julho 08, 2013

o poder da música clássica

Provavelmente já viram esta TED, The transformative power of classical music, mas eu só agora tive esse prazer, e que prazer. Benjamim Zander é um comunicador brilhante, a forma como usa toda a sua linguagem corporal conjuntamente com um perfeito sentido rítmico de storytelling, torna a sua palestra um momento inesquecível. Preparem-se para umas boas gargalhadas!


Mas como acontece sempre nas TED, não é apenas a forma, mas é o que aprendemos com estas pessoas. Zander começa por explicar como funciona a evolução do processo de aprendizagem da música. Deste modo tendo cá em casa uma pequena que vai no seu segundo ano de música, foi muito interessante compreender o que acontece.
Na realidade, o que aconteceu foi que os impulsos foram reduzidos. Vejam, na primeira vez, a criança toca com um impulso em cada nota. Depois, com um impulso a cada duas notas. A criança de 9 anos coloca um impulso a cada 4 notas. E a de 10 anos, um impulso a cada 8 notas. A de 11 anos, um impulso na frase inteira.
Depois disto, Zander discute o modo como o storytelling se constrói através de frases musicais. Em palco e juntamente com o público, vai tocando e construindo ideias, e nós vamos construindo sentidos na nossa cabeça, para aquilo que vamos ouvindo. Zander leva-nos através da música, e nós ficamos ali completamente agarrados. O melhor fica guardado para o final, quando a música de Chopin sobe ao ponto mais elevado da musicalidade e interpretação narrativa, Zander coloca toda a sala num profundo silêncio. Fica ainda a definição de sucesso de Zander, algo que vale a pena reflectirmos, e pensar todos os dias que acordamos, qual é a nossa função, qual é o nosso objectivo,
Sabem, eu tenho uma definição de sucesso. Para mim, é muito simples. Não está relacionada com riqueza, fama ou poder. Está relacionado com a quantidade de olhos brilhantes que eu tenho à minha volta.

julho 05, 2013

Shots Of Awe #06 - Life Emergence

O processo através do qual a vida emerge é algo que continuamos a admirar, que continua a surpreender-nos, sem termos ainda a menor noção sobre como acontece. A centelha que acende, que nos torna conscientes, que nos torna ligados, que nos torna "nós".



Este é o sexto episódio da série web de Jason Silva, Shots of Awe, e é dedicado ao conceito de emergência.

Shots Of Awe #06 - Life Emergence

julho 04, 2013

a empatia e a moral estão inscritas na nossa biologia

Ainda não foi há muito que aqui falei dos estudos de Paul Bloom sobre o lado negro da moral. Hoje trago a TED de Paul Zak, Confiança, Moralidade e Oxitocina, sobre o seu trabalho em redor da chamada "molécula da moral". Em ambos os casos, verifica-se que a selecção natural, dentro da espécie humana, nos tem conduzido a uma optimização biológica que tem como objectivo máximo a criação de seres profundamente sociais. A espécie tem progredido em função da sua capacidade para gerar laços, comunidade, colaboração, interdependência, entreajuda, e tudo aquilo que congrega, e une cada ser humano ao outro. Então porque raio teimamos no isolamento?


