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agosto 13, 2023

A Era das Intuições

Eric Kandel ganhou o Nobel de Medicina em 2000 pelo seu trabalho na área da fisiologia da memória. Depois do prémio, resolveu escrever vários livros de divulgação, sendo este “The Age of Insight” (2012) um dos mais citados nomeadamente na área dos estudos da consciência (ex. Anil Seth), pelo modo como relaciona os processos de consciência com os processos criativos. Dito isto, o livro é mais e menos, porque tenta fazer um dois em um, ao escrever toda uma primeira parte de enaltecimento à ciência criada na cidade de Viena, no início do século vinte, daí o subtítulo — “The Quest to Understand the Unconscious in Art, Mind, and Brain, from Vienna 1900 to the Present”; e uma segunda parte, dedicada à discussão da teorização científicia que suporta a existência da arte. A primeira parte é uma espécie de resposta, agradecimento, à oferta de cidadania da cidade após o Nobel, que tinha sido uma resposta de Viena ao facto de Kandel afirmar que o seu Nobel não era austríaco, mas americano-judeu


maio 20, 2023

Esquizofrenia em defesa da IA

A defesa da IA geralmente começa por identificar tecnologias anteriores que surgiram e que foram também atacadas, mas que demonstraram ser depois bem assimiladas pela sociedade. Fala-se da electricidade ou da calculadora, assim como se fala da automação de fábricas ou da internet. Apontam-se os ganhos, nada se diz sobre os impactos negativos, menos ainda sobre o enorme trabalho que foi necessário para criar regulação que sustentasse essa integração societal. Bastaria dar o exemplo do RGPD para percebermos que a internet não nos trouxe só maravilhas, e que sem regulação estaríamos bem mal. Esta mesma defesa, diz depois que a IA não está aqui para substituir o humano, é apenas um complemento. E vai mais longe, dizendo que quem não quer ficar para trás tem de entrar no comboio, usando uma expressão que já se tornou mantra no domínio: uma IA não vai substituir uma pessoa, mas uma pessoa com IA vai substituir uma sem IA. Analisemos ambos os argumentos mais em detalhe, nomeadamente o impacto das tecnologias mais recentes nas funções cognitivas.

maio 14, 2023

Sobre a Treta

"On Bullshit" (Sobre a Treta) é um pequeno livro de Harry G. Frankfurt de 2005 baseado num ensaio de 1986. Em 1986 o presidente dos EUA era Ronald Reagan, em 2005 era George W. Bush, eu ouvi falar do livro pela primeira vez em 2018, quando Trump era presidente dos EUA. Este enquadramento serve para perceber que o livro se foca no estudo da comunicação pública, nomeadamente de figuras com autoridade, apesar de não serem mencionadas no livro.

fevereiro 20, 2023

Bowie, um hino à vida

"Moonage Daydream" (2022) oferece-nos apenas duas horas sobre a vida de Bowie, focadas num infinitamente pequeno número de coisas que disse e fez, ainda assim parece-me que o realizador Brett Morgen criou uma excelente síntese do todo ao focar-se sobre os aspetos criativos, suas motivações e processos. Ao longo dessas duas horas somos brindados com interrogações sobre o humano, a sua existência, propósito e lugar. Bowie não foi mero artista, foi um criador natural, possuia dentro de si uma fome por explorar o inexplorado, por compreender o incompreendido, por ir além do conhecido.

fevereiro 04, 2023

AI 2041

“AI 2041” (2021) apresenta uma estrutura deliciosa. Sendo um livro de não-ficção sobre IA, usa pequenos contos de ficção para ajudar o leitor a compreender, por via de situações reais e concretas, o alcance de conceitos e tecnologias de carácter abstrato. Kai-Fu Lee é uma referência na Ásia, por ter sido presidente da Google China, mas antes disso trabalhou nos EUA para a Apple, a SGI, e a Microsoft. Na academia formou-se na Columbia, e doutorou-se na Carnegie Mellon, em 1988, com uma tese em IA. Para este livro, convidou Chen Qiufan, autor chinês, premiado e reconhecido por um estilo de ficção científica realista. Juntos criaram um livro que junta o melhor da ficção com a não-ficção. Cada um dos 10 capítulos aborda um impacto futuro da IA, sendo cada tópico primeiro ilustrado por um conto, situado em 2041, de Chen Qiufan, depois seguido por uma análise académica de Kai-Fu Lee, que dá conta da tecnologia atual e da expetativa de desenvolvimento até 2041. Deste modo, Lee e Qiufan criaram uma nova e poderosa abordagem que deveria ser vista como um modelo a seguir pela comunicação de ciência. 

janeiro 22, 2023

Game design em "Far Cry 5"

Não ia escrever sobre "Far Cry 5" (2018), pela simples razão de ser apenas mais um jogo de grande orçamento, de uma série que já vai longa, não me parecendo necessário dizer mais do que aquilo que já foi dito pelas várias revistas da área. Contudo, à medida que o tempo foi passando a memória da experiência que permaneceu fez-me voltar a ele vezes sem conta. Por isso aqui ficam alguns elementos que fazem deste trabalho uma obra excecional muito em particular no campo do game design, mas também na arte visual e storytelling. 

dezembro 30, 2022

Máquinas de contar histórias

"Story Machines: How Computers Have Become Creative Writers" foi publicado em julho 2022, mas os seus autores, Mike Sharples e Rafael Perez, académicos na área da aprendizagem e criatividade IA, dizem-nos que o livro começou a ser preparado em 2001, por isso não se espere aqui um tratado sobre o enorme potencial aberto pelos sistemas GPT, que apesar de serem abordados representam apenas uma pequena parte da discussão.

dezembro 25, 2022

Média Artificiais (artificial media)

2022 ficará na história como o ano em que a Inteligência Artificial foi reconhecida pelas suas capacidades criativas. 

