novembro 29, 2014

Voando sobre Pripyat e Chernobyl

Depois de aqui ter dado conta, por meio da fotografia assombrosa de Robert Polidori, do estado atual das cidades de Pripyat e Chernobyl, agora trago esse mesmo espaço visto por meio de vídeo, com sliders e drones, num trabalho espantoso de Danny Choke, que teve a oportunidade de aí se deslocar no âmbito da reportagem "Chernobyl: The catastrophe that never ended" (2014) para o "60 Minutes" (CBS).




Nas notas ao filme "Postcards from Pripyat, Chernobyl", Danny Choke dá conta da sua experiência pessoal vivida em 1986, quando com um ano apenas e vivendo em Itália, a sua mãe se viu obrigada a acorrer à compra de leite enlatado para o poder continuar a alimentar, isto porque as autoridades davam conta de uma nuvem radioativa que se aproximava do território italiano, a partir do acidente nuclear ocorrido em Chernobyl.

"Postcards from Pripyat, Chernobyl" (2014) de Danny Choke

O filme criado por Choke mostra pela primeira vez imagens aereas do espaço e com movimento, contribuindo para um renovar do nosso espanto com o lugar. Se as primeiras imagens a chegar do local, dando conta de todo aquele verde e abandono humano, já eram impactantes o suficiente, estas novas imagens, com a introdução do movimento e pontos de vista aéreos, servem no incremento do nosso imaginário, deslumbrando pela qualidade e novidade. A banda sonora utilizada, "Promise land" de Hannah Miller, funciona muitíssimo bem na ampliação do etéreo da atmosfera.

IGN: "UnLove the Gate"

Novo texto no IGN Portugal, no qual procuro dar conta do meu silêncio a propósito da controvérsia GamerGate. Faço-o a partir de um estímulo despoletado pelo novo videojogo, "UnLove", lançado por estes dias por alunos da Universidade de Aveiro.


O texto "UnLove the Gate" pode ser lido na íntegra online.

novembro 28, 2014

Hipótese da Simulação Corpórea

Um dos livros que tenho andado a trabalhar, para textos que ando a desenvolver, deixou-me uma impressão grande, por isso resolvi pegar no que fui escrevendo sobre o mesmo, e juntar tudo num texto para dar conta do mesmo aqui no blog. Falo do livro "Louder Than Words: The New Science of How the Mind Makes Meaning" de Benjamin Bergen de 2012. Este livro não é uma mera discussão pessoal do modo como criamos sentido do mundo, antes desenvolve um conjunto de hipóteses assentes em dezenas de estudos realizados ao longos das últimas décadas, tendo o próprio Bergen contribuído para o desenvolvimento de vários desses estudos.


Bergen começa o livro discutindo a teoria vigente categorizada como, a “Hipótese da Linguagem do Pensamento”, que procura definir o modo como criamos sentido da realidade, e que nos diz que compreendemos a realidade por meio da linguagem, que não é propriamente a língua nativa, porque esta não passa de mera convenção cultural, mas antes uma linguagem interna do pensamento, que permite compreender por meio de um descodificador interno o mundo à nossa volta, e que ficou conhecida por “mentalese” (um conceito amplamente defendido por “Fodor (1975) e Pinker (1994) mas que já aparecia na lógica de Bertrand Russell (1903)”). Ou seja para cada objecto, propriedades, conceitos, ações, etc. teríamos um símbolo mental que corresponderia e que atribuiria sentido ao real que enfrentamos em cada momento. O mentalese funcionaria de certo modo como uma normal linguagem, com substantivos, verbos, adjetivos, etc. Ou seja é possível construir ideias, frases, como numa linguagem normal, mas é algo sem forma, sem som nem imagem, não concreta.

Ora isto levanta um problema, sem solução à vista, de onde vem o mentalese? Como se cria, como se desenvolve, como se processa, onde está alojado? Para Pinker, partindo da sua ideia da inexistência de um "Blank Slate" (2002), defende que o mentalese é algo inato, que nasce inscrito em nós, e por isso somos seres dotados de linguagem.

