abril 30, 2016

"Os Maias" e a escola

Uma epopeia familiar, vista sob um olhar global e multicultural, e ao mesmo tempo tão conhecedora do âmago do ser português, capaz de enaltecer os seus devaneios mais nostálgicos e melancólicos. Merece todos os laudos, e merece ser a luz do nosso cânone. Um texto apenas possível graças ao acesso ao mundo tido por Eça enquanto diplomata, e ainda ao facto de ser escrito já numa fase de grande experiência de vida alcançada, pouco antes de morrer.


Não sendo um estudioso de literatura, mas tendo em conta o mais recente empreendimento de ler os clássicos — Tolstói, Mann, Proust ou Dostoiévski — "Os Maias" apresenta várias particularidades que o tornam relevante para qualquer estudioso e que fazem com que mereça ser referenciado em muitas mais listas de livros obrigatórios (podendo desde já encontrar-se no cânone de Bloom, ou no English PEN).

Desde os aspectos de cruzamento cultural que vão sendo apresentados capazes de ligar dados sociais e históricos de Portugal, Inglaterra, França, Brasil, Espanha, Ásia, EUA, etc; ao puzzle geográfico nacional que nos leva a calcorrear boa parte do nosso território; passando pela ligação estabelecida entre diferentes géneros, nomeadamente opostos como a comédia e a tragédia; ou ainda toda a discussão sobre as teorias dos movimentos literários, do surgimento do realismo e decadência do romantismo, citando Émile Zola, Victor Hugo, William Shakespeare, Lord Byron, entre outros; assim como à crítica forte pelo retrato da burguesia, política e imprensa nacionais. É uma obra plena de saber que enriquece quem se predisponha a dedicar-lhe um pouco do seu tempo. Como se não bastasse é um texto que envelheceu muito bem, que apesar dos seus 118 anos continua imensamente atual e capaz de dar imenso gozo a quem o lê.

Quanto à leitura obrigatória nas escolas, é um livro difícil pela sua extensão que se arrasta em descrições e preparação para o clímax ("grande bolada") final, aliás é o próprio Eça a reconhecer isto mesmo. Mas também e porque apesar de Eça procurar distanciar-se do romantismo, e conseguindo fazê-lo muito bem nos temas, a escrita ainda está pejada desses traços que dificultam a compreensão, porque por via da romanticização da arte literária as ideias ficam por vezes como que soterradas por debaixo da forma. Não raras vezes temos de reler parágrafos, frases, para ligar os sentidos, já que estes se perdem no modo de escrita por via de embelezamentos gramaticais que descuram o que se diz apenas em busca de um efeito estético.

Por outro lado, acredito que a grande maioria dos alunos não passe do meio da obra, pelo que disse acima, quando na verdade a ação do enredo só começa verdadeiramente a agitar-se a partir da terceira parte. Falando em meu nome pessoal, não me lembro de o ter terminado nessa altura, por isso a impressão que tinha, não apenas pela idade que se tem quando se lê, mas por não ter assistido ao desenlace da epopeia, era bem diferente.

Mas a idade é um problema claro na assimilação de "Os Maias", uma obra carregada de crítica política e social, exige do leitor um conhecimento histórico detalhado do contexto de Eça, mas mais do que ter informação sobre esse contexto, exige a compreensão desse universo, algo que que com 16/17 anos não se tem, nem se pode construir em meia-dúzia de aulas. Assim se o texto nem sempre ajuda, escondendo os seus reais significados sob capas estéticas, o facto de termos leitores que ainda não detêm o arcaboiço necessário à interpretação do que vai sendo dito, acaba por ditar um afastamento inevitável da obra.

Lisboa, século XIX

O problema das leituras dos cânones nacionais nas escolas que não se passa apenas cá, mas em todo o mundo que vê a escola como normativa das identidades nacionais, é a obrigatoriedade. Talvez fosse tempo de pensar de modo diferente, e porque não faltam trabalhos nacionais de valor, oferecer alternativas de leitura. Obrigar a ler uma obra intemporal e de relevo, dissecá-la ao longo de meses, é algo que vemos como necessário à construção das identidades nacionais, mas que no fundo acaba mais por criar estigmas do que verdadeiro conhecimento, e menos ainda relação. O atual Plano Nacional de Leitura permite essa diversidade, o que é muito bom, basta aos professores e escolas traçarem o seu caminho.

