agosto 29, 2023

A escrita de Sara Mesa

Este ano voltei a ler Sara Mesa no verão, em espanhol em audiolivro, e gostei tanto que acabei lendo dois livros dela: "Cara de Pan" (2018) e "Cicatriz" (2015). Se gostaram de "Un amor" (2020), vão adorar, se não, é melhor passarem à frente. Sara Mesa (1976) criou um estilo próprio, construindo uma voz que nos serve como um olhar externo sobre as relações humanas, em particular a partir de jovens mulheres. Mesa não escreve para dar respostas, mas antes para se questionar, e é por isso que me atrai particularmente.

Nos três livros, somos introduzidos a uma personagem feminina que deambula por espaços-tempo, e ao longo do livro vão encontrando outros personagens com os quais vão interagindo, questionando-se a si, aos outros, e ao mundo em que vivem. A particularidade advém pelo facto de nunca ser dito para onde caminham, nem porque caminham. Mesa cria as personagens e os espaços, coloca-as em movimento e depois como que se nota que vai escrevendo à procura de um sentido para o que representa a personagem naquele espaço-tempo particular. Não existe uma trama concreta, não existe uma pergunta, nem uma resposta para buscar, contudo às personagens falta algo, e é esse algo que faz mover a escrita, assim como nos mantém colados tentando perceber como se vai completar aquela personagem. 

São livros curtos, funcionam mais como novelas, mas criam experiências muito particulares. Em “Cara de Pan” temos uma miúda de 12-13 anos que encontra um vagabundo num parque urbano, com o qual começa a interagir, permitindo-nos conhecer ambas as personagens, fazendo-nos questionar sobre todos os porquês, sem respostas, mas mantendo-nos ali prevendo o pior, mas antecipando que o pior pode não advir e não ir além do nosso preconceito. Em “Cicatriz” temos uma relação bem mais exótica, com uma jovem adulta a iniciar uma relação de amizade com um amigo online que vive a centenas de quilómetros, que lhe envia livros, e depois perfumes e roupas aos molhos, de graça, porque tudo o que envia é roubado. A relação atravessa anos e nós com eles, tentando descortinar o que se passa na cabeça de cada um.
 
No fundo, são puzzles de espaços e personagens interagindo, que Mesa nos oferece para nos fazer embrenhar na descoberta das relações, posições, expectativas e motivações humanas.

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