Só agora consegui recolher os 10 textos mais lidos/vistos aqui. Foi um ano calmo, principalmente no primeiro semestre publiquei pouco, talvez por isso não existam tantos textos a concorrer pelo top dos mais vistos como nos anos anteriores. De qualquer modo aponta temas interessantes que fui trazendo aqui ao longo do ano que terminou. Acaba por ser refrescante voltar a ver todos estes textos e imagens e pensar sobre o que conduziu à sua criação, assim como especular sobre o que terão pensado as pessoas que os leram.
1. A visceralidade da imagem em movimento, Maio
2. O desastre anunciado no design da Apple, Novembro
3. Pensar como um Designer, Março
4. Creativity Inc., Fevereiro
5. Sistemas de ensino distribuído por James Paul Gee, Março
6. Way to Go, uma viagem interativa sensorial, Abril
7. A vontade de ser (e recriar o) humano, Junho
8. Propósito da vida segundo Isaac Asimov, Fevereiro
9. Toca Boca e o design de interação, Março
10. Logicomix, Julho
janeiro 31, 2016
janeiro 30, 2016
Composição cinematográfica
Em 15 minutos, no ensaio audiovisual "Composition In Storytelling", Lewis Bond dá uma aula completa de composição visual cinematográfica. Mais de uma centena de filmes desfilam em poucos minutos na nossa frente dando conta da diversidade e riqueza que constitui a palete visual do cinema para contar histórias.
Não tenho muito a acrescentar ao que é dito no ensaio. A composição visual é uma arte complexa porque apesar de se dar à padronização é da sua constante capacidade para surpreender que advém o grande envolvimento. O plano nunca visto, a diagonal, em sequência, com travelling, aberto, conjugado, etc. etc. tudo aquilo que cada criador consiga fazer da matéria plástica para passar a idea que pretende. Deixo uma ligação para um outro trabalho, do Nerdwriter, a propósito da composição de molduras, que analisa In the Mood for Love em profundidade e que vale a pena ver de seguida.
"Composition In Storytelling" (2016) de Lewis Bond
Não tenho muito a acrescentar ao que é dito no ensaio. A composição visual é uma arte complexa porque apesar de se dar à padronização é da sua constante capacidade para surpreender que advém o grande envolvimento. O plano nunca visto, a diagonal, em sequência, com travelling, aberto, conjugado, etc. etc. tudo aquilo que cada criador consiga fazer da matéria plástica para passar a idea que pretende. Deixo uma ligação para um outro trabalho, do Nerdwriter, a propósito da composição de molduras, que analisa In the Mood for Love em profundidade e que vale a pena ver de seguida.
"Composition In Storytelling" (2016) de Lewis Bond
Aproveito também para aqui partilhar um excerto do filme "Les Ailes" (1927) que começou a circular na web no final do ano que passou e que já surge aqui citado, e que mostra um inovador travelling em profundidade, raramente visto no cinema antes do surgimento das facilidades criadas pelo CGI.
Deixo a imagem abaixo extraída do ensaio que dá conta de alguns dos elementos a ter em conta no momento da composição que como refere Bond podem ser designados como influenciadores da expressividade de uma imagem composta. E no seguimento deixo a homenagem composicional de Gravity a 2001.
"To compose an image is to create an everlasting metaphor. Cinema in its purest form is visual storytelling, and the best cinema can tell a story through something as simple as the arrangements of an image."
janeiro 29, 2016
A intensidade da busca de Marco Aurélio
As "Meditações" foram escritas sob a forma de diário, sem qualquer intenção de publicação, e desta forma mais do que comunicar com o outro, Marco Aurélio procurava encontrar-se a si mesmo. Como o oleiro que molda peça atrás de peça em busca do ideal total, Marco Aurélio tecia considerações sobre a realidade que vivia e as leituras que fazia, colocava-as em confronto, gerava questões e procurava respostas. Foi esta abordagem, possibilitada por uma curiosidade incessante, que tornou Meditações num livro capaz de sobreviver a 2 milénios de história, mantendo-se até hoje completamente atual.
Diga-se que a atualidade de Meditações tem mais que ver com a biologia do que com a filosofia, ou seja, mais do que dar conta da durabilidade das ideias aqui debatidas, o facto de elas debaterem a essência da vida (nos seus aspectos racionais, sociais e emocionais), e o facto da configuração que permite vida no planeta praticamente não se ter alterado, faz com que grande parte das ideias aqui discutidas mantenham toda a sua aplicabilidade. Ao longo da leitura não poucas vezes damos por nós a surpreender-nos com a mesquinhez, as necessidades, as veleidades e desejos que ocorriam então tal como continuam a ocorrer hoje. Se os ensinamentos presentes em Meditações são relevantes, embora pertencentes a um quadro filosófico mais amplo — o estoicismo —, hoje não menos relevante é a comparação entre o pensamento e forma de estar em 180 e agora passados 2000 anos.
Diga-se que o estoicismo não era propriamente uma abordagem filosófica que pudesse exercer, à partida, grande atração sobre alguém com tanto poder e acesso a tudo, como um imperador. O movimento roçava o religioso, embora defendendo a construção de conhecimento pela razão, professava uma doutrina de princípios duros, rotulando o prazer como inimigo da sabedoria, a virtude como a única forma de chegar à felicidade, e a negação da sensorialidade incluindo toda a dor, física ou mental. Deste modo ler as palavras de alguém tão poderoso, falando para si mesmo, buscando forças e justificativas para controlar o ímpeto humano, é no mínimo sedutor, mas acima de tudo profundamente inspirador.
Nota: Dado o carácter algo aforístico do livro, pululam na web dezenas de supostas citações de Marco Aurélio que não o são.
Diga-se que a atualidade de Meditações tem mais que ver com a biologia do que com a filosofia, ou seja, mais do que dar conta da durabilidade das ideias aqui debatidas, o facto de elas debaterem a essência da vida (nos seus aspectos racionais, sociais e emocionais), e o facto da configuração que permite vida no planeta praticamente não se ter alterado, faz com que grande parte das ideias aqui discutidas mantenham toda a sua aplicabilidade. Ao longo da leitura não poucas vezes damos por nós a surpreender-nos com a mesquinhez, as necessidades, as veleidades e desejos que ocorriam então tal como continuam a ocorrer hoje. Se os ensinamentos presentes em Meditações são relevantes, embora pertencentes a um quadro filosófico mais amplo — o estoicismo —, hoje não menos relevante é a comparação entre o pensamento e forma de estar em 180 e agora passados 2000 anos.
“Whatever this is that I am, it is flesh and a little spirit and an intelligence.” [Livro 2]
“Our life is what our thoughts make it.” [Livro 4]
Apesar de romano, Marco Aurélio fundamenta toda a sua discussão no pensamento grego que nesta altura tinha já quinhentos anos de existência. Por isso não parte do vazio, nem terá nada de muito novo para dizer, já que grande parte dos ideais aqui debatidos provêm de toda uma corrente filosófica que parte de Zenão (-300), passa por Cicero (-100) e Seneca (0) até chegar a Marco Aurélio (180). Aquilo que torna Meditações único é na verdade a sua forma, o traço intimista e confessional que confere ao relato um carácter de profunda honestidade e humildade, garantindo ao conteúdo uma marca mais intensa de autenticidade.
Diga-se que o estoicismo não era propriamente uma abordagem filosófica que pudesse exercer, à partida, grande atração sobre alguém com tanto poder e acesso a tudo, como um imperador. O movimento roçava o religioso, embora defendendo a construção de conhecimento pela razão, professava uma doutrina de princípios duros, rotulando o prazer como inimigo da sabedoria, a virtude como a única forma de chegar à felicidade, e a negação da sensorialidade incluindo toda a dor, física ou mental. Deste modo ler as palavras de alguém tão poderoso, falando para si mesmo, buscando forças e justificativas para controlar o ímpeto humano, é no mínimo sedutor, mas acima de tudo profundamente inspirador.
