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maio 28, 2013

Educação e Criatividade

Battle Hymn of the Tiger Mother (2011) não é nenhuma obra de literatura brilhante, nem traz nenhuma história que me tenha surpreendido face ao que já conhecia antes, no entanto provocou em mim muita discussão interna. A razão prende-se essencialmente pelo facto de ter dois filhos pequenos e o livro falar sobre aquilo que mais me preocupa nesta fase, o modelo de educação a seguir com crianças pequenas. Mas não se ficou por aqui, porque me levou a reflectir sobre muito daquilo que faço no meu trabalho, os modelos de ensino mas também sobre a minha investigação levando-me a questionar as diferenças entre a criatividade e a produtividade, assim como as diferenças entre a educação e o treino. Nesse sentido farei uma revisão rápida do livro, e depois discutirei estas duas dicotomias.

Girl With Violin de June Schneider

No Goodreads dei 4 em 5 estrelas ao livro não pela forma literária, mas pela história contada, e pela coragem de Amy Chua em vir a público com ela. Quando o livro saiu Chua fez um texto em forma de extracto no Wall Street Journal, Why Chinese Mothers Are Superior, o artigo foi responsável por tornar o livro num bestseller quase instantâneo, o texto conta com quase 9 mil comentários, divididos entre defensores e atacantes ferozes (ver aqui abaixo a lista do que as filhas de Chua não podem fazer e que inicia o artigo no WSJ). A controvérsia gerada fez com que Chua tivesse passado o ano de 2011 a dar entrevistas sobre o livro, fora as dezenas de talkshows em que o conteúdo do artigo e livro foram discutidos nos EUA. A razão para toda esta polémica começa pelo próprio nome dado ao artigo do WSJ com a agravante de ser escrito por uma professora de Direito, da respeitada Universidade de Yale, EUA.
"Here are some things my daughters, Sophia and Louisa, were never allowed to do:
• attend a sleepover
• have a playdate
• be in a school play
• complain about not being in a school play
• watch TV or play computer games
• choose their own extracurricular activities
• get any grade less than an A
• not be the No. 1 student in every subject except gym and drama
• play any instrument other than the piano or violin
• not play the piano or violin." 

[Amy Chua, 2011]
Battle Hymn of the Tiger Mother (2011) funciona como uma espécie de diário de Amy Chua e dos anos passados a educar as duas filhas, Sofia e Lulu, já que muito da sua vida profissional e do marido fica de fora. Em termos de storytelling [***SPOILER] posso dizer que Chua executou tecnicamente na perfeição, porque desenvolveu um arco perfeito, não apenas seguindo as miúdas cronologicamente, mas iniciando o livro como uma acérrima defensora da chamada cultura educativa chinesa, para se ir vergando ao longo do livro, até quebrar com a explosão de revolta da filha mais nova. Nesse sentido é uma história bem contada, muito fluída, com um bom crescendo e personagens com grande empatia [SPOILER***]. É difícil parar de ler, mais ainda para quem tem filhos nestas idades.


Educação Chinesa vs. Educação Ocidental
Esta é uma das questões que mais polémica gerou nos EUA, e que merece alguma reflexão, até porque Chua sendo uma académica sabe que as coisas não são preto ou branco. O título do artigo WSJ é um título feito para criar polémica, e ajudar às vendas, assim como o início do livro assume um carácter mais carregado de modo a enfatizar mais a mudança de atitude ao longo do livro. Apesar disso Chua diz várias vezes no livro que não está a contrapor a cultura asiática ou chinesa contra a ocidental ou americana, ela define melhor o que quer realmente dizer, ao referir-se claramente à cultura da maior parte dos emigrantes chineses. Existe assim um duplo factor, ser asiático e ser emigrante, esta segunda característica é também cara ao povo português, e ao seu reconhecido esforço e trabalho além fronteiras.
"In one study of 50 Western American mothers and 48 Chinese immigrant mothers, almost 70% of the Western mothers said either that "stressing academic success is not good for children" or that "parents need to foster the idea that learning is fun." By contrast, roughly 0% of the Chinese mothers felt the same way. Instead, the vast majority of the Chinese mothers said that they believe their children can be "the best" students, that "academic achievement reflects successful parenting," and that if children did not excel at school then there was "a problem" and parents "were not doing their job." Other studies indicate that compared to Western parents, Chinese parents spend approximately 10 times as long every day drilling academic activities with their children. By contrast, Western kids are more likely to participate in sports teams." [Amy Chua, 2011]
O maior problema deste duplo factor são os níveis elevados de exigência e de expectativas que se criam, fruto de uma cultura habituada ao respeito e esforço do colectivo, agravado pela vivência dura de se estar deslocado do seu lugar. A exigência decorre do modo asiático baseado no trabalho duro, e que fica bem evidente no provérbio chinês "Ninguém que consiga levantar-se 360 dias no ano antes da madrugada, é incapaz de fazer a sua família rica". Por outro lado as expectativas fazem parte do ideal de pessoas que conseguem ter força suficiente para deixar o seu país e partir em busca de algo melhor. Para o fazer é preciso não só ambição como a expectativa de conseguir ser mais do que seria ficando onde está, por isso é natural que isto se reflicta depois no modo como se procurará educar os filhos.


Yuja Wang toca de modo frenético Flight of the Bumble-Bee

Para quem quiser perceber porque existem tantos prodígios asiáticos na música clássica - Yo-Yo Ma, Conrad Tao, Lang Lang, Yuja Wang, Rachel Lee, Ji-Hae Park - este livro levanta apenas a ponta do véu. Uma cultura de esforço continuado, progredindo através de uma contínua selecção dos melhores professores, e das melhores escolas. No caso das filhas de Amy Chua, além das horas de treino com os professores, existiam ainda mínimos diários em casa de duas horas, levando a totalizar 5 horas de prática diária nos dias de aulas, todos os dias do ano, mesmo quando de férias. Chua refere que de cada vez que saíam para algum lado, só escolhiam hotéis que tivessem piano, de modo a que a filha pudesse continuar a treinar as suas duas horas diárias.

Podemos criticar, e dizer que isto é apenas puro egoísmo da mãe que quer um filho perfeito, mas quem é mãe e pai, sabe bem o que custa educar uma criança. Sabe bem o que custa criar hábitos e rotinas. E que para fazer o que esta mãe faz é preciso dedicar-se de corpo e alma. Ao ler o livro só pensava, como consegue esta mãe dar aulas em Yale, orientar alunos, escrever papers, escrever livros, tomar conta de uma casa, ter dois cães, e ainda dedicar tantas horas diárias à educação das filhas, matérias lectivas e ainda o piano e o violino de cada filha, é de tirar o fôlego. A realidade é que nós os pais do ocidente simplesmente preferimos o caminho mais fácil, se a criança não quer desistimos, Chua diz isso várias vezes no livro, e isso vai sendo dito aqui e ali em livros mais recentes sobre a educação, porque se vão descobrindo problemas de outra ordem (O pequeno ditador, 2007; A Criança e a Obediência, 2008; Um bom pai diz Não, 2009). Os nossos filhos não sofrem o stress da competitividade, mas sofrem o seu contrário pela ausência de objectivos e expectativas, chegam aos momentos cruciais da vida, aquele em que têm de tomar decisões, e não fazem ideia do que querem ou não querem.

Treino vs. Educação
"Lulu was about 7, still playing two instruments, and working on a piano piece called "The Little White Donkey" (..) incredibly difficult for young players because the two hands have to keep schizophrenically different rhythms. 
Lulu couldn't do it. We worked on it nonstop for a week, drilling each of her hands separately, over and over. But whenever we tried putting the hands together, one always morphed into the other, and everything fell apart. Finally, the day before her lesson, Lulu announced in exasperation that she was giving up and stomped off. 
"Get back to the piano now," I ordered.
"You can't make me."
"Oh yes, I can."
 
Back at the piano, Lulu made me pay. She punched, thrashed and kicked. She grabbed the music score and tore it to shreds. I taped the score back together and encased it in a plastic shield so that it could never be destroyed again. Then I hauled Lulu's dollhouse to the car and told her I'd donate it to the Salvation Army piece by piece if she didn't have "The Little White Donkey" perfect by the next day. When Lulu said, "I thought you were going to the Salvation Army, why are you still here?" I threatened her with no lunch, no dinner, no Christmas or Hanukkah presents, no birthday parties for two, three, four years. When she still kept playing it wrong, I told her she was purposely working herself into a frenzy because she was secretly afraid she couldn't do it. I told her to stop being lazy, cowardly, self-indulgent and pathetic...
I used every weapon and tactic I could think of. We worked right through dinner into the night, and I wouldn't let Lulu get up, not for water, not even to go to the bathroom. The house became a war zone, and I lost my voice yelling, but still there seemed to be only negative progress, and even I began to have doubts.
 
