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janeiro 22, 2013

A mente como autobiografia

Fiquei um pouco desapontado com Self Comes to Mind. Damásio é um cientista brilhante e bom comunicador, mas aqui repete-se. Se já leram seus livros anteriores, principalmente O Erro de Descartes e O Sentimento de Si, vão sentir que se avança muito pouco. Se quiserem ficar por dentro do pensamento de Damásio e de uma forma brilhante, aconselho antes a sua TED talk do ano passado. Naqueles 18 minutos estão condensados todos os avanços teóricos que ele desenvolveu sobre a consciência ao longo dos últimos 15 anos.


Em Self Comes to Mind Damásio desenvolve um modelo da experiência da consciência que assenta numa ideia de consciência autobiográfica constituída por todas as nossas memórias somaticamente marcadas, que nos permitem recordar o passado e projectar o futuro. Algo em que tenho vindo a reflectir também nomeadamente quando pensamos nos efeitos do Alzheimer e que aqui falei a propósito do livro Ainda Alice de Lisa Genova. Apesar de interessante, o livro apresenta o clássico problema dos livros académicos, que julgo que ele tinha superado em parte ao longo dos seus livros, que é a quantidade de detalhe técnico. Não é mau pelo detalhe em si, mas porque se repete, e passamos folhas atrás de folhas a ler detalhes neuro-técnicos que nada acrescentam às conceptualizções teóricas.

Quando este livro foi lançado Damásio fez uma série de sete vídeos que explicam os conceitos gerais por detrás do livro. Podem ver todos no YouTube, desses escolhi para deixar aqui, aquele que para mim é o centro conceptual deste livro What Qualities Define the Self?



Links de interesse
A consciência de Damásio, o Eu ou a Alma, in Virtual Illusion

fevereiro 12, 2012

A consciência de Damásio, o Eu ou a Alma

Damásio na sua TED Talk, The Quest to Understand Consciousness, falou sobre o seu assunto de sempre, a criação da consciência. Tem trabalhado desde sempre sobre esta, numa tentativa de tentar perceber como se cria, como emerge a consciência. Nesta talk vai sem dúvida mais longe no desvendar desse mistério, derrubando cada vez mais os misticismos criados por milénios e milénios de filosofia e teologia. Este é um assunto complexo mas que a neurociência vem trabalhando em pequenos passos, ajudando a simplificar. Ainda não há muito tempo tinha falado aqui sobre a germinação da consciência a propósito do livro Musicophilia (2007) de Oliver Sacks.

António Damásio

Assim Damásio começa por definir a consciência, como aquilo que nós perdemos quando entramos num sono profundo sem sonhos, ou quando estamos sob o efeito de anestesia, e que recuperamos quando saimos desses estados. Isto que recuperamos, Damásio divide em dois elementos
  1. a Mente, um fluxo de imagens mentais
  2. o Eu, percepção das imagens mentais

Visualização tridimensional dos fluxos de informação no cérebro

E diz-nos, que a consciência, é a Mente com um Eu dentro. Ou seja, o Eu introduz na mente, nas imagens mentais, uma perspectiva subjectiva. Assim nós só estamos completamente conscientes quando o Eu, volta à Mente. O Eu é o responsável por nos manter enquanto pessoa, reconhecível por nós e pelos outros. É o garante do fluxo contínuo das nossas acções, de que nos recordamos do que fomos ontem, do que somos hoje, e do que queremos ser amanhã.