Não estou aqui a defender a anulação do Eça, antes pelo contrário, uma maior contextualização deste em face da restante produção nacional da época poderá conduzir os alunos a quererem saber mais, a tentar buscar por si próprios a razão da sua relevância. O uso de documentários e cinema no suporte à leitura pode, por exemplo, ser uma forma de facilitar a construção de bagagem contextual, mas existem muitos outros modos de o fazer.

abril 24, 2016

“The Beginning of Infinity" (2011)

Um rasgo de inteligência em estado puro, é o que posso dizer sobre a leitura das palavras de David Deutsch em “The Beginning of Infinity: Explanations that Transform the World”. A ciência, ou melhor, o pensamento científico elevado ao cume da experiência humana, explanado de uma forma simples e acessível e ao mesmo tempo capaz de ir ao fundo de tudo aquilo que somos enquanto seres humanos, mais, de tudo aquilo que poderemos vir a ser. É um livro com uma mensagem poderosamente otimista, capaz de evocar e incitar o melhor que existe no ser humano. Um livro ao nível de “Cosmos” de Carl Sagan, não só atual mas muito mais ambicioso, sem contudo perder nada do sonho que tornou Sagan tão fascinante. Deutsch é um prodígio da consciência humana.

“This is Earth. Not the eternal and only home of mankind, but only a starting point of an infinite adventure. All you need do is make the decision [to end your static society]. It is yours to make (..) [With that decision] came the end, the final end of Eternity — And the beginning of Infinity.” Isaac Asimov, "The End of Eternity" (1955)
O primeiro grande impacto, de entre vários que se sucederam, que senti na leitura deste livro foi quando percebi que me tinha deixado convencer por Deutsch que a colonização da Lua e de outros planetas no espaço é algo pleno de sentido. Apesar de consumir, e adorar, ficção científica, estas ideias sempre me pareceram um tanto descabidas, nomeadamente por toda a complexidade envolvida nas necessidades de oxigénio de todo o modelo de vida surgido na Terra, assim como a ausência de propósito claro. Contudo, quando entramos na cabeça de Deutsch, e nos deixamos guiar pela sua visão de vanguarda do mundo que teremos na nossa frente, tudo isso parece não só plausível, como absolutamente natural.

A base de partida para tudo, segundo Deutsch, surge com o Iluminismo (séc. XVIII), a terceira revolução do conhecimento, depois da Grécia Antiga e da Renascença italiana. Apesar de Deutsch defender que estes dois períodos anteriores se deixaram extinguir, acredito que no entanto e graças à existência de registos à data de cada um, os seus efeitos fizeram sentir-se sobre o Iluminismo, ao ponto de não acreditar na sua existência sem esses prévios movimentos. O que distinguiu este movimento de tudo o que veio antes, foi segundo Deutsch, “a way of pursuing knowledge with a tradition of criticism and seeking good explanations instead of reliance on authority”. Deste modo defende que o impacto do avanço, em termos da racionalização do mundo, obtido com o Iluminismo perdura até hoje, dando conta do conceito central de todo o livro: o começo do infinito. Porque o infinito é aquilo que nos espera através do desenvolvimento do conhecimento.
“The ability to create and use explanatory knowledge gives people a power to transform nature which is ultimately not limited by parochial factors, as all other adaptations are, but only by universal laws. This is the cosmic significance of explanatory knowledge – and hence of people, whom I shall henceforward define as entities that can create explanatory knowledge.” 
Mas para que este conceito verdadeiramente funcione, ou melhor, para que se possa produzir a crença na ideia de que estamos no início de um infinito, precisamos de uma componente que por vezes não abundam na nossa espécie, mas que Deutsch transpira por todos os poros com esta sua visão do mundo, e que é o Otimismo. Para Deutsch o fundamento da relevância do conhecimento assenta na sua capacidade para resolver problemas, sendo para ele a resolução de problemas o fundamento de tudo, e aquilo que nos pode levar ao infinito, ou seja a algo que não poderemos nunca imaginar no presente, resultando num mantra otimista:
"Problems are inevitable; problems can be solved."
Mas se nós podemos resolver problemas, não é apenas por termos um cérebro e sermos dotados de inteligência, isso têm todos os restante animais, aquilo que marca esta capacidade e daí toda a relevância do Iluminismo, é o Método Científico, e por usa vez o Universalismo. O que quer isto dizer?

