março 31, 2012
Porque o Kickstarter não resolve tudo
Moving Takahashi (2012) é uma curta metragem financiada pelo sistema de crowdfunding Kickstarter. Os autores pediram $17,500 e conseguiram $24,944, ou seja, mais um sucesso para o crowdfunding. Mas se trago aqui este projecto não é por ter sido financiado com sucesso mas é antes porque este demonstra alguns dos problemas deste sistema.
Vendo a página do Kickstarter do projecto, lendo a sinopse, e vendo o trailer de três minutos, ficamos totalmente apanhados pela história, pelos propósitos da equipa, e muito facilmente acreditamos que este é um projecto que tem tudo para dar certo.
A questão é que depois aquilo que vemos surgir na curta tem muito pouco a ver com aquilo que nos foi prometido. Ou seja, em termos de linguagem formal só posso dizer maravilhas do filme, nomeadamente a luz e a cinematografia. Mas tudo o resto é bastante fraquinho, isto claramente pensando em tudo aquilo que nos foi dito para nos convencer a financiar o filme. Começando pelos actores, passando pelos diálogos e terminando no simples facto de que existe uma total inabilidade para dramatizar as questões, de comunicar de forma expressiva o que está aqui em causa. O trailer do Kickstarter fala-nos da paixão pelo storytelling, mas aqui a única coisa que vemos é a paixão pela execução técnica, nada mais.
Assim sendo resta-me constatar que um sistema como o Kickstarter está longe de ser infalível, e até mesmo o ideal. Porque não existindo editores, curadores, críticos no meio do processo que possam ajudar a separar o trigo do joio, será sempre muito difícil para o público em geral perceber o que é que vale a pena financiar. E neste caso tenho ainda a registar que foi muito injusto para quem quis apoiar a produção, terem colocado a fasquia tão alta. Ou seja, foi preciso pagar o equivalente a dois bilhetes de cinema para poder contribuir para o projecto, o que é em meu entender um exagero.
Vendo a página do Kickstarter do projecto, lendo a sinopse, e vendo o trailer de três minutos, ficamos totalmente apanhados pela história, pelos propósitos da equipa, e muito facilmente acreditamos que este é um projecto que tem tudo para dar certo.
Trailer do projecto para financiamento no Kickstarter
Assim sendo resta-me constatar que um sistema como o Kickstarter está longe de ser infalível, e até mesmo o ideal. Porque não existindo editores, curadores, críticos no meio do processo que possam ajudar a separar o trigo do joio, será sempre muito difícil para o público em geral perceber o que é que vale a pena financiar. E neste caso tenho ainda a registar que foi muito injusto para quem quis apoiar a produção, terem colocado a fasquia tão alta. Ou seja, foi preciso pagar o equivalente a dois bilhetes de cinema para poder contribuir para o projecto, o que é em meu entender um exagero.
Unmanned (2012), a ideologia do esvaziamento
Mais um interessante jogo da La Molleindustria com um olhar crítico sobre os contornos da política de guerra americana. Unmanned (2012) permite-nos participar da vida de um controlador de UAVs, e experienciar o que realmente se passa por detrás de um UAV.
O jogo possui um tom cómico, mas por debaixo dessa capa existe todo um olhar sobre a ideologia vigente no modo como as estruturas sociais americanas funcionam e como estas olham para a guerra à distância. O UAV aqui é apenas uma forma de nos levar mais próximo de algo que já acontece com a televisão e até com algum cinema e videojogos nos quais se tenta passar constantemente aquela ideia dos bons contra os maus. Do eixo do mal. Mas que funciona como um discurso que distancia a sociedade do cerne do problema, que é o facto de existirem seres humanos do outro lado.
O jogo demonstra muito claramente o total desprendimento dessa questão, e o nome do jogo acaba por funcionar como uma brilhante metáfora, já não é apenas o veículo aéreo que é desprovido de um homem ao controlo (unmanned), mas é a própria sociedade que se colocou em piloto automático, e se esvaziou de humanidade, passou ela própria a funcionar como unmmanned. É uma constatação muito dura, e impressiona ver como um simples jogo pode ir tão longe na discussão de um tema tão complexo.
Em termos de gameplay o jogo está muito bem conseguido porque as estruturas de diálogo estão perfeitamente estruturadas com a atmosfera criada tanto pelo character design como pela música. A ideia do split-screen é também muito interessante porque desenvolve alguma tensão no gameplay, a ideia de manter o jogador ocupado a realizar pequenas tarefas, ainda que simples, ajuda a interiorizar o que está aqui em questão.
O jogo possui um tom cómico, mas por debaixo dessa capa existe todo um olhar sobre a ideologia vigente no modo como as estruturas sociais americanas funcionam e como estas olham para a guerra à distância. O UAV aqui é apenas uma forma de nos levar mais próximo de algo que já acontece com a televisão e até com algum cinema e videojogos nos quais se tenta passar constantemente aquela ideia dos bons contra os maus. Do eixo do mal. Mas que funciona como um discurso que distancia a sociedade do cerne do problema, que é o facto de existirem seres humanos do outro lado.