A Soul in Heaven (1878) de William Bouguereau

A grande questão aqui, é como é que se constrói este Eu? E isso é o que milhares de anos a matutar nos levou a pensar que poderia ser algo imaterial externo, perdurável para lá do corpo, uma alma. Mas se ouvirmos Damásio explicar como é que as imagens mentais se interligam para criar a Mente, começamos a suspeitar que a resposta da alma, pouco tem que ver com isto. Assim aqui fica o modo como Damásio vê o Eu a construir-se,
"Nós geramos mapas cerebrais do interior do corpo, e utilizamos esses mapas como referência para todos os outros mapas (mente)" 
Simples. É verdade, funciona como uma Grande Estrutura distribuída pelos neurónios do nosso cérebro, e que foram e vão sendo criadas a partir das respostas do nosso corpo como um todo.  E porque é que isto faz mais sentido que uma Alma? Na minha opinião porque simplesmente, quando uma qualquer zona do nosso cérebro é afetada, perdemos o controlo das partes do corpo que estavam anteriormente sob o controlo daquelas zonas do cérebro, podendo todo o resto do corpo continuar a funcionar. É da mais elementar lógica.

Mas podemos questionar ainda, então como se explica que alguém possa ficar totalmente inanimado fisicamente, e ainda assim a sua consciência continuar a funcionar. E é isto que Damásio explica como sendo uma pequena zona em concreto localizada no Tronco Encefálico, entre o cérebro e a medula, a que ele chama de Regulador das informações que vêm do corpo, e que vêm do cérebro.  Se o fluxo que vem do cérebro para a zona de regulação for cortado (ex. AVC), entramos em coma. Ou seja deixamos de ter acesso ao fluxo do Eu, às imagens mentais. As imagens mantém-se lá, mas não conseguindo aceder-lhes, perdemos a consciência, deixamos de nos sentir, de saber que existimos.

Ponto Regulador da informação proveniente do cérebro e do corpo

Se o fluxo que vem de baixo for cortado (ex. queda com entorse na zona do pescoço), perdemos o acesso à informação que vem do corpo, mas o Eu continua a funcionar, criando a sensação de "preso dentro do próprio corpo". Damásio cita o magnífico filme de Julian Schnabel, Le Scaphandre et le Papillon (2007).

Le Scaphandre et le Papillon (2007) de Julian Schnabel

Para fechar Damásio fala sobre os níveis da Consciência, e os níveis que partilhamos com os outros animais, deixando como exclusivo nosso apenas a capacidade do Eu se Autobiografar. E é desta capacidade de autobiografia que surge a imaginação, a memória de longo prazo, a razão, a criatividade, assim como tudo aquilo a que chamamos de cultura, desembocando num processo que podemos definir de Regulação Sociocultural. Este processo aqui definido por Damásio, abre portas a toda uma outra discussão, que anda em volta das questões que definem as acções humanas na produção de cultura, e que se tem definido por uma batalha entre o campo que defende a biologia como origem de tudo, e os que defendem o social como o criador das acções humanas. Mas como disse, é toda uma outra discussão. Vejam a Talk e interroguem-se vocês mesmo.

Ted Talk de Antonio Damasio, The quest to understand consciousness (2011)

dezembro 09, 2011

Musicophilia (2007), música e consciência

Musicophilia (2007) de Oliver Sacks fala-nos sobre o modo como o nosso cérebro reage à música, através da descrição de vários casos patológicos analisados à luz da neurociência. O mais interessante desta leitura foi que o livro gerou um impacto em mim muito para além da compreensão do fenómeno perceptivo musical. Este livro abriu-me toda uma nova forma de nos compreendermos a nós mesmos, mais concretamente de compreender o que somos, de poder pela primeira vez perceber do que falamos quando falamos de consciência.


Musicophilia é um livro carregado de histórias de pacientes que nos ilumina sobre o assunto mas que não traz conclusões, sumários, nem síntese. Sacks dá-nos a ver o sumo e pede-nos que sejamos nós a tirar ilações. Concordo e discordo de Kakutani do NYTimes quando diz que um trabalho em profundidade de edição poderia ter ajudado, porque se sinto que segue um trajeto demasiado descritivo das patologias, percebo que o assunto em questão é complexo e difícil, ou impossível, de explicar com o conhecimento que possuímos atualmente.