A base do nosso sistema moral, aqui defendido por Zak, assenta em duas moléculas, a Oxitocina e a Testosterona. Sendo a a Oxitocina responsável por gerar Empatia, enquanto a a Testosterna é responsável por gerar o seu contrário.
"Mostrámos que a infusão de oxitocina aumenta a generosidade em transferências monetárias unilaterais em 80 por cento. Mostrámos que aumenta os donativos para a caridade em 50 por cento. Também investigámos formas não farmacológicas de aumentar a oxitocina. Que incluem massagens, dança e orações… sempre que aumentámos a oxitocina, as pessoas abriram as suas carteiras voluntariamente e partilharam dinheiro com estranhos.
Mas porque é que fazem isso? O que é que sentem quando o cérebro é inundado de oxitocina? Para investigar esta questão, fizemos uma experiência em que as pessoas viam um vídeo de um pai e do seu filho de quatro anos, e o seu filho tem cancro terminal no cérebro. Depois de verem o vídeo, eles avaliaram as suas emoções e deram amostras de sangue antes e depois para medir a oxitocina. A mudança na oxitocina previu as suas emoções de empatia. Por isso é a empatia que nos liga às outras pessoas. É a empatia que nos faz ajudar as outras pessoas. É a empatia que nos faz morais."
Já sabíamos que aquilo que gera um psicopata é a sua incapacidade para sentir Empatia. Agora ficamos a saber que aquilo que gera um psicopata, é a sua incapacidade biológica para gerar Oxitocina.
"Descobrimos, testando milhares de indivíduos, que cinco por cento da população não liberta oxitocina quando estimulada. Se houver dinheiro na mesa, eles ficam com ele todo… Têm muitos dos atributos que têm os psicopatas."
Outra grande questão é que a Oxitocina pode ser inibida. Ou seja, não se trata de nascer apenas com um problema genético. A falta de carinho, a violência e o abuso destroem a capacidade de gerar oxitocina. Aliás, não é por acaso que uma grande parte dos psicopatas são pessoas que sofreram abusos de alguma forma.
"Há outras formas de o sistema ser inibido. Uma é através de cuidados afectivos inadequados. Estudámos mulheres abusadas sexualmente, e cerca de metade não libertam oxitocina quando estimuladas. Precisamos de cuidados afectivos suficientes para este sistema se desenvolver devidamente. Além disso, o stress elevado inibe a oxitocina." 
Finalmente o mais interessante sobre a molécula oposta, a testosterona, é que o Homem possui 10 vezes mais que a mulher, assim como a mulher possui 10 vez mais oxitocina. Ora, será preciso alguma coisa mais para se perceber, de uma vez por todas, que a forma como um Homem e uma Mulher reagem emocionalmente, e logo racionalmente, são diferentes? Depois disto ainda haverá alguém que se sinta capaz de evocar a Cultura, e a formatação da sociedade, para dizer que estes são os responsáveis pelas diferenças que existem entre género? É claro que existem variações, existem mulheres com níveis maiores de testosterona, e homens com níveis maiores de Oxitocina. Mas a realidade é que estamos perante diferenças do foro biológico, que condicionam fortemente aquilo que somos.

"Há outra forma de a oxitocina ser inibida, que é interessante através da acção da testosterona. Em experiências, administrámos testosterona a homens. E em vez de partilharem dinheiro, eles tornaram-se egoístas… Agora pensem nisto. Significa que, dentro na nossa biologia, temos o yin e o yang da moralidade. Temos a oxitocina que nos liga aos outros, que nos faz sentir o que eles sentem. E temos a testosterona. E os homens têm 10 vezes mais testosterona que as mulheres, por isso os homens fazem isto mais que as mulheres, temos testosterona que nos faz querer punir as pessoas que se comportam imoralmente. Não precisamos de Deus ou do governo para nos dizer o que fazer. Está tudo dentro de nós."
Para fechar quero apenas deixar a receita que Zak deixa, a quem quiser ser mesmo feliz nesta vida, e que consiste num acto diário simples, mas poderoso, Zak recomenda "oito abraços por dia."


É inevitável não pensar em todas aquelas campanhas que vamos vendo um pouco pelas cidades mais cosmopolitas, em que as pessoas vivem cada vez mais isoladas, de oferta de abraços grátis. É uma realidade que estes nos comovem, nos fazem sentir, mesmo quando não conhecemos o outro, porque o abraço é um elemento físico de toque, fundamental no estabelecimento de empatia.

TED Talk de Paul Zak, "Trust, morality and oxytocin" (2011)

Se preferirem ver a palestra com legendas em português, vejam directamente no site TED.

julho 03, 2013

o que nos espera...

Mais um belíssimo trabalho que nos chega da Bezalel Academy of Art and Design, Israel. O filme Happily Ever After (2013) foi criado pelos graduados Yonni Aroussi e Ben Genislaw que investiram mais dois anos depois de acabar o curso, para chegar a este trabalho final que já foi selecionado para vários festivais internacionais de animação.