O jogo demonstra muito claramente o total desprendimento dessa questão, e o nome do jogo acaba por funcionar como uma brilhante metáfora, já não é apenas o veículo aéreo que é desprovido de um homem ao controlo (unmanned), mas é a própria sociedade que se colocou em piloto automático, e se esvaziou de humanidade, passou ela própria a funcionar como unmmanned. É uma constatação muito dura, e impressiona ver como um simples jogo pode ir tão longe na discussão de um tema tão complexo.
Em termos de gameplay o jogo está muito bem conseguido porque as estruturas de diálogo estão perfeitamente estruturadas com a atmosfera criada tanto pelo character design como pela música. A ideia do split-screen é também muito interessante porque desenvolve alguma tensão no gameplay, a ideia de manter o jogador ocupado a realizar pequenas tarefas, ainda que simples, ajuda a interiorizar o que está aqui em questão.
março 23, 2012
CFP - SBGames 2012 - Brasília
Este ano farei parceria com o meu amigo Roger Tavares na coordenação da Trilha de Cultura do SBgames 2012 que decorrerá a 2,3 e 4 de Novembro em Brasília. O SBGames é o congresso brasileiro equivalente à conferência nacional, Videojogos, mas muito maior, com cerca de dez vezes mais pessoas. O SBGames constitui o maior e mais importante evento da América Latina na área de games e entretenimento digital que reúne anualmente pesquisadores, artistas, designers, professores e estudantes de universidades, centros de pesquisa e da indústria de jogos. Deste modo é com grande prazer que eu e o Roger queremos convidar todos vocês que trabalham neste campo dos videojogos a submeter trabalhos à Trilha de Cultura do SBgames 2012.
O desafio da Trilha de Cultura do SBgames é desvendar o universo dos jogos digitais, dos jogadores, dos significados e relações que estes constroem, ou construíram, na sociedade. A trilha abrange as pesquisas com diversos aspectos da cultura, e tem interesse em compreender os games em suas relações com a filosofia, a educação, o corpo, a política, o gênero, a religião, e diversos outros temas.
Formatos dos Trabalhos
Os trabalhos podem ser enviados em dois formatos: Short Papers e Full Papers.
Full Papers são trabalhos que apresentam pesquisas já finalizadas, ou em estado avançado de finalização. Possuem a participação de pelo menos um Mestre ou Doutor e estão vinculados à Universidade através de projetos ou grupos de pesquisas. Devem ser submetidos apenas em língua inglesa. Devem ter um mínimo de sete (7) páginas e um máximo de dez (10) páginas, excetuando-se as referências e os anexos.
Short Papers são pequenos artigos que mostram pesquisas em estado inicial de desenvolvimento, ou mesmo uma pesquisa finalizada, em nível de graduação ou pós-graduação. Podem ser submetidos em Português ou Inglês, e são limitados a quatro páginas.
É importante ressaltar que todas as submissões devem ser originais, isto é, trabalhos inéditos, não publicados ou apresentados em quaisquer tipos de eventos. Qualquer obra que tenha sido previamente publicada, ou está sendo apresentada simultaneamente em eventos ou revista, será rejeitada. Trabalhos que já foram apresentados no SBgames sob a forma de short papers, e evoluíram para Full Papers, são bem vindos.
Datas Importantes
Submissão dos trabalhos através do sistema JEMS: 23 Julho 2012
Divulgação dos trabalhos aprovados: 3 Setembro 2012
Entrega da versão final dos trabalhos: 17 Setembro 2012
Publicação
Os trabalhos aceitos serão publicados nos Anais do SBGAMES 2012 e deverão ser apresentados no simpósio por, pelo menos um dos autores, devidamente inscrito no evento.
Para tanto o autor deverá concordar com o Termo de Copyright, disponibilizado AQUI. Por favor, leia o Termo antes de enviar o seu trabalho. Autores que não concordarem com os termos de publicação não devem enviar seus trabalhos.
Apresentação dos Trabalhos
Os Full Papers aceitos serão apresentados em mesas de debate temáricas, com outros autores e mediador. A duração da apresentação e do debate serão divulgadas com antecedência, e devem ser rigorosamente respeitadas.
Os Short Papers, embora sejam publicados na integra, serão apresentados resumidamente em sessão de pôsteres. Os autores devem trazer seus pôsteres para o evento, em tempo hábil para a montagem da sessão. Maiores detalhes sobre os pôsteres, como tamanho, montagem, template, serão divulgados com antecedência.
Sistema de Revisão Cega (Blind Review)
As submissões serão feitas eletronicamente, unicamente, através do sistema JEMS. Os trabalhos serão submetidos no sistema Blind Review (revisão cega).
Neste sistema, os autores não podem incluir informações que permitam a sua identificação (nome, filiação, explicitação do autor em referências, nomes de projetos, etc.). Artigos que desobedecerem o sistema de Blind Review são automaticamente rejeitados.
Template
As instruções detalhadas de formatação, incluindo template estão neste LINK. No lugar das informações omitidas pelo Blind Review (nome, filiação, etc) deve ser utilizada a tag [AVALIAÇÃO CEGA]. Se o trabalho for aprovado, essa tag deverá então ser substituída pelos dados corretos, para o envio da versão final.
