A semana passada fui entrevistado pelo Alexandre Orrico jornalista da
Folha de São Paulo, para quem não sabe é o jornal de maior circulação no Brasil. O assunto versou sobre os mundos virtuais, e essencialmente sobre o potencial do uso das plataformas de mundos virtuais para analisar comportamentos da sociedade e prever desvios da mesma. Como sempre e dadas as limitações de espaço dado a estes conteúdos em jornais desta natureza, apenas uma parte do que dizemos é vertido para a publicação final. Assim fica aqui na integra a entrevista cedida, e para quem quiser ver o resultado publicado fica aqui o
pdf, uma vez que o acesso ao conteúdo na Folha é pago.
AO: Seria legal que você falasse um pouco do seu campo de pesquisa. Qual a parte envolvida com games e por que você se interessou por esse tema?NZ: O meu campo de pesquisa envolve os estudos sobre a comunicação afectiva e interactiva. Os games entram pelo lado do Design de Interacção e desenvolvem-se na minha pesquisa através da criação de novos modelos e paradigmas de comunicação e interacção que possam ser eficazes na criação de um maior envolvimento emocional ou afectivo entre o artefacto (jogos/objectos interactivos) e o sujeito.
AO: Você está editando um livro sobre ambientes virtuais? Fala um pouquinho dele também, por favor.NZ: O livro tem um interesse muito especifico no que toca aos ambientes virtuais, uma vez que pretende apresentar uma abordagem da sua componente de comunicação. Ou seja interessa-nos perceber qual o alcance comunicativo dos ambientes virtuais e de que modo estes afectam a Identidade; a Emoção; o Entretenimento e a Colaboração. Podes ver mais aqui:
http://sites.google.com/site/metaverseparadigms/
AO: A pergunta principal que eu gostaria de te fazer é: o que o comportamento das pessoas em jogos virtuais, tais como o World of Warcraft, podem dizer sobre o comportamento real? Existe um espelho, ou seja, podemos traçar um perfil do jogador analisando o jogo? Se sim, existem padrões?
NZ: O que acontece no ciberespaço não é muito diferente daquilo que acontece no mundo real, nomeadamente ao nível das relações sociais. Por isso se tivermos em conta jogos como o WoW que envolvem de forma muito forte os jogadores entre si, criando necessidades de partilha de objectivos e até credos no seio da narrativa do jogo é natural que os dados do modo como os jogadores se comportam nesse universo possam servir para estabelecer modelos sobre a evolução dos processos sociais.
Ou seja, o que acontece nos jogos de Massive Multiplayer Online e também nas Redes Sociais (Facebook, Orkut, etc) é que se estimulam as interdependências reais entre humanos. Ou seja eu só posso conseguir atingir determinados objectivos se me relacionar no jogo ou rede social. A partir daí abre-se espaço para toda e qualquer análise comportamental dos sujeitos no jogo. Para além disso o que estas redes e jogos têm de muito bom para este tipo de investigação é que registam tudo o que é feito naquele ambiente. Como tal os investigadores de ciências sociais têm um acesso privilegiado aos dados dos acontecimentos. Enquanto no mundo real temos de proceder à observação e gravação em vídeo captando apenas partes dos processos sociais, nestes ambientes digitais fica tudo gravado. Podemos seguir um jogador 24 sobre 24 horas, 7 sobre 7 dias e ter acesso a todas as suas reacções, quantificá-las e procurar padrões de comportamento, etc. etc.
Deste modo é fácil acreditar que estes ambientes se tornem muito apetecíveis para os estudos sociais que se pretendam realizar. E o facto de se tratar de um ambiente ficcional não tem de ser visto com um impacto completamente negativo nas análises, isto porque o que acontece nestes jogos é que o jogo funciona mais como mediador de comunicação inter-pessoal entre os sujeitos jogadores e não tanto como criador de envolvência com o jogo apenas e de forma desligada da realidade social.
AO: Temos acesso à um estudo norte-americano que diz que o World of Warcraft é muito valioso porque pode dar dicas sobre o comportamento da humanidade no futuro. Segundo ele, a Terra seria mais selvagem, com recursos naturais escassos e seres humanos brigando por alimento e espaço - como de certa forma acontece no mundo de WoW. Você acha que esse argumento tem fundamento?
NZ: O objectivo de qualquer estudo das ciências sociais é perceber o que se passa na sociedade que temos, para assim a entender melhor. Desse conhecimento podemos extrair padrões e modelos que podem perspectivar o que se passará em determinadas condições sociais ou em determinado momento em face de determinadas condições. Isto é o que vemos todos os dias acontecer com na área da Economia que é por natureza uma ciência social. Os mercados bolsistas funcionam com base em sinais positivos ou negativos enviados ao mercado pelos analistas que não fazem mais do que tentar prever o que se passará no futuro tendo em contas as transformações em curso no presente.
Ora o interessante do WoW é o que jogo se aproxima em parte de formatos de Simulação, à semelhança de Sims ou o Simcity. As ferramentas de simulação não são mais do que a base da chamada realidade virtual, porque potenciam algo que não existe, ou seja criam apenas a possibilidade para que a realidade se dê. Assim um investigador pode gerar condições num ambiente virtual que simulem determinadas condições como por exemplo os “recursos naturais escassos” e verificar como os sujeitos (jogadores/pessoas reais) reagem em face dessas condições.
Deste modo é como se criássemos em laboratório um sistema social controlado e fechado e pudéssemos analisá-lo de todos os ângulos sociais que interessem à investigação. Ou seja não é preciso provocar o acontecimento real, e assim incorrer em perigos para os eventuais sujeitos presentes na experiência uma vez que é tudo construído num ambiente seguro porque simulado.