Mas outros procuraram dar resposta por outros meios, nomeadamente por meio de algo que vai além do reduto da mente, e usando o corpo como um todo, como detentor de conhecimento, adquirido pela experiência do mundo. Autores como George Lakoff na linguística, Mark Johnson na filosofia, ou Eleanor Rosch nas ciências cognitivas procuraram compreender a ideia de significado no corpo. Uma ideia que claramente deve a vários princípios discutidos nos últimos 20 anos no ramo da neurociência, nomeadamente com os estudos da emoção de António Damásio (1994) e depois com os Neurónios Espelho de Gallese e Rizzolatti (1999). Assim esta abordagem pelo corpo, apresentada como ideia rival do mentalese, ficaria conhecida como “Hipótese de Embodied Simulation” (que opto aqui por traduzir como Hipótese da Simulação Corpórea), definindo-se como
“Maybe we understand language by simulating in our minds what it would be like to experience the things that the language describes.”
O mais interessante é que esta ideia de conceber o mundo por via do corpo, é bem mais antiga que os estudos aqui apresentados por Bergen, nomeadamente toda a Fenomenologia, nomeadamente com Merleau-Ponty, assenta sobre este princípio base, em que se procurava desviar o foco da mente para o fenómeno externo. Mesmo dentro da psicologia com Gibson, em que este procurou claramente desviar-se do foco do cognitivo, para a ecologia visual, o mundo externo, concebendo a construção de realidade, por meio da interação e experienciação do mundo externo. É claro que aquilo que se apresenta agora aqui é mais desenvolvido, muito mais elaborado, e acima de tudo mais relevante porque sustentado em imensos estudos empíricos.

Ou seja, nós sabemos o que é simular mentalmente. Nós passamos a vida a fazê-lo, é assim que imaginamos a cara dos nossos amigos ou filhos, ou imaginamos um passeio pela praia, é assim também que imaginamos sons, sem sequer sentir qualquer onda sonora bater nos nosso tímpanos. Acordados ou a dormir, somos verdadeiros especialistas da simulação mental. Mas aquilo que Bergen nos diz, é que estes exemplos que imaginamos através do “olho da nossa mente”, são no fundo apenas aquilo que designamos por “mental imagery”, ou seja processo de criação de imagens mentais, sendo que o processo de simulação é algo mais vasto e profundo.
“Simulation is an iceberg. By consciously reflecting, as you just have been doing, you can see the tip—the intentional, conscious imagery. But many of the same brain processes are engaged, invisibly and unbeknownst to you, beneath the surface during much of your waking and sleeping life. Simulation is the creation of mental experiences of perception and action in the absence of their external manifestation. That is, it’s having the experience of seeing without the sights actually being there or having the experience of performing an action without actually moving. When we’re consciously aware of them, these simulation experiences feel qualitatively like actual perception; colors appear as they appear when directly perceived, and actions feel like they feel when we perform them. The theory proposes that embodied simulation makes use of the same parts of the brain that are dedicated to directly interacting with the world. When we simulate seeing, we use the parts of the brain that allow us to see the world; when we simulate performing actions, the parts of the brain that direct physical action light up. The idea is that simulation creates echoes in our brains of previous experiences, attenuated resonances of brain patterns that were active during previous perceptual and motor experiences. We use our brains to simulate percepts and actions without actually perceiving or acting.”
Nós temos consciência deste processo de simulação, é perfeitamente natural, e não há nada de muito novo aqui, a grande questão é saber se processamos a linguagem do mesmo modo. Ou seja, se compreendo as palavras, as frases, as ideias aí inscritas, por meio de processos de simulação, em vez de por meio de uma linguagem interna, o mentalese. Porque na verdade, o que temos é algo bastante mais natural, em termos de rentabilização de recursos do nosso corpo e cérebro. Faz mais sentido que utilizemos os nossos sistemas de percepção (o sistema sensorial, os 5 sentidos, embora haja uma tendência para privilegiar a visão e audição) e a ação (sistema motor) para compreender a realidade, do que tenhamos criado algo novo, à parte, para processar apenas a linguagem. No fundo, isto vem reforçar fortemente a ideia de que a linguagem nos ajuda a construir sentidos mais elaborados do mundo, já que ela faz uso directo das experiências desse mundo. Ou seja, o modo como trabalhamos a gramática da linguagem, serve-nos para processar de modos mais elaborados a realidade que experienciamos, as vivências que adquirimos, o mundo a que acedemos.

Uma das grandes questões que se levanta de imediato, é que se em vez de recorrermos a uma linguagem inata, igual e universal para todo o ser humano, recorrermos a processos que simulam experiências perceptivas anteriores, então o significado da realidade passa a ser algo extremamente pessoal e subjetivo. O que mais uma vez nos indica que estamos no caminho correto, se olharmos para as grandes questões da semiótica, desde a “Obra Aberta” (1962) de Umberto Eco, que discutimos a ideia de interpretação da realidade, as realidades convergentes e as realidades pessoais. O que temos é uma cultura humana como dotadora de códigos que permitem a criação de uma comunicação humana, e à qual cada um de nós ajusta as suas próprias impressões e experiências pessoais do mundo.