Lista de temas de interesse da trilha de cultura:
Games e educação
Games e política
Games e trabalho
Games e linguagem
Games e juventude
Games e mídia
Games e violência
Games e sociabilidade
Games e publicidade
Games e emoção
Games e motivação
Games e corpo
Games e arte
Games e gênero
Games e psicologia
Games e religião
Games e filosofia
Games e saúde
Chairs 2012
Prof. Dr. Roger Tavares - UNEB - Gamecultura
rogertavares [at] gmail.com
twitter: @rogertavares
Prof. Dr. Nelson Zagalo - Universidade do Minho, SPCV
nzagalo [at] gmail.com
twitter: @nzagalo
Omissões
Casos não previstos nesta chamada serão analisados e resolvidos pela comissão organizadora.
twitter: @sb_games
março 22, 2012
Off Book: "Art in the Era of the Internet"
Talvez o melhor episódio da web série Off Book. Simplesmente porque fala sobre o âmago da essência da série, ou seja sobre o desenvolvimento da arte na e via internet. O modelo da série está estabilizado, recorre sempre a 3 entrevistados, e neste caso não podiam ser melhores.
Temos Yancey Strickler do Kickstarter, um dos empreendimento mais notáveis da criação artística nos tempos da internet. Aonde qualquer pessoa pode apresentar a sua ideia e procurar convencer directamente a sua audiência, da importância de se criar aquela obra. Em segundo temos outro não menos notável Lawrence Lessig, um dos fundadores dos Creative Commons, algo que tem procurado por alguma ordem na confusão que tem sido a gestão do copyright, e que tem demonstrado o quanto de errado existe em todo o processo do copyrightismo. E finalmente temos Ciel Hunter e Julia Kaganskiy do Creators Project que dão voz ao mundo dos curadores digitais. Num mundo de excesso de informação como é o da internet, a existência da figura dos curadores nunca foi tão necessária. Sempre os tivemos nos museus físicos, na organização de eventos, ciclos de literatura, cinema ou qualquer outra arte. Aliás os próprios professores universitários, são isso mesmo, curadores de informação, filtros humanos que dão a beber aos seus alunos, apenas o melhor daquilo que é importante. O Creators Project que começou por ser um investimento da Intel está totalmente direccionado para o mundo da arte online, e da sua conexão ao mundo real, como levar as experiências até às pessoas.
Pelo meio temos referências à Double Fine e a Tim Schafer, a Chris Milk e aos Arcade Fire, ou a Marina Abramović e ao jogo flash The Artist is Present de Pippin Barr. Aqui fica.
março 18, 2012
Entrevista com o Director Criativo da Dreamlab
A Dreamlab é uma empresa de desenvolvimento multimédia, com destaque para as áreas da composição digital, 3d e marketing digital. Está localizada em Aveiro onde foi fundada há 11 anos, e conta com 15 pessoas neste momento. Estive à conversa com um dos seus fundadores, o Diogo Valente, que é o director criativo da empresa.
O Diogo, atualmente com 34 anos, veio de Sta. Maria da Feira para Aveiro fazer a licenciatura em Novas Tecnologias da Comunicação na Universidade de Aveiro, onde acabou por fundar a Dreamlab no seio da Incubadora. Hoje, para além do trabalho na empresa, realiza diversos projectos pessoais na área de vídeo, e trabalha como consultor e formador nas áreas de 3D, vídeo e animação.
Show Reel de trabalhos de 2010
1 - Criaste a Dreamlab assim que acabaste o curso em 2001 porquê? O que te motivou a criar a tua empresa e a não procurares emprego?
:: Olhando para trás considero que a decisão foi um pouco ingénua. Apesar da empresa ter dado frutos, se fosse hoje, julgo que teria feito outro percurso. Gostava de ter tido mais experiência fora de Portugal. Gostava de ter passado por algumas empresas de multimédia e VFX mais consolidadas, para entender melhor a realidade desses mercados a nível internacional. Isso provavelmente teria ajudado a não cometer tantos erros no início da empresa.
Eramos 3 recém graduados a acabar uma bolsa de investigação na Universidade de Aveiro. Começámos a questionar-nos sobre o que iríamos fazer a seguir à bolsa e as condições proporcionaram-se. Na altura, alguns colegas ofereceram ajuda para criar a empresa porque de burocracia e gestão percebíamos pouco. A 4ª sócia surgiu para colmatar essa lacuna, a Clara Moreira era a única dos 3 com experiência empresarial.
A Dreamlab acabou por ser uma aventura que durou mais tempo do que aquilo que eu estava à espera. Começámos a aperceber-nos de que o mercado em nosso redor sofria de lacunas profundas em termos de conteúdos de comunicação e promoção. Foi fácil vender os nossos serviços. Principalmente para o mercado industrial que começava a dar os primeiros passos ao nível de promoção digital e internacionalização. O mesmo acontecia com as PMEs que apareciam como cogumelos. Todas elas precisavam de branding, websites, vídeos etc... e nós aparecíamos com uma atitude fresca e com propostas acessíveis em termos de valores.