O método científico assenta em lógica muito simples sustentada por apenas uma ideia, a replicabilidade, ou repetição. Se um evento se repete podemos extrair uma regra, e quanto mais aprofundamos a aplicação do método e a busca pela repetição mais nos distanciamos do particular e mais nos aproximamos do universal. Ou seja, as teorias que criamos sobre o real que nos envolve não são aplicadas a casos particulares, localizados, mas são antes abstractas, independentes do particular, capazes de elaborar uma linguagem que explica o passado e pode explicar o futuro. Nesse sentido, torna-se fácil acreditar que podemos resolver problemas no futuro, desde que tenhamos identificado as regras universais que regem a realidade — ex. o caso das Leis de Newton — e assim acreditar que continuaremos a desenvolver-nos, e a expandir-nos no universo em direção ao infinito.

O que esta abordagem do mundo — método científico — nos trouxe foi não apenas uma forma para calcular o funcionamento e compreender como funciona, mas ao mesmo tempo uma enorme capacidade para fazer, transformar e construir — ex. revolução industrial. Facilmente se pode ver o salto ocorrido neste período e que assenta completamente neste método, que por sua vez não parou, tendo desde então produzido outros saltos como a recente revolução da informação. Esta abordagem permite partir da particularidade, especulando hipóteses, procurando a sua demonstração ou refutação, e assim chegar à generalização, que por sua vez nos permite ganhar terreno no controlo do real à natureza.
“From the least parochial perspectives available to us, people are the most significant entities in the cosmic scheme of things. They are not ‘supported’ by their environments, but support themselves by creating knowledge. Once they have suitable knowledge (essentially, the knowledge of the Enlightenment), they are capable of sparking unlimited further progress.”
Uma das questões mais instigantes desta abordagem de Deutsch assenta numa conceptualização do mundo em contra-ciclo com o momento atual que a nossa civilização atravessa, cansada da inspiração em teorias económicas que nos trouxeram até ao momento de grande crise por acreditarem exatamente nessa expansão infinita de recursos, recuperando assim um outro economista, Malthus, que defendeu no século XVIII a necessidade de controlo populacional por prever a incapacidade do planeta em dar repostas ao excesso de população. É do enorme otimismo de Deutsch que surge essa visão, essa ausência de medo do futuro, uma força interior imensamente crente no poder do conhecimento, nomeadamente na sua capacidade para constantemente resolver os problemas que se nos colocarão pelo real.
“Like every other destruction of optimism, whether in a whole civilisation or in a single individual, these must have been unspeakable catastrophes for those who had dared to expect progress. But we should feel more than sympathy for those people. We should take it personally. For if any of those earlier experiments in optimism had succeeded, our species would be exploring the stars by now, and you and I would be immortal.” 
Com esta abordagem, como digo em contra-ciclo com muitas das ideologias do mundo atual, torna-se inevitável Deutsch entrar em conflito com teorias e teóricos de reconhecido valor, questionando-os, mas obrigando-nos a nós também a reagir, a analisar, estudar, e aprofundar as ideias apresentadas, procurando os caminhos em que acreditamos. Diga-se que Deutsch é brilhante no modo como explana, simples e direto, apresenta uma argumentação imensamente lógica, e ao mesmo tempo dirigida a instintos de que somos dotados enquanto espécie motivada intrinsecamente.
“It is a mistake to conceive of choice and decision-making as a process of selecting from existing options according to a fixed formula. That omits the most important element of decision-making, namely the creation of new options (..) an unproblematic state is a state without creative thought. Its other name is death.”