No dia 30 de novembro a OpenAI colocou na rede, em acesso gratuito, um assistente de IA, o ChatGPT, que em apenas 5 dias conseguiu mais de um milhão de utilizadores, alimentados pela curiosidade de contactar com as suas capacidades extraordinárias de conversação. No meio dos muitos defeitos que lhe fomos encontrando —erros factuais, invenção de dados, excesso de confiança, ou falta de “voz” —, todos tivemos de reconhecer que nunca tínhamos visto nada igual. É possível entrar em diálogo com o assistente, conversar sobre a mais ampla gama de assuntos e gerar momentos de profunda partilha empática construída a partir da autoilusão com base na naturalidade, eloquência e compreensão discursiva do assistente.

Mas não foi apenas a conversação que foi tomada de assalto. Meses antes, a 12 de julho, tinha sido divulgado um outro assistente, o Midjourney, depois, a 22 de agosto, era também divulgado o Stable Diffusion da Ludwig Maximilian University de Munich, e ainda a 28 de setembro, a OpenAI disponibilizava a todos o Dall-E 2. Estes três assistentes de IA partilham as mesmas competências de desenho de imagens, com a particularidade de apresentarem resultados originais, simultaneamente muito humanos, como se tivessem sido criados por seres humanos. 

fevereiro 07, 2022

"Syllabus" de Lynda Barry

Lynda Barry recebeu a MacArthur Fellowship em 2019, com 63 anos, com a seguinte menção: "Inspiradora do envolvimento criativo através de trabalhos gráficos originais e de uma prática pedagógica centrada no papel da criação de imagem na comunicação". Acabei de ler o seu livro "Syllabus: Notes from an Accidental Professor" de 2014 e fiquei completamente convencido do enorme valor desta professora da Universidade de Wisconsin-Madison da área de Criatividade Interdisciplinar. A sua forma de estar e trabalhar com os seus alunos é uma inspiração para quem quer que acredite no poder da arte e criatividade humanas.

janeiro 16, 2022

O Triunfo do Cristianismo. Como uma Religião Proibida Mudou o Mundo

Não é um tema que me tenha atraído nos últimos anos, contudo a leitura de "Heaven and Hell" (2020) de Bart Ehrman despertou-me o interesse, diga-se também que combinado com o meu crescente interesse pelos clássicos. Neste livro, "O Triunfo do Cristianismo" (2017), Ehrman situa a análise da afirmação do cristianismo entre o século I e o século V, levando-nos pela mão, permitindo que aprendamos imenso, fazendo da leitura uma experiência imensamente compensadora. Apesar da complexidade das questões, Ehrman partindo do trabalho de muitos outros académicos e seu, apresenta uma teorização credível sobre o modo como o cristianismo suplantou não só o judaísmo, mas em particular o paganismo, e como se afirmou e tornou na religião de facto de  todo um império.

janeiro 01, 2022

"Hamnet" (2020) de Maggie O'Farrell

"Hamnet" (2020) dificilmente não se tornará num clássico. Escrito num modo que dificilmente conseguimos separar da trilogia Cromwell de Hillary Mantel, pelo uso distinto dos verbos presente, e também futuro do presente, que cosem a descrição com estranheza e, tal como em Cromwell, contribuem para criar a peculiar atmosfera do século XVI. Maggie O'Farrell usa, muito habilmente, este espaço atmosférico como espaço imaginário para alargar aquilo que conhecemos da História. Sabendo nós pouco, quase nada, sobre a vida privada de Shakespeare, O'Farrell consegue a proeza de nos transportar no tempo e dar a ver, num tom imensamente credível, como poderá ter sido essa. Se o título se foca sobre o filho perdido aos 11 anos, Hamnet, fazendo por vezes recordar a tensão mágica de Lincoln e o seu também defunto filho Willie, imaginado por George Saunders, o foco é na verdade a mulher, Agnes Hathaway. É este foco que revitaliza o nosso imaginário sobre Shakespeare, sendo-nos oferecido numa descrição feminina e poderosa, mágica mesmo, do seu mundo privado desconhecido. Shakespeare nunca é nomeado, mas o livro não é sobre ele, o artista, é sobre as relações de uma família, a sua.

novembro 06, 2021

Um Estado Policial Perfeito: Uma Odisseia pela Sinistra Distopia Vigilante da China

"The Perfect Police State: An Undercover Odyssey into China's Terrifying Surveillance Dystopia of the Future" (2021) foi um dos livros mais angustiantes que li nos últimos anos e não foi pelo relato de genocídio, que se pode ler noutras obras sobre povos perseguidos, desde os judeus aos curdos passando por regiões inteiras como os balcãs — Sérvia, Croácia, Eslovénia, Macedónia, Montenegro, Bósnia, — ou o Cáucaso — Arménia, Geórgia, Abecássia, Ossétia do Sul, Chéchenia. O que incomoda particularmente no relato sobre os Uigurs, povo do noroeste da China que faz fronteira com a Turquia, é o facto de ser algo que está a acontecer no momento presente. Mas não só, é algo que está a ser perpetrado por um governo do qual não podemos, como aconteceu com outros, arvorar ideias de distância ou desconhecimento, pois somos seus grandes parceiros comerciais. Desde a eletricidade que nos entra em casa, até ao fabrico de uma larga maioria de produtos que utilizamos no dia-a-dia, dos gadgets eletrónicos aos brinquedos que oferecemos às nossas crianças pelo Natal, a relação da Europa com a China é íntima. No entanto, quando se fala do genocídio que a China e as suas empresas tecnológicas, tais como a Huawei, estão a realizar naquela região, a tendência política, mas também dos nossos povos, tem-se manifestado por uma estrondosa indiferença. Mas tal não acontece por falta de evidências, vários órgãos internacionais, da ONU ao Papa, têm feito menção do problema, existem mesmo demonstrações de que temos obrigação legal de intervir! Contudo, nós, todos os que vivemos boas vidas neste velho continente, à custa da mão-de-obra barata da China, viramos a cara para o lado. Diga-se que não muito diferentemente do que fizemos durante a total aniquilação da cultura nativa das Américas, a que juntámos depois a exploração de escravos, de África, para garantir os níveis de produção de riqueza necessários ao sustento dos nossos luxos. Mas os Uigurs não são um povo do passado, o genocídio brutal que afeta uma população com 11 milhões, dos quais mais de 1 milhão se encontram presos nos mais de 200 campos de concentração, não aconteceu há 500 anos, está a acontecer agora, com relatos que remontam pelo menos a 2017, e a ser feito por alguém com quem nos sentamos à mesa todos os dias. Para não olhar apenas ao lado negativo, fazendo aqui mero auto-flagelo, deixo a nota imensamente positiva da primeira viagem de uma delegação da União Europeia a Taiwan ocorrida esta semana e na qual foi dito, de forma bastante sonora, “Vocês não estão Sozinhos”. Sabendo que Taiwan está na lista como próximo alvo a abater pela China, depois do périplo iniciado em Hong-Kong, esperemos que este seja o início de uma mudança profunda da relação da Europa com a China