Vimos imenso potencial à nossa volta ao nível do mercado regional e que as grandes agências de comunicação viravam a cara porque os valores envolvidos muitas vezes não lhes interessavam. Estávamos cheios de trabalho.
Campanha TEDx Youth@Aveiro (2010)
2 - Eram diferentes os tempos de há uma década atrás? O que é que para ti mais se modificou nesta indústria em Portugal?
:: Sinceramente não sei se lhe podemos chamar indústria! Sinto que a área está a crescer mas ainda vejo pouca produção, vejo pouca quantidade e pouca aposta. Há 10 anos atrás, existiam empresas multimédia com dezenas ou centenas de funcionários. Hoje acho difícil isso acontecer em Portugal. Existem mais empresas e mais freelancers no mercado. São empresas de poucas pessoas que subcontratam serviços especializados quando precisam. Este é o modelo de negócio hoje, e potencialmente, é o que resulta melhor.
A ultima década serviu essencialmente o processo de evangelização. Foi preciso ver para querer. As empresas começaram aperceber-se de que investir em comunicação e marketing digital era necessário. O acesso a novos mercados, o acesso a ferramentas de troca de informação em tempo real, a aposta em marcas próprias e a aposta em estratégias de comunicação mais inovadoras foram o resultado. Hoje já existe um maior cuidado em termos de investimento.
No ensino também temos muitos cursos mas, sinceramente, se as pessoas que os dão não tiverem experiência na área a coisa torna-se rapidamente muito teórica. Precisamos de professores que tenham posto (ou que ainda ponham!) a "mão na massa". Existem alguns cursos nestas áreas, mas julgo que estão demasiado adaptados à realidade da “indústria” em Portugal, ou seja, podemos chamar-lhes cursos de iniciação.
Campanha Cool Haven (Dezembro 2011)
3 - Em que áreas trabalha a Dreamlab? Porquê esta diversidade, e não uma especialização?
:: Durante os primeiros anos da Dreamlab eu fazia um pouco de tudo. Fazia angariação, criava propostas de orçamento e a proposta criativa, negociava valores e acabava por desenvolver o projecto (principalmente se fosse relacionado com 3D ou vídeo). Apesar de ser uma abordagem errada, de certa forma, essa experiência foi algo que me enriqueceu, principalmente em termos de gestão de projecto e na relação com os clientes.
Para além da parte de gestão e supervisão de projectos eu também coloco as mãos na massa. Trabalho maioritariamente em composição de vídeo e motion graphics. Comecei por trabalhar em 3D mas à medida que fomos contratando pessoas para ajudar nessa área eu fui-me dedicando mais à parte de composição, motion design e vídeo (realização/filmagem/edição).
Diria que 40% do meu tempo é dedicado a gestão e 60% é produção... sendo que a percentagem de gestão está todos os anos “assustadoramente” a subir mais... eu bem tento equilibrar as coisas, nem que seja produzindo alguns projectos pessoais. A minha luta diária é esta, entre o meu "eu" gestor vs o meu "eu" criador.
A questão da diversidade da empresa ao nível de projectos tem a ver com o facto de que cada vez mais a linha entre disciplinas, dentro da produção multimédia, se estar a dissipar. Hoje se virmos um site com 3D ou vídeo é algo normal. A área de programação pode servir para web como para mobile e o design tem de estar preparado para conseguir criar e adaptar soluções para esses diferentes outputs.
Eu julgo que é bom termos uma equipa base com esta diversidade de know how, de maneira a conseguir dar resposta. Mesmo que no final tenhamos que subcontratar alguém tecnicamente mais especializado para executar determinada situação. Eu gosto do controlo em tempo real. Testar coisas. Julgo que não seria possível se a equipa não estivesse disponível ou fosse menos polivalente.
Vídeo Institucional PLM (2011)
5 - Como é que uma empresa no campo criativo, consegue trabalhar com o vosso ritmo estando fora das duas grandes cidades?
:: Cada vez mais o local onde a empresa se localiza é irrelevante para o seu sucesso. O que conta é o seu trabalho, é o seu portfólio e se é eficaz ao nível da sua promoção. Felizmente já temos um leque de projectos interessantes que ajudam a dar credibilidade e a fazer com que muitas empresas venham ter connosco. E isso foi algo interessante de ver acontecer; quando os clientes nos começaram a procurar. Normalmente estavamos habituados ao contrário.
A nossa tentativa de fazer trabalhos acima da média, o tentar fazer algo que se diferenciasse, a constante aprendizagem e a aposta em testar novas técnicas, (aplicando-as nos projectos dos nossos clientes)... tudo isso compensou e marcou a diferença em termos do nosso sucesso.
Não vou dizer que tudo correu bem porque seria mentira. Investimos muito nos primeiros anos da empresa para construir um bom portfólio. Sem ele nunca seriamos credíveis para o outro tipo de clientes que nos interessava... as agências de comunicação e clientes de maior estatura.
Também acho que o nível de vida é mais caro nos grandes centros urbanos como Porto e Lisboa e isso implica que os salários tem de ser mais elevados, aumentando os custos para as empresas. Para nós isso é uma vantagem porque em Aveiro temos uma qualidade de vida excelente e com custos relativamente mais baixos. Isso reflete-se nas facturas dos clientes o que faz com que a procura aumente e comece a sair dos grandes centros.
