-based manifestations will be incorporated in next creations.

This monograph seeks to collect research contributions that will describe, explain and reflect on the story creation process from the perspective of scriptwriters and designers; producers and directors; and from the audience, readers, spectators or players.

But that won’t be all. It also seeks to understand where these new models are taking us and to present potential new approaches that new creators can implement and develop.


** Proposed topics **
Theoretical perspectives on creating for different screens.
Changes in the narrative construction of audiovisual works.
Video game script development with virtual reality interaction.
Co-creation and transmedia.
Proto narratives embedded in virtual systems.
Design of storyworlds and fictional universes.
Character design for fictional universes.
Designing for user/player participation.
Differences in transmedia models.
Narrative, game and storyworld.
Universes co-created by players.
Open and closed worlds.
The psychology of mental reconstruction of new stories.


** Guidelines for authors **
Papers can be submitted in English or Spanish.

All submissions must be made through the OJS platform of the journal Icono14 https://icono14.net/ojs/index.php/icono14/about

The authors’ guidelines can be found at the following URL: http://www.icono14.net/ojs/index.php/icono14/about/submissions#authorGuidelines


** About the Journal **
The Journal ICONO 14 offers a space to disseminate quality scientific works concerning basic or applied, experimental, epistemological and descriptive research on communication, its corresponding fields, and particularly Information and Communication Technologies from a communicative perspective.


** Indexation **
Web of Science - Emerging Citation Index, Clarivate Analytics, Google Scholar Metrics, Journal Scholar Metrics (Communication), MIAR , SJIF, INDEX Copernicus International, Cosmos Impact Factor

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novembro 25, 2017

Desmoralizados por um ciclo de desejo sem freio

O texto "The Demoralized Mind" é de 2016, mas fica para mim como um dos textos mais interessantes que li em 2017. O seu autor, John F. Schumaker, um académico da área da Psicologia Clínica com trabalho reconhecido internacionalmente ao longo de décadas, fala-nos sobre a epidemia das doenças mentais, focando-se na depressão, indo ao fundo da mesma, para mostrar que quando não é patologicamente motivada, é mais certo tratar-se de um problema do foro do significado, que se pode designar por Desmoralização.


Da Depressão à Desmoralização 
“Three decades ago, the average age for the first onset of depression was 30. Today it is 14. Researchers such as Stephen Izard at Duke University point out that the rate of depression in Western industrialized societies is doubling with each successive generational cohort (..) depression is so much a part of our vocabulary that the word itself has come to describe mental states that should be understood differently (..) Since it shares some symptoms with depression, demoralization tends to be mislabelled and treated as if it were depression. A major reason for the poor 28-per-cent success rate of anti-depressant drugs is that a high percentage of ‘depression’ cases are actually demoralization, a condition unresponsive to drugs.”
Esta é uma realidade incontornável, as drogas são cada vez melhores neste domínio, da fluoxetina à paroxetina ou citalopram, mas estamos ainda muito longe de uma SOMA à lá Aldous Huxley, porque se nos fazem sentir felizes, funcionam mais como anestesia, esquecimento das dores do mundo, e quando o seu efeito termina, tudo fica igual ao ponto de partida, porque o problema não está na serotonina, está no modo como atribuímos significado à realidade.

Mas o que é a Desmoralização?
“Rather than a depressive disorder, demoralization is a type of existential disorder associated with the breakdown of a person’s ‘cognitive map’. It is an overarching psycho-spiritual crisis in which victims feel generally disoriented and unable to locate meaning, purpose or sources of need fulfilment.”
Mas porque está então tomar conta de nós, em pleno século XXI? Schumaker aproxima-se de Lipovetski e Baudrillard, e aponta o dedo à sociedade de consumo, para dizer que as suas práticas e rotinas estão atingir-nos e a corroer-nos por dentro.
“Consumer culture imposes numerous influences that weaken personality structures, undermine coping and lay the groundwork for eventual demoralization. Its driving features – individualism, materialism, hyper-competition, greed, over-complication, overwork, hurriedness and debt.” 
“The level of intimacy, trust and true friendship in people’s lives has plummeted. Sources of wisdom, social and community support, spiritual comfort, intellectual growth and life education have dried up. Passivity and choice have displaced creativity and mastery. Resilience traits such as patience, restraint and fortitude have given way to short attention spans, over-indulgence and a masturbatory approach to life.” 
“Research shows that, in contrast to earlier times, most people today are unable to identify any sort of philosophy of life or set of guiding principles. Without an existential compass, the commercialized mind gravitates toward a ‘philosophy of futility’, as Noam Chomsky calls it, in which people feel naked of power and significance beyond their conditioned role as pliant consumers. Lacking substance and depth, and adrift from others and themselves, the thin and fragile consumer self is easily fragmented and dispirited.” 
“By their design, the central organizing principles and practices of consumer culture perpetuate an ‘existential vacuum’ that is a precursor to demoralization. This inner void is often experienced as chronic and inescapable boredom, which is not surprising. Despite surface appearances to the contrary, the consumer age is deathly boring. Boredom is caused, not because an activity is inherently boring, but because it is not meaningful to the person. Since the life of the consumer revolves around the overkill of meaningless manufactured low-level material desires, it is quickly engulfed by boredom, as well as jadedness, ennui and discontent. This steadily graduates to ‘existential boredom’ wherein the person finds all of life uninteresting and unrewarding.” 
“Repeated consummation of desire, without moderating constraints, only serves to habituate people and diminish the future satisfaction potential of what is consumed. This develops gradually into ‘consumer anhedonia’, wherein consumption loses reward capacity and offers no more than distraction and ritualistic value. Consumerism and psychic deadness are inexorable bedfellows.”  
Ou seja, Schumaker fala do consumismo como alavanca, mas coloca o dedo numa suposta génese deste consumo que parece advir pela perda da crença, pela perda das verdades religiosas, e consequente ausência de guias ou orientações. Estamos entregues a nós próprios, restando-nos apenas a constante luta por mais, e mais, e mais, ainda que nos iludamos a nós mesmos com a ideia de que tudo o que fazemos tem como fundamento o melhorar e fazer bem ao humano.