"Men seek retreats for themselves, houses in the country, sea-shores, and mountains; and thou too art wont to desire such things very much. But this is altogether a mark of the most common sort of men, for it is in thy power whenever thou shalt choose to retire into thyself. For nowhere either with more quiet or more freedom from trouble does a man retire than into his own soul."[Livro 4]
"The mind which is free from passions is a citadel, for man has nothing more secure to which he can fly for refuge and for the future be inexpugnable. He then who has not seen this is an ignorant man: but he who has seen it and does not fly to this refuge is unhappy." [Livro 8]
"The happiness and unhappiness of the rational, social animal depends not on what he feels but on what he does; just as his virtue and vice consist not in feeling but in doing." [Livro 9]Meditações acaba por resultar numa espécie de código de conduta para a “nobreza de espírito”, pelo que professa assim como pela frontalidade e humildade com que professa, não admirando que ao longo dos séculos tenha servido de inspiração a muitos homens de estado preocupados com o dever e o servir.
Nota: Dado o carácter algo aforístico do livro, pululam na web dezenas de supostas citações de Marco Aurélio que não o são.
janeiro 28, 2016
Pyongyang, quando o real não chega
Esta semana escrevi para o IGN um texto sobre a diferença entre contar histórias baseadas na realidade e na fantasia, defendendo que o facto de basear as histórias numa “verdade”, não as torna mais relevantes. O que digo aí não podia assentar melhor no problema com que me deparei ao ler "Pyongyang: A Journey in North Korea", um livro de banda desenhada escrito por Guy Deslile, no qual relata os dois meses que passou na Coreia do Norte a trabalhar num filme de animação.
“Pyongyang” revela-se uma espécie de obra voyeurista, tal câmara escondida, em que a objetiva era o olho do autor, e o gravador as suas memórias. Como tal funciona muito bem, a obra dá conta da vida diária dos habitantes daquela cidade, do que é possível aí ver e visitar enquanto cidadão estrangeiro, e em parte do que aquelas pessoas pensam sobre determinadas temas. Tem valor enquanto registo que reporta um real pouco conhecido, dá conta de um fluxo temporal num espaço concreto, mas fica-se por aí.
“Pyongyang” não tem história, porque é apenas descrição do dia-a-dia de quem passou dois meses num local. O arco é apenas delimitado pelo dia de chegada e dia de partida, não havendo sequer o esforço de esboçar um climax. Mas se fosse apenas esse problema, menos mal, poderíamos dizer que estávamos perante uma tentativa de documentar o que se viu. Contudo o que temos não é um relato neutral, é um relato enviesado pela cultura de quem olha, por acaso a minha (ocidental), mas que nem sequer crítica chega a ser, menos ainda interpretativa, fica-se antes pela mera chacota, não dos líderes mas dos seus cidadãos, um desrespeito que chega por vezes a roçar a xenofobia.
Não se trata aqui de defender o regime, esse é irrelevante nesta discussão, trata-se de ser capaz de compreender o real, e isso implica muito mais do que descrever edifícios, regras, proibições, atrasos tecnológicos, requer capacidade para compreender as pessoas com que se interage, compreender a vida que o sistema como um todo germina. Mas para isso era preciso que o autor fosse dotado de mais mundo, das ferramentas necessárias ao estabelecimento de comparações que lhe iriam abrir horizontes para a interrogação e o questionamento. De outro modo, ficamo-nos por um conjunto de piadas, algumas de gosto duvidoso.
Quanto ao traço não ajuda muito, serve e segue o relato, no seu tom vulgar e despretensioso, conseguindo talvez como melhor feito dar conta do vazio e da descaracterização que constitui o panorama da cidade de Pyongyang.
“Pyongyang” revela-se uma espécie de obra voyeurista, tal câmara escondida, em que a objetiva era o olho do autor, e o gravador as suas memórias. Como tal funciona muito bem, a obra dá conta da vida diária dos habitantes daquela cidade, do que é possível aí ver e visitar enquanto cidadão estrangeiro, e em parte do que aquelas pessoas pensam sobre determinadas temas. Tem valor enquanto registo que reporta um real pouco conhecido, dá conta de um fluxo temporal num espaço concreto, mas fica-se por aí.
"Verdade e Fantasias nas Histórias", texto escrito esta semana para o IGN
“Pyongyang” não tem história, porque é apenas descrição do dia-a-dia de quem passou dois meses num local. O arco é apenas delimitado pelo dia de chegada e dia de partida, não havendo sequer o esforço de esboçar um climax. Mas se fosse apenas esse problema, menos mal, poderíamos dizer que estávamos perante uma tentativa de documentar o que se viu. Contudo o que temos não é um relato neutral, é um relato enviesado pela cultura de quem olha, por acaso a minha (ocidental), mas que nem sequer crítica chega a ser, menos ainda interpretativa, fica-se antes pela mera chacota, não dos líderes mas dos seus cidadãos, um desrespeito que chega por vezes a roçar a xenofobia.
Não se trata aqui de defender o regime, esse é irrelevante nesta discussão, trata-se de ser capaz de compreender o real, e isso implica muito mais do que descrever edifícios, regras, proibições, atrasos tecnológicos, requer capacidade para compreender as pessoas com que se interage, compreender a vida que o sistema como um todo germina. Mas para isso era preciso que o autor fosse dotado de mais mundo, das ferramentas necessárias ao estabelecimento de comparações que lhe iriam abrir horizontes para a interrogação e o questionamento. De outro modo, ficamo-nos por um conjunto de piadas, algumas de gosto duvidoso.
Quanto ao traço não ajuda muito, serve e segue o relato, no seu tom vulgar e despretensioso, conseguindo talvez como melhor feito dar conta do vazio e da descaracterização que constitui o panorama da cidade de Pyongyang.
janeiro 26, 2016
Compreender os falhanços
Este livro, To Forgive Design: Understanding Failure (2012), trata um tema crítico da atividade humana, “a falha”, o estudo e análise do modo como falhamos na realização das nossas ações. O livro foca-se na engenharia, nomeadamente civil e mecânica, mas o ponto ilustrado serve qualquer outra engenharia, serve o design, serve toda a atividade criativa, acabando por servir toda a atividade humana. Mais serviria se o autor tivesse conseguido focar-se nessa essência como promete o título, não o conseguindo perdeu o livro e perdemos nós.
Esta questão da falha tornou-se um tópico central dos estudos sobre criatividade na última década, contando com um livro dedicado ao tema por Sarah Lewis, “The Rise: Creativity, the Gift of Failure, and the Search for Mastery” (2014), foi também amplamente discutido por Catmull no “Creativity Inc.” (2014), sendo tópico de imensos artigos e até motivo de uma exposição artística, "Permission to Fail”, que termina este mês nos EUA.
A vantagem de Petroski é que não se interessou pelo tema agora, antes já tinha publicado “To Engineer Is Human: The Role of Failure in Successful Design” em 1985. O autor refere o facto do livro ter mantido procura a razão pela qual resolveu escrever este novo. Não tendo lido o livro de 1985, acredito, pela resenha do mesmo, que avançou pouco, nomeadamente naquilo que o título prometia, a formulação de conhecimento. Alguns dos exemplos que aparecem na resenha do livro anterior servem mais uma vez a discussão aqui, tendo-se acrescentado exemplos relevantes como a queda das Torres Gémeas em 2001, o acidente do poço de petróleo aberto durante meses debaixo do mar pela BP em 2010, ou entrando um pouco no design industrial o problema do iPhone 4 com a receção.
Podemos dizer que “To Forgive Design: Understanding Failure” falha, o que acaba por ser irónico. Mas ao manter-se quase todo o tempo colado à descrição dos acidentes, é verdade que Petroski vai à essência da falha de cada acidente reportado, mas isso não chega para um livro, menos ainda para um livro que pretende elencar a essência do conceito. Não basta dar exemplos, dissecá-los, dar mais exemplos, mais detalhados, mais suportados, mais focados. Quando se constrói conhecimento, é necessário olhar para o todo e retirar daí conclusões, sintetizar ideias, focar mas também criticar, sustentar a descrição mas também sustentar o conceito, e isso pouco acontece aqui.