Campanha Hotel Moliceiro (2011)
6 - O que é que falta em Portugal, para avançarmos mais nesta área em termos de indústria? Financiamento do estado, elevação da cultura de exigência de qualidade dos trabalhos criativos?
:: Em minha opinião, se se pudesse minimizar o impacto do estado em Portugal e nas empresas em particular, acho que isso iria resolver muitos problemas. Sinceramente acho que a dependência do estado é um dos grandes problemas do nosso país. Torna as empresas preguiçosas e a consequência é a degradação da qualidade dos seus serviços. Se existissem apoios acho que deveriam ocorrer em moldes diferentes dos que existem agora, que acho que são demasiado burocráticos e lentos. Por vezes isso pode matar uma empresa ou projecto.
Por outro lado, na realidade, desde que esta história da crise começou, eu tenho sentido um acréscimo ao nível da qualidade de trabalhos na nossa área. As empresas estão a esforçar-se mais e a tentar agarrar os clientes a todo o custo. Acho que os clientes já não compram qualquer coisa.
Julgo que o processo de evangelização ainda não acabou. Simplesmente está a passar por uma nova fase. A fase de linguagem de iniciação já passou, agora temos de passar para uma linguagem mais profissional e consequentemente, internacional. Esta situação talvez seja mais evidente na área de VFX e 3D. Julgo que ao nível de multimédia para web, marketing digital, publicidade e até no cinema tradicional, estamos muito bem. No caso do cinema acho que só falta mais apoio financeiro. Existem bons “storytellers” em Portugal.
Campanha Granorte (2011)
7 - A indústria na área em Portugal é unida? As empresas conhecem-se, comunicam, dialogam sobre os problemas que enfrentam, partilham abordagens, ideias ou nem por isso?
:: Aquilo que sinto é que a maior parte das empresas se conhecem minimamente. Julgo que as pessoas também se conhecem porque é fácil expor o trabalho e ligar-se a outros profissionais da área. Julgo que o facebook e grupos de discussão e alguns eventos da área facilitam tudo isso. Agora, se me perguntas se são unidas e falam dos problemas da área? Isso não me parece que aconteça. Ou melhor, dos problemas falam, não falam é de soluções.
Julgo que há falta de confiança entre as empresas, medo de se abrirem um pouco mais, medo de perderem clientes e claro Infelizmente também existe muita mediocridade no mercado. Julgo que isto acontece em todas as áreas, só que na nossa, infelizmente, acontece demasiado. Eu costumo dizer que hoje em dia toda a gente é realizador, toda a gente é editor, toda a gente é designer... como é que identificamos o verdadeiro profissional? Se eu tenho uma DSLR topo de gama isso quer dizer que eu faço filmagens profissionais? No final não se lembram de que quem vai sofrer mais com isso, para além do cliente, é a própria indústria que acaba por perder confiança, respeito e força.
Julgo que falta maior diálogo e acordo entre empresas. Julgo que até deveriam de existir algumas directrizes na indústria. Dou um exemplo prático, o das propostas criativas que se preparam para os clientes. Porque é que não se cobram as propostas (pitch)? Às vezes demoramos dias a prepará-las. É trabalho duro! E o cliente por vezes coloca várias empresas a disputar as contas. Para no final dizer que o projecto vai ficar em stand by. Parece-me abusivo e julgo até que é uma falta de respeito por quem trabalha nesta área. Eu julgo que é uma liberdade que o cliente deveria deixar de ter. O meu ponto de vista é que acaba por ser trabalho de consultoria e o cliente vai ser o único a beneficiar destas análises ou propostas... sem custos!
Acho que também faltam mais eventos especializados em Portugal. E no caso de VFX vai existir só em sonhos... como não existe indústria não existem eventos. Temos de mudar isso. Temos de importar know how e exportar este tipo de serviços e projectos. Filmes, séries, curtas... Também acho que deviamos promover uma maior ligação com os estabelecimentos de ensino. O mercado (global) normalmente é quem dita a oferta de ensino. Provavelmente parte destas produções poderia partir de parcerias com universidades e empresas da área.
Campanha Salinas Village (2010)
8 - Ter pessoas em regime de freelance, parece ser uma necessidade imperiosa nesta área, porquê?
:: Julgo que existem freelancers muito talentosos e experientes que podem ser uma ajuda preciosa em determinadas situações. Muitos deles até bastante conhecidos porque têm estilos muito específicos e o cliente quer algo parecido. Alguns deles até tentaram criar a sua própria empresa e alguns meses depois desistiram da aventura alegando que se estavam a perder demasiado na parte de gestão e a focarem-se menos na parte criativa... nessa altura eu só pensava "welcome to my world ".
Manter pipelines de produção complexos é extremamente difícil. E não é só em Portugal. Já é normal ouvirmos notícias de estúdios que abrem filiais na Índia ou no Canadá dispersando as equipas de produção. Ou então parcerias entre estúdios especializados em áreas distintas a trabalharem contas conjuntas. A união é a força! Tem de existir um ponto forte em cada empresa. Por isso é que vemos empresas que são procuradas especificamente pelos seus trabalhos de character animation, ou pelos trabalhos de fluid simulation, ou motion design, ou fotografia... etc.