julho 24, 2021

2666: uma longa viagem

No final das 1000 páginas podemos fechar o livro e decidir ficar com as impressões criadas ao longo das semanas de leitura, sem realizar qualquer esforço de as organizar, de lhes dar um sentido. Essa vontade pode ser maior quando de frente a livros que são escritos com a intenção de se furtar a essas tentativas de catalogação ou organização de significados, como é o caso de “2666”. Ainda assim, enquanto leitores dotados de competências, por vezes obsessivas, na identificação de padrões e atribuição de significados, torna-se difícil não encetar esse esforço. As linhas que se seguem são assim o resultado da minha experiência de leitura, condensada e verbalizada num conjunto de ideias e parágrafos.

julho 14, 2021

Sistematizar é diferente de Inventar

Este livro, "The Pattern Seekers: How Autism Drives Human Invention" (2020), deixou-me com impressões mistas, se por um lado compreendo o esforço de Baron-Cohen na tentativa de contribuir para uma sociedade mais inclusiva — a integração de pessoas com autismo — por outro lado, o modo como o faz, seguindo o culto de algumas valências cognitivas, que estão por acaso neste momento na mó de cima — os criadores de tecnologias digitais — acaba por fazer parecer que se posiciona num dos lados da barricada, e assim no esforço e defesa pela inclusão acaba tornando-se discriminador dos que não possuem essas competências. Por outro lado, muito do discurso aqui apresentado é feito com base em muitas impressões suas apenas, ainda que detentor de muitos estudos na área do autismo, tal não lhe oferece suporte à definição do que são processos de invenção e criatividade. Por fim, uma boa parte da discussão no livro é repescada daquilo que tem vindo a dizer ao longo dos últimos 20 anos, acrescentando pouco de novo. 

abril 10, 2021

O código da interação humana

O livro "The Culture Code" (2017) de Daniel Coyle fez-me lembrar "Blink" (2005) de Gladwell, pelo modo como discute algo tão presente na nossa realidade mas que temos imensa dificuldade em especificar e enunciar. Se Gladwell tentava definir o que torna o olhar de um especialista diferente, o modo como a sua capacidade percetiva imbuída de saber e experiência vai além do que é evidente. Coyle, procura definir aquilo que emerge da cola entre humanos quando interagem e faz com que juntos sejam mais do que a mera soma dos indivíduos. Ambas à superfície parecem dotadas de alguma magia, por não serem facilmente explanáveis nem racionalizáveis. O que é também interessante é o facto de Coyle ter feito anteriormente um trabalho soberbo na análise do talento individual, em “The Talent Code” (2009), e ter-se visto aqui obrigado a concluir que o talento dos indivíduos não é a força motriz do talento dos grupos.

março 27, 2021

O nosso Movimento molda o nosso Pensamento

Barbara Tversky apresenta no seu último livro, "Mind in Motion: How Action Shapes Thought" (2019), uma teorização sobre a cognição, ainda que não completamente nova, arrojada. Defende que o nosso pensamento não é construído pela linguagem, mas pela ação, pelo movimento. Tversky diz-nos que usamos as palavras para descrever, mas na verdade a nossa mente constrói conceitos por via de imagens mentais criadas a partir da nossa ação sobre a realidade. Damásio tem falado bastante sobre estas imagens mentais, e sobre a implicação da emoção e do corpo nos processos de raciocínio, mas mais próximo ainda, é o trabalho de Benjamin Berger, no livro "Louder Than Words: The New Science of How the Mind Makes Meaning" (2012), que defende, também, que não processamos a informação em modo de texto, mas por meio de imagens ou simulações mentais. Tversky dá um exemplo clássico, mas que todos nós podemos rapidamente intuir, e que passa pela enorme dificuldade que temos em descrever a cara de alguém em palavras. Isto, para Tversky, é um indício de que a nossa capacidade de pensar não acontece a partir de um processo mental textual algorítmico inato, como defende Chomsky, mas é antes produzida por via da nossa ação no espaço e tempo, pela nossa atuação interativa com o real que nos permite relacionar e construir mentalmente a realidade na nossa mente.

dezembro 27, 2020

Da inconsequência das nossas vidas

"A Vida Modo de Usar" (1978) de Georges Perec é um clássico muito pouco lido, não só pela dificuldade de suster a leitura ao longo das 500/600 páginas, dependendo da edição, mas também pela dificuldade de chegar ao seu propósito. Enquanto o lia, fui-me dividindo entre as qualificações de obra-prima e obra de artesanato. O domínio da arte de contar histórias é virtuoso, tal como é o domínio da escrita, contudo, todas essas competências parecem, em momentos, estar unicamente ao serviço do mecanismo criado por Perec. É preciso chegar ao final, bater com a cabeça na parede, questionar o que acabámos de ler, relacionar, e voltar a equacionar, para chegar a compreender o substrato escondido e reconhecer o génio do criador.