A história que abre o livro é das mais impressionantes e é aquela que me atira diretamente para a discussão sobre o que é a consciência. Tony Cicoria é um cirurgião que foi atingido por um relâmpago tendo sofrido alterações de percepção. Ou seja, a partir dessa altura começou a ouvir música dentro da sua cabeça. Não quando queria ou imaginava, mas como ele descreve de forma quase “possuída”, e em torrentes, a tal ponto que apesar de nunca ter estudado música começou a aprender piano, e ao fim de algum tempo começou a compor a partir daquilo que ouvia.

Visualização de Musicophilia realizada por Austin Kleon

O que acontece neste exemplo é que sem uma perspectiva científica do assunto, sem uma abordagem neurológica, poderíamos ser levados por caminhos da religião, de forças do oculto, ou de forças do além. Imaginem o que é estarem a tentar fazer alguma coisa, ou a tentar dormir e a música estar a tocar dentro da vossa cabeça sem parar, sem terem qualquer controlo sobre a mesma. Depois, todo o lado romântico da música, da inspiração e das musas contribui ainda mais para que possamos voar em busca de valores espirituais, dada a não-representabilidade da música, dada a sua existência não material. Cicoria a uma certa altura chega a pensar que poderia estar conectado ao céu, ter uma ligação telefónica direta com Deus.

E é exatamente por isto que eu me comecei a questionar sobre o valor da consciência. É impossível não pensar em Damásio, mas Damásio nos seus trabalhos literários, apesar de ser um neurocientista, teve sempre uma certa inclinação para colocar a consciência num certo pedestal, num lugar imaculado, longe da nossa compreensão. E se é verdade que ainda hoje não conseguimos perceber como se forma, como emerge a consciência dentro de nós, não é menos verdade que sabemos que ela não é nenhum fantasma ou espírito que paira dentro de nós, ou dentro do nosso cérebro.

Julgo que Sacks ao apresentar os casos desta forma clínica, tão despegado da tentativa de lhes dar sentido, acabou por nos dar a ver aquilo de que é feita a nossa consciência, no nosso cérebro. Ou seja, algo bastante mecânico que sofre com cada ajuste neuronal operado na camada física. Se levamos uma pancada, um raio, um choque, ou se somos atacados por uma qualquer doença degenerativa do cérebro, como o Alzheimer, ou se sofremos um acidente vascular, o nosso cérebro altera-se fisicamente. E essa alteração física trás sempre associada, de modo inevitável, alterações do foro da consciência. Ora se assim é, restam poucas dúvidas de que aquilo que somos, aquilo que identificamos como a nossa pessoa, a nossa consciência, não é mais do que uma combinação bem intrincada da informação presente no nosso cérebro e das inter-relações que se sucedem entre essa informação.


No fundo, somos tecnologia construída a partir de tecidos orgânicos, que evoluíram ao longo de milénios de anos permitindo que a complexidade de armazenamento de informação na nossa cabeça se complexificasse a um tal ponto levando a que esta própria complexidade fizesse emergir em cada um de nós, personalidades com traços próprios. Mas no fundo não passamos de máquinas biológicas com data de validade inscrita à nascença. Aliás nesse sentido, se algum dia viermos a perceber o que faz despoletar a emergência do ser no nosso cérebro, poderemos simular isso em computadores, e a partir daí seremos obrigados a respeitá-los tanto, como respeitamos hoje qualquer outro ser humano. Talvez Kubrick e Spielberg (AI, 2001), tivessem razão, e daqui a 10 mil anos já não existiremos por cá enquanto máquinas biológicas, mas antes como resquícios esquecidos em pequenos robôs.

Voltando à música e a Sacks, depois de apresentados mais de uma dezena de casos, acaba por fechar dando a música como algo que continua a fugir à compreensão científica. Aliás talvez por isso mesmo tantos cientistas tenham sempre evitado discutir o assunto. Sacks refere que William James por exemplo se referiu parcamente ao fenómeno, e quando o fez foi para dizer que esta não tinha qualquer utilidade biológica. Que Darwin se desinteressou totalmente pela música a partir do momento em que começou a teorizar sobre os processos de seleção natural. Que Freud terá dito que o seu lado racional o impedia de ser afectado por algo que este não conseguia compreender porque é que o afectava. E ainda Steven Pinker que se refere à música como um “acidente evolucionário”, uma espécie de “doce auditivo” que explora recursos que inicialmente teriam evoluído para dar reposta à fala.