1. O problema do empirismo
Deutsch abre o livro atacando desde logo todo um conjunto de teorizações com toda uma carga aparentemente científica, nomeadamente o empirismo, procurando assim dar conta de uma abordagem do mundo que não se resigna à ciência, menos ainda ao observável, mas que é capaz de laborar sobre o experienciável com a razão. Daí que toda a conceptualização de Deutsch seja imbuída de ciência e filosofia.  
“Empiricism is inadequate because scientific theories explain the seen in terms of the unseen and the unseen, you have to admit, doesn’t come to us through the senses.” 
2. As incapacidades dos neurónios espelho
A sua segunda grande crítica, tenho de admitir que me custou e lhe levanto várias objeções, já que coloca em questão uma das teorias que tenho usado ao longo da última década para explicar a aprendizagem e emocionalidade humanas, e nomeadamente todo o funcionamento do nosso sistema empático, tem que ver com os neurónios espelho. Deutsch disserta sobre as diferenças entre os animais e os seres humanos, entre o modo como o papagaio aprende uma língua e um ser humano, não refutando a existência deste mecanismo de espelho e imitação nos humanos, mas referindo que ele é apenas uma parte de todo um sistema mais complexo. O racional é simplesmente:
“Rather than imitating behaviour, a human being tries to explain it – to understand the ideas that caused it – which is a special case of the general human objective of explaining the world. When we succeed in explaining someone’s behaviour, and we approve of the underlying intention, we may subsequently behave ‘like’ that person in the relevant sense. But if we disapprove, we might behave unlike that person. Since creating explanations is second nature (or, rather, first nature) to us, we can easily misconstrue the process of acquiring a meme as ‘imitating what we see’. Using our explanations, we ‘see’ right through the behaviour to the meaning. Parrots copy distinctive sounds; apes copy purposeful movements of a certain limited class. But humans do not especially copy any behaviour. They use conjecture, criticism and experiment to create good explanations of the meaning of things – other people’s behaviour, their own, and that of the world in general. That is what creativity does.”
Apesar de poder seguir Deutsch, não consigo deixar de levantar aqui várias questões. Aceito que aquilo que nos move é a constante explanação, porque somos obcecados pela padronização do real, mas nestes processos de imitação nem sempre conseguimos chegar à explanação, aliás é exatamente isso que define o conhecimento tácito, aquele que não conseguimos explanar. Ora, quando por exemplo aprendo ténis, a única forma de melhorar é repetir, mas também ver repetidamente como os outros jogam, raramente consigo explanar o que os outros fazem, mas o facto de ver muitas vezes os outros fazerem permite-me melhorar o modo como eu próprio jogo. Isto não acontece porque consigo explicar os movimentos, mas antes porque os imito. Claro, e aqui seguindo Deutsch, nesse processo de imitação que realizo acabo muitas vezes por introduzir uma parte de mim, e desse modo construo não apenas uma imitação direta mas uma imitação transformada pela minha criatividade individual que por vezes surte práticas novas e melhores que são depois imitadas por outros. Julgo que a grande questão sobre a imitação é que ela realmente não pode responder por comportamentos complexos, ou melhor, dotados de várias camadas intrincadas de ações lógicas sem a devida racionalização, mas isso nem sempre é necessário no campo da empatia num primeiro nível de simples contágio, ou da simples imitação de movimento corporal.

3. O belo da simetria
Outro dos mitos que Deutsch tenta derrubar neste livro é a assunção de que o belo admirado pelos humanos assenta numa base simples de relações simétricas, de cor e contraste. Para tal disserta sobre o caso das flores e contrapõe-as nestas categorias às aranhas. Assim Deutsch apresenta uma visão do belo enquanto algo profundamente objetivo e universal, ainda que aceite o belo paroquial, específico a cada espécie. No caso do belo universal, no qual se enquadram as flores, existe uma base de conhecimento universal que regula o belo, tal qual existem leis de física que regulam a gravidade.
“It reaches all the way from the flower genome, with its problem of competitive pollination, to human minds which appreciate the resulting flowers as art. Not great art – human artists are far better, as is to be expected. But with the hard-to-fake appearance of design for beauty (..) “So human artists are trying to signal across the same scale of gap between humans as the flowers and insects are between species. They can use some species-specific criteria; but they can also reach towards objective beauty. Exactly the same is true of all our other knowledge.”
O autor acaba por depois definir dois tipos de arte humana, a aplicada e a pura, em que a aplicada serve para comunicar com os restantes membros da espécie, enquanto a pura existe apenas para si própria, procurando elevar os standards artísticos, de forma totalmente análoga à investigação científica. Não poderia estar mais de acordo, aliás tem sido exactamente com base nesta distinção que tenho proposto diferenciar o Entretenimento da Arte.

4. Contexto sem efeito sobre o progresso humano
Esta crítica é também bastante forte, e é talvez a mais referenciada por quem não gostou do livro ou da abordagem proposta, já que parte da crítica a um livro anterior imensamente reconhecido, e podemos mesmo dizer que no mesmo nível de importância deste para compreensão da nossa espécie, falo de Guns, Germs, and Steel” de Jared Diamond. Ora Deutsch por desenvolver uma abordagem assente no progresso pelo conhecimento, defende que as barreiras colocadas à evolução humana nunca foram construídas pelo contexto, geográfico ou outro, mas apenas e só pela nossa incapacidade em cada momento de construir conhecimento que pudesse lidar com as dificuldades colocadas por esse contexto.