Considerações Breves

1 - Perec era um estruturalista convicto, tendo pertencido ao movimento OULIPO, criado por Raymond Queneau, a quem dedica esta obra. Este movimento precede o pós-modernismo, podendo confundir-se, mas distingue-se por seguir uma via concreta e distinta: a rigidez estrutural. Ou seja, os criadores não escrevem de forma livre, menos ainda caótica como os pós-modernistas, mas antes o fazem seguindo conjuntos de regras, ou como eles preferem dizer: “restrições de escrita”. Um exemplo máximo disto pode ser visto no livro “La Disparition” (1969), também de Perec, escrito integralmente sem nunca fazer uso da letra “E”.

Placa de Rua francesa, apesar de falsa, criada como homenagem a Georges Perec, em particular ao trabalho "La Disparition", demonstrando a ausência do uso do "E".

Esta abordagem baseia-se na ideia de que a criatividade brota das restrições, por isso se ditarmos constrangimentos ao que pode ser feito isso poderá conduzir o criador a ir além. De certa forma, liga-se ao ditado de que a criatividade nasce da necessidade. Contudo, a abordagem apresenta alguns problemas, como veremos à frente na análise do livro em questão.

2 – O plano estrutural usado para conceber “A Vida Modo de Usar” assenta num corte de perfil de um prédio, que nos permite olhar para todas as peças de habitação do mesmo. Perec esboçou assim um diagrama com 100 quadrados, 10 por 10, com cada quadrado a fornecer o constrangimento ao mundo que pode ser contado (ver imagem abaixo do plano do imóvel). Os quadrados, por sua vez, fornecem não só personagens, mas também elementos para a produção de histórias, que foram produzidas previamente em listas — de quadros, livros, mobiliário, animais, objetos, cores, etc. Os elementos em si, são depois emparelhados em duplas e distribuídos pelo prédio, seguindo uma lógica de grelha, do tipo puzzle de Sudoku. Para a passagem entre cada quadrado, Perec não segue a ordenação numérica, mas faz uso do chamado algoritmo do cavalo, do xadrez, que lhe permite saltar entre quadrados sem deixar rastos de aparente relação no discurso. Todas estas regras podem ser estudadas em pormenor, uma vez que Perec as forneceu, e nos dias de hoje podemos analisar as mesmas na net

Desta forma Perec tinha construído a verdadeira "máquina de fazer histórias", já que os espaços de habitação poderiam dar origem a tudo o que pudéssemos imaginar, e as regras fariam o resto funcionar por si.

3 – Apesar das dezenas de histórias contadas ao longo do livro, existe uma história central, que atravessa todo o livro, e se relaciona intimamente com o trabalho de Perec, e diz respeito à personagem de Bartlebooth, alguém tão rico que nada existia na vida capaz de lhe interessar, por isso encetou um projeto para se manter ocupado por toda a sua vida, este consistiria em: passar 10 anos a aprender a pintar a aguarela, de 1925 a 1935; depois passar 20 anos a viajar pelo mundo, pintando 500 aguarelas, que iria enviando para que fossem transformadas em puzzles, de 1935 a 1955; e por fim, passar os restantes 20 anos a reconstruir esses puzzles, após o que seriam reenviados para o local onde foram pintados, com uma lata de diluente, para que fossem destruídos, de 1955 a 1975.
Repare-se como o trabalho de Perec se vai aproximar do trabalho de Bartlebooth, a construção das telas e o seu recorte em puzzle, para que possam ser reconstruídas e esquecidas pelos leitores do seu livro.


Experiência de Leitura

A - Começar por dizer que se as histórias, individualmente, são interessantes e por vezes até bastante envolventes, na generalidade o processo de leitura de quase 600 páginas sem causalidade concreta entre as dezenas e dezenas de histórias, torna o processo bastante penoso. As regras criadas por Perec parecem só funcionar para si, enquanto criador e organizador dos espaços, já para o leitor, não ajudam nem servem qualquer propósito. 

Esta primeira constatação vem ao encontro de uma das minhas primeiras recusas da premissa de Perec, o puzzle de cartão, por o considerar vazio em termos de jogabilidade. Ou seja, o recorte das peças é irrelevante, já que todo o trabalho se centra na reconstrução mental da imagem em causa. Mas, Perec abre o livro defendendo que o puzzle que lhe importa é o de corte vitoriano, em que o criador do puzzle toma decisões sobre como e onde cortar as peças, ao contrário dos contemporâneos que são cortados por máquinas em peças iguais (ver imagem abaixo). Contudo, isso é mera ilusão, já que não decorre daí qualquer tipo de acrescento ao enigma visual. Repare-se que ou o recorte segue as formas concretas do desenho, e se revela muito facilmente (ver puzzle do mapa da Europa, abaixo), ou então segue modelos de recorte externos à representação (ver puzzle colorido e as formas dos recortes, abaixo) que acabam valendo o mesmo que fazendo uso do recorte automático. 

Efeitos do recorte: à esquerda, recorte mecânico; à direita, recorte manual

Puzzles de recorte vitoriano: à esquerda, um puzzle recortado seguindo com as formas dos países do mapa da Europa; à direita, um puzzle colorido e a imagem das suas peças constituintes, os recortes seguem formas externas às formas da representação final.

Da mesma forma, quando olhamos ao trabalho de Perec, na elaboração dos saltos entre histórias, que são as suas peças do puzzle, tanto faz que ele salte em L, como em Z, ou noutra forma qualquer, não se constrói qualquer causalidade daí, de modo que nada se ganha ou perde, é mero artifício vazio, tal como são os recortes de puzzle.

O algoritmo do cavalo, ou saltos em L. Imagem do filme de animação de Clarence Stiernet

Animação que mostra os saltos em L entre cada uma das peças de habitação do prédio de Perec

B – A relação entre Bartlebooth e Perec acontece na inconsequencialidade. Bartlebooth não tinha interesse por nada, concebeu todo um plano para apenas ter um propósito que o mantivesse vivo, de dia para dia, mas sem qualquer objetivo ou vontade de produzir qualquer resultado efetivo, antes pelo contrário, tudo o que resultasse deveria ser destruído. Perec, de certa forma segue a mesma ideia, criar todo um sistema altamente complexo de construção do romance que servisse apenas este em particular e mais nenhum, mas não objetivasse a nada mais do que a criação do próprio sistema.

