junho 26, 2022

Despedida Boémia

"Adieu Bohème" é uma curta com uma premissa brilhante, ainda que não inteiramente nova, mas que se torna especial pelo modo como foi criada: uma performance ao vivo, gravada e transmitida em direto na web, com a banda sonora a ser criada noutro estúdio também em direto. A espontaneidade com algum humor no tratamento de uma questão íntima aparentemente insanável do exterior — o fim de uma relação — acaba por nos tocar e obrigar a pensar sobre o que somos e do que somos feitos neste nosso mundo feito de imagens.

"Adieu Bohème" (2017) de Jeanne Frenkel & Cosme Castro, Opéra National de Paris

junho 25, 2022

"Jerusalém", edição atualizada (2021)

Quis ler “Jerusalém” (2011/2021) de Simon Sebag Montefiore para tentar compreender um pouco melhor um fascínio que desconheço. Queria perceber como é que uma cidade que não contribuiu com qualquer ideia para o avanço da humanidade conseguiu manter-se sempre presente nas agendas do mundo ao longo de mais de 3 mil anos. A leitura, apesar de muito boa, deixou-me ainda mais perplexo. Montefiore faz um trabalho brilhante de inclusão que se sintetiza numa frase: "Naquele momento, o conceito de santidade no mundo judaico-cristão-islâmico encontrou o seu lar eterno". E assim podemos perceber que todo o fascínio da humanidade por esta cidade assenta numa fábula de Origem. A eterna indagação interior, “quem somos e de onde vimos?”, fez rumar ali, ao longo de milhares de anos, das mais altas personalidades de todas as três grandes religiões — reis, imperadores, califas, imãs, rabinos, papas. Muitos levaram consigo os seus exércitos, tendo Jerusalém sido sitiada, atacada e capturada dezenas e dezenas de vezes, incluindo duas vezes em que foi completamente arrasada, não restando pedra sobre pedra. Jerusalém nunca foi além do punhado de pedras num deserto, mas a sua resiliência demonstra o poder humano do contar de histórias.

junho 20, 2022

"Kalifat" (2020) apresenta a radicalização jovem

"Kalifat" (2020) é uma série Netflix sueca de ficção sobre o Estado Islâmico, ou Daesh, em particular sobre o modo como as redes de radicalização atuam na Europa, conseguindo atrair e convencer jovens, entre os 13 e os 17 anos, a embarcar para a Síria. A série foi criada por jornalistas com base em fontes escritas variadas, mas completamente revista por especialistas em terrorismo. O resultado é uma obra de grande intensidade dramática, pelo modo como expõe as pressões e jogos mentais a que as pessoas podem ser sujeitas e como tal afeta não só as suas competências racionais, mas em particular as relações familiares e parentais. É não menos impressionante o contraste entre a sociedade sueca e a do estado islâmico, e como tudo aquilo que parece impossível se pode tornar na única coisa que importa, tudo em nome de um ideal de fantasia.

junho 19, 2022

"Uma Estranheza em Mim" (2016)

"Uma Estranheza em Mim" (2016) precisa de ser lido lentamente para se entrar no mundo doce-melancólico criado por Pamuk e sorver tudo o que a sua escrita nos oferece. A Istambul pobre da segunda metade do século XX não parece muito diferente do Portugal pobre da primeira metade desse século, por isso é muito fácil relacionar com a galeria de personagens apresentada, os seus medos, ânsias e indefinições. Apesar da pobreza, a Istambul desse tempo apresenta-se como o El Dorado dos turcos do interior, acabando a converter a sua população de 3 milhões nos anos 1970 em 13 milhões em 2012. 

junho 17, 2022

"Dot's Home", videojogo sobre problemas sociais

"Dot's Home" (2021) é um belíssimo videojogo narrativo, criado por uma equipa de criativos multimédia em conjunto com uma ONG focada na resolução de problemas sociais, nomeadamente de habitação e discriminação racial nos EUA. O jogo foi criado no âmbito de uma campanha transmedia, a Rise-Home Stories, que produziu para além deste jogo, mais quatro artefactos digitais narrativos: "Alejandria Fights Back!",  um livro para crianças, "But Next Time" um podcast, "MINE", uma web série animada e "Steal-Estate", uma experiência online interativa. O jogo foi apresentado no final de 2021 e está agora disponível gratuitamente na App Store, Google Play e Steam.

junho 10, 2022

O Cérebro em Busca de Si Mesmo (2022)

O livro "The Brain in Search of Itself" (2022) presta uma necessária homenagem a uma importante figura da ciência do início do século passado, o espanhol Santiago Ramón Y Cajal (1852-1934), responsável pela descoberta da célula base do nosso cérebro, o neurónio. Considerado um dos pais da disciplina das neurociências, foi agraciado com o Nobel em 1906, com o que contribuiu para uma revolução no reconhecimento das ciências espanholas. Ao longo das curtas 450 páginas, Benjamin Ehrlich dá-nos a conhecer não apenas a vida de Cajal, o seu amor pela ciência e arte, mas também a vida em Espanha — de Zaragoza a Madrid, passando por Valencia e Barcelona — no fim do século XIX e início do século XX, assim como as principais teorias que conduziram à descoberta da fisiologia do nosso sistema nervoso. 

O Que Mais Teme na Vida? 'Que eu não seja quem deveria ser'

São 5 minutos magníficos. A realizadora de documentários polaca, Bartlomiej Zmuda, questiona de forma direta e sincera um conjunto de cidadãos de Varsóvia sobre o maior medo das suas vidas, no pequeno filme "What Do You Fear the Most?" (2022). Vemos apenas os momentos honestos e sentidos das respostas de cada. A intensidade emocional das suas palavras cola-se ao registo vídeo. No final, as respostas tão profundamente humanas permitem-nos relacionar com quase todos os medos, e levar-nos não apenas a sentir o quão parecidos todos somos, mas também quão frágeis acabamos por ser no meio das nossas diferenças e capas de coragem que vamos montando ao longo das nossas vidas.

junho 08, 2022

"In the Absense" (2019)

Surpreendentemente intenso. Em 2014, na Coreia da Sul, um ferry com 476 passageiros a bordo afundou-se e levou para o fundo do mar 304 pessoas, das quais 250 estudantes do secundário que realizavam uma visita de estudo. O documentário curto "In the Absense" (2019) não usa o choque gráfico, antes usa o silêncio e múltiplas fontes de informação cronológica para dar conta dos erros humanos que levariam anos depois à incriminação de homicídio do capitão e mais alguns membros da tripulação e por fim à destituição da Presidente da Coreia do Sul, Park Geun-hye.


junho 05, 2022

Na Terra Somos Brevemente Magníficos

O título, "Na Terra Somos Brevemente Magníficos" (2019), atraiu-me desde que o vi pela primeira vez, talvez por produzir um sentimento paradoxal, no sentido em que soa a pedante e simultaneamente humilde. A experiência de leitura correspondeu, definindo-se como desassossegada, num sentido pessoano, pela profundidade a que o autor consegue levar a descrição do sentir que vai edificando numa escrita de enorme beleza.