O conceito de especialização é muito importante mas acho que o de diferenciação ainda é mais. Andam ambos de mão dada. Julgo que esse é o único caminho a seguir. Isto porque não é o facto de sabermos fazer bom character animation, ou bons motion graphics, que nos vai safar, temos de o fazer de forma diferente dos outros... e de preferência melhor!
Memory Status: Infinite (2010), projecto pessoal de Diogo Valente
9 - Em termos genéricos os clientes, procuram vídeos com VFX/3d, ou querem apenas um vídeo que transmita o produto? Ou seja, apresentam requisitos para ideias que são apenas possíveis com VFX, ou isso tem sido mais vocês a fazer o esforço da pedagogia das novas tecnologias?
:: Esse trabalho é mais nosso. A grande percentagem de clientes normalmente não sabe o que quer. Ou melhor, existem aqueles que sabem que precisam de um site, ou de um vídeo mas não sabe como transpor isso para um nível mais estratégico. Depois existem os outros que têm a estratégia mas não sabem como a transpôr de forma visual.
Em ambos os casos esperam que nós apresentemos melhorias ou alternativas. Os VFX/3D são quase sempre sugeridos por nós. Na maior parte dos casos esperamos pelo cliente ou projecto certo para implementarmos ou testarmos determinadas técnicas.
Non-Linear Space (2011), projecto pessoal de Diogo Valente
10 - Para ti enquanto Director Criativo da Dreamlab, o que é que te dá mais gozo fazer?
:: É uma pergunta difícil e não devia ser! Como falei acima, eu divido o meu tempo entre gestão e produção. E em ambas as partes existem coisas que gosto de fazer.
Ao nível de gestão gosto da parte criativa. Gosto de me reunir com o cliente e falar com ele, perceber o que ele pretende e principalmente surpreendê-lo. Gosto de resolver os problemas de comunicação e das reuniões criativas com a equipa. É algo que dá muito gozo. Gosto de criar as condições para que a equipa consiga ter ideias. O facto de ser director criativo não significa que só eu é que tenho as ideias. Pelo contrário, existe muito trabalho de equipa.
Ao nível de produção, eu gosto principalmente de trabalhos que envolvem integração de CGI com imagem real. Esse tipo de projectos sempre me atraiu. São projectos que envolvem quase tudo: filmagem, tracking, 3D ou motion design, animação, composição.. etc. E julgo que é isso que me atrai neles, o facto de que para que a cena resulte necessites de conjugar know how de várias disciplinas. É a união de tudo. Até de questões mais estéticas como o design, a forma, a composição. Para mim é o cruzamento perfeito entre o técnico e o artístico.
Vídeo institucional DETI / UA
11 - Qual o trabalho mais complexo que realizaste na Dreamlab, podes dar-nos detalhes da complexidade e do problema?
:: Sinceramente não consigo precisar nenhum em particular, todos tiveram um desafio específico mas julgo que posso destacar o projecto do DETI (Departamento de electrónica da Univ. de Aveiro) foi um dos mais complexos tecnicamente.
Fizemos concept design de robôs, filmagens com "actores" (que eram alunos do DETI, ou seja, não eram actores!) que interagiam com algo virtual, fizemos levantamento fotográfico dos locais, incluindo HDRs para iluminação e reflexão. O número de cenas e a quantidade de robôs envolvidos foi megalómana para uma equipa de 4/5 pessoas. Desde a modelação, tracking 3D, texturização, animação e composição de vídeo... Acho que neste caso só faltou character animation e algum tipo de simulação para ter um pouco de tudo.
Levámos tudo até onde pudemos e julgo que o resultado foi interessante e importante para nós. Percebemos que a nossa pequena equipa conseguia fazer trabalhos de topo ao nível de VFX.
Video clip Always Remember (2011), projecto pessoal do Diogo Valente
12 - Como é que uma pessoa se prepara para dar resposta à inovação tecnológica nas indústrias criativas, chega fazer um curso superior?
:: Na minha opinião o curso superior não chega. Muitos dos meus melhores colaboradores não tinham sequer curso superior. Para dar resposta à inovação tecnológica julgo que simplesmente temos que competir com os melhores. Temos de estar atentos para não sermos ultrapassados e temos de ser mais experimentalistas. A cultura do erro é a chave! Temos de ter margem para errar e aprender com isso. Neste momento a “indústria” em Portugal não tem grande margem para erros, e isso é um problema.
Também acho que aqueles que vão lá para fora deveriam voltar, trazendo novas competências para o país e tentar implementá-las cá.
Campanha Decenio (2011)
13 - O que aconselhas ao pessoal que está a sair das universidades com vontade de trabalhar nestas áreas criativas, devem criar a própria empresa? Devem especializar-se, ou dominar o máximo de tecnologias?