Este ponto, é talvez o ponto alto do romance, já que nos lança na mais pura indagação filosófica, nos dois pontos que se sucedem:

B1. Deve um romance ter algo para dizer, ou deve constituir-se num mero enredo de eventos e personagens que nos ajudam a passar o tempo?

B2. Enquanto seres humanos e criativos que somos, devemos almejar a ter uma vida consequente? Devemos nos esforçar para deixar a nossa marca? Servir de exemplo e deixar um legado que sirva quem vem atrás? 

A edição portuguesa da Editorial Presença, de 1989, apresenta a belíssima tradução de Pedro Tamen


Conclusão

Olhando aos dois pontos, A e B, a resposta torna-se por demais evidente, apesar de eu só agora, após ter escrito estas linhas, ter visto essa evidência de forma cristalina. Assim, as histórias das nossas vidas não vivem da causalidade, porque não vivemos num mundo predeterminado, antes vivemos numa realidade regulada pelo acaso. Como tal, construir todo um conjunto de regras, com base num conjunto de crenças ou valores rígidos, para com isso chegar a produzir o nosso legado, seja para os nossos filhos ou para a humanidade, é totalmente inconsequente, para não dizer uma perda de tempo.

Georges Perec

Por isso, o título da obra, para a qual não se encontra explicação nas dezenas de histórias contadas, surge do resultado vazio da amálgama final. Perec, como todos aqueles que algum dia se dedicaram a criar algo, questiona aqui a razão essencial de todo o processo de criação humana.

De certa forma, o resultado deste texto liga-se ao que nos foi proposto pela Pixar, através do filme “Soul” (2020) de que aqui dei no dia de Natal. Contudo e paradoxalmente, aquilo que as duas obras fazem é ecoar pela Eternidade o pensamento de Epicuro.

agosto 13, 2020

Seleção natural e felicidade

 “The Social Leap” (2018) é um livro de divulgação científica sobre psicologia evolucionária, escrito por William von Hippel, professor da Universidade de Queensland, Australia, reconhecido especialista da área. Enquanto livro de divulgação serve de introdução à área, trazendo pouco de novo a quem estuda ou segue o domínio. Talvez a parte mais interessante, ou com alguma novidade, introduzida pelo trabalho do próprio Von Hippel, seja o último terço do livro dedicado à discussão da psicologia evolucionária que suporta o sentimento humano de felicidade.

A psicologia evolucionária é uma abordagem teórica ao campo da psicologia que procura identificar e explicar os fenómenos psicológicos — da emoção e cognição — a partir de uma perspetiva darwinista, ou seja, sustentada em processos de seleção natural e sexual. Confesso-me como um profundo seguidor da abordagem pelo modo como tende a oferecer maior suporte científico à teorização em psicologia, seguindo em particular os trabalhos de investigadores como John Bowlby, Paul Ekman, Simon Baron-Cohen, Steven Pinker, Paul Bloom, Michael Tomasello ou Denis Dutton. Contudo, não deixo de ter um olhar crítico perante a abordagem, uma vez que as metodologias de demonstração das teorias são limitadas, não se podendo falar em evidência empírica na maior parte das teorizações. Por outro lado, a triangulação entre biologia, antropologia e psicologia, nomeadamente por via dos recentes desenvolvimentos das neurociências têm vindo a dar suporte a muito do que se debate na área.

Exposto o domínio e os seus problemas, o trabalho aqui apresentado por Von Hippel não está livre destes. Tanto que a maior parte dos meus conflitos com esta leitura se deveram às leituras feitas por Von Hippel a partir dos dados que temos. Ou seja, muito da psicologia evolucionária assenta numa recolha de evidências laterais e construção de uma interpretação das evidências com base na evolução, como tal, é fácil cair em interpretações que podem não ser as mais corretas, desde logo porque reducionistas. Ou seja, tendo um conjunto de dados empíricos sobre uma determinada atividade e reações humanas, a forma como interpreto as mesmas dependo do enquadramento teórico de que parto, e aqui o desconhecimento de determinados quadros teóricos pode ditar leituras menos relevantes.


Alguns Problemas 

Foi isto mesmo que aconteceu no capítulo dedicado à Inovação, intitulado “Homo Innovatio”. O autor usa um conjunto de dados e parte para a leitura que lhe parece mais correcta, mas que do meu ponto de vista é redutora da leitura daquilo que é a inovação humana.

“When innovation researchers ask representative samples of people whether they have modified any products at home or created anything new from scratch (such as tools, toys, sporting equipment, cars, or household equipment), about 5 percent report that they have done so in the last three years.* The percentage of innovators varies a bit by country, but never cracks 10 percent. For such an innovative species, one in ten or twenty seems awfully low. Yet, when I reflect on my own life, I can’t recall ever inventing anything. I have a few inventive friends, but I’d be surprised if 5 percent of them have ever invented anything either, let alone in the last three years.”

Não podemos contabilizar como inovação apenas criação físicas, apesar de ser isso que o regime de Patentes privilegia. Um ser humano que escreve um livro, uma canção ou pinta uma tela está num processo de inovação, não de consumo. O seu modo de abordar o mundo é expressivo, atuando para alterar a realidade que o rodeia, e isso é aquilo que importa do ponto de vista cognitivo. Não aquilo que podemos ou não considerar como patentes.

“Yet, across all these generations of travelers, no one thought to put wheels on suitcases until 1970, and they didn’t catch on until the modern version of a wheeled suitcase with a retractable handle appeared in 1987.* This failure to attach wheels to suitcases was all the more remarkable given that once people lugged their nonwheeled suitcases to the airport, they then paid cold, hard cash to a porter who plunked their nonwheeled suitcases on his cart and easily wheeled a whole family’s worth of baggage the last fifty yards to the ticket counter”

Depois, usa este exemplo das rodas nas malas que é muito fraco, já que não está a falar de inovação, mas de sucesso de uma inovação, que são duas coisas completamente diferentes. Existem registos de colocação de rodas em malas anteriores a 1970, mas estes são os registos que temos. Dos que não temos, devem existir muitos mais, já que é assim que funciona a criatividade e inovação, nada se constrói do zero, num momento divino de inspiração, mas tudo funciona como aglomerado de ideias que se vão elevando até chegar ao produto de sucesso.