Diga-se que este problema tinha surgido exatamente da mesma forma em “The Rise”. Nessa altura referi que era um problema de conhecimento tácito, ou seja o ato de falhar precisa de ser experimentado, tornando complicado o problema de expressar o mesmo por palavras. Contudo depois de ter lido mais este livro sobre o tópico, julgo que o problema é mais evidenciado pelo parágrafo com que abri o texto, o facto da falha estar presente em toda a ação humana, tornando difícil a sua conceptualização sem entrar por discussões abstracts e filosóficas que acabam por acrescentar pouco. No fundo o modo como Petroski e Lewis fazem o seu trabalho, despejando descrições de dezenas de casos, acaba por ser a única forma de chegar à sua essência, o problema é que para isso precisávamos de ter livros sobre falhas em cada domínio.
E era isso mesmo que pensava ao ler este livro. Porque razão fazemos tantos livros sobre Casos de Sucesso quando o modo como as pessoas aprendem efetivamente é a partir dos casos de falhanço? Existe aqui um certo paradoxo que é querermos emular os melhores, os que não falharam, sem compreender onde estão os problemas que provavelmente se vão atravessar na nossa frente, e que só poderemos conhecer a partir dos exemplos de quem os enfrentou.
Esta questão da falha tornou-se um tópico central dos estudos sobre criatividade na última década, contando com um livro dedicado ao tema por Sarah Lewis, “The Rise: Creativity, the Gift of Failure, and the Search for Mastery” (2014), foi também amplamente discutido por Catmull no “Creativity Inc.” (2014), sendo tópico de imensos artigos e até motivo de uma exposição artística, "Permission to Fail”, que termina este mês nos EUA.
A vantagem de Petroski é que não se interessou pelo tema agora, antes já tinha publicado “To Engineer Is Human: The Role of Failure in Successful Design” em 1985. O autor refere o facto do livro ter mantido procura a razão pela qual resolveu escrever este novo. Não tendo lido o livro de 1985, acredito, pela resenha do mesmo, que avançou pouco, nomeadamente naquilo que o título prometia, a formulação de conhecimento. Alguns dos exemplos que aparecem na resenha do livro anterior servem mais uma vez a discussão aqui, tendo-se acrescentado exemplos relevantes como a queda das Torres Gémeas em 2001, o acidente do poço de petróleo aberto durante meses debaixo do mar pela BP em 2010, ou entrando um pouco no design industrial o problema do iPhone 4 com a receção.
Podemos dizer que “To Forgive Design: Understanding Failure” falha, o que acaba por ser irónico. Mas ao manter-se quase todo o tempo colado à descrição dos acidentes, é verdade que Petroski vai à essência da falha de cada acidente reportado, mas isso não chega para um livro, menos ainda para um livro que pretende elencar a essência do conceito. Não basta dar exemplos, dissecá-los, dar mais exemplos, mais detalhados, mais suportados, mais focados. Quando se constrói conhecimento, é necessário olhar para o todo e retirar daí conclusões, sintetizar ideias, focar mas também criticar, sustentar a descrição mas também sustentar o conceito, e isso pouco acontece aqui.
Diga-se que este problema tinha surgido exatamente da mesma forma em “The Rise”. Nessa altura referi que era um problema de conhecimento tácito, ou seja o ato de falhar precisa de ser experimentado, tornando complicado o problema de expressar o mesmo por palavras. Contudo depois de ter lido mais este livro sobre o tópico, julgo que o problema é mais evidenciado pelo parágrafo com que abri o texto, o facto da falha estar presente em toda a ação humana, tornando difícil a sua conceptualização sem entrar por discussões abstracts e filosóficas que acabam por acrescentar pouco. No fundo o modo como Petroski e Lewis fazem o seu trabalho, despejando descrições de dezenas de casos, acaba por ser a única forma de chegar à sua essência, o problema é que para isso precisávamos de ter livros sobre falhas em cada domínio.
E era isso mesmo que pensava ao ler este livro. Porque razão fazemos tantos livros sobre Casos de Sucesso quando o modo como as pessoas aprendem efetivamente é a partir dos casos de falhanço? Existe aqui um certo paradoxo que é querermos emular os melhores, os que não falharam, sem compreender onde estão os problemas que provavelmente se vão atravessar na nossa frente, e que só poderemos conhecer a partir dos exemplos de quem os enfrentou.
janeiro 22, 2016
A linha da vida
Quando se começa a jogar “Lifeline” tem-se a sensação de se ter entrado no mundo de “The Martian” e ter começado a conversar com Mark Watney por SMS. “Lifeline” estabelece uma linha de contacto, via texto, entre nós e um astronauta perdido numa lua distante, pondo-nos na posição de assistente científico, moral e guarda-costas do mesmo.
Nos últimos dois anos o género de ficção interativa (jogos em texto) não tem parado de aumentar, desde “Device 6” a “80 Days” passando pelo "The Writer Will Do Something" de que aqui falei recentemente, são muitos os artefactos que têm sido criados, mais ainda desde que foi lançada a ferramenta open-source Twine, que está também por detrás deste “Lifeline”.
A história de “Lifeline” não é propriamente inovadora, e apesar dum personagem rico peca por alguns eventos menos conseguidos, mas aquilo que a destaca das demais é a premissa interativa, o modo como a narração foi modelada para a criação de agência dramática. Ou seja, o facto de colocar o personagem ficcional numa situação de total isolamento, em que o jogador é o seu único contacto humano, colocando o âmbito ficcional do artefacto sob uma dependência do jogador extremamente credível e imersiva.
Em termos de interface podemos ficar com a ideia de que já vimos algo parecido, os chatbots, a diferença é que isto não é nenhum sistema de inteligência artificial tentando convencer-nos da sua humanidade, mas antes uma narrativa desenhada para nos convencer da existência de um espaço/tempo, convencer da ocorrência de um conjunto de eventos. O personagem com quem aqui interagimos não se limita a conversar connosco, está numa situação particular e tem objetivos que estão enredados por obstáculos, cabendo-nos oferecer apoio na sua ultrapassagem.
Deste modo temos um modelo narrativo capaz de desenvolver agência no plano existencial de cada jogador, porque no mundo ficcional em que participa continua a existir um protagonista que por sua vez se relaciona com o jogador no seu mundo real. Ou seja, o protagonista depende do jogador mas o jogador não assume o seu lugar, o que permite ao herói continuar a existir, exercendo a sua personalidade, discordando por exemplo das decisões do jogador. Assim conseguimos não apenas criar envolvimento com o mundo narrativo, mas convencer o jogador a assumir a sua participação real, não meramente projetada numa qualquer identidade, mas sendo ele mesmo.
"Lifeline" apresenta ainda um último atributo (ou defeito), em parte responsável pelo seu sucesso, que é o facto de ter sido desenhado para o Apple Watch. Assim sendo a interação com o jogo acontece fundamentalmente por via do sistema de notificação, ou seja, o facto de o jogo estabelecer o tempo como variável real, obriga a que jogador tenha de esperar pelas respostas do personagem sempre que este tem de realizar uma atividade mais demorada, como por exemplo dormir. Aqui sou obrigado a discordar da abordagem, se no Apple Watch, e enquanto factor novidade, pode ser interessante, num telemóvel e mais ainda num tablet, este atributo transforma-se num problema porque a narrativa passa a controlar o tempo do jogador, fazendo-o sentir-se aprisionado, resultando em possível frustração. Ou seja, se enquanto jogador retiro tempo para me concentrar na obra, e depois esta não me permite a participação porque está em modo stand by, não existe realismo que salve a relação (o que fez sentir-me imensamente agradecido assim que o "fast mode" foi desbloqueado).
