Quando entramos na história, no livro, os personagens surgem todos como patéticos, sem sequer cómicos chegarem a ser. São de um vazio ostracizante, desde o narrador supostamente distinto da família aristocrática que tanto admira, a todos os personagens dessa família que vivem no mundo das nuvens, sem qualquer sentido de responsabilidade, tendo como único orientador social a religião, ainda que de forma completamente ligeira. A série acaba por resolver muito melhor a questão porque a dupla protagonista, Charles e Sebastian, sendo representada por Jeremy Irons e Anthony Andrews, ganha uma densidade bastante impressiva. Irons segue a estrutura do personagem criado por Waugh mas impregna-o de forma, linguagem corporal, que nos permite aproximar do mesmo, compreende-lo, aceitá-lo e até com ele empatizar, enquanto no livro os personagens nunca vão além de caricaturas, de vazios pomposos, absolutos de arrogância.
Jeremy Irons e Anthony Andrews como Charles e Sebastian na série homónima da BBC, 1981
Do mesmo modo o tema da homossexualidade me parece mais uma enfatização interpretativa de algo que não está no texto. Aqueles personagens vivem numa realidade distante dos problemas dos comuns mortais, olhar para as suas superficialidades e veleidades como traços de homossexualidade serve apenas para menosprezar essa homossexualidade. Quantos de nós tivemos amigos homens a sério na faculdade, com quem partilharíamos este mundo e o outro, sem que isso apresentasse o menor traço de sexualidade. Tal como a religião, vejo aqui identificações forçadas por parte dos recetores. Isto acontece, simplesmente porque os personagens, as suas intenções e fundações, são apresentados de forma minimal, deixando muito espaço à imaginação do leitor. Por outro lado, a série sim enfatiza essa proximidade, com trejeitos e abordagens corporais que obrigam a essas leituras.
Na imagem a "casa" em que vivia a família protagonista, tal como representada na série, com a música encantatória de Geoffrey Burgon
Claro que fico a questionar-me o quanto tudo neste livro nada me diz por retratar uma realidade tão distante e tão pouco apreciada. Os protagonistas frequentam Oxford, não porque querem aprender, mas apenas porque frequentar um colégio como Eton faz parte do seu status, é o lugar para onde a elite inglesa vai. Isso diga-se não mudou desde que o livro foi escrito, o atual primeiro-ministro de Inglaterra é um ex-aluno do Eton, como foram 20 anteriores primeiro-ministros e isso diz muito do tipo de mentalidade e mundo que estamos aqui a falar. O Der Spiegel, a propósito de Boris Johnson, fez todo um artigo definindo o tipo de pessoas — "pseudo-adultos" — que saem desta escola, que produz "um sistema no qual a elite permanece entre si e deixa de ver os problemas dos outros", criando pessoas que "valorizam mais o poder do que a compaixão" diz o The Guardian.
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