Then, out of the blue, Lulu did it. Her hands suddenly came together—her right and left hands each doing their own imperturbable thing—just like that.
Lulu realized it the same time I did. I held my breath. She tried it tentatively again. Then she played it more confidently and faster, and still the rhythm held. A moment later, she was beaming.

"Mommy, look—it's easy!" After that, she wanted to play the piece over and over and wouldn't leave the piano. That night, she came to sleep in my bed, and we snuggled and hugged, cracking each other up."
[Amy Chua, 2011]
O que podemos ver neste excerto do livro é o resultado do treino, da prática, do trabalho árduo, longo e continuado. O problema deste excerto é o facto de estarmos a falar de uma criança de 7 anos, tudo o resto faz parte de um processo inevitável. Sem este é impossível ganhar mestria sobre uma atividade, seja esta qual for - na arte, no desporto, na ciência, etc. Um dos resultados mais importantes deste processo é o que Amy Chua refere várias vezes como sendo o objectivo último, "nada é divertido, até que sejas bom nisso". E isto é a base do que move o artista, do que move o desportista, do que move o criativo. Ser capaz de desempenhar com mestria uma técnica despoleta um sentido de realização que se traduz em gratificação psicológica, este é o elemento mais importante no desempenho de qualquer acção suportada por motivação intrínseca.

Claro que o caminho para se chegar à mestria pode ser alargado no tempo, minorando o esforço exacerbado. De qualquer modo o tempo a investir em qualquer prática não minora. É bem conhecida a regra das "10 000 horas de prática deliberada ou intencional" para se dominar um campo, fruto da investigação de Andrew Ericsson (1993, 2006). Isto não é propriamente nada de novo, Aristóteles já se referia a isto a propósito da excelência.


Apesar de tudo isto estar correcto e ter sido compreendido por nós há milhares de anos, falta aqui ainda um pequeno grande detalhe, o de que é preciso reconhecer que os seres humanos são todos diferentes. Não é por investirmos 10 000 horas que nos vamos tornar em génios executantes de uma qualquer prática ou atividade. Ou seja, não serei um grande violinista, ou um grande futebolista, apenas por ter investido este tempo. Os genes que cada um de nós carrega fazem muita diferença. Amy Chua não reconhece isso, e tal como outras pessoas continua ainda hoje a recusar a ideia que não nascemos tal qual "tábuas rasas" (Pinker, 2002). Veja-se a discussão entre ela e o marido a propósito do treino intensivo acima descrito,
"Jed took me aside. He told me to stop insulting Lulu—which I wasn't even doing, I was just motivating her—and that he didn't think threatening Lulu was helpful. Also, he said, maybe Lulu really just couldn't do the technique—perhaps she didn't have the coordination yet—had I considered that possibility?"You just don't believe in her," I accused."That's ridiculous," Jed said scornfully. "Of course I do.""Sophia could play the piece when she was this age.""But Lulu and Sophia are different people," Jed pointed out."Oh no, not this," I said, rolling my eyes. "Everyone is special in their special own way," I mimicked sarcastically. "Even losers are special in their own special way. Well don't worry, you don't have to lift a finger. I'm willing to put in as long as it takes, and I'm happy to be the one hated. And you can be the one they adore because you make them pancakes and take them to Yankees games." 
[Amy Chua, 2011]
Apesar de Amy Chua não reconhecer a diferença, isto acontece no início do livro, e ao longo do mesmo ela acabará por entender isso mesmo. Aliás essa é a grande lição que a autora do livro aprende, que somos todos diferentes, tão diferentes, que nem a prática mais severa é capaz de nos tornar em autómatos todos iguais. Por isso aprendemos que a Educação é muito mais do que o Treino. Aprendemos que o behaviorismo é importante, sem ele não pode existir verdadeira excelência na prática, mas é apenas uma parte da formação de um ser humano.

Se a vida se pudesse resumir a praticar 10 000 horas teríamos a esta altura já conseguido transformar a educação de todos os seres deste planeta. Dizer que as pessoas não são educadas porque são preguiçosas, é não compreender o quadro geral daquilo de que somos feitos. Somos seres complexos e a própria escola sofre deste problema, ou melhor algumas visões da escola. A ideia de ter exames escolares não é mais do que isto, uma visão fechada sobre o valor da educação, limitada ao mero treino. Leia-se o texto SAT’s right answers are all wrong (2013) de Monica Cohen, deixo aqui a ideia principal,
"Affluent students today learn to read for nuance in expensive private schools, but then are trained to read for simplicity by often expensive test-prep tutors. That they are coached to strategize the right test answer rather than respond meaningfully to the material doesn’t really matter, because when the testing is over, they will return to the classrooms where it is the play of ideas and the depth of thought that matter most, and where they will learn to interpret tricky texts and complex situations. The education these lucky students enjoy, whether in good private schools or good public ones, is ultimately not about strategizing the right answer on a test. It is an education of the mind and the heart. Its goals encompass not only the know-how required to make the world better materially or our bodies stronger medically, but the knowledge necessary for navigating ethical choice, failure, loss, love, the integrity of the soul. It is the education we use when we choose a partner or vote. It is the education we turn to when we find ourselves in a dark forest, for the clear path was lost. In other words, this is an education that is supposed to serve students well after college." [Monica Cohen, 2013]
Uma coisa é treinar e praticar, outra muito diferente é crescer interiormente como ser humano, algo que não se constrói apenas despejando muita prática e muita informação sobre um ser humano. A educação não pode ser apenas prática repetitiva, embora também tenha de o ser, correndo o risco de apenas criarmos autómatos. Nem todos poderão ser o Melhor Violinista do mundo, não só porque poderão não ter genes que lhes permitam a melhor acção motora, ou genes que lhe garantam a motivação infindável para continuar a praticar. Mas mais ainda, porque num planeta de milhões, apenas 1 estará na sua geração em primeiro no ranking dos melhores, todos os restantes estarão abaixo dessa posição. Não é assim matematicamente possível que todos possam estar em primeiro lugar. Além disso a vida que vivemos é feita de tantas variáveis imprevisíveis que contribuem para o acaso (Kahneman, 2011) dos acontecimentos que experimentamos diariamente. Deste modo não pode de forma algum ser recomendável que se exija isso de uma criança. Porque ao fazê-lo estaremos a criar expectativas praticamente impossíveis, que inevitavelmente conduzirão à frustração, ao desespero, e à depressão. Veja-se a TED Talk de Ji-Hae Park (2013) para saber mais sobre o sentir da depressão, e que noutros casos acabam de forma trágica.

Criatividade vs. Productividade 
Sem treino e prática não é possível melhorar tecnicamente, nao é possível ser-se verdadeiramente bom, menos ainda brilhante, em nada. Qualquer actividade só pode ser dominada com muita repetição, insistência. Uma educação completa não pode ignorar o treino, o behaviorismo, mas também não pode tornar este no seu único fundamento. A educação do ser humano deve seguir abordagens ricas e diversificadas, que envolvam também o construcionismo, o construtivismo e acima de tudo o cognitivismo. O objectivo último da educação deve ser o de desenvolver estruturas de lógica de pensamento autónomas, porque só assim a pessoa poderá ser capaz de analisar as acções que realiza de modo repetitivo no treino e na prática. Só assim poderá ir ao seu âmago para assim poder não apenas continuar a repetir, mas fazer diferente, subverter e inovar. Não é por acaso que temos magníficos executantes asiáticos, mas temos muito poucos compositores asiáticos. A autora admite-o no livro, mas não pára para perceber porquê, o que me deixou perplexo. O problema é que o treino, está apenas preocupado com a actividade em si, despreza o executante, para o behaviorismo este não é parte da equação, este deve apenas fazer tudo para corresponder ao estímulo. Desse modo não se cria espaço para o individual, para o personalizado, para as diferenças que cada ser humano comporta, no fundo a raíz elementar da criatividade humana. [Atualização 6.2.216: Encontrei um texto que toca exatamente sobre este ponto de Adam Grant, How to Raise a Creative Child. Step One: Back Off].