:: Na minha opinião, hoje, se fosse eu a sair da universidade não formava empresa de imediato. Eu preferia ganhar alguma experiência de trabalho primeiro. Acho que isso é que me iria ajudar a perceber se de facto é aquilo que quereria fazer e iria também perceber em que área é que potencialmente seria mais forte e poderia dar mais cartas. Ninguém é bom em tudo.
É vantajoso poder ter uma veia genérica e poder dar uma ajuda em diferentes áreas ou disciplinas mas é importante especializarem-se numa ou duas em particular. Só dessa forma é que se irão conseguir destacar/diferenciar do resto da concorrência.
E atenção, nem sempre a nossa vocação está na parte de produção técnica. A parte de gestão e supervisão é algo muito importante e necessário. Eu acho que até pode ser aquela que mais falta faz ao mercado neste momento. Se têm boas "people skills" e percebem o suficiente da parte técnica podem ter uma vantagem sobre colegas tecnicamente mais bem preparados mas que não conseguem gerir bem projectos ou lidar com pessoas.
Campanha própria, Basta Acreditar (2012)
14 - Quais são as 3 características humanas que mais valorizas numa pessoa quando precisas de contratar alguém?
:: Paixão pelo que faz, empenho e espírito de entre-ajuda, coragem para arriscar, pro-actividade... são mais do que 3 mas estão todas interligadas.
O Diogo, atualmente com 34 anos, veio de Sta. Maria da Feira para Aveiro fazer a licenciatura em Novas Tecnologias da Comunicação na Universidade de Aveiro, onde acabou por fundar a Dreamlab no seio da Incubadora. Hoje, para além do trabalho na empresa, realiza diversos projectos pessoais na área de vídeo, e trabalha como consultor e formador nas áreas de 3D, vídeo e animação.
1 - Criaste a Dreamlab assim que acabaste o curso em 2001 porquê? O que te motivou a criar a tua empresa e a não procurares emprego?
:: Olhando para trás considero que a decisão foi um pouco ingénua. Apesar da empresa ter dado frutos, se fosse hoje, julgo que teria feito outro percurso. Gostava de ter tido mais experiência fora de Portugal. Gostava de ter passado por algumas empresas de multimédia e VFX mais consolidadas, para entender melhor a realidade desses mercados a nível internacional. Isso provavelmente teria ajudado a não cometer tantos erros no início da empresa.
Eramos 3 recém graduados a acabar uma bolsa de investigação na Universidade de Aveiro. Começámos a questionar-nos sobre o que iríamos fazer a seguir à bolsa e as condições proporcionaram-se. Na altura, alguns colegas ofereceram ajuda para criar a empresa porque de burocracia e gestão percebíamos pouco. A 4ª sócia surgiu para colmatar essa lacuna, a Clara Moreira era a única dos 3 com experiência empresarial.
A Dreamlab acabou por ser uma aventura que durou mais tempo do que aquilo que eu estava à espera. Começámos a aperceber-nos de que o mercado em nosso redor sofria de lacunas profundas em termos de conteúdos de comunicação e promoção. Foi fácil vender os nossos serviços. Principalmente para o mercado industrial que começava a dar os primeiros passos ao nível de promoção digital e internacionalização. O mesmo acontecia com as PMEs que apareciam como cogumelos. Todas elas precisavam de branding, websites, vídeos etc... e nós aparecíamos com uma atitude fresca e com propostas acessíveis em termos de valores.
Vimos imenso potencial à nossa volta ao nível do mercado regional e que as grandes agências de comunicação viravam a cara porque os valores envolvidos muitas vezes não lhes interessavam. Estávamos cheios de trabalho.
2 - Eram diferentes os tempos de há uma década atrás? O que é que para ti mais se modificou nesta indústria em Portugal?
:: Sinceramente não sei se lhe podemos chamar indústria! Sinto que a área está a crescer mas ainda vejo pouca produção, vejo pouca quantidade e pouca aposta. Há 10 anos atrás, existiam empresas multimédia com dezenas ou centenas de funcionários. Hoje acho difícil isso acontecer em Portugal. Existem mais empresas e mais freelancers no mercado. São empresas de poucas pessoas que subcontratam serviços especializados quando precisam. Este é o modelo de negócio hoje, e potencialmente, é o que resulta melhor.
A ultima década serviu essencialmente o processo de evangelização. Foi preciso ver para querer. As empresas começaram aperceber-se de que investir em comunicação e marketing digital era necessário. O acesso a novos mercados, o acesso a ferramentas de troca de informação em tempo real, a aposta em marcas próprias e a aposta em estratégias de comunicação mais inovadoras foram o resultado. Hoje já existe um maior cuidado em termos de investimento.
No ensino também temos muitos cursos mas, sinceramente, se as pessoas que os dão não tiverem experiência na área a coisa torna-se rapidamente muito teórica. Precisamos de professores que tenham posto (ou que ainda ponham!) a "mão na massa". Existem alguns cursos nestas áreas, mas julgo que estão demasiado adaptados à realidade da “indústria” em Portugal, ou seja, podemos chamar-lhes cursos de iniciação.
3 - Em que áreas trabalha a Dreamlab? Porquê esta diversidade, e não uma especialização?