Desta vez, e ao contrário dos trabalhos anteriores desta reconhecida escola, não foi a forma que me impressionou, antes o conteúdo e o storytelling. Em seis minutos, temos um jovem adulto que se prepara para ir morar com a sua companheira, e vemos passar-lhe toda uma vida futura à frente dos seus olhos. São várias as metáforas utilizadas, é verdade que praticamente todas elas negativas, mas isso faz parte do storytelling. Dessas a mais interessante é sem dúvida a do tapete rolante, em que o casal faz pela vida face aos várias dificuldades que vão surgindo, uma clara homenagem aos videojogos. Para alguns de nós, algumas das etapas metaforizadas soam a um passado muito familiar, evocando uma fácil identificação e despertando um sorriso, outras fazem-nos reflectir sobre aquilo que ainda nos aguarda.

No campo da animação, temos um trabalho extremamente cuidado, com excelentes texturas e cor, assim como cómicas caracterizações dos personagens.

Happily Ever After (2013) de Yonni Aroussi e Ben Genislaw 

julho 01, 2013

Filmes de Junho 2013

Aproveitei para ver alguns filmes que já andava para ver há algum tempo, como Carlos que me surpreendeu, não pela história do personagem, mas pela análise da política internacional que é feita, muito interessante. Por outro lado Lake of Fire leva-nos a viajar por entre argumentos pró e contra a interrupção da gravidez, sem escolher um lado, impressiona, sem respostas. Entretanto o último Pixar é interessante, as crianças adoraram, mas apesar de lhe admirar a qualidade técnica, não me trouxe nada de novo. Já Side Effects, o último de Soderbergh incomodou-me, porque depois de uma primeira parte absolutamente brilhante em termos narrativos, esfuma-se num cliché primário. Robot & Frank foi interessante pelo futuro que nos mostra, e as questões que levanta, não indo ao fundo de nada, levanta apenas a ponta do véu. The Place Beyond the Pines é maravilhoso, no sentido em que ataca questões fundamentais da sociedade, nascer num berço de ouro e o seu contrário, demonstrado por uma história que atravessa três gerações, um épico de storytelling.

xxxx The Place Beyond the Pines 2013 Derek Cianfrance USA

xxxx Carlos 2010 Olivier Assayas France

xxxx The Edge of Heaven 2007 Fatih Akin Germany/Turkey

xxxx Lake of Fire 2006 Tony Kaye USA


xxx Monsters University 2013 Dan Scanlon USA

xxx Side Effects 2013 Steven Soderbergh USA

xxx The Host 2013 Andrew Niccol USA

xxx Intouchables 2011 Olivier Nakache, Eric Toledano France

xxx The Company You Keep 2012 Robert Redford USA

xxx Robot & Frank 2012 Jake Schreier USA

xxx Spring Summer Fall Winter and Spring 2003 Ki-duk Kim South Korea


xx Sushi Girl 2012 Kern Saxton USA

xx Extremely Loud and Incredibly Close 2011 Stephen Daldry USA

junho 28, 2013

Hollow, um documentário interactivo

Foi lançado esta semana mais um documentário interactivo online, Hollow (2013) de Elaine McMillion. Este é um trabalho que interessa ver por duas razões, o seu conteúdo e a forma. Na parte do conteúdo porque dá conta de uma realidade nos EUA, que conhecemos bem em Portugal, a desertificação de cidades no interior. Na forma, interessa analisar o modo como o projeto foi desenvolvido em termos de linguagem de interactividade.