Les Demoiselles d'Avignon (1907). Picasso passou meses a trabalhar nesta pintura, partindo de ideias anteriores de outros grandes pintores como Cézanne ou Gauguin, para criar algo verdadeiramente diferente de tudo o que se tinha visto até ali. No vídeo acima podemos ver a exuberância técnica da repetição de Yuja Wang, aqui podemos ver a exuberância técnica da inovação por Picasso.

Paradoxalmente para se poder obter o melhor da criatividade, ou seja o melhor da individualidade de cada um, precisamos de socializar, diria mesmo maximizar a socialização. Não é por acaso que a criatividade germina mais facilmente em meio urbano, ou que a Pixar tenha desenhado todo o seu estúdio para que este provocasse o máximo de encontros fortuitos entre os seus empregados (Lehrer, 2012). Daí que faça muito mais sentido que as pessoas frequentem a escola num mesmo espaço, do que estejam sentados em sua casa e à distância. Ou seja, o treino e a prática excessiva conduzem a uma exclusão do social, algo que se pode ver bem nas regras acima ditadas por Amy Chua às suas filhas, logo na abertura do livro, que depois ao longo do livro a autora acaba por admitir mais como objectivos do que como regras estritas.

A recente decisão da Yahoo de banir o trabalho a partir de casa foi com este mesmo objectivo, o de aumentar a criatividade da sua empresa, e não de aumentar a produtividade da empresa. Até porque os estudos mostram que as pessoas produzem mais quando sozinhas, porque praticam mais, sem distracções e ao seu ritmo,
"Stanford economist Nicholas Bloom took employees at a huge Chinese travel agency and randomly assigned some to work from home while others worked in the office. Sure enough, in terms of sheer amount of work, the stay-at-homes did 13 percent more overall. Bloom’s previous studies found that firms with policies that allowed remote work were more productive in general than the companies that didn’t have such policies in place." [Clive Thompson, 2013]
Da minha experiência sinto exactamente isto. Quando fico a trabalhar em casa produzo bastante mais, porque não existem as pequenas conversas de corredor ou café que por vezes se prolongam e nos atrasam, ou que por vezes nos retiram do assunto em que estamos envolvidos. Mas sinto que fazer isto durante vários dias seguidos começa a confinar-me o pensamento, a fechar-me em ciclos de ideias. O Facebook ajuda, mas é muito diferente de estar presencialmente com as pessoas. A serendipidade que surge nestes momentos é algo que a comunicação assíncrona não consegue estimular. Por outro lado este modelo que se baseia na total imprevisibilidade das variáveis sociais é muito dado ao erro, e no final é o erro que faz de nós seres criativos. É também o erro que torna quase impossível simular Inteligência Artificial parecida com a nossa. O DeepBlue venceu Kasparov porque o que lhe era pedido não requeria intuição nem criatividade, antes apenas lógica bruta. Nós não queremos uma sociedade de seres lógicos, de Spocks, queremos uma sociedade autónoma, diversa e rica emocionalmente.

Amy Chua sintetiza as duas culturas educativas da seguinte forma,
"Western parents try to respect their children's individuality, encouraging them to pursue their true passions, supporting their choices, and providing positive reinforcement and a nurturing environment. By contrast, the Chinese believe that the best way to protect their children is by preparing them for the future, letting them see what they're capable of, and arming them with skills, work habits and inner confidence that no one can ever take away." [Amy Chua, 2011]
No fundo sintetiza aqui a diferença entre criar seres criativos e criar seres produtivos. O que nos leva à questão deixada por Thompson a propósito da decisão da Yahoo,
"Productivity and creativity, in other words, can be polar opposites. So how to find a balance?" [Clive Thompson, 2013]
O que todos nós temos de perceber é que precisamos de ser capazes de aplicar o melhor dos dois mundos. Uma pessoa muita criativa incapaz de produzir, não pode ser criativa, porque nada cria. Uma pessoa muito produtiva, sem criatividade, limitar-se-á a fazer o que lhe mandam, contribuindo apenas para a estagnação da comunidade em que se insere. Por isso defendo o moto - criar, criar, criar sempre - mas feito de um modo socialmente envolvido, em busca do melhor de si, daquilo em que se pode ser bom, e não apenas na busca de uma auto-formatação por meio da obstinação. O reforço positivo e o ambiente de carinho são essenciais, mas, são-no tanto como os hábitos de trabalho e a confiança interior construída na base da persistência.


Edição Analisada
Battle Hymn of the Tiger Mother, 2011, Penguin Group
Edição Portuguesa
O Grito de Guerra da Mãe Tigre, 2013, Lua de Papel

Mais sobre o assunto

Talent is Overrated. What really separates world-class performers from everybody else, (2010), análise

abril 30, 2013

Comunicação e as falácias da Sociedade de Informação (Copyright, MOOC, Democracia Directa, Open Access, Rankings)

No dia em que se comemoram 20 anos da WWW trago algumas reflexões sobre o impacto da internet no pensamento contemporâneo. Ao longo dos últimos meses envolvi-me em discussões mais ou menos acesas sobre o Copyright. As discussões sobre o copyright nunca foram pacíficas, mas acentuaram-se com a massificação do acesso à internet. De uma forma geral e a um nível internacional os detractores defendem a legalidade da partilha de conteúdos sob copyright desde o Napster aos torrents, até ao acesso aberto às publicações científicas. Em Portugal temos vários defensores desta ideologia, e nos últimos dois meses tive oportunidade de me debater com dois deles – Ludwig Krippahl, especialista em bioinformática na UNL e Eloy Rodrigues especialista em sistemas de documentação na UM.


Tive uma discussão no blog do Krippahl que se prolongou por dois textos seus - Um acidente histórico, 15.2.2013; Censura, 29.3.2013  - que nos serviram para discutir os fundamentos do copyright ao longo de mais de uma dezena de respostas e contra-respostas nas caixas de comentários. A discussão circulou à volta da defesa da inovação, criatividade, liberdade de expressão e censura. Ludwig Krippahl defende que o copyright confere aos criadores um direito monopolista sobre a informação, o que tem como consequência a transformação a lei do copyright numa lei censória, porque impossibilita as pessoas de poderem transmitir determinada informação. Nesse sentido defende que o copyright deve ser extinto, porque este não pode sobrepôr-se à liberdade expressão. Quanto ao modo como podem os criadores ganhar vida com aquilo que criam, não apresenta qualquer solução. Deixo um resumo daquilo que eu defendi nessa discussão,
- O que se pede à sociedade no respeito do copyright e das patentes está relacionado com um ponto único, o estímulo à inovação e criatividade humana.

- A internet será tão livre quanto tudo o resto nas nossas vidas em sociedade. 


- Sobre a Liberdade de Expressão, leia-se o ponto 2 do Artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, sobre a Liberdade de Expressão. Não existe sociedade sem cedências de princípios, por muito que custe a cada um de nós.


- O fundamentalismo é mau, seja em que direcção for, para proteger seja o que for ou seja quem for. A vida é demasiada complexa, cheia de variáveis, e em constante transformação para estar sujeita a fundamentalismos.


- A grande questão é que terei muita dificuldade em incentivar jovens a investir 10 anos da sua vida (10 mil horas para atingir a mestria) para se tornarem músicos de excelência, ou escritores, ou desenhadores, etc. se souberem que todo esse investimento terá um retorno igual a zero. 


- Nem toda a arte é produzida por uma única pessoa... Fernando Pessoa foi um grande artista e não precisou do dinheiro de ninguém. Aliás podemos dizer o mesmo de Saramago. Mas não comparemos a escrita de um livro ao longo de anos em part-time, com a criação de um filme ou de um jogo que pode necessitar na sua produção de dezenas e até centenas de pessoas para ser criado, fora as tecnologias. Pessoas que não fazem nada genial e brilhante aos olhos comuns, mas são peças essenciais na engrenagem da criação do artefacto final, sem eles não existe um grande maestro, nem um grande realizador.