Em certa medida sigo Deutsch, até porque em pleno século XXI podemos ver como a sua visão lógica faz sentido. Hoje podemos praticar sky no Dubai, assim como no nordeste brasileiro é possível plantar vários tipos de culturas anteriormente impossíveis, graças à produção de sementes geneticamente modificadas que se adaptam à agressividade dos climas tropicais. Por outro lado o trabalho de Diamond não deixa de ser relevante, porque explica como tudo se processou ao longo destes anos. Aquilo que separa de Diamond e Deutsch é mais uma questão de ovo e galinha, saber se foi o contexto a condicionar a criação humana, ou a criação humana a condicionar o contexto.

5. Alterações climáticas
Última crítica e talvez a mais forte, assim como talvez também aquela que faz mais sentido, não apenas por todo o seu discurso, mas por ser profundamente lógica. Na sua defesa por um infinito de transformações do real geradas a partir da nossa infinita capacidade para criar novo conhecimento, Deutsch vem apresentar a sua incredulidade para com as visões do real que assentam em lógicas de sustentabilidade, e que proclamam a necessidade de reduzir as emissões de CO2, de abandonar os carros, o consumo excessivo, etc. Para o autor, estas abordagens ditas sustentáveis são perigosas no sentido em que podem comprometer a evolução humana, criando ciclos infindáveis de reprodução de ideias erróneas, que da estagnação podem conduzir à extinção. A lógica do progresso humano assenta na sua expansão em direção ao infinito, o que só se suporta num comportamento contrário à redução da ação humana.
“The world is currently buzzing with plans to force reductions in gas emissions at almost any cost. But it ought to be buzzing much more with plans to reduce the temperature, or for how to thrive at a higher temperature. And not at all costs, but efficiently and cheaply. Some such plans exist – for instance to remove carbon dioxide from the atmosphere by a variety of methods; and to generate clouds over the oceans to reflect sunlight; and to encourage aquatic organisms to absorb more carbon dioxide. But at the moment these are very minor research efforts. Neither supercomputers nor international treaties nor vast sums are devoted to them. They are not central to the human effort to face this problem, or problems like it. This is dangerous.”
Apesar de politicamente incorrecto não posso deixar de seguir Deutsch, é algo que me tem acompanhado ao longo dos últimos anos, por mais que eu queira defender a preservação do planeta, e quero, não consigo deixar de ver estas abordagens de regresso ao passado nas nossas vidas, como um simples meter a cabeça debaixo de areia, como nostalgia totalmente despegada do presente e futuro.


Para fechar esta resenha que vai longa quero apenas dizer que “The Beginning of Infinity” é um livro que precisa de ser lido com a mente aberta. Por vezes um pouco mais denso, nomeadamente nas questões sobre física quântica e mundos possíveis, bastando ainda assim apenas alguma atenção e concentração para se chegar às ideias e compreender o que se discute. É um livro que nos abre um mundo de explanações sobre o mundo que habitamos, que nos leva a descortinar e questionar muito do real que assumimos como imutável e intransponível, que nos conduz da assunção de mera insignificância num universo de galáxias quase-infinitas à posição de seres dotados de capacidade de explanação e ação, estas sim infinitas.

abril 18, 2016

"A Invenção de Hugo Cabret" (2007)

É uma história primorosa capaz de misturar tão bem realidade e ficção como mistura texto e ilustração. Diga-se que o texto não é muito elaborado mas porque é dirigido a crianças, por isso aquilo que mais ressalta em termos estéticos acaba sendo a capacidade de fazer valer os diferentes meios (texto + imagem) para assim contar uma história tão engenhosa como mágica.



O cerne do livro tal como o nome indica parece ser Hugo mas é-o apenas para nos servir de veículo, de acesso empático, a um novo mundo prestes a desvelar-se na nossa frente. O foco verdadeiro é a Arte, no caso concreto a cinematográfica, encarnada na pessoa de Georges Méliès. Assim "A Invenção de Hugo Cabret" funciona mais como uma homenagem ao poder da imaginação e ao uso de um meio para dar forma a essa imaginação, com tudo o que isso envolve e implica na vida de uma pessoa. Não posso dizer muito mais sem estragar o efeito, que é intenso, a que se deve chegar lendo o livro (ou vendo o filme).