Outro ponto fraco do livro é o modo como trabalha o género — os homens gostam de coisas, as mulheres de pessoas, os homens gostam de sistemas, as mulheres de relações. Vindo de alguém que trabalha Psicologia Social, é mau escrever isto em 2018. Mesmo frisando várias vezes que não é o modo correto de ler os géneros, mas que o faz porque dá jeito!!!! Facilita? Não, não facilita, porque se ajuda a passar a sua mensagem, acaba a contribuir para a manutenção dos estereótipos que marcam milhões de pessoas que não se reveem em nada disto.

É profundamente ridículo tentar catalogar gostos, preferências, desejos, sentires por género nos dias de hoje. Repare-se que não estou aqui a defender qualquer leitura feminista, porque desse lado também se cometem muitos destes erros. Quando as feministas qualificam todos os homens com rótulos de mansplaining, manspreading ou manterrupting estão a fazer o mesmo, a catalogar humanos em função de um mero sexo, quando esse sexo nada diz sobre a sua psicologia. Tudo isto acontece por causa de uma simples curva de Bell, na qual podemos identificar que 50%+1 de homens tende a fazer A, ou 50%+1 de mulheres, tende a fazer B. No meio de tudo isto, ficam os 49% de homens e de mulheres que nada têm que ver com a questão, e acaba sendo rotulados de anormais.


O contributo de Von Hippel: Seleção Natural e Felicidade

“this capacity to travel in time mentally and make complex plans for the future has given us an enormous selective advantage. Unfortunately, that advantage comes at a cost, given that the time we spend living in the future distracts us from the present. As a consequence, “people often fail to appreciate the pleasures (or demands) of the moment because they pay so little attention to the here and now.”

“Most meditation practices teach people to live in the moment. This is a laudable goal, but it’s incredibly difficult to achieve because it’s at odds with an evolved skill that has served us so well over the last million-plus years. We have a great deal of difficulty shutting down thoughts of the future unless the demands or pleasures of the moment are so substantial that they drag us back to the here and now. (..) My dogs, in contrast, show no signs of this inner struggle. They live in the moment because they are incapable of casting their minds forward. Every treat I give them is devoured with gusto, regardless of whether it means we just finished dinner or are off to the vet.”

Pergunta: Why Aren’t We Always Happy?

“As hard as it is to believe, lottery winners are usually no happier than they were before they won, and a fair few of them are a lot less happy. Not the day after they win—that’s a pretty good day—but by a year or two later, most people have adapted to their new normal, and their happiness has returned to where it was before they drew the winning ticket."

“The sad truth is that all of us have dreams, but even when our dreams come true, we rarely end up happier than we were before. New successes bring new challenges. The German folk saying Vorfreude ist die schönste Freude (“Anticipated joy is the greatest joy”) is much more accurate than Disney’s “happily ever after.”

 “Why did evolution play this dirty trick on us, giving us dreams of achievements that will provide lifelong happiness but then failing to deliver the emotional goods when we achieve our goals?"

A resposta de Von Hippel

"evolution doesn’t care if we’re happy, so long as we’re reproductively successful. Happiness is a tool that evolution uses to incentivize us to do what is in our genes’ best interest. If we were capable of experiencing lasting happiness, evolution would lose one of its best tools.”

 “Really happy people are rarely high achievers because they simply don’t need to be. As Ted Turner put it, “You’ll hardly ever find a super-achiever anywhere who isn’t motivated at least partially by a sense of insecurity (…) the earnings of the very happy folks on the far right look a lot like those of the unhappy ones. Some joy is clearly good for success in life, but too much happiness is a financial disaster. This is why evolution designed us to be reasonably happy, with occasional moments of giddiness that soon fade as we return to our individual baseline level of happiness. Numerous self-help professionals would have us believe that attaining maximal or permanent happiness should be our goal, but an evolutionary perspective clarifies that such a goal is neither achievable nor desirable.”


Estudos encontrados ao longo do livro

Motherhood and Protection

“Mothers were incapable of detecting which poo came from which baby, but they found the smell of the other babies’ poo more disgusting than that of their own baby. Even though mothers were unable to identify their baby’s poo, at an unconscious level their behavioral immune system pushed them away from the feces with a higher level of unfamiliar pathogens.”

“Experiments such as these point to the exquisite sensitivity of the behavioral immune system, and our evolved capacity to avoid germs that are most likely to make us sick. We see additional evidence for these processes in the geographic distribution of languages, religions, and ethnocentrism. As we move from the poles to the equator, the number of languages and religions per region increases, and people become more xenophobic. These effects may seem to be unrelated, but all three processes serve to keep groups apart. When you don’t speak the same language, when you don’t share a religion, and when you tend to dislike members of other groups, you’re much less likely to intermingle with them.”

Grandmothers and Menopause

“How did evolution create grandmothers? By preventing women from producing more children of their own while they still had plenty of life in them, evolution gave them the opportunity to focus on their grandchildren rather than their children.* This is why human females evolved menopause.”

Dopamine and Status

“With regard to status, research on monkeys demonstrates that when they rise to the top of the status hierarchy, there is an increase in the dopamine (evolution’s pleasure drug) sensitivity in their brains. As a result of this increased dopamine sensitivity, monkeys at the top of the heap no longer enjoy cocaine (a drug that hijacks the dopamine system). When offered cocaine versus salt water, these top monkeys show no preference between them. In contrast, monkeys at the bottom of the status hierarchy have low dopamine sensitivity and become avid coke users. Data such as these confirm the common wisdom that high status makes us happy and low status makes us sad.”

“With regard to money, once people get out of poverty, the relationship between wealth and happiness is not as strong as you might think. Much more important, if all of society rises in wealth at the same time, increases in wealth beyond poverty provide no increase in happiness.”