- Continuo a discordar da rotulagem de censura… A censura não quer saber da estrutura das palavras, quer saber das ideias. Já o copyright protege a estrutura, não as ideias… Ninguém é impedido de dizer o que pensa. Como já disse, para mim censura, é impedir alguém de expressar os seus pensamentos, ideias e visões. Um acto de censura implica impedir alguém de comunicar as suas ideias a outras pessoas. Isso não acontece, nunca. Mesmo que a sua ideia seja igual à do escritor A ou B, ele não é impedido de expressar a ideia, apenas de o dizer numa determinada organização de palavras. Basta ler o ponto 2 do artigo 1º do CDADC
 
- A investigação científica também é protegida, não com copyrights, mas com patentes. A indústria farmacêutica, a indústria automóvel, a indústria informática, etc. etc. está cheia de investigação protegida. Por isso não é porque nós que fazemos a nossa investigação com dinheiro público, que a investigação científica é toda pública. E o progresso aí não parou por estar protegido, antes aumentou, porque existem muitos mais meios para quem trabalha nesses laboratórios. É claro que a patente não dura o mesmo do copyright. Está entre os 15 e os 20 anos. Aliás como já tinha dito lá atrás, não concordo que o copyright possa durar uma vida. [Não concordo com várias coisas da Lei do Copyright, mas uma coisa é lutar por uma melhor lei, outra é procurar bani-la sem apresentar qualquer contra-solução. Fiquei contente com a decisão do tribunal americano de permitir a apropriação fotográfica, um sinal de que o remix deve ser respeitado.]

- Eu gostava de ver a sociedade viver sem cinema, literatura, música, pintura, escultura, videojogos, arquitectura, etc. etc. etc.
 
- Enfim. É tudo muito giro, mas é quando não nos toca a nós. Todo este discurso da partilha e da liberdade é muito giro, mas qualquer pessoa que tenha de viver do que cria, sabe bem do que falo aqui. [Para se perceber melhor o que acontece quando não existe forma de rentabilizar os produtos que se criam aconselho jogarem a versão pirata do Game Dev Tycoon]
Numa segunda discussão online no Facebook com o Eloy trabalhou-se os fundamentos do Open Access na publicação científica. A ideia de que não faz sentido vedar o acesso a informação produzida pelos investigadores, até porque muita desta já foi antes paga pelos próprios contribuintes. Eloy defende uma abertura do acesso ao conhecimento, propondo como ideal a atingir, o fim das revistas científicas internacionais, vistas como os grandes promotores do fechamento do conhecimento. A ideia passa por colocar toda a produção científica em repositórios públicos, sistemas de disponibilização de artigos com custos reduzidos para as instituições, e deste modo garantir que a informação fica disponível para todos de modo gratuito.
- O mundo da comunicação todos para todos é muito bonito na teoria, mas quando enfrenta a realidade das nossas limitações de gestão de tanta interacção, percebe-se que afinal, existem outras razões por detrás de estruturas [editoras, gatekeeping, etc.] que se criaram no passado.
- Resta algo mais problemático. O conhecimento de que a informação existe, e mais importante ainda, de que essa informação é credível. Ou seja os repositórios são interessantes, enquanto eu souber que o que lá está foi triado antes por Revistas e Conferências de renome que garantem a credibilidade, pagando-se por isso. A partir do momento que um repositório passe a aceitar todo e qualquer artigo sem discriminação, perde o interesse para a comunidade. Obriga-me a investir mais tempo na filtragem do material.
- O que me preocupa em toda a discussão à volta do acesso aberto, e também do copyright, é aquela crença de que Editar e Distribuir, é algo menor, ou algo sem custos. As pessoas esquecem que a informação a que acedem, antes de lhes chegar, foi triada, preparada e disponibilizada nos sítios certos para que as pessoas dela ganhassem conhecimento. Existe todo um processo social que demora tempo, em que as pessoas vão ganhando respeito, em que a credibilidade se joga. É um pouco como a "confiança dos mercados", para falar na linguagem corrente.”
Simplificando. Se não existissem revistas, e cada Universidade tivesse um repositório de todos os artigos publicados pelos seus investigadores, como é que eu poderia triar o que é novo? Triaria apenas o que é do MIT, de Harvard e mais meia-dúzia de universidades respeitadas mundialmente. E os investigadores de universidade menores passariam à história. Mais valeria dedicarem-se só às aulas. As revistas apesar de parecerem pouco democráticas, são-no muito mais do que se possa pensar.

Contra mim existem os argumentos suportados por pessoas como Lawrence Lessig catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Harvard. Ou Aaron Swartz a pessoa que ousou pôr à prova as revistas científicas, tendo instalado um computador dentro do MIT e feito o download de milhões de artigos para depois os disponibilizar em modo aberto. Swartz era uma mente brilhante, mas com sérios problemas de gestão de emoções, tendo recentemente posto fim à vida e assim tornando-se num mártir da causa. Lessig e Swartz trabalharam juntos na criação dos Creative Commons, vale a pena ver a palestra de Lessig no dia do início da sua cátedra, como homenagem a Aaron Swartz (vídeo e transcrição). Sobre Swartz vale a pena ler os artigos Requiem for a Dream da New Yorker e ainda A cidade e o futuro do mundo, segundo Aaron Swartz. Além destes temos Cory Doctorow um escritor de ficção-científica, conhecido pelo seu blog Boing Boing, e que num artigo no mês passado no Guardian, Copyright wars are damaging the health of the internet, resume tudo aquilo que Kripahl defende, propondo o fim do copyright em nome da liberdade expressão, nem que para isso tenha de trucidar todos aqueles que vivem das indústrias criativas.
"Oh, sure, I worry about the income of artists, too, but that's a secondary concern. After all, practically everyone who ever set out to earn a living from the arts has failed – indeed, a substantial portion of those who try end up losing money in the bargain. That's nothing to do with the internet: the arts are a terrible business..." Cory Doctorow
E se já era ridículo dizer isto, uma vez que as indústrias criativas são reconhecidas como um dos braços mais relevante das economias desenvolvidas, a alucinação de Doctorow em redor da sacrossanta liberdade da internet vai ao ponto de propôr que se termine com todo o tipo de vigilância da rede desde o terrorismo à pedofília. Aqui a única coisa que posso dizer é que Doctorow não tem a menor ideia do que está a falar. Aconselhava-o a fazer uma visita a uma qualquer conferência sobre a temática e ver responsáveis por brigadas falar, ouvir algumas histórias reais sobre o submundo da internet, para perceber o quão ingénuo e perigoso é aquilo que afirma. Na verdade é aqui que chegamos, quando optamos por defender ideias de modo extremista. Nada se pode intrometer no nosso caminho, seja o que for, tudo é tratado pela mesma bitola.

Mas perguntam, como posso eu não defender a Liberdade de Expressão, como posso eu não defender o Acesso ao Conhecimento para todos? Como posso ir contra fundamentos que considero basilares? A primeira constatação está relacionada com o facto de que nada no mundo é sagrado, e tudo pode e deve ser questionado sempre. Nesse sentido as nossas posições devem ser casuísticas, e não de princípio. Tão importante como a liberdade de expressão, é a liberdade de pensar. Enredar o pensamento em fundamentalismos cega a nossa capacidade de apreender o diferente, e condiciona o nosso pensamento.

Neste sentido julgo que estamos perante um discurso que apenas consegue ver uma parte da problemática, querendo resolver essa parte, sem se preocupar com todas as variáveis que lhe dizem respeito. E se resolvi escrever este artigo foi para me ajudar a mim próprio a compreender as razões que toldam o pensamento desta abordagem. É algo que comecei a perceber apenas a partir da última discussão sobre os repositórios de conhecimento, quando comecei a notar paralelos com os discursos dos defensores dos cursos universitários massivos online (MOOCs), dos rankings de publicações científicas, dos rankings de escolas e os exames nacionais, entre outras coisas. Venho-me debatendo internamente e em discussões online contra aquilo que considero serem acções de uma minoria que pretende passar a "gerir" a sociedade através de verdades estatísticas, económicas e quantitativas em desfavor da singularidade individual e da criatividade humana. Considero que isto é em parte resultante do deslumbramento com a chamada "sociedade de informação" que choca com algumas teorias sobre o embebimento de conhecimento em Tecnologias Criativas que venho estudando.

As tecnologias criativas têm sido o meu pet project dos últimos anos, para o qual tenho trabalhado conceitos muito abrangentes como a criatividade, a tecnologia, a internet, o artesanato, a revolução industrial, o conhecimento, etc. Muitos dos discursos que vou lendo nestes domínios estão a maior parte do tempo apenas concentrados num único assunto: os impactos da internet nos sistemas de informação. Muito desses impactos têm-nos levado a discutir a suposta gratuitidade do digital, as modificações das massas, dos processos de distribuição, dos processos de produção. Muitas destas discussões têm vindo a promover a crença em teorias que comparam o funcionamento da internet com o funcionamento do nosso cérebro, como Doctorow diz, nós precisamos de "acknowledge that the internet is the nervous system of the information age."