Dada a intensidade da história e tema o livro acabou sendo transformado em filme, não como mero exercício de adaptação mas por alguém que ama tanto a arte cinematográfica como o retratado no livro, Martin Scorsese. Daí que o filme não sofra qualquer recuo em intensidade, sendo fiel e emulando muito bem texto e ilustração. O filme vai pouco além do livro, como disse quando vi o filme, mas porque o tema trata a imagem em movimento nada poderia ser mais apropriado para lhe dar expressão que a própria arte cinematográfica.



Podemos dizer que é uma aventura, um sonho de criança, com lugares e portas secretas, com fugas, perdas, tristezas e alegrias, com descobertas, ternura e muito carinho, com mecanismos simples que acabam em explicações complexas capazes de alargar intensamente a visão do mundo que as crianças detêm.

abril 10, 2016

Uma fronteira de desigualdade erguida aos Refugiados

Chocado, é como me sinto depois de ver o documentário animação “Do outro lado da linha” de Lukas Schrank. Descobrir que tal “coisa” existe no nosso planeta em pleno século XXI, criada e mantida por um país pertencente ao G20, que se diz democrata e defensor da liberdade, foi uma lambada. Por outro lado, se isto é possível, imagine-se tudo aquilo que se estará a passar por essa Europa fora na receção aos refugiados sírios, aliás pense-se no recente acordo Europa-Turquia, e pouco se diferenciará do que aqui podemos ver.





As vozes “Do outro lado da linha” vêm da Ilha de Manus, um ponto remoto no Pacífico Sul, para onde a Austrália atira os refugiados que interceta no mar, impedindo-os de chegar ao país. A estes nenhuma alternativa é dada, seja voltar ao seu país de origem, entrar na Austrália, ou mesmo entrar em Papua Nova Guiné. Estão ali, tal como estiveram os judeus em campos europeus, sem propósito, sem esperança, à espera da morte. “Do outro lado da linha” relata a partir do interior do Centro de Detenção Manus Island, em discurso direto pelas vozes de dois homens que aí se encontram detidos.

Mas se me sinto chocado, surpreso, é talvez por pura ingenuidade. Que podemos esperar de governos que produzem massivamente armas para vender a outros países, promovendo assim abertamente as guerras intermináveis? Que devemos esperar de governos que promovem os offshores e países fiscais, nada fazendo ao longo de décadas e décadas de destruição das suas próprias sociedades?

Basta olhar o exemplo de Portugal e ver quem paga IRS por cá, para se poder compreender o mundo em que vivemos. Bernie Sanders dizia numa entrevista recente, “we are all in this together”, mas parece que são muito poucos os que assim pensam. Podemos continuar a assobiar para o lado, dizer que não é fruto do neoliberalismo que é apenas o mundo em que sempre vivemos, mas quando resolvermos acordar talvez seja já demasiado tarde...

"Do Outro Lado da Linha" (2015) de Lukas Schrank

Quanto ao trabalho de Schrank, é absolutamente delicioso, tendo-me feito recordar bastante o não menos brilhante “Waltz with Bashir” (2008) de Ari Folman. O trabalho de mescla entre 2d e 3d contribui para a enfatização dramática do filme, conseguindo dar corpo a dois relatos simples, que se erguem e nos transportam para toda uma outra dimensão. A escolha da animação e tom gráfico, diz-nos Schrank, provém da sua reação ao facto da Austrália ter produzido uma banda desenhada com esta abordagem gráfica e distribuído a mesma no Afeganistão para dissuadir os potenciais requerentes de asilo!

abril 08, 2016

"Anna Karénina" (1877)

Confesso que vinha à procura de mais, nomeadamente porque é um livro que surge no topo de várias listas, e que raramente se encontra ausente de qualquer lista. O livro é bom, é até muito bom, mas depois de ler "Guerra e Paz" pouco daquilo que Tolstói aqui faz nos surpreende. Por outro lado a personagem principal, a sua estrutura em termos de conteúdo, apesar de bastante rica fica atrás de outras personagens do universo da literatura clássica.


Com Anna Karénina (1877) chego ao final da leitura das grandes heroínas clássicas, depois de Elizabeth Bennet (Orgulho e Preconceito, 1813), de Catherine Earnshaw (O Monte dos Vendavais, 1847), de Jane Eyre (Jane Eyre, 1847) e Emma Bovary (Madame Bovary, 1857). Europeias, representando a Rússia, Inglaterra e França, todas do século XIX, todas imensamente relevantes e ao mesmo tempo tão diferentes. Talvez o maior paralelo se possa aqui traçar seja entre Karénina e Bovary, mas de todas continuo a elevar a um patamar completamente distinto Jane Eyre.