Nos últimos dois anos o género de ficção interativa (jogos em texto) não tem parado de aumentar, desde “Device 6” a “80 Days” passando pelo "The Writer Will Do Something" de que aqui falei recentemente, são muitos os artefactos que têm sido criados, mais ainda desde que foi lançada a ferramenta open-source Twine, que está também por detrás deste “Lifeline”.
A história de “Lifeline” não é propriamente inovadora, e apesar dum personagem rico peca por alguns eventos menos conseguidos, mas aquilo que a destaca das demais é a premissa interativa, o modo como a narração foi modelada para a criação de agência dramática. Ou seja, o facto de colocar o personagem ficcional numa situação de total isolamento, em que o jogador é o seu único contacto humano, colocando o âmbito ficcional do artefacto sob uma dependência do jogador extremamente credível e imersiva.
Em termos de interface podemos ficar com a ideia de que já vimos algo parecido, os chatbots, a diferença é que isto não é nenhum sistema de inteligência artificial tentando convencer-nos da sua humanidade, mas antes uma narrativa desenhada para nos convencer da existência de um espaço/tempo, convencer da ocorrência de um conjunto de eventos. O personagem com quem aqui interagimos não se limita a conversar connosco, está numa situação particular e tem objetivos que estão enredados por obstáculos, cabendo-nos oferecer apoio na sua ultrapassagem.
Deste modo temos um modelo narrativo capaz de desenvolver agência no plano existencial de cada jogador, porque no mundo ficcional em que participa continua a existir um protagonista que por sua vez se relaciona com o jogador no seu mundo real. Ou seja, o protagonista depende do jogador mas o jogador não assume o seu lugar, o que permite ao herói continuar a existir, exercendo a sua personalidade, discordando por exemplo das decisões do jogador. Assim conseguimos não apenas criar envolvimento com o mundo narrativo, mas convencer o jogador a assumir a sua participação real, não meramente projetada numa qualquer identidade, mas sendo ele mesmo.
"Lifeline" apresenta ainda um último atributo (ou defeito), em parte responsável pelo seu sucesso, que é o facto de ter sido desenhado para o Apple Watch. Assim sendo a interação com o jogo acontece fundamentalmente por via do sistema de notificação, ou seja, o facto de o jogo estabelecer o tempo como variável real, obriga a que jogador tenha de esperar pelas respostas do personagem sempre que este tem de realizar uma atividade mais demorada, como por exemplo dormir. Aqui sou obrigado a discordar da abordagem, se no Apple Watch, e enquanto factor novidade, pode ser interessante, num telemóvel e mais ainda num tablet, este atributo transforma-se num problema porque a narrativa passa a controlar o tempo do jogador, fazendo-o sentir-se aprisionado, resultando em possível frustração. Ou seja, se enquanto jogador retiro tempo para me concentrar na obra, e depois esta não me permite a participação porque está em modo stand by, não existe realismo que salve a relação (o que fez sentir-me imensamente agradecido assim que o "fast mode" foi desbloqueado).
janeiro 21, 2016
Performance de telas vivas
E se a Rapariga com Brinco de Pérola de Vermeer saísse do seu quadro para se encontrar com Van Gogh? Esta foi a premissa para a realização da instalação e performance “Double V: Van Gogh & Vermeer” por parte de um grupo de alunos do Instituto de Belas Artes da Universidade Libanesa, efetuada no âmbito de um festival de artes organizado pela Universidade.
O trabalho consistiu na criação de um espaço e colocação aí de dois atores, tudo pintado seguindo os princípios de cada uma das telas, por forma a criar uma performance ao vivo das representações dos quadros. Impressiona a qualidade da pintura dos espaços, mas mais ainda dos atores que apesar de se moverem mantêm a aura dos quadros, nomeadamente quando em determinadas posições face à câmara.
A obra tem uma enorme capacidade de criar estranheza e ao mesmo tempo deleite pela fruição do aspeto impressivo oriundo dos quadros apropriados conjugado com a animação do movimento vivo dos atores que se movem e nos olham. É impossível não nos fixarmos no filme, ver e rever e voltar a ver, e admirar-se com a forma como tudo se mantém tão próximo das telas originais. Todo o trabalho de construção de cenário, guarda-roupa, maquilhagem e claro pintura são absolutamente fascinantes, pelo detalhe e modo como nos levam sentir na presença dos originais.
O trabalho consistiu na criação de um espaço e colocação aí de dois atores, tudo pintado seguindo os princípios de cada uma das telas, por forma a criar uma performance ao vivo das representações dos quadros. Impressiona a qualidade da pintura dos espaços, mas mais ainda dos atores que apesar de se moverem mantêm a aura dos quadros, nomeadamente quando em determinadas posições face à câmara.
Estudantes da Universidade Libanesa: Zeinab Al Maaz, Shaza Abou Shakra, Tharwa Zeitoun, Aya Abu Hawash, Zeinab Ayash, Zainab Ayoub, Iffa Mseileb, Fatima Fneish, Mariam Kamaleddin e Mohmd Hussein Mistrah.
A obra tem uma enorme capacidade de criar estranheza e ao mesmo tempo deleite pela fruição do aspeto impressivo oriundo dos quadros apropriados conjugado com a animação do movimento vivo dos atores que se movem e nos olham. É impossível não nos fixarmos no filme, ver e rever e voltar a ver, e admirar-se com a forma como tudo se mantém tão próximo das telas originais. Todo o trabalho de construção de cenário, guarda-roupa, maquilhagem e claro pintura são absolutamente fascinantes, pelo detalhe e modo como nos levam sentir na presença dos originais.
“Double V: Van Gogh & Vermeer”, Novembro 2015, Líbano
janeiro 18, 2016
A última lição de Bowie (a morte criativa)
Acabo de ouvir, pela primeira vez completo, “Blackstar” (2016) e não consigo conter em mim todas as ideias que me surgem na interpretação do álbum, agora que ele já não está entre nós, nomeadamente sabendo que ele sabia no momento da sua criação que os seus dias estavam a terminar. Este álbum é o fecho do seu legado, mas mais do que isso é uma enorme fonte de inspiração.
Era miúdo nos anos 1980 quando ouvi e vi pela primeira vez Bowie na televisão, o impacto não foi grande, era apenas mais uma estrela pop do momento, cabelo loiro espetado tal como tantos outros. Foi mais perto do final dessa década que vi pela primeira vez “Christiane F.” (1981) e assim enquanto descobria os efeitos da droga que alimentava a vida noturna de Berlim, descobria também verdadeiramente Bowie com “Heroes” (1977). Desde então nunca mais deixei de o associar a este momento, a esta música, mas mais do que isso passou a fazer parte da minha paisagem cinematográfica, pois foram tantas as vezes que ele voltou a surgir para marcar essa arte, nomeadamente voltaria a conseguir o mesmo feito em mim, com "I'm Deranged" (1995) em “Lost Highway” (1997) de David Lynch.
Por sinal ao ver agora o teledisco “Blackstar” de 10 minutos não consegui deixar de o ligar a “Lost Highway”, tanto pela estética visual e sonora, como pelo surrealismo que impregna a mensagem e nos obriga a trabalhar na interpretação. Todo o álbum é profundamente cinemático, como se Bowie estivesse não apenas a compor música, mas antes um contínuo audiovisual na sua cabeça, sobre tudo aquilo que nos queria dizer antes de partir.
Quando Kornhaber tentava interpretar Blackstar para a revista The Atlantic, dois dias antes de Bowie morrer, as ideias que lhe surgiam, ainda livres do condicionamento da sua morte, eram bem clarividentes da mensagem de Bowie contida no álbum:
Mas é mais, esta obra é uma homenagem a todos aqueles que sofrem desta doença, que a combatem todos os dias, é uma réstia de uma estrela que brilha e nos diz que o avistamento da morte não deve ser razão para fugir da sociedade. O cancro não é com certeza uma morte fácil e indolor, mas é a única, tal como disse Richard Smith que nos dá tempo para nos prepararmos, e foi por isso que este a considerou “a melhor morte”. Saber que vamos morrer em breve, pode debilitar a motivação e energia, mas se nos agarrarmos a esta ideia de que temos o tempo marcado, poderemos tentar fazer desses últimos dias o melhor que pudermos, dificilmente para nós, mas para quem fica. E nesse sentido Bowie mostrou como — fazendo, construindo, criando.
