junho 12, 2019

Algo em que acreditar? A educação, sempre

Não querendo entrar na discussão que já vai grande sobre o João Miguel Tavares (JMT) e o 10 de junho, nem para laurear nem para desfazer, porque o seu discurso no geral parece-me bastante interessante, mas tendo-o lido depois de ouvir tantos comentários, quero apenas frisar um ponto do discurso, que apesar de bem trabalhado nas palavras e como clara intenção de defesa pessoal acaba por se contradizer.

Melhorámos muito, mas estamos ainda longe, falta outro tanto pelo menos...


Começa JMT por dizer:
"Os pais lutavam por isso – lutavam menos por eles, do que pelas suas crianças, para que elas tivessem uma vida melhor, estudassem, fossem “alguém”. Os seus filhos chegariam às universidades. Estudariam dezasseis, dezassete, vinte anos, se fosse preciso."
E termina a dizer:
"E se alguma pessoa emproada vos perguntar pelo vosso currículo, digam-lhe que currículo tem tanto o académico que decide dedicar a sua vida ao estudo como o pai que decide dedicar a sua vida aos filhos. Currículo tem tanto o cientista que dedica o seu tempo à investigação como o reformado ou o jovem que dedicam o seu tempo a ajudar os outros."

Ousar pôr numa balança dois elementos tão díspares — os que estudaram e os que fazem ciência — com — os que tomam conta dos filhos e dos outros — é um paradoxo no discurso de JMT, porque é ele mesmo quem defende a Educação como Elevador Social, é ele quem descreve como os nossos pais tiveram um projeto de vida: Estudar os seus filhos. Os pais não investiram tudo o que tinham para os filhos apenas tomarem conta dos seus próprios filhos, isso é aquilo que já lhes compete enquanto cidadãos, os nossos pais quiseram que estudássemos para que fossemos mais, tivéssemos uma profissão e conseguíssemos ir além deles.


Percebo que JMT pretendia dar uma estocada em todos aqueles que questionaram o seu currículo para presidir ao 10 de junho, mas ao fazê-lo desta forma atirou o bebé junto com a água. JMT acaba por dizer que agora que já somos todos "doutores", porque a geração anterior se esfalfou para isso, isso já não é assim tão importante. Chegados a "doutores" encontrámos o desencanto, perdemos a esperança, não valeu a pena, e pior, ficámos sem sonhos para vender aos nossos filhos! Por isso, o melhor será voltar ao antes e sonhar outra vez. Talvez sem querer, acabou caindo no discurso populista do "não precisamos de especialistas" ou "temos licenciados e doutores a mais" que nos tem sido vendido por todos os líderes populistas bem conhecidos.

No ensino superior melhorámos mais rápido, mas porque a fasquia a atingir é menor. Mas não é razão para desencantar, sem esta subida o que digo abaixo não existiria.

Julgo que JMT em vez de se ter focado em pedir, "Dêem-nos alguma coisa em que acreditar", devia ter-se focado em dizer o que precisamos para continuar a acreditar, seguindo Kennedy em vez de Trump. Sei que JMT terá pensado que dar sonhos exteriores — mais riqueza, mais conquistas, mais isto e aquilo — seria sempre fraco, por isso focou-se nas pessoas, no seu interior, na entre-ajuda. Sim, esse deve ser o bem maior, mas é apena a rede funcional sem a qual não existiríamos como país, sobre esta precisamos de algo mais, precisamos de objetivos maiores do que aqueles já anteriormente alcançados. Porque a entre-ajuda estava lá antes quando conquistámos o 25 de Abril, entrámos na CEE, entrámos no Euro, e estava lá também quando organizámos a Expo 98, o Euro 2004, quando ganhámos o Euro 2016 e a Eurovisão 2017. Mas tudo isto só foi possível porque os níveis de Educação do país se elevaram tremendamente, se criaram ordens, sociedades, associações e academias de ciência e artes, assim como de turismo, de futebol, de música, de moda ou videojogos e tal só foi possível porque antes se criaram muitos cursos profissionais e superiores, com professores muito mais formados, em dezenas de profissões antigas que o país nunca tinha conseguido sequer formar, entre outras tantas novas que antes nem sequer existiam, e tudo isto depois tornou possível o surgimento de  pessoas com conhecimento e condições para garantir um país muito mais qualificado — capaz de criar empresas, festivais, concursos, eventos, obras e produtos não apenas nacionais mas internacionais — para que alguns de nós pudessem brilhar e ganhar, mas ao ganhar fossem além, elevassem a fasquia e dissessem que era possível fazer ainda mais.

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