Anna Karénina é uma personagem que vamos adorando e odiando ao longo do romance dada a sua organicidade, incerteza, e inconstância, caraterísticas próprias de verdadeiros seres-humanos mas que em termos de histórias e romances acabam contribuindo para alguma desfocagem do nosso processo de empatia. Talvez por isso existam críticos que prefiram como personagem principal da obra, em vez de Anna, Levin, espécie de alter-ego do próprio Tolstói, mas na verdade Anna é o reverso de Levin, e de certo modo passa a ideia de que esta poderá representar o grito interior do próprio Tolstói, nomeadamente em tudo o que tem que ver com todos os seus problemas com o amor e o desejo.

Tolstói acaba por na aproximação ao final evocar a fé como espécie de amor último, mas mais ainda como forma comparativa, para poder dizer da impossibilidade de compreender completamente o que é o amor. Era desnecessário, e não me parece sequer que funcione, mas é a forma de Tolstói trabalhar, sempre à procura de compreender os porquês, sempre questionando para além do questionável, e quando não encontra o que procura prossegue atrás dos comparativos. Levin não precisava de chegar àquele ponto, apesar de o servir bem, e conseguir fechar um livro trágico com uma nota otimista.

O melhor do livro são os interiores psicológicos do grupo central de personagens — Anna, Vronsky, Levin, Kitty, Dolly e Stepan — e as descrições dos seus encontros que Tolstói consegue literalmente "mostrar" através de palavras. Impressiona por vezes seguir no fluxo da descrição, ver e sentir não apenas a cena, o quadro narrativo exposto, mas tudo aquilo que percorre a mente de cada um dos envolvidos, verdadeiros momentos de puro xadrez de emoção humana.

abril 02, 2016

A arte surge da metanálise?

Ao tentar separar Arte do Design (e Entretenimento) dei comigo a encostar a arte aos seus aspectos metanalíticos, ou seja a uma quasi-obrigatoriedade de reflexão sobre si mesma. Continuo a não me sentir completamente satisfeito com essa implicação, mas hoje ao passar os olhos por vários ensaios vídeo do Nerdwriter, parei no ensaio a propósito de "Las Meninas" (1656) de Velázquez, e mais uma vez a questão ressurge.

"Las Meninas" (1656) de Velázquez

Nerdwriter não traz nada de muito novo a análise do quadro, em termos interpretativos, mas ao fazê-lo em vídeo, reconstruindo as histórias das suas implicações, funciona como se estivéssemos no museu a ser assistidos por um crítico de arte na análise da obra, aliás vai mais longe, porque através da excelência do seu trabalhado de diagramação visual do quadro, dá a ver como não seria possível apenas olhando a tela na parede. A sua análise segue assim o sentido de muitas outras que têm definido esta obra de Velasquez como um autêntico tratado de filosofia da pintura, expondo as razões para tal, na sua capacidade metanalítica, de se definir enquanto questiona o real valor e implicação da sua expressão artística (a pintura). Vejam o ensaio para compreender o foco.

Recorte e diagramação de "Las Meninas" por Nerdwriter

Se me questionou este aspecto, houve ainda um outro que me tocou, sobre o qual tenho também refletido, e que tem que ver com a capacidade narrativa da pintura. A narrativa é uma forma de expressão também associada à pintura, tal como a fotografia, desde logo pelo seu posicionamento face à representação. Mas o que me tenho questionado aqui tem mais que ver com o facto de que um quadro dificilmente consegue conter em si todos os aspectos que dão corpo às necessidades de uma narrativa, desde logo porque lhe falta a dimensão temporal. Ora o que vemos neste vídeo, e podemos ver em praticamente todas as obras pictóricas dotadas de composição, é que a narrativa pode surgir do questionamento que o recetor faz sobre a construção da composição. Não existindo dimensão temporal na obra, ela passa a ser encenada pela mente do próprio recetor, que claramente necessita de possuir informação adicional para poder dar corpo aos seus elementos e deles extrair e construir o objeto narrativo final que se forma na sua imaginação.

Duas questões que me lançam na indagação sobre a arte e seus propósitos, sobre as quais deixo aqui apenas alguns traços que surgem de mais um belíssimo trabalho do Nerdwriter, que vivamente recomendo.