Era miúdo nos anos 1980 quando ouvi e vi pela primeira vez Bowie na televisão, o impacto não foi grande, era apenas mais uma estrela pop do momento, cabelo loiro espetado tal como tantos outros. Foi mais perto do final dessa década que vi pela primeira vez “Christiane F.” (1981) e assim enquanto descobria os efeitos da droga que alimentava a vida noturna de Berlim, descobria também verdadeiramente Bowie com “Heroes” (1977). Desde então nunca mais deixei de o associar a este momento, a esta música, mas mais do que isso passou a fazer parte da minha paisagem cinematográfica, pois foram tantas as vezes que ele voltou a surgir para marcar essa arte, nomeadamente voltaria a conseguir o mesmo feito em mim, com "I'm Deranged" (1995) em “Lost Highway” (1997) de David Lynch.
Por sinal ao ver agora o teledisco “Blackstar” de 10 minutos não consegui deixar de o ligar a “Lost Highway”, tanto pela estética visual e sonora, como pelo surrealismo que impregna a mensagem e nos obriga a trabalhar na interpretação. Todo o álbum é profundamente cinemático, como se Bowie estivesse não apenas a compor música, mas antes um contínuo audiovisual na sua cabeça, sobre tudo aquilo que nos queria dizer antes de partir.
Quando Kornhaber tentava interpretar Blackstar para a revista The Atlantic, dois dias antes de Bowie morrer, as ideias que lhe surgiam, ainda livres do condicionamento da sua morte, eram bem clarividentes da mensagem de Bowie contida no álbum:
“a (..) voice in the background squeals “I’m a blackstar” and modulations on it: “I’m not a filmstar,” “I’m not a marvel star,” “I’m not a pop star.” There’s also this: “You’re a flash in the pan / I’m the great I Am.” To whatever extent these lyrics can be summarized, they are about worship, ambition, and ascendance — and, more than anything, the allure and power of being “at the center of it all”.Ao ouvir Blackstar senti muito daquilo aqui expresso por Kornhaber, nomeadamente não conseguia deixar de ver Bowie como a blackstar, uma estrela em fim de vida, que brilhou intensamente, que deu tudo o que tinha para dar, e agora tinha chegado o momento de se extinguir. Como nos diz na última música de Blackstar, "I Can't Give Everything Away":
To me, it’s the sound of someone gaining significance by insisting upon their significance; someone hungering to be above, unique, and immortal; someone awing the rest of mankind by standing apart from it. It’s about ego, and about how indulging one’s ego can, paradoxically, inspire others to forget their own. (..)
Could the celestial body of the title be the same force that has animated a career as extreme, as willful, as self-directed, and as influential as the one he has led? Alternately, is he himself the blackstar? (..)
Again and again on Blackstar, Bowie sings as someone whose achievements have wowed mankind while separating him from it, and who regards that separation with a mixture of pride and pain.”
“I can't give everythingE no meio de tudo isto não consegui deixar de pensar: como foi possível? Alguém em fim de vida, passando 18 meses com o cancro, sabendo que ia morrer, em modo totalmente terminal, ter investido toda a sua última réstia de energia para construir mais um álbum, o 25º. O que o movia a fazer mais um? O que buscava? Acredito que era a sua necessidade intrínseca de comunicar, de se juntar a nós, e a única forma de o fazer bem, a forma que melhor conhecia era compondo e cantando. Quando se diz que escondeu a doença que não quis dizer a ninguém, não me parece, Bowie optou por dizê-lo através da sua música, não se escondeu. Blackstar é uma homenagem à sua arte, mas foi a sua forma de nos dizer que tinha chegado o momento, e que não desejava esconder-se, definhar, mas antes brilhar até ao final, ser uma estrela que só se extingue quando o último raio brilha.
Away
Seeing more and feeling less
Saying no but meaning yes
This is all I ever meant
That's the message that I sent”
Mas é mais, esta obra é uma homenagem a todos aqueles que sofrem desta doença, que a combatem todos os dias, é uma réstia de uma estrela que brilha e nos diz que o avistamento da morte não deve ser razão para fugir da sociedade. O cancro não é com certeza uma morte fácil e indolor, mas é a única, tal como disse Richard Smith que nos dá tempo para nos prepararmos, e foi por isso que este a considerou “a melhor morte”. Saber que vamos morrer em breve, pode debilitar a motivação e energia, mas se nos agarrarmos a esta ideia de que temos o tempo marcado, poderemos tentar fazer desses últimos dias o melhor que pudermos, dificilmente para nós, mas para quem fica. E nesse sentido Bowie mostrou como — fazendo, construindo, criando.
janeiro 16, 2016
"Habibi", criatividade épica
Craig Thompson está no meu Top 10 de sempre com "Blankets", por isso seria difícil superar-se, mesmo que para tal tenha investido sete anos de trabalho, e tenha construído uma banda desenhada de quase 700 páginas em que cada página parece uma tela. Ainda assim “Habibi” é um épico, porque nos conta uma história na senda de "As Mil e Uma Noites" envolvida por uma arte que obedeceria aos mais requintados requisitos dum sultão.
A narrativa centra-se nas arábias, seguindo nós duas crianças até à idade adulta, uma menina vendida para poder alimentar a sua família e um menino negro órfão, que se encontram e iniciam uma amizade eterna, num barco abandonado no meio de um deserto. O desenvolvimento das suas histórias vai focar-se sobre a sobrevivência humana, nomeadamente sobre as necessidades básicas do ser humano — comida, sexo, e segurança. Se a menina sofre fisicamente pela volúpia dos homens, o menino sofre mentalmente os efeitos dessa volúpia. O seu crescimento dá-nos o desenvolvimento da história que leva ambos a atravessar uma cordilheira de flagelos, que acaba por tornar o livro duro, por vezes doloroso, até roçar o insuportável.
Existe alguma crítica feita a Thompson, e que já tinha surgido com Blankets, com a forma como este lida com o sexo, uma espécie de culpa ou sofreguidão parece persegui-lo, no modo como este o descreve como a fonte de todos os males. Em Habibi isto é bastante mais forte, e se posso perceber essa crítica, percebo ainda melhor Thompson porque acho que aquilo que me aproximou tanto de Blankets foi exatamente essa sua visão peculiar do mundo, com a qual me identifico tanto. Aqui vai muito mais longe, mas o facto de o fazer numa realidade distante diminui em parte a negridão discursiva, porque lhe confere um certo traço de exageradamente específico da fantasia. A questão sexual não é apenas aqui trabalhada enquanto necessidade básica da espécie, Thompson serve-se dela para discutir todo um conjunto de outras questões que vão desde a religião, nomeadamente procurando juntar o Islamismo e o Cristianismo por via das parábolas do Corão e da Bíblia, aos efeitos do capitalismo, das suas lógicas de sobrevivência, da oferta-procura ao exagero do consumo e seus efeitos no planeta.
Até aqui temos tudo aquilo que deveria fazer deste livro mais uma obra-prima, e assim seria não ocorressem vários problemas ao longo do livro, desde logo a extensão que se torna injustificada dada a repetição temática ao longo da narrativa, nomeadamente a repetição dos aspetos sexuais e religiosos que à medida que vão surgindo vão desgastando a nossa aceitação. Contudo o maior problema para mim surge do lado das indefinições de espaço e tempo, que acabam por não solidificar a argumentação. Percebo que ao criar um tempo em que as arábias medievais se cruzam com o industrialismo do século XX, estava a tentar desenhar um mundo fábula, sem fixação no real, contudo e em conjunto com as parábolas religiosas que vão surgindo, acaba por tornar tudo não só difuso mas confuso, perdendo em credibilidade narrativa. Provavelmente esta confusão que se gera advém mais pelo lado simbólico que suporta a narrativa central, mas ao qual só podemos chegar detendo o background correcto, que não é o meu caso. Falo das questões existenciais religiosas à volta do grande conceito dos 7 Céus que funciona como camadas de significado da nossa existência, e que o livro refere sem explicar, assumindo que o leitor já conhece.