Por outro lado toda uma outra barricada se começou a levantar do lado oposto e tem acusado os defensores da internet e das ideologias subjacentes, de fundamentalistas e crentes, defensores cegos da tecnologia a qualquer custo. Um dos mais conhecidos detractores e que se tem afirmado internacionalmente é Evgeny Morozov que no campo da ciência política tem procurado demonstrar a falácia por detrás destes pensamento hegemónico com The Net Delusion: The Dark Side of Internet Freedom  e To Save Everything, Click Here: Technology, Solutionism, and the Urge to Fix Problems that Don’t Exist (2013). Mas mesmo no campo da própria tecnologia temos visto vozes a levantar-se. Jaron Lanier um dos principais mentores da Realidade Virtual escreveu o manifesto, You Are Not a Gadget (2010) nesse sentido. Ou ainda Andrew Keen um dos maiores evangelistas de Silicon Valley que a uma dada altura começou a escrever a propósito do assunto, The Cult of the Amateur: How Today's Internet Is Killing Our Culture (2007) e Digital Vertigo: How Today's Online Social Revolution Is Dividing, Diminishing, and Disorienting Us (2012). E vão aparecendo já alguns artigos mais honestos sobre as limitações dos MOOCs. Alguns acusam este lado da barricada de mero “ludditismo”. Não aceito porque ao colocar-me deste lado da barricada, não estou de modo algum a apontar o dedo à tecnologia. Para mim as grandes questões subjacentes ao copyright e ao acesso ao conhecimento científico não estão condicionadas pelo surgimento da internet ou qualquer outra tecnologia. Antes pelo contrário, esta tem servido para ajudar a promover tudo o que defendo no campo da criatividade.

Posto tudo isto os problemas que eu identifico e que estão na base da minha rejeição da abordagem Messiânica da Internet, grande responsável pelas ideias subjacentes ao fim do copyright, fim das revistas científicas, e fim das Universidades, não se relacionam com a tecnologia, mas com a forma como concebemos o seu uso. As tecnologias da comunicação se bem utilizadas podem servir o ser humano, se mal utilizadas colocarão o humano ao serviço da tecnologia a médio prazo. Muito já se ouve falar sobre a escrita de poemas por máquinas, a criação de filmes por algoritmos, a mais recente é a correcção de exames por máquinas. Deixo apenas uma nota a todos os crentes nestes sistemas: Só as máquinas não erram, mas é o erro que nos torna únicos, é do erro que brota a nossa criatividade. Dizer ainda que a internet não se assemelha, de forma alguma, ao nosso sistema neuronal. É uma falácia, e é uma clara tentativa de colar uma metáfora de fácil compreensão no sentido de lhe garantir maior credibilidade. O nosso cérebro funciona de forma muito diferente, acima de tudo porque a informação não circula apenas orientada pela cognição, é também trabalhada pela emoção.

Assim a grande questão por detrás de todas as discussões sobre o copyright e o acesso gratuito à informação está ligado à confusão que existe entre os processos de Comunicação e os processos de Informação. Ao longo dos últimos anos assistimos a uma tentativa de colagem da Informação à Comunicação. Desde da aceitação internacional do termo “Tecnologias de Informação e Comunicação”, à integração nas mesmas áreas científicas das Ciências da Comunicação e Ciências da Informação. Para quem está de fora, não existe diferença. Apercebi-me disto apenas após discutir intensamente com pessoas que claramente dominam os pressupostos das Ciências da Informação, mas a quem falta conhecimento sobre as Ciências da Comunicação. Esta discussão colocou bem em evidência as diferenças fundamentais entre ambas. Mais sobre estas diferenças pode ser visto no texto que publiquei aqui a propósito do livro de Dominique Wolton, "Informar não é Comunicar".

Primeiro modelo de comunicação, de Claude Shannon (1948)

Deste modo ao longo de todas estas discussões percebi que os defensores do fim dos modelos atuais -  copyright, revistas especializadas, universidades - baseavam toda a sua argumentação num processo simplificado de comunicação, ou seja no primeiro modelo de comunicação de Claude Shannon de 1948. Nesta altura a comunicação encerrava-se sob um mero processo de transmissão de um produto, a informação. Estes modelos surgidos no pós-guerra procuravam melhorar os processos de transmissão de informação, daí que a sua preocupação fosse o meio ou canal. O relevante da discussão reduzia-se aos modelos de redução dos ruídos do canal. Assim os Emissores e Receptores não eram tidos em conta, eram meros recipientes, variáveis independentes, sem condicionantes sociais, psicológicas ou de competências.

Modelo unificado do processo de comunicação (Foulger, 2004)

Mas o conhecimento sobre a Comunicação evoluiu, transformou-se, e hoje sabemos muito mais sobre o que está em jogo. Quando comunicamos não estamos apenas a emitir ou a receber informação através de um canal, estamos a calcular uma imensidade de outras variáveis, que por vezes têm tanta ou mais importância que a própria mensagem que se quer transmitir. Ou seja, para além daquilo que é dito, importa a forma como é dito, mas sobretudo o contexto no qual é dito, e o contexto no qual é recebido. Tudo isto cria um processo complexo, que precisa de ser trabalhado para que a mensagem chegue verdadeiramente a ser compreendida e partilhada. Como dizia Watzlawick já em 1968, o processo de comunicação é relacional, ou seja cada mensagem partilhada contém em si mesma metacomunicação que diz respeito ao modo como deve ser lida pelo receptor. No diagrama acima apresenta-se um modelo unificado da comunicação de Davis Foulger que apresenta algumas, ainda que de modo introdutório, das questões que normalmente preocupam os investigadores das ciências da comunicação.

Deste modo torna-se inevitável pensar que toda esta discussão é fruto de um ressuscitar de modelos de comunicação há muito defuntos. Um novo meio de comunicação surgiu, com novas potencialidades, e de repente esquecemos tudo o que aprendemos. Fazemos tábua rasa do conhecimento acumulado, e assumimos a internet como um novo messias da comunicação. O meio que tudo coloca em causa, que tudo pode, que tudo revoluciona. Assume-se uma sociedade que se adapta ao modelo desenhado pela internet, e não o seu contrário. Para os crentes na salvação pela internet, a sociedade passa a ser definida tal qual uma rede perfeita de relações (a internet) entre vários nós (as pessoas), desconsiderando os parâmetros da natureza humana que promovem a acção dos nós, responsáveis pelo estabelecimento dos laços do conhecimento. Deste modo toda a informação passa a ser livre e grátis, o copyright deixa de fazer sentido, e o ensino à distância substitui a necessidade de contacto interpessoal. Mas vai ainda mais longe, os países passam a ser governados por democracia directa, a salvação da democracia trazida pela internet, que abre caminho a que todas as decisões sejam tomadas por referendos. Do mesmo modo que as escolas já passaram a ser medidas em função das notas que os alunos tiram em exames nacionais, e a ciência passou a medir-se em função do número de publicações que os cientistas publicam. O que conta é apenas e só o resultado medível da quantidade de informação que é passada de um ponto A para um ponto B.

No final, tudo isto seria perfeito, e um gestor do alto do seu pedestal, conectado à internet, recebendo os dados em tempo real, directamente na sua folha de excel que tudo filtra através de algoritmos perfeitamente calibrados, poderia finalmente descansar, porque a sociedade estaria a funcionar tal qual uma grande fábrica de produtos em série, fruto da grande revolução industrial. Seria tudo assim, se os laços da comunicação humana, se pudessem criar desse modo. O problema é que não criam, não emergem e sem eles o Conhecimento não se constrói, não acontece. Transmite-se informação, acumula-se informação, transacciona-se informação, mas isso muda pouco os sujeitos envolvidos.