“Perky Effect” 

O “Perky Effect” consiste em estar a olhar para uma parede branca enquanto se imagina um objecto (uma banana ou uma folha), e projectar nessa parede uma imagem desse objecto com variações de transparência. O que Perky descobriu é que muitos acreditavam que estavam apenas a imaginar a banana ou a folha, não reconhecendo que esse objecto estava verdadeiramente na sua frente. Deste modo este efeito demonstra que, realizar imagens na mente pode interferir com a percepção que temos do mundo. Isto é o que acontece quando sonhamos acordados, vemos imagens sobrepostas sobre a realidade que nos rodeia, que no fundo bloqueiam essa mesma realidade. Os estudos sobre este efeito demonstraram que não apenas imagens mas também as suas posições no espaço, assim como os seus movimentos visuais ou verbais, podem interferir com o modo como percepcionamos a realidade.

Ao nível do movimento e espaço, os estudos demonstraram algo verdadeiramente relevante sobre o modo como organizamos mentalmente a espacialidade que nos rodeia. Estudos que me deixaram a reflectir particularmente na organização de espaço em ambientes virtuais. Em estudos desenvolvidos sobre processos mentais que procuravam realizar acções de de rotação de objetos ou movimentação espacial, verificou-se que  “you perceive motion in mental images like you do real motion in the world — the things that take longer in the world also take longer in the mind. Because it’s like real motion, mental motion is useful”.


A criatividade por detrás dos Porcos Voadores

Uma questão que se levanta quando se lança a hipótese da teoria de simulação a partir de experiências, é que se a construção de significado é realizada na nossa mente, então nós devemos ser capazes de gerar ideias a partir de ideias que não existem no mundo real. Daí que a ideia de “Porco Voador”, algo que não existe, sirva de exemplo perfeito aos intentos de Bergen, estando inclusive na capa do livro. Então como é que chegamos a essa ideia?
“The writer John Steinbeck imagined such a winged pig and named it Pigasus. He even used it as his personal stamp. What do you know about your own personal Pigasus?
It probably has two wings (not three or seven or twelve) that are shaped very much like bird wings. Without having to reflect on it, you also know where they appear on Pigasus’ body—they’re attached symmetrically to the shoulder blades. And although it has wings like a bird, most people think that Pigasus also displays a number of pig features; it has a snout, not a beak, and it has hooves, rather than talons”
Daqui podemos extrair várias ideias:

1 - A ideia de Porco Voador é comum à grande maioria de pessoas, e parece significar algo. Apesar de este não existir, o que coloca um problema ao Mentalese, que defende que o significado surge da relação com o real, o que obrigaria então a que este existisse de algum modo.

2 - A ideia de Porco Voador, não estimula apenas o surgimento mental de uma imagem de um porco, mas de um porco com asas, em que montamos uma ideia nova, a partir da junção de dois conceitos distintos. Ao mesmo adicionamos os efeitos das suas condições, neste caso sendo porco e não pássaro, é natural que nos surja a imagem de um porco, e as asas, normalmente apenas duas por imitação das aves, e sendo voador é natural que surja voando no ar e não sentado no chão.

3 - A imagem criada para o Porco Voador é altamente subjectiva, cada um imaginará algo completamente distinto, porque não existindo uma imagem real, que coloque em comum, cada um terá repescar as imagens que possui de Porcos e Aves Voando, para construir a nova. Alguns poderão mesmo construir ideias de Porcos com capas voadoras, do tipo Super Porco.

Imagem retirada do livro de Bergen

Ou seja, o processo de Simulação Mental é um processo profundamente pessoal, e que está na base explicativa do que é a Criatividade (“how you breathe life into your own personal Pigasus”). Neste sentido o uso de texto é profundamente mais criativo, já que obriga os sujeitos a construírem, a inovar na construção mental de ideias, a que se acedeu apenas a partir de texto. Se visse um porco voador num filme, nada haveria a simular de novo, seria dado como adquirido, e o processo de simulação mental seria reduzido à integração de uma nova experiência na memória.


Treino e prática mental

Vários estudos realizados com atletas de golfe, ténis, basquetebol demonstraram que os atletas que treinavam apenas vendo imagens de jogos e imaginando sequências de ações de jogo, melhoravam concretamente nas suas competências. A grande questão que se coloca então é: porque é que estando apenas a imaginar o uso do corpo de uma forma particular, se torna mais fácil ao nosso corpo mover-se depois?
“When we visualize actions—consciously and intentionally activating mental images—we use the very parts of our brain that control our body’s movements. When we imagine the footwork we employ to serve a tennis ball, the part of our brain that controls foot motion starts firing. When we think about how we hold a basketball in our hands, the part of our brain controlling hand motion lights up. As a result, whether you call it mental imagery, visualization, or mental rehearsal, imagining doing things is extremely effective at solidifying motor skills. And that’s because, to a large extent, when we’re visualizing, our brain is doing the same thing it would in actual practice.”

