Em 2019 choquei de frente com imagens provenientes de Xinjiang que mostravam centenas de prisioneiros a serem encaminhados para comboios para seguirem para campos de concentração chineses que relembram as imagens reconstruídas pelo cinema do que se passou em Dachau, Treblinka e outros lugares. O livro "Sobrevivente do Gulag Chinês" foi publicado em França em 2021, e apresenta o primeiro testemunho de uma sobrevivente desses campos chineses, em pleno século XXI.
Os uigures vivem na região autónoma do Xinjiang, uma região enorme do noroeste da China, que além de funcionar como corredor central da antiga "Rota da Seda" e da atual "Belt and Road Initiative" (que procura impor a agenda chinesa no mundo), é ainda uma região rica em petróleo.
Gulbahar Haitiwaji, engenheira de petróleo, fugiu de Xinjiang para França em 2006 com o marido e as duas filhas. O marido e as filhas naturalizaram-se franceses, Gulbahar decidiu manter a nacionalidade chinesa para poder continuar a visitar os familiares. Em 2016 recebeu uma chamada dos serviços do estado Chinês dizendo que tinha de voltar a Xinjiang para tratar de papéis relacionados com a sua reforma. Quando aterrou em Xinjiang mostraram-lhe uma fotografia em que a sua filha aparecia numa manifestação em França pela liberdade dos uigures, que desconhecia, e foi presa. Apesar de nunca ter participado em qualquer ação política, foi alvo de tortura, lavagem cerebral e tentativa de extorsão de informação sobre outros uigures a viver em França, ao longo de 3 anos, até que as pressões da diplomacia francesa a conseguiram libertar.
Quando acabei de ler o livro fui ao site da Human Rights Watch, entre outros sites de luta em nome dos Uigures, pois sentia uma enorme necessidade de fazer algo que pudesse contribuir para acabar com o genocídio silencioso que a China vem levando a cabo na última década. Na Europa passamos o tempo a lutar por direitos e deveres, querendo uma sociedade mais progressista, mais justa, mas no meio de todas essas preocupações esquecemos que no planeta existem muitas pessoas que continuam a não ter sequer liberdade de pensar.
Se houvesse dúvidas, a 31 de agosto 2022 a ONU emitiu um relatório que esteve a ser preparado durante vários anos e que colocava preto no branco "que foram cometidas "graves violações dos direitos humanos" contra os Uigur e "outras comunidades predominantemente muçulmanas"". A China tem poder de veto na ONU, por isso, pouco, nada, aconteceu. Em sua defesa, veio dizer que aquilo que estão a fazer é apenas re-educação das populações para evitar que estas abracem o Terrorismo. Se isto podia "colar" no caso dos uigures, por serem muçulmanos, qual é a desculpa para estarem a fazer exatamente o mesmo no Tibete?
Tirando o facto da UE, UK, Canada e EUA terem começado a aplicar a sanções já em 2021, é preciso mais, é preciso cortar os laços e abandonar a China às suas práticas autoritárias. Porque como ficou claro, ainda mesmo ontem, 26 de agosto 2023, Xi Jinping não esta minimamente preocupado com nenhumas dessas pressões, tendo visitado a região e feito as seguintes bárbaras afirmações: "Temos de combinar a luta anti-terrorista e anti-secessionista com os esforços legalizados e regularizados para a manutenção da estabilidade. A sinoficação do Islão deve ser aprofundada de forma a lidar eficazmente com todos os tipos de actividades religiosas ilegais". Tendo, de forma descarada, dito ainda que era necessário "uma propaganda mais positiva para mostrar uma Xinjiang aberta e confiante, devendo ser feitos esforços específicos para refutar qualquer imprensa negativa".
Uma síntese/introdução ao livro foi publicada no The Guardian. O livro foi editado em Portugal, em 2022, pela Objetiva.
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