Choque. É o que sentimos quando pela primeira vez nos vemos confrontados com negacionistas. Porque se passámos toda uma vida a acreditar em algo, não é fácil convencermo-nos que esse algo poderá ter sempre sido uma falácia. Kahneman fala de viés cognitivo, algo que nos faz tender para acreditar naquilo em que sempre acreditámos, mas fala também de um problema de autoridade. Se todas as autoridades dizem algo da mesma forma, como é que podemos acreditar em algo distinto? E então como devemos proceder? Juntar-nos à turba e manter a ideia que todos defendem, ou fazer o quê? O filme “Denial” (2016) mostra um possível caminho.
O negacionismo do Holocausto tem algumas décadas começou por volta dos anos 1970 e foi-se afirmando com o tempo, e nomeadamente com o esquecimento. Em 1985, Claude Lanzmann estreou um dos filmes mais relevantes da história do cinema, “Shoah” com um objetivo único, responder aos negacionistas. Não deixou pedra sobre pedra, ouviu todas as vozes, em todos lados, e respondeu cabalmente (ao longo de mais de 9 horas de filme) a quem quer que pretendesse continuar a negar. Contudo, como fica também demonstrado no final de “Denial”, um negacionista nunca se verga, uma rápida pesquisa no Google retorna vários textos de análise de "Shoah" denegando as suas demonstrações.
Em 1994 um desses negacionistas do Holocausto, o inglês David Irving, resolveu processar a professora americana de História, Deborah Lipstadt, pelo que tinha dito no seu livro, "Denying the Holocaust" (1993), a propósito das suas negações. A Penguin e a autora, não aceitaram retirar as declarações do livro, e foram para tribunal defender o livro. Para o efeito, foram confrontados com a obrigatoriedade de demonstrar que os trabalhos de negação do holocausto apresentados por Irving mais não eram que mentiras.
Precisamos de treinar a sociedade para questionar a informação que lhe chega, venha por que fonte venha. Precisamos de educar as crianças para questionarem as imagens que lhes entram em casa pela televisão ou internet. Uma sociedade que questiona é uma sociedade mais preparada para o desconhecido, é uma sociedade mais consciente. Do nosso lado, enquanto investigadores, somos treinados para questionar até às últimas consequências; para desde o início assumir que a verdade simplesmente não existe; que tudo o que hoje parece ser, amanhã pode já não o ser. Mas, quando em nada se acredita, como é que construímos a realidade que nos rodeia?
É preciso estabelecer diferenças, duvidar não é o mesmo que negar. Duvidar é o que todos devemos fazer, cientistas, crianças ou simples cidadãos. Duvidar é manter a mente aberta para a possibilidade de rebate daquilo que nos foi apresentado, mas implica aceitar enquanto não existir prova em contrário. Negar é distinto, porque não aceita a dúvida, defende a certeza. Por isso a negação vai contra si própria, já que ao apresentar-se sob a capa de dúvida da verdade da maioria, afirmando-se como alternativa factual, exige a crença.
Os cientistas têm sido atacados por defenderem esta postura de questionamento inequívoco. Porque ao fazê-lo instigam a sociedade a duvidar de tudo, principalmente dos especialistas, da imprensa e da ciência. Mas adotar uma posição de questionamento não pode de forma alguma ser comparado a uma postura de negação. O que falta é literacia. É verdade que não ajuda termos académicos nas televisões a quebrar estas linhas, como ainda recentemente pudemos ver na televisão portuguesa, uma académica nacional arrogar-se, a partir do preceito de dúvida, na negação das alterações climáticas em curso. Menos ajuda ainda quando no momento atual, temos um dos países mais influentes na cultura ocidental, a ser governado por pessoas que defendem a existência de “factos alternativos” e vivem num mundo de negação de tudo o que não lhes interessa.
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