O maior problema da “Simulação Corpórea”
“in understanding language, we use our perceptual and motor systems to run embodied simulations. That’s all fine and good... about concrete stuff—polar bears that have a visual appearance, door knobs that you can physically turn, and rock classics that actually sound like something. But this only scratches the surface of what we can talk about. One of the unique and powerful things about human language is that we can use it to talk not just about the easy, concrete stuff but also about ideas that we can’t see or feel. We can talk meaningfully about truth, responsibility, or justice, none of which really look like anything. Or, for that matter, we can talk about meaning itself, like this book does... If simulation of sights, sounds, and actions is really at the heart of meaning, then how could we ever understand language about things that we can’t see or do?”

Solução: a Metáfora

A resposta apresentada por Bergen assenta na ideia de Metáfora, algo que faz imenso sentido nomeadamente no campo do design de interação, mas faz ainda mais sentido no campo do Cinema. Quando preciso de transmitir uma ideia abstracta, a primeira coisa que fazemos é procurar ideias concretas, que possam metaforizar a ideia abstracta que se quer transmitir. Uma das mais trabalhadas no cinema, é a ideia de Tempo, que Bergen também trabalha aqui.

Um dos exemplos que começa por trabalhar é o conceito de “sociedade”, através dos exemplos:

- “Japan has been a closed society for long despite its huge ”
- “War veterans struggle to fit back into society”
- “those who without assistance and guidance would fall through the cracks of society”

Ou seja, o que aqui temos é uma discussão sobre a ideia de sociedade, realizada de um modo perfeitamente concreto. Uma sociedade que pode ser fechada, que pode encaixar pessoas, ou pode apresentar fissuras. Ou seja, sociedade, nestas expressões parece uma espécie de “contentor”. O problema é que podemos falar de sociedade, de modos completamente distintos, e passar por exemplo, de contentor a uma espécie de “organismo”:

- “Farmers are the backbone of our society.”
- “Sexual violence disempowers women and cripples society.”
 - “A healthy society requires an ongoing dialogue between faith and reason.”

Claro que percebemos que “sociedade” não é um contentor nem um organismo vivo, mas usamos essas ideias concretas, como metáforas do seu significado. E é assim que surge a “metaphorical simulation hypothesis”, que nos diz que “ we understand abstract concepts through concrete, though metaphorical, simulation.”.  Exemplos, do uso do sistema motor,

- “grasping ideas”
- “clubbing you over the head with study after study”
- “bite the apple”
- “kick the bucket”

Esta ideia sustenta-se nas duas seguintes hipóteses,

Hipótese 1: “understanding a metaphorical action phrase, like grasp a concept, activates the motor apparatus responsible for performing the same action; in other words, mentally simulating the metaphorical action.”

Hipótese 2: “merely simulating an action makes you understand a phrase faster if it metaphorically uses that same action. ”

Mas um estudo demonstrou que “language that appears metaphorical like familiar metaphorical idioms that, when you read it as whole sentences, doesn’t always massively activate the relevant parts of the brain that we might expect to light up if people are performing motor simulations.”. Ou seja, a familiaridade das metáforas, evita o uso da simulação motora.

Por outro lado um outro estudo demontrou, “a sentence describing metaphorical motion upward, like The rates climbed, doesn’t interfere with perceiving a shape, no matter where it appears on the screen.” Assim “the Perky method shows no effect for metaphorical language - “if there’s no specific object being mentally simulated, then there’s no image to interfere with actual perception.” Ou seja, não estamos a usar a mesma parte do cérebro, e isto diz-nos que não estamos então a simular mentalmente.

Deste modo temos que “a compreensão da linguagem metafórica é feita através da construção de simulações corpóreas que são menos detalhadas, do que as literais, mas que ainda assim fazem uso do sistema motor e perceptual.”
“So much of what we actually talk about is abstract that we could hardly say we understand the process of understanding without figuring out how people grasp abstract concepts. The idea that we’ve come to is that we take what we know about how to perceive concrete things and to perform actions, and we use that knowledge to both describe and also think about abstract concepts. In this way, we bootstrap harder things to think and talk about—abstract concepts—off of easier things to think and talk about—concrete concepts.”

