agosto 24, 2023

“Los Vencejos” de Fernando Aramburu

“Los Vencejos” (2021) é o sucessor de “Patria” (2016), o livro que trouxe reconhecimento internacional, incluindo direito a série HBO, a Fernando Aramburu. Se o estilo, de contador de histórias, permanece inalterado, o tema distancia-se, tal como a abordagem. Deixa-se para trás o terrorismo vasco e adentra-se agora os efeitos sociais do pós-patriarcado na figura masculina. Mantém-se a visão acutilante, mas em vez de sustentada pela tragédia, esta é agora baseada na sátira e humor negro que se tornam centrais no suportar de toda a vil misantropia ao longo de 700 páginas.

Imagem da web, lido na versão audiolivro com narração de Germán Gijón (Scribd).

Tendo a aborrecer-me com textos misantropos, não suporto o queixume, mas mais ainda a incapacidade de racionalizar alternativas para os problemas. Como se a realidade fosse una, fechada sob um ciclo que se repete, e pior, culpa de todos os demais, quando essas realidades apresentadas são criadas apenas pelas suas próprias cabeças. É isto que me afasta de autores como Céline, Houellebecq ou Bernhard, e por isso tive de parar para refletir sobre a razão porque fui até ao fim deste livro de Aramburu.

A trama roda à volta de Toni, um professor de filosofia do secundário, em volta dos 50, que decide marcar a data da sua morte para dali a um ano. O relato centra-se sobre esse ano que falta percorrer até chegar a engolir a cápsula de cianeto, entretanto adquirida. Somos brindados com a toda a realidade de uma Espanha contemporânea, nomeadamente as questões da Educação e da Política, mas particularmente da retirada de poder aos homens em virtude da equalização de forças entre os sexos, tudo apresentado numa enorme torrente de histórias suportadas em inúmeros flashbacks sobre a juventude, os pais, as namoradas, a ex-mulher e o filho. Não existe matéria que Toni apresente que não seja má, que não tenha defeito, que não seja incorreta, imoral ou injusta. Tudo é visto do seu ponto de vista, como se ele fosse o centro do mundo, alguém a quem a realidade enganou, deixando-o sozinho face a todos os outros. Por isso, Toni está cansado e quer morrer. 

Um cenário destes só é suportável enquanto sátira. O ridículo a que Aramburu vota Toni — desde a sua boneca sexual, Tina, ao sanchesco amigo Patachula que vota Vox “só para lixar o pessoal” — é central para tornar a perversidade numa realidade compreensível. Aramburu usa o humor negro como estratagema para fazer passar muitas das suas críticas, mágoas, mas também reconhecimento destas novas realidades. A vantagem desta estratégia é que permite ambiguidade ao autor, não o colocando em nenhum lado da barricada, é cómico, mas é negro, mau, mas tem um racional, oferecendo assim espaço ao leitor para que se posicione.

Dito isto, julgo que foi exatamente aquilo que me fez voltar continuamente ao livro. As críticas ácidas suportadas por situações tão ridículas que podiam ser não só verdadeiras, como até talvez justificadas. Porque debitadas enquanto histórias, aparentemente reais e causais, plenas de sentires, que chegam a obrigar-nos, em certos momentos, a empatizar com a personagem, e por isso na leitura corrente podem parecer plenas de razão e sentido, obrigando-nos a reflexão posterior para compreender que não. Que por mais doloroso que seja o mundo de cada um, essa dor nunca lhes poderá dar o direito de pisar o mundo do outro. 
“¿Para qué estrujarnos el cerebro si disponemos de máquinas provistas de inteligencia artificial? Mi pronóstico es negro, muy negro. Estos chavales terminarán vitoreando algún tipo de tiranía. Es lo habitual cuando las multitudes renuncian al cultivo de la mente crítica y delegan en una instancia superior la toma de decisiones. Menos mal que yo no estaré para verlo.” 
(...) 
“No hay mayor fatuidad que creerse inmortal en la memoria frágil de los hombres. Gloria al olvido, que siempre triunfa.”

Por fim, o livro não será para todos, o que facilmente se percebe pelas notas baixas no Goodreads. Diria mesmo que o livro será detestável para a maioria das mulheres. Todo o mundo, toda a crítica, é criado de um ponto de vista masculino, e a mulher é aqui um dos grandes alvos a abater, ainda que como digo o livro pretenda provocar a reflexão e evocar uma nova compreensão.

O livro foi editado em Portugal pela D. Quixote com o título "O Regresso dos Andorinhões".

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