McDowell County, é um condado de Wets Virginia que perdeu ao longo dos últimos 50 anos, 4/5 da sua população, passando de 100 mil para pouco mais de 20 mil habitantes. Isto criou uma sensação de cidade fantasma, abandonada no tempo. Foi por causa disto que Elain McMillion resolveu criar este documentário. Com uma formação em Jornalismo, e um mestrado em Artes Visuais, resolveu avançar para algo que pudesse ter um maior impacto junto da comunidade, capaz de fazer mover as pessoas em redor da causa. Nesse sentido optou por um documentário em formato online, interactivo, e social. Ou seja, a sua ideia não era apenas dar a conhecer o problema, mas contribuir para gerar acção em redor do problema. Para o fazer recorreu ao Kickstarter onde conseguiu 30 mil dólares, e lança agora o documentário interactivo online para que todos possam ver, mas acima de tudo, todos se possam juntar à causa.
Our hope is that through storytelling and the creation of multidimensional images, the community members will begin to see their environments and neighbors in a new way and begin to work together to preserve the history and make positive contributions to their communities. Elaine McMillion
Posso dizer que fiquei impressionado com a componente técnica do trabalho desenvolvido. A mescla entre vídeo, imagem, música e texto, com plena interatividade, e altamente fluída, é de uma excelência enorme. Tudo feito em HTML5, o que dá bem conta do novo mundo pós-Flash. Nomeadamente a primeira parte da timeline populacional é muito boa, com uma interacção toda feita através do simples scroll, que apesar de nos permitir apenas controlar o tempo e ritmo do documentário, acaba por nos atribuir grande responsabilidade na gestão da informação e de toda experiência.

Já em termos de criação de sentido, tenho algumas dúvidas sobre o potencial deste modelo. Ou seja, adorei o que foi feito em termos técnicos, e do seu poder em termos emocionais e perceptivos, mas tenho receio que o banho de informação e de media que levamos durante a interacção com o artefacto possa impedir um acesso mais profundo ao que se quer dizer. De certo modo sinto que nossa cognição fica demasiado sobrecarregada com todo aquele banho de informação em distintos canais. Acredito que somos levados a criar imagens gerais abstractas de tudo o que vamos absorvendo, e retemos apenas sensações e impressões de tudo o que nos foi dito.

Por outro lado, este banho de media, poderá ter um efeito distinto do documentário meramente fílmico, no sentido em que pela sua imensidão de ideias e acessos distintos, pode levar as pessoas a desejarem contribuir para a sua ampliação. Isso é o melhor de toda a estratégia por detrás desta obra. Os criadores abriram as portas para que as pessoas pudessem enviar para o projeto trabalhos seus - imagens, vídeos, depoimentos - contribuindo assim para uma ampliação dos significados do projeto, mas acima de tudo contribuindo para as ligar mais intimamente ao mesmo, criando um verdadeiro espírito comunitário à volta deste.

Ficam os links para experienciar o documentário, e para obter mais informação sobre todo o projecto.

junho 26, 2013

ShotsOfAwe #04 e #05

Mais um episódio belíssimo, de #Shots of Awe, dedicado à Rendição Extática. Neste quinto episódio, Jason diz-nos que temos uma vontade de nos entregarmos completamente a algo mais significante. Ao amor, à ciência, à arte, ao outro… Concordo plenamente, vendo este vídeo podemos sentir essa vontade… de Ecstatic Surrender.


Existe claro o risco, e o medo que nos apoquenta nestes momentos. Apaixonar-nos por algo comporta essas experiências menos positivas, mas sem isso podemos muito bem correr o risco de passar pela vida, sem nos darmos conta dela.

ShotsOfAwe #05 - Rendição Extática (2013) de Jason Silva

Na semana passada não tive tempo de fazer aqui referência ao episódio #4, por isso deixo-o agora, para que possam desfrutar, depois de se renderem a esta série, que está cada vez melhor. O episódio da semana passada, "We Are Already Cyborgs", foi dedicado à discussão filosófica do conceito de Cyborg, ou à forma como temos vindo a desenvolver melhoramentos ao nosso corpo biológico, questionando-nos para onde vamos, e se é que não somos já todos ciborgues. Jason fala do super-homem de Nietzsche, fala das extensões do homem de McLuhan. No final retive esta frase, "Our second skin, is our technology, is our turtle shell", com a qual concordo, e que vem de encontro a muito daquilo para que trabalho todos os dias na minha investigação.

ShotsOfAwe #04 - We are already Cyborgs (2013) de Jason Silva

junho 24, 2013

Do humanismo ao mercantilismo. Arte, desporto e universidades.