Uso da Metáfora sem Linguagem

Utilizamos todo o tipo de metáforas, mesmo quando não se trata de linguagem, mas apenas e só de compreender o real. No caso do tempo, que é um conceito extremamente abstracto, não existe nada palpável que lhe possa conferir forma. Ainda assim, temos tendência a medir o tempo em função do espaço (exemplo: linha de progressão de download). Uma linha maior dará indicação de maior duração, ou por exemplo um salto em comprimento, quanto maior, mais tempo terá levado. Por outro lado, o inverso não se confirma para nós, em termos metafóricos, ou seja, mais tempo não nos dá indicação clara de mais espaço.
“even when there’s no language around (just lines on screens), people use space to make judgments about time but not the reverse. This adds support to the idea that abstract concepts are generally understood in terms of more concrete ones, and not the reverse, even when there’s no language to prompt them to do so.”
Ou seja, usamos o concreto para criar sentido no abstracto, mas não usamos o abstracto para dar sentido ao concreto. Outros exemplos, tais como por exemplo uma “pessoa calorosa” ou o sentimento de “exclusão social”, foram investigados em termos perceptivos. E no caso da descrição de pessoas, existe uma tendência para descrever de forma mais calorosa ( adjectivando com: generosa, alegre e sociável) outra pessoa, depois de lhe terem passado para a mão um café quente. Da mesma forma se pediu para pensarem em momentos em que se sentiram incluídos ou excluídos socialmente, e logo a seguir questionou-se sobre a temperatura do quarto em que estavam. Os que pensavam em momentos de exclusão, descreveram como mais frio que os que pensavam em momentos de inclusão “lonely feels cold”. Ou seja

Outro exemplo dado, é o Macbeth Effect. num estudo em que foi pedido a pessoas para pensarem em ações éticas e não éticas, tendo a seguir oferecido um objecto para levar, verificou-se que quem tinha pensado em ações éticas tendia a escolher o lápis, ao passo que as não-éticas tendiam a escolher um objecto de limpeza. Assim o efeito corresponde à ideia de que quando as pessoas pensam em ações pouco éticas que fizeram no passado, sentem uma certa necessidade de se “limpar”.

Todos estes exemplos de metáforas fora do domínio da linguagem acabam por demonstrar que “concepts like time, morality, and affection are tightly linked to the very concrete things that they’re metaphorically described in terms of—distance, cleanliness, and warmth.”

Contudo e apesar destes exemplos, a verdade é que a simulação corpórea não responde a todos os problemas, nomeadamente ao facto de sabermos quando devemos simular uma metáfora como real percepção/ação real ou quando simular como mera metáfora conducente a um sentido abstracto. Como acaba dizendo Bergen, “the more that understanding abstract language is like understanding concrete language, the more infrastructure we must have to keep them apart.” E isso está longe de estar explicado.


Conclusão

No final Bergen questiona a funcionalidade e utilidade da simulação, toma o lado oposto, e questiona de várias formas a sua possibilidade, acabando por concluir, que apesar de muitas dúvidas termos, a hipótese é muito mais sustentada que a do mentalese, deixando vários exemplos, recordando de novo a questão do japonês, que ao contrário das línguas europeias, que apesar de trazer o verbo de acção, no final das frases, leva a processos de simulação mental muito aproximados na interpretação de frases, quando comparados com os das línguas ocidentais. Ou seja, o mentalese “doesn’t explain why Japanese speakers already have expectations about the shape of a mentioned object before they even come to the verb.

Um último ponto surge neste livro de relevância, e que no fundo está subjacente a toda esta discussão, e que tem que ver com a Comunicação. O que é, e como se serve de toda esta maquinaria.
“As speakers, the messages we intend to transmit are probably far from discrete packets of information. Instead, they are dynamic and continuous currents of perception and action, either performed and perceived or mentally simulated. As speakers, we have to jam all this messy, amorphous, nonspecific, continuous stuff through the narrow aperture afforded by discrete words and grammatical structures available to us in our language. This process of encoding is necessarily lossy: a few words can’t hope to capture the breadth and depth of the perceptual, motor, or affective experiences we want to convey. It’s also nondeterministic: we might use two different words to describe the same thought, sometimes even in the same sentence. And it’s fickle: we often just reuse words or grammar that we’ve just uttered and we tend to mimic the linguistic patterns of our interlocutor, instead of picking out the theoretically perfect words for a given message. So the information we want to convey is neither neatly delineated to begin with nor uniquely and perfectly packageable in words.”
A grande questão com que Bergen acaba fechando, é a eterna questão da Comunicação, como é que com mundos internos tão complexos, que cada um de nós desenvolve dentro de si, e com experiências do mundo tão distintas, conseguimos nós chegar a comunicar uns com os outros com sucesso?

novembro 27, 2014

Seven Quotes

For some time I've stopped using Facebook, and been using Twitter to share some links that interest me, and that can serve others. But once again I realize the reason I was never a big fan of the tool, the limitation to 140 characters. In my daily readings I collect interesting quotes, but every time I try to share them via twitter, the lack of enough characters, makes it impossible.


Thus I've decided to take up some of these quotes and leave them in a post here on the blog.