O conceito é referido por Thompson em entrevista como base estrutural da narrativa, mas apesar de perceber o objetivo, nada me move a ir em busca da sua definição, ou da tentativa de compreender em maior profundidade o alcance do seu simbolismo. Poderia com esse conhecimento chegar a uma compreensão mais completa das intenções de Thompson, mas uma conceptualização do mundo que é pura mitologia, sem qualquer base de sustentabilidade científica, não é capaz de gerar em mim qualquer curiosidade para ir atrás e tentar saber mais.
Em suma Habibi é um portentoso trabalho de arte gráfica que luxuosamente serve uma história de contornos épicos, profundamente investigada e caracterizada, que vale a pena ser experienciada, ainda que carregue alguns excessos de simbolismo e flagelo humano.
Existe alguma crítica feita a Thompson, e que já tinha surgido com Blankets, com a forma como este lida com o sexo, uma espécie de culpa ou sofreguidão parece persegui-lo, no modo como este o descreve como a fonte de todos os males. Em Habibi isto é bastante mais forte, e se posso perceber essa crítica, percebo ainda melhor Thompson porque acho que aquilo que me aproximou tanto de Blankets foi exatamente essa sua visão peculiar do mundo, com a qual me identifico tanto. Aqui vai muito mais longe, mas o facto de o fazer numa realidade distante diminui em parte a negridão discursiva, porque lhe confere um certo traço de exageradamente específico da fantasia. A questão sexual não é apenas aqui trabalhada enquanto necessidade básica da espécie, Thompson serve-se dela para discutir todo um conjunto de outras questões que vão desde a religião, nomeadamente procurando juntar o Islamismo e o Cristianismo por via das parábolas do Corão e da Bíblia, aos efeitos do capitalismo, das suas lógicas de sobrevivência, da oferta-procura ao exagero do consumo e seus efeitos no planeta.
O que Thompson nos diz neste quadro está intimamente ligado ao que discutia há umas semanas atrás num texto para o IGN sobre as Preferências Sexuais do Entretrenimento
O conceito é referido por Thompson em entrevista como base estrutural da narrativa, mas apesar de perceber o objetivo, nada me move a ir em busca da sua definição, ou da tentativa de compreender em maior profundidade o alcance do seu simbolismo. Poderia com esse conhecimento chegar a uma compreensão mais completa das intenções de Thompson, mas uma conceptualização do mundo que é pura mitologia, sem qualquer base de sustentabilidade científica, não é capaz de gerar em mim qualquer curiosidade para ir atrás e tentar saber mais.
Em suma Habibi é um portentoso trabalho de arte gráfica que luxuosamente serve uma história de contornos épicos, profundamente investigada e caracterizada, que vale a pena ser experienciada, ainda que carregue alguns excessos de simbolismo e flagelo humano.
janeiro 15, 2016
"Information Doesn't Want to Be Free: Laws for the Internet Age"
Cory Doctorow é sobejamente conhecido pela sua luta contra o copyright, com formação em tecnologia e editor de um dos blogs internacionais mais influentes — Boing Boing — assim como com vários livros publicados, muitos de forma independente, é uma pessoa com uma visão alargada do estado do copyright assim como das tecnologias que dão vida à atual web. Este seu novo livro surge num tom bastante retórico sustentado pela sua experiência pessoal, acumulada ao longo das últimas duas décadas.
Do lado positivo, além da sua experiência e amplo envolvimento no debate internacional, o livro vem carregado de analogias que nos permitem facilmente ganhar uma compreensão do que está em causa em toda esta discussão. O cerne do seu argumento não se foca na abolição do copyright, de todo, antes na proposta de uma nova regulação para o mesmo, estando o verdadeiro problema, para Doctorow na grande indústria de entretenimento. Doctorow ataca sem dó nem piedade tudo o que ela representa desde a música, cinema às editoras livreiras.
Diga-se que o foco é bem definido e sustentado, se fossemos aceitar tudo o que essa grande indústria deseja, viveríamos hoje debaixo de uma autêntica ditadura, totalmente amordaçados, tudo em nome de algo que nunca foi consagrado na lei do copyright. É contra isto que Doctorow se move, e toda a sua argumentação está cheia de casos recentes que conferem enorme força à sua luta, e digo mesmo que era bom que fosse ouvido.
O problema é que o livro acaba por sofrer desta abordagem, de pura retórica, mais tipo TED Talk ou post de blog, estendidos num livro, sem metodologia de fundo que sustente toda a argumentação, acabando por surgir caso a caso, mais anedotário do que cientificamente sustentado, conferindo-lhe assim baixa credibilidade. Doctorow mete os pés pelas mãos ao misturar assuntos imensamente mais complexos — banca, terrorismo, pedofilia — do que aquilo que a indústria de entretenimento anda a tentar fazer com o PIPA, a SOPA ou a ACTA. Doctorow tenta tocar em tudo aquilo que a internet toca, e ao fazê-lo perde-se, porque apesar de eu concordar com o facto de esta ser o sistema nervoso da sociedade contemporânea, isso não quer dizer que não tenha de existir regulação, como ele próprio acaba por admitir por entre frases ao longo do livro.
Por outro lado, e talvez por ser um discurso sentido e quase confessional com o leitor, que se espera serem os novos criadores, Doctorow acaba fazendo um discurso muito relevante para todos aqueles que pretendam entrar no mercado da cultura criativa. Sempre que apresenta alguma coisa boa que a internet pode fazer pelo artista independente, nunca se esquece de apresentar o reverso da medalha, explicitando bastante bem os problemas, as armadilhas, mas sem deixar de incentivar sempre à criação. Aliás, o modo como termina o livro vai exatamente nesse sentido quando diz simplesmente:
Do lado positivo, além da sua experiência e amplo envolvimento no debate internacional, o livro vem carregado de analogias que nos permitem facilmente ganhar uma compreensão do que está em causa em toda esta discussão. O cerne do seu argumento não se foca na abolição do copyright, de todo, antes na proposta de uma nova regulação para o mesmo, estando o verdadeiro problema, para Doctorow na grande indústria de entretenimento. Doctorow ataca sem dó nem piedade tudo o que ela representa desde a música, cinema às editoras livreiras.
Diga-se que o foco é bem definido e sustentado, se fossemos aceitar tudo o que essa grande indústria deseja, viveríamos hoje debaixo de uma autêntica ditadura, totalmente amordaçados, tudo em nome de algo que nunca foi consagrado na lei do copyright. É contra isto que Doctorow se move, e toda a sua argumentação está cheia de casos recentes que conferem enorme força à sua luta, e digo mesmo que era bom que fosse ouvido.
O problema é que o livro acaba por sofrer desta abordagem, de pura retórica, mais tipo TED Talk ou post de blog, estendidos num livro, sem metodologia de fundo que sustente toda a argumentação, acabando por surgir caso a caso, mais anedotário do que cientificamente sustentado, conferindo-lhe assim baixa credibilidade. Doctorow mete os pés pelas mãos ao misturar assuntos imensamente mais complexos — banca, terrorismo, pedofilia — do que aquilo que a indústria de entretenimento anda a tentar fazer com o PIPA, a SOPA ou a ACTA. Doctorow tenta tocar em tudo aquilo que a internet toca, e ao fazê-lo perde-se, porque apesar de eu concordar com o facto de esta ser o sistema nervoso da sociedade contemporânea, isso não quer dizer que não tenha de existir regulação, como ele próprio acaba por admitir por entre frases ao longo do livro.