"Mona Lisa Curse" (2008) é um documentário que trata um assunto bastante sensível em termos financeiros, e por isso mesmo foi jogado para debaixo do tapete. O assunto aqui tratado assola-me há já alguns anos, tendo encontrado aqui uma voz que diz frontalmente muito daquilo que eu penso sobre muita da arte contemporânea, e sobre os mercados da arte. O mais preocupante, é que aquilo que aqui é discutido em termos de mercados, não se veio a aplicar apenas à arte, mas antes se propagou a quase todo o tipo de atividade com valor humano intrínseco.


"Mona Lisa Curse" foi criado por Robert Hughes, crítico de arte durante mais de 30 anos da revista Time, e considerado pela The New Yorker o mais famoso crítico de arte de sempre. Neste filme Hughes dá conta do modo como a arte se transformou num negócio, num investimento de mercado, durante a segunda metade do século XX. Hughes marca o início desta cruzada com a vinda da Mona Lisa para Nova Iorque, em 1963, onde foi exibida no MET durante um mês, tendo tido honras de celebridade de cinema. As pessoas vieram aos milhares para a ver, e nada mais seria igual no mundo da arte. Os museus abriram-se à população, e a arte tornou-se num objecto de cobiça.
"The Kennedys managed to turn the Mona Lisa into a kind of 15th-century television set — instead of 1.5 million people looking at one image flashed on 1.5 million screens, you had them all looking at it on one screen, which was the picture itself, and that was the only difference. They didn’t come to look at the Mona Lisa, they came in order to have seen it. And there is a crucial distinction, since one is reality and experience, and the other one is simply phantom.” Robert Hughes
Em termos financeiros, Hughes diz que o mercado da arte é o maior mercado desregulado do mundo, apenas ultrapassado pelo mercado da droga. Ao longo dos últimos 30 anos, fomos assistindo à evolução, altamente especulativa, do valor da arte. Desde o quadro de Warhol, "Men in Her Life", que não passa de uma reprodução de várias fotografias de Elizabeth Taylor, vendido em 2010, por Jose Mugrabi, por 63 milhões de dólares até à insanidade da compra de "The Card Players" de Cézanne pela Família Real do Qatar, por 250 milhões de dólares em 2011. As razões destes valores, nada têm que ver com as obras em si, nem com os seus autores, a única coisa relevante aqui é a garantia do investimento. Ou seja, são valores que o mercado acredita serem possíveis recuperar no futuro, mas estamos no puro reino da especulação, a criar um bolha que mais tarde, ou mais cedo, acabará por rebentar.

The Physical Impossibility of Death in the Mind of Someone Living (1991) de Damien Hirst. Avaliado em 12 milhões de dólares. Uma obra tão única, que em 2006 devido a deterioração do animal,  a obra teve de ser refeita, com um novo tubarão!!!

O problema agrava-se quando falamos de arte contemporânea, e de artistas como Jeff Koons, Damien Hirst, ou no caso português de Joana Vasconcelos. Como diz Hughes, os preços das suas obras são totalmente manipulados pela promoção e publicidade, e nada têm que ver com a qualidade das mesmas.
“The market is manipulated by collectors who decide to bid up the work of an artist [they’ve already invested in]. So when artist X comes up on the auction block, the collectors all bid it up, so that they can then multiply the value of their existing holdings in artist X by the value of the inflated sale.” [Telegraph]
Enquanto via este documentário, não conseguia parar de pensar, no que pensariam os colecionadores depois de verem aquilo que Robert Hughes diz de forma tão frontal. Mas a reposta à minha questão não tardou, descobri que este documentário passou uma única vez em Inglaterra, no Channel 4, a 5 de Dezembro 2009, às 18h. Não foi vendido para mais nenhum canal de televisão. Ou seja, não só não passou mais vez nenhuma na televisão britânica, como não passou em nenhuma televisão de qualquer outro país do mundo. Mais, não existe à venda em nenhum formato, nunca foi editado por qualquer instituição ou empresa. A única cópia que circula online, é a gravação dessa única vez que passou na televisão, e é difícil de encontrar online, porque está constantemente a ser retirada dos sites por infração de direitos, ao contrário da maior parte dos documentários sobre arte da BBC. Isto é obviamente fruto do poder de influência dos senhores que são ridicularizados no filme. O documentário não é apenas uma afronta à sua intelectualidade, é antes de mais um verdadeiro perigo para a valorização da sua "mercadoria".