Real income (controlling for inflation) and life satisfaction in the United States, between 1947 and 2002

“These data suggest that my home cinema, granite countertops, and convertible don’t actually make me any happier unless I have them and you don’t. In other words, I want these things only to put myself above others. Moreover, whether I know it or not, the reason I want to rise to the top of the heap is because that gives me a better chance of getting the partner I really want. The TV, countertops, and car are just trivialities, but because I don’t know this, I spend my time coveting them, working to acquire them, and eventually becoming the disinterested owner of them.”

Risks and Skate

“we hired a beautiful research assistant and headed off to skateboard parks. In the first stage of the experiment, a male researcher approached a skateboarder and asked if he could film him making ten attempts at a trick that he was working on but hadn’t yet mastered. In the second stage of the experiment, the same skateboarder was either approached by the male experimenter or by the attractive female we had hired, who asked to film the same ten tricks. After the skateboarders completed their second round of tricks, we took a saliva sample to measure their testosterone. Just as we expected, testosterone went up in the presence of the female experimenter, and the higher the testosterone levels, the more risks the skateboarders took. As a consequence of their greater risk taking, they crashed more often but they successfully landed more tricks as well.”

“What can we infer about happiness from this conflict between survival and reproduction? The first lesson is that risk taking and other foolish things that young men do are not “pathologies,” signs of their disconnection from the modern world, or other labels often provided by social commentators. Rather, they are evolved strategies that made perfect sense for our ancestors and probably continue to make reproductive sense today.”

“The second lesson is that trying to prevent our sons, brothers, or friends from taking unnecessary risks is a bit like pissing into the wind. Removing the opportunity for young men to engage in competition and risk taking is a bad idea, and likely to lead to unpleasant blowback. Young men feel millions of years of evolutionary pressure, emanating from their testicles, pushing them toward risk and competition. For this reason, the best bet is not to eliminate risk entirely, but to replace truly dangerous risk and conflict with more benign opportunities for thrill seeking and competition. Sports in which you can’t get hurt at all are unlikely to fulfill such goals, but sports in which you won’t get hurt too badly are a great substitute.”

Happiness and Learning

“Our long period of development is consumed almost entirely by learning the means of survival used by our group -- As a consequence, evolution has ensured that learning is tightly linked to our motivational system; humans all over the world love to learn.”

“The motivational importance of curiosity is widely understood, but there are two important forms of learning (and therefore two important sources of life satisfaction) that people often fail to recognize: play and storytelling”

Happiness, Personality, and Development

As I suggest earlier in this chapter, there is more than one way to be a successful human, and hence more than one route to happiness.”

“Pitfalls of a Modern World”

“Universal adoration and fame are some of the most common dreams of people all over the world, but you need only reflect on the turbulent lives and repeated divorces of celebrities to realize how much happier you are being unknown.”


O livro está editado em Portugal. pela Vogais, como "O Salto Social. A nova ciência evolutiva sobre quem somos, de onde vimos e o que nos faz felizes".

dezembro 07, 2019

A criatividade fruto das ciências e humanidades

Edward O. Wilson é um célebre biólogo americano com uma extensíssima carreira. Académico em Harvarde de 1956 a 1996, continua ainda hoje a desenvolver trabalho, estudos e a escrever livros, depois de ter feito 90 anos em junho deste ano. Apesar da sua área ser as ciências naturais, Wilson é reconhecido pela sua enorme multidisciplinaridade, tendo defendido métodos para aproximar e conduzir à convergência, as ciências e humanidades, no seu livro “Consilience: The Unity of Knowledge” (1998). Este “The Origins of Creativity” (2017) é apenas um dos 16 livros que Wilson escreveu já neste século, depois de se ter reformado de Harvard.
Contextualizado o autor, perceber-se-á melhor a razão do interesse deste livro e simultaneamente a decepção. “The Origins of Creativity” não é, nem de perto, um livro sobre criatividade. É mais a soma de um conjunto de textos soltos, arrolados por interesses próximos e publicados no formato de livro. Deste modo, ao longo do livro encontramos ideias de grande relevância e impacto, contudo por não existir um trabalho cuidado de edição das ideias, estas acabam por nunca ser devidamente aprofundadas, e nalguns casos, algumas das questões levantadas nunca chegam sequer a ser respondidas. Por outro lado, o livro apresenta uma linguagem bastante acessível e Wilson é inexcedível em fornecer exemplos das mais variadas áreas, demonstrando a sua enorme erudição.

O foco do livro está todo na evolução do Homo Sapiens, dirigido à questão que já tinha tentado responder em "Consilience": como é que podemos juntar as ciências e humanidades? Para Wilson é evidente que não existe criatividade sem ambos os lados, contudo os perfis mais criativos tendem a conviver melhor com a mescla e fusão de ambos os lados, o que não acontece quando se está demasiado colado a um dos perfis apenas. Wilson diz ter uma proposta para juntar esses lados ou perfis, mas nunca chega a concretizá-la. Existem partes no livro em que parece aproximar-se da proposta de Denis Dutton, de juntar as neurociências e psicologias cognitiva e social nos seus contornos evolucionistas ao interpretativismo das humanidades, algo com que concordo plenamente. Noutras partes, questiona a “obsessão” das humanidades pelo humano (!) frisando que estas deveriam ir além, tal como usar as tecnologias para ver o mundo a partir de outras perspetivas, como por exemplo as capacidades sensoriais de outras espécies (ex. navegação sonora dos morcegos). Wilson chega mesmo a evocar a Realidade Virtual para ajudar nesta senda, mas depois não concretiza, e a proposta é, para quem trabalha no domínio da RV, fruto de mero deslumbramento tecnológico. No último capítulo, “O Terceiro Iluminismo”, Wilson volta a perder-se, lançando supostas grandes questões filosóficas da união entre a ciência e humanidade, que não vão além das mesmas já colocadas por todos aqueles que antes ousaram questionar-se a si mesmos.