Eu trabalho a Ciência todos os dias, e por mais que queira contradizer este panorama, não consigo. A realidade que habitamos hoje, pós-industrial e embebida de facilidades, que nos deveria fazer chorar de alegria a cada momento, não consegue elevar o nosso sentir. Já Harari repete esta ideia por várias vezes nas suas duas obras, "Homo Sapiens" (2014) e "Homo Deus" (2017), dizendo que tudo aquilo que hoje temos, tudo aquilo que aparentemente conseguimos além do que já tínhamos na Idade Média, em nada nos faz sentir melhores, ou ser mais felizes do que quem viveu nessa altura. Mas Schumaker vai mais longe, tentando explicar porque razão estamos a ser corrompidos pelo nosso "sucesso", citando os estudos do antropologista Raoul Naroll, que:
“used numerous examples to show that entire societies can become predisposed to an array of mental ills if their ‘moral net’ deteriorates beyond a certain point. To avoid this, a society’s moral net must be able to meet the key psycho-social-spiritual needs of its members, including a sense of identity and belonging, co-operative activities that weave people into a community, and shared rituals and beliefs that offer a convincing existential orientation.”
Ora isto aproxima-se de algo que tenho vindo a estudar a propósito das razões que nos levam a jogar videojogos, e que me tem levado a compreender que as motivações para o ato de jogar assenta fundamentalmente em disfunções humanas cognitivas. Ou seja, muitas das rotinas exploradas pelo design de videojogos para engajar os jogadores, estão diretamente ligadas a vieses cognitivos que podemos encontrar, por exemplo, definidos no trabalho de Daniel Kahneman. Ora o que Naroll parece querer dizer é que a nossa cognição, por sofrer destes vieses e entorses, requer algum tipo de estrutura externa, de condicionamento, para se manter equilibrada, o que já era dito antes por Erich Fromm a propósito do “frame of orientation”, que é aqui também citado, acabando Schumaker por rematar: “demoralization is a generalized loss of credibility in the assumptions that ground our existence and guide our actions.”

Ou seja, a nossa ânsia por nos liberar das "verdades" religiosas, entre outras, atirou-nos para um mar de incerteza e dúvida, no qual só nos resta continuar a navegar em frente. Por sua vez, ir em frente está-nos no DNA, precisamos continuamente de mais, de conseguir ter mais, de ir mais além. Mas quanto mais vamos obtendo mais precisamos de obter para continuar a sentir que dominamos o mar que navegamos, fazendo com que conseguir ter mais seja o nosso único desígnio. Deste modo, se este nosso desejo intrínseco é a nossa maior força, enquanto seres humanos, centelha fundamental da curiosidade e da criação de novo conhecimento, parece ao mesmo tempo estar a tornar-se na nossa maior prisão.

O "tratamento" sugerido é complexo, citando novamente Fromm, "We can’t make people sane by making them adjust to this society. We need a society that is adjusted to the needs of people". Ou seja, o problema não está nos indivíduos, mas na rede social que os sustenta a todos. Não podemos mudar nada disto de modo individual, e o maior paradoxo de tudo isto é que quanto mais livre é a sociedade mais individualistas nos vamos tornando, afastando-nos de poder vir a encontrar uma solução para o problema. O destino de tudo isto, proposto por Schumaker, é distópico, mas talvez não seja irrealista, porque na orgânica da natureza tudo funciona por ciclos, e cada ciclo atinge sempre o seu fim para dar lugar a um novo.


Atualização 26.XI.2017
Se o texto acima termina numa nota negativa, numa certa desesperança face ao que nos aguarda enquanto espécie, como em tudo o que é discussão filosófica, existe sempre um outro lado da argumentação. Nesse sentido, veio mesmo a calhar o último episódio da "Shot of Awe" de Jason Silva, publicado também ontem, que aqui deixo para contrabalançar. Silva é reconhecido pelo seu imenso otimismo, à lá Carl Sagan, e este pequeno shot de vídeo é inspirador, para quem se quiser deixar levar.

"And Ode to Knowledge" (2017) de Jason Silva

setembro 01, 2017

Mudar, recomeçar, continuar

Passei os últimos 11 anos como professor e investigador na Universidade do Minho. Não foi fácil à chegada, também não é fácil na partida. Conheci funcionários, alunos e colegas fantásticos, com um sentido de dever e curiosidade constantes, e é por eles que custa. São as pessoas que nos marcam, são elas a cola das experiências que construímos no interior das nossas memórias, e que seguem conosco. Sou uma pessoa diferente da que chegou à UM em 2006, aprendi muito mais do que ensinei, e por isso agradeço a todos os que encontrei e me encontraram.



Hoje inicio funções na Universidade de Aveiro, é uma mudança, é um recomeço, mas será também uma continuação da construção de experiências, agora com um novo grupo, ainda que constituído de muitos antigos colegas, ansiando por estar à altura da excelência do trabalho que têm desenvolvido.