Creativity
“Creativity is just connecting things. When you ask creative people how they did something, they feel a little guilty because they didn’t really do it, they just saw something. It seemed obvious to them after a while.”
― Steve Jobs, Wired 1996

Ideas and Design
“You know, one of the things that really hurt Apple was after I left, John Sculley got a very serious disease. It’s the disease of thinking that a really great idea is 90 per cent of the work. And if you just tell all these other people “Here’s this great idea,” then of course they can go off and make it happen. And the problem with that is that there’s just a tremendous amount of craftsmanship in between a great idea and a great product... Designing a product is keeping five thousand things in your brain and fitting them all together in new and different ways to get what you want. And every day you discover something new that is a new problem or a new opportunity to fit these things together a little different. And it’s that process that is the magic.
― Steve Jobs, PBS, 1996

Consciousness
“If a vivid red rose comes into view, my experience of it is built up over a third of a second, as an initially brutal neuronal competition leads to the shaping of brain activity around my attention toward the rose. An ultrafast, harmonious neuronal rhythm spreads outward from the thalamus and merges my collective neural information of the rose, which is stored in specialist areas throughout my cortex. This high-frequency, long-range, unified mental chunk will also broadcast itself into the prefrontal parietal network, where the experience will come to life.
But if I were faced with a more novel or complex task, my consciousness would show its true potential. My prefrontal parietal network activity would reflect an engaged working memory, a focused attention, and a ravenous search for patterns in order to conquer whatever mental obstacle was in my way. Meanwhile, my specialist regions of cortex for example, areas that store knowledge about objects at the front of the temporal lobes - would take turns to support my consciousness by providing the specific contents to my experiences.”
― Daniel Bor, “The Ravenous Brain”, 2012

Art Communication
“Every art communicates because it expresses. It enables us to share vividly and deeply in meanings… For communication is not announcing things… Communication is the process of creating participation, of making common what had been isolated and singular… the conveyance of meaning gives body and definiteness to the experience of the one who utters as well as to that of those who listen.”
― John Dewey, "Art as Experience", 1934

Storytelling
“The reader should be carried forward, not merely or chiefly by the mechanical impulse of curiosity, or by a restless desire to arrive at the final solution; but by the pleasurable activity of mind excited by the attractions of the journey itself.”
― Samuel Taylor Coleridge, Biographia Literaria, 1906

Writing Papers
“When you conclude a paper, you should always close a door and open a window.”
― Benjamin K. Bergen, "Louder Than Words", 2012

Life Value
“The mark of the immature man is that he wants to die nobly for a cause, while the mark of the mature man is that he wants to live humbly for one.”
― J.D. Salinger, "The Catcher in the Rye", 1951

novembro 21, 2014

A Montanha Mágica

A magia da palavra, é daqui que brota o poder alienante a que sucumbimos ao longo das mais de 30 horas de leitura (832p) da obra-prima de Thomas Mann. "A Montanha Mágica" (1924) comumente citado como um dos mais relevantes romances do século XX, é mais do que isso, é um legado humanista.

“serei um amante de música, o que não quer dizer ainda que a preze de forma especial – como prezo e venero a palavra, o suporte do espírito, o instrumento, o arado fulgurante do progresso… a música… a música é o semiarticulado, o dúbio, o irresponsável, o indiferente...

...a música é de um valor inestimável como meio supremo de arrebatamento, como força que nos faz avançar e voar mais alto quando o espírito já se acha preparado para a acolher. Mas a literatura deve tê-la precedido.”
Mann leva-nos até ao cimo de uma montanha, onde nos entretém junto de hóspedes de um sanatório para tuberculosos. A pureza da natureza é confrontada com a morte pela doença, e daqui emerge um espaço-tempo propício à discussão dos elementos que fazem de nós homens e mulheres. A discussão assume um tom elevado, elaborado, mas não é por aí que a obra se torna difícil, podendo surgir talvez alguma dificuldade apenas pelo lado das referências filosóficas, culturais, sociais e políticas.