Ao longo de milhares de anos desde a criação da escrita, mais acentuadamente desde o aparecimento dos métodos de impressão, desenvolvemos sistemas de gestão de informação, envolvidos em sistemas humanos de comunicação, que foram evoluindo e sendo aperfeiçoados à medida que fomos compreendendo como construímos o conhecimento. Não massificámos as escolas para servirem a mera transmissão de informação, elas surgiram para estimular a criação de competências cognitivas nas pessoas de modo a permitir-lhes chegar ao conhecimento autonomamente. Não criámos a ciência para produzir mais informação, a descoberta científica não se traduz em qualquer artigo ou citação, o seu impacto só pode ser medido pelo avanço que provoca no nosso auto-conhecimento. Do mesmo modo não criámos editores nem copyrights para serem meros gestores de informação, eles existem porque têm uma função específica na cadeia de construção do conhecimento humano.

Podemos mudar, devemos evoluir, mas não devemos pôr tudo em causa simplesmente porque descobrimos um novo meio de comunicação. Para quem ainda pensa que a Internet veio para salvar o mundo, imagine-se em 1895 numa sala às escuras, ver um comboio em andamento vindo em direcção a si, a partir de um rectângulo de luz projectado numa parede! Imagine as ideias fantásticas que não passaram pela cabeça de muitos quando viram como a realidade podia a partir daquele momento ser registada e preservada para todo o sempre e ser mostrada em qualquer parte do mundo. A verdade é que a sociedade humana é bastante mais complexa, e as faculdades cognitivas do ser humano não mudam à velocidade do surgimento de cada nova tecnologia. Olhemos para a nossa história, temos conseguido criar muita tecnologia nova, mas a nossa biologia continua quase intacta passados vários milénios. Deixemo-nos de ilusões quanto a definir os tempos que se vivem como diferentes de tudo o que já passou, alguns colam-lhes adjectivos fortes como revolucionários ou de velocidade vertiginosa. Mas o passado será sempre visto como algo mais simples que o futuro, não porque verdadeiramente o foi, mas apenas e só porque é agora certo e imutável, sem as variáveis impossíveis de quantificar que o futuro nos reserva.

O ser humano é criativo por natureza, mas a capacidade de criar conhecimento pode ser posta em causa se deixar de interessar o processo e a descoberta, e passar a interessar apenas o produto resultante.

agosto 03, 2007

Fantasia e Criatividade

A Edições 70 lançou em Portugal, no mês de Junho passado, mais um belíssimo livro de Bruno Munari, Fantasia (1977). Alguns poderão questionar, quem é Bruno Munari? E para essa questão prefiro deixar-vos apenas com a seguinte citação,
"Bruno Munari is one of the most influential designers of the 20th century. Not because he has imposed a particular style or look, but because he has encouraged people to go beyond formal conventions and stereotypes by showing them how to widen their perceptual awareness" (Kate Vingleton, International Herald Tribune).
Neste livro, Munari procura definir o modo como desenvolvemos a criatividade, a partir do que é que a fantasia se constrói e do que necessita a arte para ser arte. Assunto complexo enredado em alguns tabus, tais como, a subjectividade não é decifrável ou os modos de desenvolvimento de arte não são compatíveis com os métodos científicos. Mas Munari não se deixa abater e procura respostas, coloca no papel as suas ideias e acima de tudo dá forma visual aos conceitos que vai debatendo ao longo do livro.
O Pensamento pensa e a Imaginação Vê (2007, pág.21)

A partir de uma desconstrução do modo de funcionamento da inteligência integrado com a memória desenvolve um possível modelo explicativo do modo de criação artística. A base desta visão passa pelo modo como a inteligência funciona, segundo o modelo associativo de ideias que se socorre de uma boa base de dados (a memória) para inventar ou imaginar a fantasia. Nesse sentido, Munari defende que quanto maior for esta base de dados, ou seja quanto mais conhecimento diversificado se possuir, maior será a facilidade de desenvolver a criatividade. Contudo não chega a base de dados, é necessário algo mais, e Munari refere isso mesmo. O que falta em certa medida, neste livro, apesar de ser uma teorização já mais própria para um texto de psicologia, é mesmo uma melhor abordagem do modo como se executa essa associação de ideias, eventos ou conceitos. Para além disso, como é que se têm noção que essa associação é válida, ou seja, é uma fantasia com valor para o "mundo externo". Apesar de tudo, vale a pena, antes de mais porque o próprio livro representa em si mesmo um excelente contributo e acrescento à nossa base de trabalho criativo por todos os exemplos que Munari vai trabalhando ao longo do livro e que desconstrói não apenas em texto mas em imagens.

outubro 15, 2011

Direito de criar


Foi uma semana cheia de ideias em volta do processo e ato criativo, do seu significado, da sua abordagem pela sociedade, da sua aplicação em termos legais, do seu alcance enquanto força motivadora e produtora de auto-estima.


Começando pela keynote, Creativity in the Remix, que dei na Católica em Lisboa, em que falei sobre o modo como a criatividade é fruto de um processo base de remix da cultura circundante ao indivíduo, desmistificando parte desse processo e desembocando numa defesa dos direitos comuns sobre as obras.


Passando pelo texto, Cópia ou Criatividade, que pelo meio escrevi para a Eurogamer sobre o mesmo propósito, mas direccionado para a indústria específica dos videojogos, e discutindo em maior detalhe o caso de Pong, do seu sucesso como clone, e impacto na criação de uma nova indústria.


E finalmente chegando ao que foi para mim um dos momentos altos da semana, o visionamento do filme PressPausePlay (2011) realizado por David Dworsky e Victor Köhler. Ver PressPausePlay foi instigador, refrescante uma confirmação do poder da acção criativa, do serviço que esta presta à edificação da auto-estima pela via da realização pessoal. O filme é uma autêntica viagem ao mundo da criatividade no século XXI, que acende em nós uma forte centelha de esperança por um mundo melhor.


Podemos ver artistas de vários quadrantes desde a música, a literatura, o cinema, o design, o motion graphics, a publicidade, o jornalismo, os tecnólogos. Alguns nomes conhecidos dão aqui a cara, Moby, Olafur Arnalds, Andre Stringer, Seth Godin, Lykke Li, Sean parker, Bill Drummond.  
A produção de arte é apresentada como fruto de uma nova cultura criada a partir da participação ativa de toda a comunidade. A inovação tecnológica quebrou as barreiras que se erguiam em frente da livre expressão, da livre criação, e a participação e forças comunitárias encarregaram-se de levar por diante uma batalha que ainda não está ganha, a dos direitos criativos comuns.
"the human spirit, when it’s allowed to become made manifest through art, invariably is going to create greatness. it almost doesn’t matter what the medium is,..." Moby

Ser autor ou criador nunca foi sinónimo de ser rico, foi antes e sempre sinónimo de fazermos aquilo que mais gostamos na vida. Assim só pode estar nesta batalha quem nisto acredita, quem não espera mais do que a concretização da exteriorização das suas ideias. Todos temos o direito de criar, o direito de experimentar, o direto de brincar, o direito de ser feliz enquanto seres expressivos e criativos por natureza.


Erguer barreiras legais, como as do Copyright, nada contribui para que a nossa espécie evolua de modo natural e orgânico, como sempre foi. Estas leis, servem apenas os direitos de alguns, que por acaso até nem são autores, mas são quem detém o dinheiro para contratar batalhões de advogados.
O cumprimento das leis de copyright como estão formuladas e no contexto atual de criação de cultura massificada de todos para todos, são uma total aberração. Apenas sustentável por quem quer continuar a viver daquilo que os outros criam.


O filme está disponivel no site de produção em versão 720p e 1080p via torrent, e de modo totalmente gratuito, um verdadeiro serviço à comunidade.

dezembro 04, 2012

Remix na TED

Kirby Ferguson foi ao palco da TED falar sobre Embrace the Remix que tem por base o seu trabalho conceptual em redor da criatividade. Depois de quatro brilhantes vídeos que formam a série, Everything is a Remix, em que Kirby demonstrou com exemplos muito claros como é que a criatividade humana funciona, agora podemos ver tudo isto resumido numa TED de 10 minutos.


O trabalho de Kirby tem duas frentes muito concretas, uma pretende explicar como se processa a inovação e criação humanas. Num segundo plano e assente nesta desconstrução pretende desmascarar aquilo que grandes empresas como a Apple, entre outras, andam a fazer  com as suas patentes e os seus processos em tribunal, demonstrando que estas deixaram de contribuir para a inovação e criatividade, mas antes para a sua castração.