No meio de todos estes problemas, surge a superficialidade por meio muitos buracos e pontas soltas, existem contudo vários traços da genialidade de Wilson que aproveito para aqui registar e divulgar. Deixo os excertos em inglês, porque não tenho a versão digital do livro português:

A narração como instantâneo (p.50)
“Postmodern narrations and for that matter all fiction worth its mettle, does what science cannot: it provides an exact snapshot of a segment of culture in a particular place and time. The productions are like photographs that preserve for all time not just the people as they actually seemed, looked, or even truly were, including their dress and posture and facial expressions, but also the surroundings most important to them—their homes, their pets, their transportation, their trails and streets."
(..)
“Fine novels and antique photographs are pixels of history. Put together, they create an image of existence as people actually lived it, day by day, hour by hour, and in the case of literature, the emotions they felt. Finally, they trace some of the seemingly endless consequences that followed. ”

O poder da ciência e a míngua nas humanidades (p.81)
“Our most celebrated heroes are not poets or scientists; few Americans can name even a dozen of either living among us. Our heroes instead are billionaires, start-up innovators, nationally ranked entertainers, and champion athletes.”
 (..)
“Science and technology have been supported massively by taxes from the American people for what is generally considered the public good. (..) The humanities, in contrast, are supported primarily by educational institutions (..) In the competition between science and the humanities for funds provided by the American people, the humanities rank consistently lower than science.”
(..)
“Americans are often reminded that research and development in basic science are good for the nation. That is obviously true. But it is equally true for the humanities, all across their domain from philosophy and jurisprudence to literature and history. They preserve our values. They turn us into patriots and not just cooperating citizens. They make clear why we abide by law built upon moral precepts and do not depend on inspired leadership by autocratic rulers. They remind us that in ancient times science itself was a dependent child of the humanities. It was called “natural philosophy.”
Why then are the humanities kept on starvation rations?
Partly because so much of our available resources are appropriated by organized religions.”

A importância das humanidades (p.177)
“The critic Helen Vendler broadens the key question as well as can be phrased: «If there did not exist, floating over us, all the symbolic representations that art and music, religion, philosophy, and history, have invented, and afterward all the interpretations and explanations of them that scholarly activity have passed on, what sort of people would we be?»
Neither the question nor the answer is rhetorical. ”

novembro 12, 2019

O Diabo, Pôncio e o Gato

Adoro clássicos russos, são um dos marcos do estado corrente civilizacional, responsáveis não apenas pelo avanço da arte mas também por vários avanços societais pelo modo como os seus autores foram expondo e criticando a sociedade e seus avanços. Bulgakov não pertence à primeira geração, séc. XIX — Tolstói, Dostoiévski, Pushkin, Turgueniev, Tchékov, Gogol — mas antes a uma segunda, séc. XX — junto com Nabokov ou Soljenítsin — marcada pela ditadura soviética. Se Nabokov optou por virar as costas à Rússia, outros como Bulgakov e Soljenítsin nunca desistiram de tentar fazer-se ouvir dentro do seu próprio país. Bulgakov não foi perseguido, nem preso como Soljenítsin, teve a sorte de cair na graça do ditador que lhe permitiu sobreviver com um mero emprego de assistente num teatro da capital, contudo raramente viu aprovadas as suas obras pela censura do estado, e passou os últimos anos de vida sem nada publicar, relegando esse trabalho à sua mulher, que viria a acontecer apenas duas décadas depois da sua morte. “A Margarita e o Mestre” (1967) é uma espécie de viagem ao mundo de um criador impedido de criar, é uma espécie de portal para uma realidade alternativa criada pela mente de alguém a quem foi dito que tinha de se manter calado. O livro ganha assim, desde logo, uma aura tremenda, impossível de classificar, porque não é mero livro, mas antes documento, um legado expressivo que nos explica como vive um ser sensível e criativo num mundo em que não é livre de externalizar as suas ideias.

O trio louco, protagonistas do “A Margarita e o Mestre”

A história é simples, apesar do enredo duplo — o Diabo chega a Moscovo e desencadeia uma série de eventos loucos, enquanto noutro tempo, Pôncio Pilatos enfrenta o encontro e a crucificação de Jesus. Os personagens oferecem-se imediatamente às mais mirabolantes interpretações dada a sua força simbólica. Contudo, do que me foi dado a ler, e da minha experiência de leitura, a importância da obra assenta mais no contraste entre o deslumbrante mundo criativo do romance e o desmoralizante mundo cinzento da realidade soviética da época. O mundo criativo é trabalhado por meio da sátira, que é um género que pouco me cativa. Ainda assim posso dizer que a primeira parte é deliciosa, dado que o non sense surge como a resposta mais aceitável à insanidade do regime político de Estaline. Os problemas para mim surgem na segunda-parte, porque esperava que o non sense fosse dando lugar a cada vez mais sentido, mas tal nunca chega a acontecer. O livro é non sense do início ao final. Bulgakov dá rédea livre à criatividade, divaga e deambula sem fim. Pode-se ler, ou interpretar, aqui e ali, partes conectadas com a sua realidade, com o tratamento dado pelos colegas de profissão, pelo estado, pela sociedade russa, mas dificilmente se pode dizer que Bulgakov estava interessado na crítica contundente ou na produção de ataques contra os opressores da liberdade. Talvez Bulgakov tenha optado por limar excessivamente o seu trabalho, realizando auto-censura, mas não creio, dado o imenso non sense que prospera ao longo de toda a obra.

Um bom resumo visual do livro feito pelo TED.Ed

Se aqui e ali se lê que o Diabo seria Estaline, tal não tem qualquer sustentabilidade, e em parte esse foi um dos meus erros na experiência de leitura, o tentar ler ou forçar a identificação de significados. Por isso no final senti um certo amargar da experiência, porque não consegui chegar a uma chave descodificadora do universo apresentado. E não adianta ler muito mais à volta da obra na sua senda, porque essa chave não existe. “A Margarita e o Mestre” mais do que uma sátira, é um universo de fantasia e acima de tudo o resultado de um processo de externalização da força de uma imaginação oprimida.