O tom elevado convive com um discurso conceptualmente trabalhado ao detalhe. Sente-se que Mann escreve com delicadeza, que escreve e reescreve para que da complexidade não surta ambiguidade, fá-lo sem contudo deixar de usar uma linguagem acessível, raramente adjectivando ou floreando, raramente rebuscando o vocabulário. Desta forma Mann consegue construir por meio de uma enorme simplicidade linguística, um estilo profundamente elaborado muito graças ao trabalho que exerce na construção gramatical, por meio de frases longas, cheias de descrições e significados que nos agarram, e nos obrigam a manter a concentração na leitura, sem espaço para distracções.
“E nós, sombras tímidas à beira do caminho, acanhadas na nossa segurança de sombras, sem desejo algum de nos alongarmos em patranhas e façanhas, viemos aqui dar guiadas pelo espírito da história, para que possamos avistar uma vez mais, antes de perdê-lo completamente de vista, um daqueles camaradas cinzentos que correm, se precipitam e avançam ao som do rufar dos tambores, que irrompem em bandos da floresta, um soldado que conhecemos bem, nosso companheiro de viagem de longos anos, o simpático pecador cuja voz tantas vezes escutámos.”
Em termos utilitaristas poderíamos dizer que se aprende muito lendo, e mais ainda lendo obras como “A Montanha Mágica”, mas aquilo que se aprende em obras deste calibre não está ao nível da ingestão de simples factos, ou descrições de eventos, acontecimentos, ou a desconstrucção de teorias e conceitos. O que se aprende com Mann, e nomeadamente com a viagem através desta Montanha, ao longo de 7 anos, tempo cronológico da diegese, é a ver o mundo de uma forma distinta. Aprendemos a aceitar a realidade de uma forma que não está ao alcance da experiência directa que possamos ter no nosso dia-a-dia. Porque mesmo ficcionando, Mann se viu obrigado a situar a acção num ambiente de reclusão, afastado da azáfama do dia-a-dia, das obrigações, deveres, trabalhos, relógios e calendários. Ali, a vida a corre num tempo completamente paralelo, imune às vicissitudes do nosso real.
“O que designamos por tédio é, portanto, uma abreviação doentia do tempo decorrente da monotonia: a uniformidade constante produz a redução atroz e assustadora dos longos períodos de tempo.”
Deste modo Mann consegue recriar uma comunidade profundamente dedicada à dialéctica, capaz de colocar em debate qualquer assunto, na sua estrutura em abstracto, mantendo na maior parte do tempo, uma enorme consciência do ponto de vista do outro, possibilitando a tolerância e assim fazendo avançar o debate. Inevitável recordar aqui um discurso de David Foster Wallace, que vale a pena ler e ouvir.

Apesar da beleza da forma, que como Mann diz pela boca de Castorp é apenas “afectação”, é natural que um trabalho desta magnitude tenha de ser suportado por conteúdo, o tal sentido utilitário da leitura, e nesse sentido foi com muito interesse que li o pequeno apontamento do extremista Naphta a propósito da Educação e da Escola, nomeadamente por este ser um texto com 100 anos, e distar tão pouco de muito daquilo que vamos continuando a ouvir ainda hoje:
“Sim, não nos apercebíamos de como o povo se ria a bom rir dos nossos títulos de doutor e de todo o nosso mandarinato educativo, da escola primária oficial, esse instrumento da ditadura burguesa manejado na ilusão de que a cultura popular seria uma forma diluída da cultura erudita. O povo sabia muito bem onde ir buscar a cultura e a educação de que necessitava na luta contra a burguesia apodrecida, sabia que não era nas casas oficiais de correcção que as encontraria, para além de que não era segredo para ninguém que o nosso modelo de escola, desenvolvido a partir da escola monástica da Idade Média, era um modelo obsoleto e anacrónico e que ninguém no mundo devia já a sua formação à escola… o ensino livre, aberto a todos, baseado em conferências públicas, exposições, cinema e outras coisas afins estava muito acima do tradicional ensino escolar.”
Não vou aqui entrar na discussão em detalhe do muito que se discute na obra, porque isso foi já tão amplamente dissecado em termos académicos, que eu, não sendo sequer da área literatura, muito dificilmente poderia aqui acrescentar algo. Desde congressos inteiros dedicados à discussão da obra de Mann, às centenas de papers que se podem encontrar no Google Scholar, é possível encontrar quase todos os assuntos, conceitos ou estilos discutidos em detalhe.

Para fechar, dizer apenas que tudo isto está apenas acessível a nós, falantes de português, porque a tradução de Gilda Lopes Encarnação, de 2009, é absolutamente magistral, levando o jornal Público a intitular uma entrevista realizada com a tradutora, “Como se Thomas Mann escrevesse em português”. Com um mestrado e um doutoramento em Literatura Alemã, e vários anos como professora de português em território germanófono, levou um ano e meio a realizar esta tradução, que não posso deixar de recomendar vivamente.

novembro 18, 2014

Raposas no Ártico

O engenheiro russo, Ivan Kislov, que trabalha nas minas de Chukotka, no extremo leste da Rússia, dedica os seu tempos livres, entre turnos, a fotografar a vida selvagem, nomeadamente raposas que por ali se passeiam. As fotografias são deslumbrantes, tanto a imagem, como a espécie raramente vista assim, de forma tão delicada. Ficam algumas imagens, podem ver mais no Bored Panda, ou na página do autor no 500px.





novembro 16, 2014

Keynote: "Story-game Design for Learning"

Este fim-de-semana tive o prazer de participar no III Congresso Internacional TIC e Educação - ticEDUCA2014, a convite da chair do congresso, a colega Guilhermina Miranda, a quem agradeço, assim como congratulo pelo muito interessante congresso organizado. Apenas na sua terceira edição, o ticEDUCA, organizado pelo Instituto da Educação da Universidade de Lisboa, atingiu já um porte considerável, com mais de 300 artigos apresentados em sessões temáticas em paralelo, mais de uma dezena de simpósios e workshops, sessões de posters, sessões de apresentação de artigos online, e ainda 4 oradores convidados - Diana Laurillard,  María Ángeles Rebollo Catalá, Ruth Colvin Clark e eu.


