janeiro 26, 2020

Que diria Hitchcock de "Us"?

Gostei de "Us" (2019) de Jordan Peele, mas não adorei como seria expectável. Tecnicamente é virtuoso, portador de enorme excelência no controlo e manipulação do espectador, fazendo uso dos simples atributos da linguagem fílmica de um modo totalmente ímpar. No domínio estritamente cinematográfico, Hitchcock teria tirado o chapéu a Peele, no resto é que tenho dúvidas.
A mensagem está lá, e bem à superfície, não são necessárias muitas explicações. Somos Nós, e só Nós, a tender para a destruição dos nossos sonhos. E se tenho de aceitar que Peele usa uma metáfora poderosa, julgo que se excede. Não podemos falar num estalo, estamos a falar de algo bastante mais bruto. A metáfora é intensa demais, é extrema, por isso acaba tornando-se no centro da discussão, deixando de lado o cerne de tudo aquilo que Peele teria para dizer.

Pode-se dizer que é apenas um filme de terror, mas os filmes de terror são filmes de género, não se esforçam desta maneira para construir ideias e conceitos. O terror serve para destronar as barreiras conscientes e levar as emoções ao rubro, não deve pelo meio querer que se pare para refletir. Ou é uma coisa, ou é outra, indo pelo meio acaba a fazer-nos rir. Como dizia Hitchcock “To be quite honest, content, I’m not interested in it at all. I don’t give a damn about what the film’s about. I’m more interested in how to handle the material to create an emotion in an audience".

Deixo mais duas curiosidades:

1 - Usar fatos vermelhos cria grande impacto visual, ajuda terrivelmente na produção do mundo-história, mas soa a deja vu após "A Casa de Papel".

2- Não nomear Lupita Nyong'o pelo papel absolutamente magnífico que faz neste filme, e por sua vez nomear Scarlett Johansson neste mesmo ano para melhor atriz e melhor atriz secundária, diz tudo sobre as razões pelas quais os Oscar são mera feira político-económica, sem qualquer caráter artístico de relevo.

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