Por outro lado, e talvez por ser um discurso sentido e quase confessional com o leitor, que se espera serem os novos criadores, Doctorow acaba fazendo um discurso muito relevante para todos aqueles que pretendam entrar no mercado da cultura criativa. Sempre que apresenta alguma coisa boa que a internet pode fazer pelo artista independente, nunca se esquece de apresentar o reverso da medalha, explicitando bastante bem os problemas, as armadilhas, mas sem deixar de incentivar sempre à criação. Aliás, o modo como termina o livro vai exatamente nesse sentido quando diz simplesmente:
“If I have to choose between twenty hours’ worth of blockbusters every summer and sixty hours of “personal” video every second on YouTube, I’ll choose the latter (..) I think we can tell a good copyright system from a bad one by what kind of work gets made under its rules. A bad copyright system has fewer creators making fewer types of work, enjoyed by fewer people. A good copyright system is one that enables the largest diversity of creators making the largest diversity of works to please the largest diversity of audiences.”
janeiro 13, 2016
O longo caminho criativo
Adam Westbrook voltou ao tema com que lançou o seu projeto Delve Video Essays em 2014, o longo caminho dos criativos, com a terceira parte do ensaio "The Long Game" dedicada a Vincent Van Gogh. Para recordar vale a pena reverem a Parte 1 e Parte 2, focadas em Da Vinci.
Desta vez Adam confronta o momento atual em que vivemos rodeados de métricas de feedback, nomeadamente as ferramentas sociais e os seus números de "likes", "views", "comments", "reshares", etc., e um tempo em que Van Gogh durante 10 anos teve como único interlocutor e audiência, o seu irmão Theo. Daí que nos questione:
No fundo esta é uma mensagem que conhecemos, que estamos cansados de ouvir, mas que pelo confronto diário com as métricas da popularidade, temos tendência a esquecer, a deixar-nos levar pelo imediatismo do que vemos na televisão, no cinema ou no Youtube, a fama imediata. A arte, o amor pela arte, nunca se coadonou com tal, e continua a funcionar como cola fundamental da manutenção da intenção do artista de subir às maiores montanhas para chegar ao destino almejado.
Desta vez Adam confronta o momento atual em que vivemos rodeados de métricas de feedback, nomeadamente as ferramentas sociais e os seus números de "likes", "views", "comments", "reshares", etc., e um tempo em que Van Gogh durante 10 anos teve como único interlocutor e audiência, o seu irmão Theo. Daí que nos questione:
"In a world obsessed with popularity would we do our work regardless of the consequences? Would we still make our art, even if nobody is watching?"Ao longo do ensaio vários conceitos da psicologia são repescados para dar explicação destes processos, em particular o "flow" que Adam usa para sustentar a motivação intrínseca de Van Gogh, o que sabe a pouco, e ficaria melhor servido com a "teoria da autodeterminação" de Deci. Por outro lado aquilo em que mais refleti ao ver este ensaio, para além da motivação intrínseca, foi a faceta de enorme persistência, um claro traço de personalidade que nos últimos tem vindo a ganhar relevo nos estudos de educação, "grit", uma espécie de faceta dotada de: resilência, aspereza, ambição e busca por resultados. Passar 10 anos na pobreza, a viver em casa dos pais, sem ninguém a quem mostrar o trabalho que se vai desenvolvendo, requer um compromisso consigo mesmo praticamente insustentável, uma perseverança e obstinação inquantificáveis.
"Painting in the Dark: The Struggle for Art in A World Obsessed with Popularity" (2016) da série The Long Game, Part 3, por Adam Wetbrook
No fundo esta é uma mensagem que conhecemos, que estamos cansados de ouvir, mas que pelo confronto diário com as métricas da popularidade, temos tendência a esquecer, a deixar-nos levar pelo imediatismo do que vemos na televisão, no cinema ou no Youtube, a fama imediata. A arte, o amor pela arte, nunca se coadonou com tal, e continua a funcionar como cola fundamental da manutenção da intenção do artista de subir às maiores montanhas para chegar ao destino almejado.
janeiro 12, 2016
Da visceralidade da tinta a óleo
A materialidade da pintura plastificada pela macro cinematográfica. "Tone" é um pequeno filme de Trent Jaklitsch, no qual parece estar à procura de um acesso à essência da pintura por via de grandes planos da forma e dinâmica dos óleos. A momentos parece desejar penetrar a tinta, agarrar e plasmar através da objetiva para nos dar a sentir numa montagem imensamente dinâmica envolvida por uma música eletrónica que lhe confere o ritmo perfeito.
O efeito é simplesmente hipnotizante. Depois do vídeo vale a pena uma visita a Alyssa Monks.
O efeito é simplesmente hipnotizante. Depois do vídeo vale a pena uma visita a Alyssa Monks.
"Tone" (2015) de Trent Jaklitsch
janeiro 10, 2016
O escritor desenrasca qualquer coisa
Se quiserem saber como decorrem as reuniões de trabalho durante a produção de um videojogo AAA (embora sirva de exemplo para reuniões de trabalho em múltiplos outros contextos), recomendo vivamente que experienciem a ficção interativa "The Writer Will Do Something" (2015).
É um artefacto simples, mais focado no relato do que na participação do leitor, ou seja os aspectos de agência são um tanto descurados, e se podemos por vezes sentir que somos ouvidos, nas poucas vezes que somos chamados a decidir, o efeito sobre o progresso narrativo é reduzido. Ainda assim, vale pelo conteúdo do relato, pelo modo como dá conta do vazio de que são feitas tantas reuniões de alto-nível, quando não se sabe propriamente o que se está a tentar fazer, porque já tudo saiu do controlo dos envolvidos.
Talvez, e aqui já sou eu em regime de interpretação do artefacto, os autores tenham desejado fazer-nos sentir alguma da importância do escritor nestas reuniões, do modo como não é ouvido, como procura a maior parte do tempo responder afirmativamente aos desejos de cada um dos responsáveis, para no final se ver como bode expiatório. Não sei se foi pensado assim, mas se o foi, é de génio, já que é isto que acabo por sentir no final por falta de mais agência.
Criado no Twine por Tom Bissel e Matthew S. Burns, ambos com experiência de escrita e produção em vários jogos AAA. Já aqui referenciei várias vezes Bissel, mais recentemente a propósito do seu livro "Extra Lives". Para quem não sabe o que é o Twine, é uma ferramenta open-source de criação rápida de ficção interativa, altamente recomendada para todos os que desejam iniciar-se na exploração da escrita interativa.
Experienciar "The Writer Will Do Something"
"The year is 2012. You are the lead writer for the third game in the wildly popular ShatterGate™ franchise. Expectations are through the roof: fans of the series are waiting for the biggest, most bad-ass entry in the series yet, and your publisher is expecting the best-selling title in its history. But the game's development hasn't gone as smoothly as planned. One morning, just a couple months before E3 and six months before ship, an emergency meeting is called..."
É um artefacto simples, mais focado no relato do que na participação do leitor, ou seja os aspectos de agência são um tanto descurados, e se podemos por vezes sentir que somos ouvidos, nas poucas vezes que somos chamados a decidir, o efeito sobre o progresso narrativo é reduzido. Ainda assim, vale pelo conteúdo do relato, pelo modo como dá conta do vazio de que são feitas tantas reuniões de alto-nível, quando não se sabe propriamente o que se está a tentar fazer, porque já tudo saiu do controlo dos envolvidos.
Talvez, e aqui já sou eu em regime de interpretação do artefacto, os autores tenham desejado fazer-nos sentir alguma da importância do escritor nestas reuniões, do modo como não é ouvido, como procura a maior parte do tempo responder afirmativamente aos desejos de cada um dos responsáveis, para no final se ver como bode expiatório. Não sei se foi pensado assim, mas se o foi, é de génio, já que é isto que acabo por sentir no final por falta de mais agência.