Um discurso como o proferido por Robert Hughes, um dos críticos de arte mais importantes do século XX, pode deitar abaixo muito do valor especulativo que muitos artistas têm granjeado. Como diz Hughes, o trabalho de Andy Warhol era vazio, a sua importância foi fabricada, tal qual uma campanha de promoção nos media. Algo que Dali também seguiu quando foi para os EUA. Estamos a falar da valorização da imagem, do estatuto de excentricidade que confere distinção e celebridade, para assim conseguir inflacionar a sua importância, e no final o seu valor. No final do documentário Hughes conversa com o colecionador, Alberto Mugrabi, filho de um dos detentores da maior colecção de artefactos de Andy Warhol, e pergunta-lhe o que ele pensa de Warhol. Aqui fica o diálogo,
Mugrabi: "I think Warhol is probably one of the most visionary artists of our time." 
Hughes: "I thought he was one of the stupidest people I have ever met in my life." 
Mugrabi: "Why is that?"
Hughes: "Because he had nothing to say." 
Posso até admitir que Hughes reage com demasiada violência, talvez com algum ressabiamento. Ou até que simplesmente não foi capaz de evoluir com os tempos, se manteve preso aos seus parâmetros do passado. Nomeadamente no caso dos museus, não posso de todo defender instituições fechadas. Acredito que estas devem estar abertas à população, e tudo devem fazer para conseguir atrair as pessoas até si, para que possam todas usufruir de obras que pertencem à humanidade. Agora Hughes tem razão quando ataca o caminho trilhado no sentido da massificação dos museus, no modo como se tornaram em máquinas de fazer dinheiro. Um museu deveria servir de guardião de obras únicas, não deveria dedicar-se a celebrizar as obras, a transformar a arte numa mercadoria de promoção do nome do museu.

O maior problema, é que não foi apenas a Arte que se transformou nisto, tudo no ocidente se transformou nisto. Desde a FIFA e o Comité dos Jogos Olímpicos no mundo do desporto, às grandes Universidades americanas, que agora exportam os seus modelos para todas as europeias, tanto na Educação como na Ciência. Há 20 anos seria impensável uma universidade fazer um spot publicitário, hoje tornou-se banal. Em Portugal podemos até ouvir, na rádio, universidades a anunciar duas licenciaturas pelo preço de uma. Ou seja, não interessa o que se aprende, interessa apenas o canudo, o valor da mercadoria que se compra.

O mercantilismo simplesmente canibalizou o humanismo. Em nome de uma alegada auto-sustentabilidade financeira, vale tudo. Os sistemas de produção de conhecimento e cultura - Educação, Ciência, Arte, Deporto, etc - precisam de se autojustificar constantemente, porque a sociedade simplesmente deixou de os considerar valores intrínsecos da humanidade. Tudo depende agora de alguém com dinheiro, que lhe ache graça, e decida investir. E assim, a arte, a ciência, a cultura, o desporto, passam a ter o valor que os mercados lhe atribuem, nada mais do que isso.


Caso o vídeo acima deixe de estar disponível, use este link para fazer download (400 mb).

junho 21, 2013

porque evoluímos tanto nos últimos 13,000 anos

"Guns, Germs, and Steel: The Fates of Human Societies" é um livro de Jared Diamond de 1997, entretanto vertido para um documentário de três horas da National Geographic em 2005. A ideia central passa por explicar porque é que as sociedades da Europa e Ásia (Eurasia) se sobrepuseram às restantes sociedades do globo em termos económicos, baseado simplesmente na Geografia, ou seja na posição geográfica ocupada no globo. Jared Diamond é professor na UCLA e este seu livro foi premiado em vários eventos desde então, incluindo o Pulitzer.


Aquilo que posso dizer é que depois de lerem Guns, Germs, and Steel nunca mais verão o mundo da mesma forma. Estamos perante uma análise evolucionária do homem em função da geografia, e aquilo que Diamond faz é simplesmente brilhante. Ele conseguiu com esta obra trazer a Geografia para o centro da discussão científica no que toca às questões essenciais sobre a espécie humana. Ler este livro é redescobrir o mundo.