Sacks responde a todos eles que é muito fácil tornarmo-nos seres obcecados com as nossas ideias e atividades, com as nossas teorizações sobre o funcionamento do mundo, e pararmos de reparar na beleza de que é feito o mundo à nossa volta. Não é por acaso que Sacks acaba por terminar o livro defendendo a musicoterapia, dizendo que a música pode ser muito útil em termos terapêuticos, que esta é capaz de levar as pessoas a aceder a determinadas partes do cérebro aonde a consciência sozinha não consegue chegar.

abril 08, 2009

Damásio em entrevista

António Damásio, in Grande Entrevista, 2 Abril 2009

António Damásio esteve em Lisboa e aproveitou para dar uma entrevista à jornalista Judite Sousa no programa Grande Entrevista. Continua a ser uma pessoa de grande relevo na área e demonstra que o seu interesse pelo tema não esmoreceu. Operou uma mudança no foco, agora está mais concentrado nas emoções sociais e nos seus modos de fabricação.

Na entrevista salientou alguns estudos que estão para sair e nos quais vamos poder admirar ainda com maior espanto aquilo que de algum modo temos vindo a suspeitar, que as emoções dependem mais da biologia do que da cultura. Aliás tenho na calha um artigo para a ESA2009 exactamente sobre este assunto. Espero que os artigos dele saiam primeiro para me poderem guiar um pouco mais. Até aqui a questão situava-se no domínio das emoções básicas ou universais, mas parece que agora já nem as sociais escapam. Vamos ver...

A uma questão da jornalista sobre a velocidade da sociedade, Damásio alertou para os perigos da dessensibilização. Ou seja, a impressão que causa a emoção é de tal modo cada vez mais rápida que o nosso cérebro não tem tempo de assimilar o que despoltou a emoção e como tal não forma na sua base de conhecimento a ideia do sentimento relacionado com aquela emoção, ou seja não tomamos consciência da mesma, como tal não aprendemos a base da nossa emocionalidade.

Numa última questão colocada pela jornalista, que diga-se fez umas perguntas e uns raparos um tanto ou quanto ingénuos, Damásio volta a afirmar o "cérebro não é um centro".

A primeira parte da grande entrevista pode ser vista no site da RTP aqui.

março 14, 2008

Damásio vs. Descartes

Um estudo da equipa de Peter Bossaerts, Human Insula Activation Reflects Risk Prediction Errors As Well As Risk, publicado na edição de Março 2008 do Journal of Neuroscience argumenta mais um ponto em favor da teorização proposta por Damásio, derrubando mais um bloco da teoria de Descartes sobre a relação Emoção/Razão.
"Using functional imaging during a simple gambling task in which we constantly changed risk, we show that an early-onset activation in the human insula correlates significantly with risk prediction error and that its time course is consistent with a role in rapid updating. Additionally, we show that activation previously associated with general uncertainty emerges with a delay consistent with a role in risk prediction." [1]
ou seja,
“Contrariamente ao que enuncia a teoria de Descartes, a emoção pode ser um elemento constitutivo da racionalidade, sendo o seu objectivo o de medir o risco no contexto”, explicou, à agência France Presse, Peter Bossaerts, professor da EPFL [2]
A pouco e pouco o suporte empírico baseado na biologia humana vai destronando algum do pensamento clássico meramente baseado na análise e observação pessoal dos eventos (Filosofia) ao mesmo tempo que vai derrubando alguns mitos que concebem o Homem suportado por uma agenda cultural (Ciências Humanas) substituindo-os por bases naturais, biológicas, predeterminadas mesmo que de argumentação evolucionista.


[a partir de Ciência Hoje]