O que Ferguson diz não é nada de novo, e foram já muitos os inventores, artistas, designers, engenheiros e criadores que admitiram que aquilo que fizeram não passou de fruto da inevitabilidade do avanço da raça humana ou da "inevitabilidade da tecnologia". É exatamente assim que funciona todo o espirito científico, construir em cima do conhecimento de quem veio antes de nós, e só assim conseguimos evoluir civilizacionalmente. Vejam a talk e vejam pelo menos o quarto vídeo que é o mais elaborado da série.

outubro 09, 2013

como ser criativo

O último episódio da OffBook fala-nos sobre a criatividade, um tema que diga-se começa a apresentar alguma saturação. Ainda assim, e para quem trabalha na área, é importante estar atento ao que se vai dizendo, pois encontram-se se sempre pequenos apontamentos relevantes. Neste episódio procura-se definir a criatividade, e perceber o que torna um sujeito criativo.


Nas definições lançadas podemos encontrar atualidade nas afirmações realizadas que procuram desfazer alguns mitos como: a funcionalidade dos lados direito e esquerdo do cérebro; o artista excêntrico; ou ainda o das ideias surgirem de um ponto desconhecido no interior do nosso cérebro. A criatividade é complexa, mas não cai do céu, como nos diz Kirby Ferguson,
"Creativity is a very messy affair, this notion that its coming from nowhere, I think is false." Kirby Ferguson
Essencialmente ser criativo, implica um trabalho continuado de absorção do mundo que nos rodeia, em paralelo com uma constante motivação para fazer, transformar e modificar esse mesmo mundo.

fevereiro 04, 2014

criatividade, participação e experiência

Os últimos shots of awe de Jason Silva, Creativity is Madness (2014) e Transfixed by Beauty (2014), fizeram-me reflectir sobre várias questões que me perseguem há vários anos, nomeadamente a problemática da relação entre a loucura e a arte, assim como as razões que suportam a existência desta, o sentimento de belo e os problemas da criação colaborativa. Para esta segunda questão, prefiro seguir "The Art Intinct" de Dennis Dutton, ainda assim a abordagem de Silva é aqui bastante relevante.


A questão da loucura em Creativity is Madness (2014), é abordada seguindo uma lógica suportada por muitos dos maiores artistas que se apresentaram por meio de personalidades neuróticas, com caráter depressivo e grande excentricidade. De certa forma são essas características que permitem a estes artistas aceder a universos e mundos de ideias distintos que a maior parte de nós não consegue aceder. Sabemos que a criatividade advém de um olhar distinto, do sair da caixa da formatação que nos rodeia, e em certa medida isso é conseguido através deste modo de estar no mundo. No meio dessa abordagem Jason acaba por dizer algo que me deixou ali estático a pensar,
"We pay money, for them [artists] to take us to spaces where we can not go by ourselves." 
Creativity is Madness (2014)

Verdade. Mas isto fez-me questionar, não a propósito da arte ou criatividade em si mesmas, mas antes sobre as suas variantes participativa e colaborativa, tão em voga nestes tempos de internet. Porque se aquilo que buscamos na ficção é verdadeiramente ser surpreendidos pelo criador, é que este nos leve até ao "buraco" encontrado por Alice, e nos faça sentir aí, porque razão haveremos de ser nós a criar esse mundo, no sentido das narrativas interactivas? Porque razão hei-de querer escolher o que faz um personagem, ou escolher um caminho a seguir numa história?

Tudo isto não pode ser alheio ao facto de sempre ter sido muito difícil criar objectos profundamente inovadores em modo colaborativo. A esmagadora maioria das grandes obras de arte, têm apenas um director, podendo ter colectivos que suportam tecnicamente a implementação da visão do artista.

Transfixed Beauty (2014)

Como diz depois Jason em Transfixed Beauty, o que nós queremos e esperamos da arte e do belo, é conseguir parar o tempo, é ser transportado para um espaço não-existente, sem regras nem obrigatoriedades. A evasão para fora do Eu, momentos de pura Transfixação.

Porque a arte não é objecto, é mundo, como diz Roy Ascott,
"Stop thinking about art works as objects, and start thinking about them as triggers for experiences. (Roy Ascott's phrase.) That solves a lot of problems: we don’t have to argue whether photographs are art, or whether performances are art, or whether Carl Andre's bricks or Andrew Serranos's piss or Little Richard’s 'Long Tall Sally' are art, because we say, 'Art is something that happens, a process, not a quality, and all sorts of things can make it happen.' ... [W]hat makes a work of art 'good' for you is not something that is already ‘inside’ it, but something that happens inside you — so the value of the work lies in the degree to which it can help you have the kind of experience that you call art." Brian Eno

janeiro 03, 2011

Criatividade e Storytelling

Imagem de Christine

Para começar bem o ano aqui ficam três palestras sobre o assunto que mais vai ocupar o meu ano de 2011, a Criatividade e o Storytelling. Depois de muito termos ouvido Ken Robinson falar sobre a criatividade e a educação, vale a pena escutar dois designers consagrados - John Maeda e Stefan Sagmeister - e um verdadeiro storyteller - Jay O'Callahan. Os três estiveram na conferência 99% de 2010 organizada pela Behance Network, uma rede dedicada a quem trabalho nas áreas criativas. O lema da conferência é nem mais,

"It's time to stop dreaming and start doing"


John Maeda: Looking for Superman



Stefan Sagmeister: Don't Take Creativity For Granted


Jay O'Callahan: The Power of Storytelling

maio 14, 2010

Concurso Zon - Animação Digital

É a novidade deste ano, abertura de uma nova categoria no já conhecido Prémio Zon, a ANIMAÇÃO DIGITAL. Um concurso dirigido à Criatividade em Multimédia sendo uma iniciativa da ZON, com o apoio da FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia) e do ICA (Instituto do Cinema e Audiovisual).
Este é sem dúvida o maior prémio existente em Portugal para qualquer uma das categorias disponíveis a concurso, podendo um autor arrecadar um total de 80 mil euros como prémio final. Não tenho dúvidas em afirmar que a criação de um prémio com este enquadramento em Portugal representa um dos melhores estímulos à criação de saber, criatividade e inovação, acima de tudo pelo impacto que poderá ter sobre a transformação do tecido industrial nacional. E foi por respeitar o prémio que aceitei fazer parte do Júri para a categoria de Animação Digital deste Prémio Zon 2010.


O que se pretende na categoria de Animação Digital?
"Por animação digital entende-se a aplicação a obras e meios de entretenimento e comunicacionais, passivos ou interactivos, designadamente cinema, publicidade e vídeo-jogos, de técnicas resultantes da convergência entre tecnologias computacionais, computação gráfica e de animação por via da criação de objectos exclusivamente baseados em imagem de síntese ou por via da integração de imagem digitalmente produzida em ambientes cinematográficos e videográficos tradicionais."


A quem se dirige?
"O Prémio ZON está aberto à participação de indivíduos e/ou organizações em geral mas é particularmente vocacionado para a população universitária, jovens recém-licenciados e empresas da área multimédia e audiovisual.
As candidaturas poderão ser a titulo Individual, em Grupo (máximo de 5 elementos) e de Empresas/Instituições. As equipas podem ter nacionalidade mista, sendo que pelo menos um dos elementos deverá ser português. "


Prémios
- Grande Prémio: 50 000€ (escolhido entre os primeiros lugares de cada categoria)
- 1º Lugar de cada Categoria: 30 000 €
- 2º Lugar de cada Categoria: 12 500€
- 3º Lugar de cada Categoria: 7 500€
- Bolsa de Investigação, com estadia temporária, na Universidade do Texas em Austin, no âmbito do programa UTAustin-Portugal (Colab), para o primeiro classificado de cada categoria.


Deadline
5 de Novembro 2010

Fica o excelente spot publicitário realizado por Nuno Rocha e produzido pela Filmesdamente, criado para o evento deste ano, ele próprio um incentivo à produção de conteúdos digitais e criatividade.

janeiro 26, 2013

Makers (2012) de Chris Anderson

Tenho sentimentos mistos sobre o novo livro de Anderson, Makers: The New Industrial Revolution (2012). De um ponto de vista sou um crente nos Makers, nos que fazem acontecer, na motivação intrínseca, na criatividade pessoal. Mas a partir de outro ponto de vista, não posso aceitar a ideia simplista de que vamos transformar todo o modelo industrial num modelo caseiro. Porque apesar de Chris Anderson saber e dizer mais do que uma vez no livro que estamos a falar de nichos e não de todo o espectro da vida social, muitos dos seus argumentos acabam por entrar em paradoxo. Essencialmente porque para afirmar algumas das coisas que afirma tem de partir da condição de que o mundo inteiro vai passar a funcionar neste modelo, o que joga por terra várias das suas previsões futuras. Apesar disto este é um livro que todos aqueles que estudam e se interessam pelo futuro do trabalho, pela tecnologia e pela criatividade devem ler, ainda que com as devidas cautelas.


