agosto 31, 2023

A solidão do Ser

Em “Fora do Mundo”, o jornalista Michael Finkel conta a história de Chris Knight, o chamado eremita do Maine. Em 1986, com 20 anos, entrou no carro e conduziu pela floresta fora até ficar sem gasolina, abandonou o carro e as chaves, adentrou até encontrar um local suficientemente afastado da presença humana e estabeleceu-se, só voltaria a ser visto, e a falar com humanos, 27 anos depois, em 2013, quando foi preso por assaltar uma cozinha de uma área de piqueniques.


O livro apresenta um discurso jornalístico, entremeado com algumas citações de estudos científicos assim como de obras literárias, mas funciona bem no modo como narra a reaparecimento e readaptação de Knight, nomeadamente pelos esforços envidados para investigar o porquê do afastamento, o que teria levado alguém com competências intelectuais elevadas e uma boa família a abandonar a humanidade, sem olhar para trás, nem uma palavra dada aos pais e aos irmãos que teriam de se resignar a acreditar que teria morrido.

Deixo um excerto (p.148) que me tocou particularmente, por colocar em evidência tudo aquilo que George Herbert Mead, Erving Goffman e Albert Bandura teorizaram sobre o que edifica o Eu e nos torna humanos.

“O que aconteceu a Knight nos bosques foi, segundo ele, inexplicável. No entanto, aceitou pôr de lado os receios e tentar. 'Não é fácil', disse ele. 'A solidão permite desenvolver algo precioso. Não posso descurar essa ideia. A solidão aumentou a minha perceção. Mas a ideia enganadora é esta: quando apliquei a minha perceção aumentada a mim próprio, perdi a identidade. Não havia público, não havia ninguém para quem atuar. Não havia necessidade de me definir a mim mesmo. Tornei-me irrelevante'.” 

“A linha divisória entre ele e a floresta, disse Knight, parecia dissolver-se. O seu isolamento parecia mais uma comunhão. 'Os meus desejos desapareceram. Não ansiava por nada. Nem sequer tinha um nome. Para o dizer de forma romântica, estava completamente livre'.” 

(...) 

“Foi precisamente esta perda do eu que Knight experienciou na floresta. Em público, recorremos sempre uma máscara social, a uma representação para o mundo. Mesmo quando estamos sós e nos olhamos ao espelho, fingimos, motivo pelo qual Knight não guardava nenhum espelho no acampamento: abandonou todos os artifícios; tornou-se ninguém e toda a gente.”

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