Aproveito para deixar aqui os slides da minha palestra, na qual procurei, a partir do meu domínio de investigação ir ao encontro dos interesses da área da Educação. Julgo que consegui estabelecer essa ligação multidisciplinar, e espero com isso ter sido capaz de sugerir algumas ideias novas aos meus colegas. Espero também, muito em breve versar tudo o que está nestes slides num artigo extenso a ser publicado em revista científica. Aproveitarei essa altura para dar contas das referências que estão espalhadas ao longo dos slides.

"Story-game Design for Learning" (2014)

Agenda louca do Novembro

Existe provavelmente algo de magnético no mês de Novembro que tem feito com que este tenha vindo a conquistar o interesse de mais e mais: festivais, eventos e conferências científicas. O deste ano foi particularmente intenso, não deixando qualquer hipótese de se poder participar em tudo o que se tem feito por cá, recusei vários convites, e deixei de ir a eventos por não poder estar presente simultaneamente. Fica aqui um singelo apontamento de gratidão por todo este esforço que a comunidade nacional tem feito, para no meio de todos os constrangimentos financeiros que nos atolam, continuar a trabalhar no sentido da divulgação e disseminação do que melhor se faz por cá.


28.10 a 02 Novembro, Lousada
Festa da Animação 2014
Destaque: Participei na comissão de selecção dos filmes ao Prémio Nacional da Animação 2014, juntamente com o Ícaro Pinto e a Alice Guimarães.

6 e 7 de novembro, Barcelos
7ª Conferência de Ciências e Artes dos Videojogos
Destaque: Participei numa mesa redonda de autores de livros de videojogos promovida pela Editora  FCA.

6 a 9 de Novembro, Lisboa
Lisboa Games Week

10 a 16 Novembro, Espinho
38º Festival Internacional de Cinema de Animação - CINANIMA
Destaque: O grande prémio ficou pela primeira vez em Portugal para o "Fuligem" de David Doutel e Vasco Sá.

11 Novembro, Lisboa
Games and society: From social interaction to social change
ECREA Pre-Conference

11 e 12 Novembro, Lisboa
Lisbon Game Conference

11 a 14 Novembro, Funchal
11th Advances in Computer Entertainment Technology Conference (ACE 2014)
Destaques: Demo Showcase, no qual o engageLab apresentou o Merry Go Round: a physical, virtual, physical... toy e o Meet the Frumbles, o vencedor do showcase. 

12 a 15 Novembro, Lisboa
ECREA European Communication Research and Education Association

14 a 22 Novembro, Coimbra
20º Festival Caminhos do Cinema Português
Destaque: Realiza-se este ano pela primeira vez no âmbito do Festival, um Simpósio de carácter científico.

14 a 16 Novembro, Lisboa
3rd International Congress on ICT and Education (ticEDUCA2014)
Destaque: Apresentei a keynote "Story-game Design for Learning"

14 a 16 Novembro, Lisboa
9º Fórum Fantástico
Destaque: Realizou-se a primeira edição dos Prémios Adamastor do Fantástico

É claro que outros eventos terão ocorrido, e ainda irão ocorrer até final do mês, destaco estes porque são os que estão próximos da minha área de interesses, tendo participado, ou sido impossibilitado de participar nos que se sobreporam. Ficam os próximos em que irei participar,

19 a 21 Novembro, Lisboa
3º Mensageiros das Estrelas - Science Fiction and Fantasy Conference
Destaque: Irei participar numa Mesa Redonda dedicada à discussão dos "Videojogos no Reino da FC&F", juntamente com o Carlos Martinho, Rui Prada e Susana Valdez

22 Novembro, Porto
A Ilusão do Movimento, Conversas da Casa da Animação
Destaque: Vou participar numa discussão neste dia sobre a Animação nos Videojogos.

novembro 12, 2014

Experiência do livro vs. videojogo

Publico hoje um novo texto no IGN, "O Inferno de Assassin's Creed" a propósito da comparação de experiências de histórias entre formatos distintos, o livro e o videojogo. Para a comparação criei um caso comparativo com "Inferno" (2013) de Dan Brown e "Assassin's Creed II" (2009) da Ubisoft, ambos trabalhos que apenas experienciei este ano, pela primeira vez.


Passem pelo IGN, e digam coisas.