A questão central começa por ser enunciada por um político da Nova Guiné, "Por que é que vocês, brancos, desenvolveram tanta tecnologia e a trouxeram para a Nova Guiné, mas nós, os negros tínhamos tão pouca tecnologia própria?" A que se segue a constatação de que várias sociedades mesmo depois de colonizadas e libertadas, continuaram a ter dificuldade em progredir no seu próprio bem-estar.

Eurasia

A resposta a isto está neste livro, que nos diz que esse avanço civilizacional não tem nada que ver com diferenças genéticas, nem sequer culturais, mas antes com a influência da geografia sobre a evolução dos povos em cada espaço do planeta. Diamond defende que as diferenças originaram a partir das condições ambientais distintas que favoreceram a progressão, estagnação e a regressão das sociedades. O ponto central desta evolução e diferenciação está exactamente no processo de agricultura.

Antes de criarmos as civilizações vivíamos dispersos pelo globo, como pequenos grupos nómadas, em busca de locais que nos oferecessem a melhor comida. Com o surgimento da agricultura descobrimos que era possível ficar no mesmo sítio, produzindo a nossa própria comida, não sendo necessário mais viver à custa da aleatoriedade da natureza. Ou seja, a partir do momento em que nos tornámos sedentários, e iniciámos a atividade da agricultura, o engenho humano ganhou maior liberdade para evoluir, para através da experiência acumulada fazer mais e melhor. A população cresceu, o trabalho especializado apareceu, e com este surgiram as hierarquias, as organizações, e os países.

Até aqui nada de novo, todos demos isto na escola. A inovação de Diamond passa por analisar o fenómeno da criação das sociedades nas diferentes partes do globo, através das condições ambientais que permitiram a evolução dos processos da agricultura. E aqui Diamond diz-nos que a Eurasia era um local privilegiado, em termos de clima e consequentemente do tipos de plantas possíveis, e ainda da existência de animais domesticáveis.

Ao todo a Eurasia domesticou 13 espécies de grandes animais (Cavalo, Vaca, Cabra, Ovelha, Porco, Galinha, Cão, etc.). A América do Sul domesticou uma (Lama), e o resto do mundo nenhuma. Nunca conseguimos domesticar animais próximos como a Zebra, o Javali ou o Elefante, menos ainda Rinocerontes, Bufalos, Leões, Tigres, Águias, etc. Assim a nossa superioridade hoje enquanto espécie neste planeta, advém do facto de termos conseguido subjugar outras espécies às nossas necessidades. Nesse sentido a Eurasia foi a zona do planeta em que se geraram as melhores condições para essa dominação. Daí à dominação de outros povos, foi um passo.

As espécies animais domesticadas pelo homem

Diamond vai ainda ao ponto de analisar as condições climatéricas de outras partes do globo para explicar porque razão mesmo depois de colonizadas, nunca conseguiram evoluir por si próprias. Fala nomeadamente das condições muito pouco favoráveis dos trópicos no que toca à agricultura e a facilidade de propagação de doenças que tornam o ambiente muito hostil aos processos de sedentarização.

O trabalho de Diamond é extenso, levanta muitas questões, lança muitas mais hipóteses, assim como levantou um conjunto de críticos às suas teorias. Do meu lado restaram-me poucas dúvidas sobre as teorias de Diamond porque ele é exímio na sua comunicação e detalhe. Existe um cuidado muito grande na forma como nos vai apresentando as suas ideias e conclusões, muito suportadas por evidências claras e objectivas. E se neste livro Diamond se detém para explicar porque as sociedades prosperam, no seu livro seguinte, Collapse: How Societies Choose to Fail or Succeed (2005) que ando agora a ler, detém-se sobre as razões que levaram ao desaparecimento de várias civilizações no nosso planeta.

Para quem não tiver muito tempo, ou quiser um atalho para as ideias de Diamond, aconselho vivamente o visionamento do belíssimo documentário, Guns, Germs & Steel (2005) criado pela National Geographic que conta com o próprio Jared Diamond. Para tal uma simples pesquisa no YouTube retornará várias opções para ver os três filmes de 50 minutos cada.