"Las Meninas: Is This The Best Painting In History?" (2016) Nerdwriter


abril 01, 2016

IGN: António Lobo Antunes e Jonathan Blow

Esta semana escrevi para o IGN um texto a propósito de design de jogos, discutindo em concreto os seus aspectos criativos, nomeadamente a fronteira entre a arte e o design. Não se trata aqui de discutir pela milionésima vez a afirmação dos videojogos como arte, mas antes tentar compreender a forma artística que envolve o design de jogos, realizando-se para tal uma comparação com aspectos da dança e da música.


Por outro lado, na especificidade e tendo trabalhado o texto a partir do designer Jonathan Blow, realizo uma aproximação dos seus métodos de trabalho aos métodos do escritor António Lobo Antunes.

Para quem quiser ler, fica a ligação para o IGN, "Arte e Design de Jogos".

março 26, 2016

"O leilão do lote 49"

Queria ler Pynchon, mas sabendo da sua tendência pós-moderna para a fragmentação narrativa, resolvi começar por um dos seus livros menos fragmentados e mais curtos. “O leilão do lote 49” tem apenas 136 páginas, e apesar de procurar constantemente furtar-se à linearidade, mantém uma linha coesa de enredo do início ao fim. As distorções narrativas que Pynchon vai imprimindo surgem mais pela via do constante lançamento de novas questões, às quais não vai dando respostas, perdendo-se assim a tão desejada estrutura de causa e efeito que nos apazigua na leitura do romance tradicional.


Pynchon impressiona, apresenta todo um arsenal formal e de ideias que rapidamente tomam conta de nós, arrebatando-nos para o seu universo. A escrita, apesar de prosa e contadora de histórias, é entrosada e elaborada numa forma a que apenas se costuma aceder na poesia. Aliás, as próprias ideias, por serem trabalhadas num constante confronto entre real e ficcional, parecem muitas vezes mais apropriadas ao poema do que à prosa, redigidas como comédia negra parecem estar constantemente no reino do irreal e do fantasioso.

Se admirei todo este labor, puro virtuosismo técnico, de Pynchon, o objeto final deixa-me um pouco indiferente. Não que precise de um sentido para o que se diz ou procura aludir no livro, mas acredito que assim aconteceu pelo tom satírico e, sim, de algum modo inconsequente do texto. Aliás, enquanto lia recordava “Piada Infinita” (DFW) e “Ulisses” (Joyce), ambos trabalhos imensamente fragmentados, ambos também profundamente satíricos, e ambos provocam reações adversas no meu sentir. No caso de “Piada Infinita” consegui ultrapassar essa minha reação instintiva, porque a sátira é profundamente justificada pelo tema nuclear da obra, contudo “Ulisses” foi um dos poucos livros nos últimos anos que não consegui terminar, lá voltarei, só não sei quando.

Logo e acrónimo centrais no enredo do texto, tal como a organização Tristero

Dito isto, gostei de conhecer Pynchon, mas não sei quando aqui voltarei, muito provavelmente apenas depois de ter ultrapassado Ulisses.

Nova série web: "Makers & Gamers"

A Sony lançou mais uma série web, Makers & Gamers, que promete tornar-se um sucesso junto da comunidade de jogadores, mas não só. Esta nova série tem como objetivo promover a aproximação entre criadores e jogadores, e ilustrar as capacidades de comunicação dos videojogos. De um lado podemos ouvir as intenções dos autores, do outro os efeitos e impactos na recepção pelos jogadores, contribuindo deste modo para melhor compreendermos como funciona o medium. O primeiro episódio é dedicado ao videojogo "Journey" (2012).




Não vou falar muito sobre este primeiro episódio uma vez que já deixei aqui as minhas impressões, imensamente positivas quando o jogo saiu, em 2012. Mas não quero deixar de enfatizar o quão relevante este jogo foi para o meio, algo que fica perfeitamente demonstrado neste pequeno filme de dez minutos. A forma como "Journey" consegue estabelecer conexão emocional com o jogador é sublime, demonstrando todo um claro empenho por parte dos criadores para chegar a essa conexão. Enfatizar ainda que se a arte visual muito contribui para tudo isso, é o design de interação social, ou seja o modo como o videojogo promove a jornada com alguém desconhecido, que eleva a experiência para além do comum videojogo. Como Jenova Chen diz aqui, a transformação emocional é algo profundamente social.

Para quem tenha sentido um interesse particular pela história de Sophia e as experiências de jogo com o seu pai entretanto falecido, recomendo vivamente a leitura do texto Preservação de memórias nos videojogos.

"Makers & Gamers: Journey" (2016) de Jesse Moss