Chris Anderson foi editor da Wired ao longo de toda a primeira década de 2000 tendo saído no final de 2012 para se dedicar à gestão da sua empresa 3DRobotics, que usa aqui como um dos exemplos base para lançar a conceptualização de todo este livro. Depois de nos ter trazido dois livros imensamente discutidos, The Long Tail: Why the Future of Business Is Selling Less of More (2006) e Free: The Future of a Radical Price (2009) Anderson procura em Makers evoluir as suas ideias do virtual para o real, aplicando exatamente os mesmos princípios que desenhou nos dois livros anteriores: "a cauda longa da distribuição online" e o "modelo de criação grátis". Gostei de ambos os seus livros anteriores que tal como este apresentam como objectivo primário a previsão do futuro dos impactos e efeitos da tecnologia. Mas tanto esses como este sofrem do facto de se apresentarem mais como extensos artigos de revista, baseados em pequenas histórias, do que de estudos em profundidade, tendo em conta tratarem assuntos de grande complexidade.

Em Makers Anderson apresenta-nos o impacto da internet sobre a mudança que está a acontecer dos bits para os átomos. Essencialmente demonstra como os processos de manufactura à escala global estão a mudar drasticamente os modos de produção de bens, e como isso está a produzir impactos acentuados sobre o empreendedorismo, a inovação e a criatividade. O centro da sua discussão baseia-se sobre o aparecimento de duas máquinas - impressão 3d e corte a laser – e de dois modelos de produção/distribuição – conhecimento aberto e crowdfunding. Com estes quatro elementos Chris Anderson assume que é possível mudar todo o modelo industrial, e assim construir a tal Nova Revolução Industrial.

Peças criadas com uma impressora 3d

Assim o que Anderson nos diz é que estes quatro elementos serão capazes de transformar a indústria de produção em massa, que custa milhões e serve milhões, numa nova indústria que produz produtos com supostamente a mesma qualidade dos produtos de massa, mas com as vantagens de poderem ser produzidos em pequenas quantidades (1 a 10 mil) e logo altamente personalizáveis. Deste modo esta nova revolução responderá duplamente às necessidades das pessoas: por um lado permitirá que todos possam construir as suas próprias "coisas" (DIY); por outro permitirá construir as "coisas" segundo os desejos individuais de cada um.

Exemplo dado no livro: Armas da 2ª Guerra Mundial criadas pela BrickArms para preencher o vazio deixado pela LEGO que se recusa a criar armamento contemporâneo para as suas colecções.

O problema que vejo aqui é exatamente o facto de falarmos de “coisas”. Na sua generalidade aquilo que foi apresentado por Anderson ao longo de todo o livro não passa de pequenos exemplos de bens supérfluos, que realmente preenchem buracos deixados vagos pela grande produção, mas que a sua existência per se raramente produz alterações com impacto no mundo, o nas nossas vidas. Aliás ao longo do livro e à medida que vamos ouvindo os exemplos, vou ficando com a ideia que esta nova comunidade de que nos fala Anderson, já existe, aliás sempre existiu, e chama-se de comunidade de inventores. São pessoas que se dedicam a bricolar com ferramentas e tecnologia e dessa forma vão encontrando novas soluções para pequenos problemas. Sempre tivemos comunidades criadas por essas pessoas, e além disso existem empresas que já se especializaram na comercialização dessas ideias como por exemplo a DMail, ou aqueles canais de vendas na TV.

Mas não podemos confundir, como Anderson faz aqui, estes modos de invenção criativa com a investigação científica que é necessária realizar para se poder chegar a processos e modelos capazes de dar origem a um Airbus A380, a uma placa gráfica de alto desempenho, a um motor de combustão eléctrica, etc. Aliás tem até uma certa piada ver Anderson assumir que como os carros estão a deixar de ser mecânicos e estão a passar a funcionar por via eléctrica e digital, estes serão muito rapidamente tomados em mãos pelos novos makers!!! Isto são ideias peregrinas e até perigosas, porque assumem que o desenvolvimento e o engenho humano têm limites. Ou seja que depois de desenvolvido o carro eléctrico, já não vamos mais precisar de ciência para os continuar a melhorar e a evoluir, apenas será preciso trabalhar em cima dos modelos já desenvolvidos realizando pequenas modificações ou pequenos incrementos.

Examine-se a complexidade do motor de um avião a jacto.

Eu sei que não é bem isto que Anderson quer dizer, mas é esse caminho que trilha, quando afirma o fim da grande indústria baseada na colaboração muito estreita e responsável de equipas altamente especializadas para a substituir por comunidades online que dão feedback quando podem, ou quando lhes interessa. Quando afirma o fim da proteção de ideias (conhecimento aberto) e impede que estas possam pagar o esforço de quem tem de parar para pensar. Quando afirma a produção apenas em função daquilo que as multidões estão interessadas (crowdfunding) e esquece que a maior parte da tecnologia que hoje suporta a sociedade não é sequer compreendida pelas multidões. Quando afirma que vamos buscar empregos à China através da automação, e esquece que os que são criados cá, são uma ínfima parte das nossas necessidades, uma vez que usamos robôs porque ficam mais baratos do que a mão de obra na China.

Apesar de toda esta minha análise crítica, julgo que existe algo em que Anderson tem razão, e é sobre os novos modos de vida e trabalho do futuro. Estas tecnologias existem, estão aí e não vão parar o seu processo natural de aumento de automação. Ou seja, com a ajuda da robótica cada vez mais será possível empregar menos pessoas porque 1 pessoa poderá fazer o trabalho de 5, 10 ou 20. Isto aumenta enormemente a produtividade das empresas, a produtividade de um país. Aliás acredito que quando comparamos a produtividade nacional com a de países mais desenvolvidos, o factor essencial que diferencia, não é propriamente a qualidade dos seus trabalhadores, embora a Educação pese bastante, mas pesa ainda mais a quantidade de tecnologia e automação introduzida nas indústrias dos países.

Mas mais robótica implica menos empregos, não? Não propriamente, se conseguirmos fazer evoluir a legislação laboral e fazê-la acompanhar a evolução tecnológica. Não podemos continuar com jornadas de 8 horas. Não é aceitável de um ponto de vista social, que uma empresa empregue 1/4 das pessoas, mas realize lucros 4 vezes superiores. Aliás estou em crer que muito da distorção provocada nos últimos 50 anos entre a classe média e o 1% de milionários se deve exatamente a isto. Nesse sentido a solução está à vista, vai requerer políticos fortes para o fazer, e passa por reduzir a jornada de 8 para 4 horas máximas. Poderemos empregar mais do dobro das pessoas por cada empresa/instituição. A empresa continuará a ser lucrativa, as pessoas continuarão a ter um meio de subsistência. Mas a pergunta que se coloca é, o que farão as pessoas com tanto tempo livre?

A resposta está exatamente neste livro de Anderson, as pessoas passarão a poder construir coisas fora do tempo em que estão no seu emprego diário e chato. Sim porque os empregos chatos e stressantes não deixarão de existir. Ao contrário do que por vezes Anderson parece acreditar, vamos continuar a precisar de canalizadores, de lixeiros, de limpezas, de manutenção de máquinas, de guardas prisionais assim como vamos continuar a precisar de juízes, de professores e formadores, de enfermeiros e assistentes na doença, velhice e deficiência, etc. O mundo está cheio de necessidades que só o ser humano consegue cumprir. E quando a tecnologia evolui, esta não pode ser vista como algo mau para o ser humano. Ela é boa para nós, a única coisa que precisamos de fazer é garantir que exista regulação capaz de impedir grupos restritos de se aproveitarem do avanço desta para ignorar a restante população.

Com a maior parte do tempo por nossa conta, todos poderemos fazer aquilo que nos dá verdadeiro prazer, que nos emociona, que nos garante autoestima, que alimenta a nossa vontade de viver dia após dia. Porque só a condição de Maker, seja através de um processo de criação material ou de criação social, é capaz de nos garantir os meios para atingir o equilíbrio na felicidade.


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