Criado no Twine por Tom Bissel e Matthew S. Burns, ambos com experiência de escrita e produção em vários jogos AAA. Já aqui referenciei várias vezes Bissel, mais recentemente a propósito do seu livro "Extra Lives". Para quem não sabe o que é o Twine, é uma ferramenta open-source de criação rápida de ficção interativa, altamente recomendada para todos os que desejam iniciar-se na exploração da escrita interativa.
Experienciar "The Writer Will Do Something"
Até ser mau demais...
“Until Dawn” é o típico jogo-filme, na senda de “Heavy Rain” (2010), um objeto quase-cinematográfico servido por um conjunto de escolhas dramáticas, às quais se acopla esparsamente alguma navegação e alguns “quick time events”, sendo que a jogabilidade se foca nas lógicas da estrutura narrativa. Até aqui tudo dentro do género, e para quem não gosta do mesmo o melhor será escolher outro género de jogo, mas para quem como eu adora, “Until Dawn” deixa imenso a desejar, talvez menos pela jogabilidade narrativa, e mais por tudo aquilo que a suporta.
Ou seja, o grande problema está no vazio dramático, uma história focada no decalcar do típico cinema de horror teenager, que apesar de constituído por muito lixo, tem bons títulos, tais como “Scream” (1996), “Final Destination” (2000), “The Cabin In The Woods” (2012) ou exemplos mais pesados, mas ainda assim focados em grupos de jovens, “Hostel” (2005), “Frontier(s)” (2007) ou até o mais recente “It Follows” (2015). Talvez “Until Dawn” tenha procurado ir mais no sentido de um “Evil Dead” (1981) ou de um “A Nightmare on Elm Street” (1985), ao qual tentou colar um pouco de “The Butterly Effect” (2004), mas o seu grande problema é mesmo originalidade, ou seja ausência de criatividade. Não existe aqui nada, absolutamente nada de novo a acrescentar ao género.
Sim, não é um filme, e poderia estar a inovar no seio dos videojogos, mas não chega, esperava-se mais, muito mais. No final o que vemos é apenas uma brincadeira interativa, uma espécie de artefacto que serve apenas o propósito de experimentar com a interatividade, nada mais. Ou seja, a história é profundamente básica, com clichés aos molhos, não conseguindo nunca surpreender-nos, ou sequer fazer-nos questionar, “o que irá acontecer a seguir?”, tal o enfado.
A juntar a um enredo fraquíssimo, como seria de esperar os personagens, que não são o forte do género, estão completamente ausentes. Como não há um bom enredo, e os personagens neste género são invariavelmente peões, fica-se sem nada. Como se não bastasse, a machadada final advém pela brincadeira com a agência, que na ânsia por sustentar a diferença face ao cinema, nos coloca no controlo de todos os personagens principais, indiferenciando-os ainda mais, tornando impossível qualquer construção de empatia, simpatia ou antipatia com o grupo. Sim posso fazer escolhas, até posso de certo modo escolher o destino de cada um deles, que é o no fundo o que seria o forte desta proposta, mas pergunto, se não sinto nada por nenhum deles que me interessa os seus destinos?
Na estética, apesar dos ambientes bem construídos, seguindo todas as lógicas do horror cinematográfico, a tradução para ambiente interativo falha completamente, já que de tão obcecados com os artifícios audiovisuais do cinema, se esquecem completamente dos artifícios próprios dos videojogos para criar horror. Sendo o pior a cinematografia em conjunto com a navegação. Percebe-se o que pretendiam, mas falham em toda a linha. Ou seja, temos uma câmara estática e uma navegação rígida, que deveria conduzir à emoção de medo. A nossa incapacidade de poder mover a câmara, a incapacidade de mover rapidamente os personagens, tudo é dirigido para uma resposta emocional de medo, mas acaba por em sua vez fazer surgir a frustração e o aborrecimento.
A título de exemplo, é horrível ver a câmara ficar parada enquanto me movo no espaço em profundidade, por mais que deseje manter-me atento ao personagem e ao que lhe pode acontecer, só consigo focar-me no facto de o jogo não me aproximar do mesmo, sentir-me irritado e não com medo, não funciona, e é por isso que o género “survival horror” abandonou estas técnicas, existem tantas outras que o género possui muito mais eficientes.
“Until Dawn” é provavelmente um dos primeiros jogos que me obrigo a levar até ao fim só para justificar o dinheiro que me custou, tão chateado estava comigo próprio de não ter conseguido interpretar as críticas que li a respeito do mesmo. A demonstrar claramente que não basta tentar uma formula diferente, se não houver nada de novo para dizer mais vale ficar calado.
Ou seja, o grande problema está no vazio dramático, uma história focada no decalcar do típico cinema de horror teenager, que apesar de constituído por muito lixo, tem bons títulos, tais como “Scream” (1996), “Final Destination” (2000), “The Cabin In The Woods” (2012) ou exemplos mais pesados, mas ainda assim focados em grupos de jovens, “Hostel” (2005), “Frontier(s)” (2007) ou até o mais recente “It Follows” (2015). Talvez “Until Dawn” tenha procurado ir mais no sentido de um “Evil Dead” (1981) ou de um “A Nightmare on Elm Street” (1985), ao qual tentou colar um pouco de “The Butterly Effect” (2004), mas o seu grande problema é mesmo originalidade, ou seja ausência de criatividade. Não existe aqui nada, absolutamente nada de novo a acrescentar ao género.
Sim, não é um filme, e poderia estar a inovar no seio dos videojogos, mas não chega, esperava-se mais, muito mais. No final o que vemos é apenas uma brincadeira interativa, uma espécie de artefacto que serve apenas o propósito de experimentar com a interatividade, nada mais. Ou seja, a história é profundamente básica, com clichés aos molhos, não conseguindo nunca surpreender-nos, ou sequer fazer-nos questionar, “o que irá acontecer a seguir?”, tal o enfado.
A juntar a um enredo fraquíssimo, como seria de esperar os personagens, que não são o forte do género, estão completamente ausentes. Como não há um bom enredo, e os personagens neste género são invariavelmente peões, fica-se sem nada. Como se não bastasse, a machadada final advém pela brincadeira com a agência, que na ânsia por sustentar a diferença face ao cinema, nos coloca no controlo de todos os personagens principais, indiferenciando-os ainda mais, tornando impossível qualquer construção de empatia, simpatia ou antipatia com o grupo. Sim posso fazer escolhas, até posso de certo modo escolher o destino de cada um deles, que é o no fundo o que seria o forte desta proposta, mas pergunto, se não sinto nada por nenhum deles que me interessa os seus destinos?
Na estética, apesar dos ambientes bem construídos, seguindo todas as lógicas do horror cinematográfico, a tradução para ambiente interativo falha completamente, já que de tão obcecados com os artifícios audiovisuais do cinema, se esquecem completamente dos artifícios próprios dos videojogos para criar horror. Sendo o pior a cinematografia em conjunto com a navegação. Percebe-se o que pretendiam, mas falham em toda a linha. Ou seja, temos uma câmara estática e uma navegação rígida, que deveria conduzir à emoção de medo. A nossa incapacidade de poder mover a câmara, a incapacidade de mover rapidamente os personagens, tudo é dirigido para uma resposta emocional de medo, mas acaba por em sua vez fazer surgir a frustração e o aborrecimento.
A título de exemplo, é horrível ver a câmara ficar parada enquanto me movo no espaço em profundidade, por mais que deseje manter-me atento ao personagem e ao que lhe pode acontecer, só consigo focar-me no facto de o jogo não me aproximar do mesmo, sentir-me irritado e não com medo, não funciona, e é por isso que o género “survival horror” abandonou estas técnicas, existem tantas outras que o género possui muito mais eficientes.
“Until Dawn” é provavelmente um dos primeiros jogos que me obrigo a levar até ao fim só para justificar o dinheiro que me custou, tão chateado estava comigo próprio de não ter conseguido interpretar as críticas que li a respeito do mesmo. A demonstrar claramente que não basta tentar uma formula diferente, se não houver nada de novo para dizer mais vale ficar calado.