:: Durante os primeiros anos da Dreamlab eu fazia um pouco de tudo. Fazia angariação, criava propostas de orçamento e a proposta criativa, negociava valores e acabava por desenvolver o projecto (principalmente se fosse relacionado com 3D ou vídeo). Apesar de ser uma abordagem errada, de certa forma, essa experiência foi algo que me enriqueceu, principalmente em termos de gestão de projecto e na relação com os clientes.
Para além da parte de gestão e supervisão de projectos eu também coloco as mãos na massa. Trabalho maioritariamente em composição de vídeo e motion graphics. Comecei por trabalhar em 3D mas à medida que fomos contratando pessoas para ajudar nessa área eu fui-me dedicando mais à parte de composição, motion design e vídeo (realização/filmagem/edição).
Diria que 40% do meu tempo é dedicado a gestão e 60% é produção... sendo que a percentagem de gestão está todos os anos “assustadoramente” a subir mais... eu bem tento equilibrar as coisas, nem que seja produzindo alguns projectos pessoais. A minha luta diária é esta, entre o meu "eu" gestor vs o meu "eu" criador.
A questão da diversidade da empresa ao nível de projectos tem a ver com o facto de que cada vez mais a linha entre disciplinas, dentro da produção multimédia, se estar a dissipar. Hoje se virmos um site com 3D ou vídeo é algo normal. A área de programação pode servir para web como para mobile e o design tem de estar preparado para conseguir criar e adaptar soluções para esses diferentes outputs.
Eu julgo que é bom termos uma equipa base com esta diversidade de know how, de maneira a conseguir dar resposta. Mesmo que no final tenhamos que subcontratar alguém tecnicamente mais especializado para executar determinada situação. Eu gosto do controlo em tempo real. Testar coisas. Julgo que não seria possível se a equipa não estivesse disponível ou fosse menos polivalente.
5 - Como é que uma empresa no campo criativo, consegue trabalhar com o vosso ritmo estando fora das duas grandes cidades?
:: Cada vez mais o local onde a empresa se localiza é irrelevante para o seu sucesso. O que conta é o seu trabalho, é o seu portfólio e se é eficaz ao nível da sua promoção. Felizmente já temos um leque de projectos interessantes que ajudam a dar credibilidade e a fazer com que muitas empresas venham ter connosco. E isso foi algo interessante de ver acontecer; quando os clientes nos começaram a procurar. Normalmente estavamos habituados ao contrário.
A nossa tentativa de fazer trabalhos acima da média, o tentar fazer algo que se diferenciasse, a constante aprendizagem e a aposta em testar novas técnicas, (aplicando-as nos projectos dos nossos clientes)... tudo isso compensou e marcou a diferença em termos do nosso sucesso.
Não vou dizer que tudo correu bem porque seria mentira. Investimos muito nos primeiros anos da empresa para construir um bom portfólio. Sem ele nunca seriamos credíveis para o outro tipo de clientes que nos interessava... as agências de comunicação e clientes de maior estatura.
Também acho que o nível de vida é mais caro nos grandes centros urbanos como Porto e Lisboa e isso implica que os salários tem de ser mais elevados, aumentando os custos para as empresas. Para nós isso é uma vantagem porque em Aveiro temos uma qualidade de vida excelente e com custos relativamente mais baixos. Isso reflete-se nas facturas dos clientes o que faz com que a procura aumente e comece a sair dos grandes centros.
6 - O que é que falta em Portugal, para avançarmos mais nesta área em termos de indústria? Financiamento do estado, elevação da cultura de exigência de qualidade dos trabalhos criativos?
:: Em minha opinião, se se pudesse minimizar o impacto do estado em Portugal e nas empresas em particular, acho que isso iria resolver muitos problemas. Sinceramente acho que a dependência do estado é um dos grandes problemas do nosso país. Torna as empresas preguiçosas e a consequência é a degradação da qualidade dos seus serviços. Se existissem apoios acho que deveriam ocorrer em moldes diferentes dos que existem agora, que acho que são demasiado burocráticos e lentos. Por vezes isso pode matar uma empresa ou projecto.
Por outro lado, na realidade, desde que esta história da crise começou, eu tenho sentido um acréscimo ao nível da qualidade de trabalhos na nossa área. As empresas estão a esforçar-se mais e a tentar agarrar os clientes a todo o custo. Acho que os clientes já não compram qualquer coisa.
Julgo que o processo de evangelização ainda não acabou. Simplesmente está a passar por uma nova fase. A fase de linguagem de iniciação já passou, agora temos de passar para uma linguagem mais profissional e consequentemente, internacional. Esta situação talvez seja mais evidente na área de VFX e 3D. Julgo que ao nível de multimédia para web, marketing digital, publicidade e até no cinema tradicional, estamos muito bem. No caso do cinema acho que só falta mais apoio financeiro. Existem bons “storytellers” em Portugal.
7 - A indústria na área em Portugal é unida? As empresas conhecem-se, comunicam, dialogam sobre os problemas que enfrentam, partilham abordagens, ideias ou nem por isso?
:: Aquilo que sinto é que a maior parte das empresas se conhecem minimamente. Julgo que as pessoas também se conhecem porque é fácil expor o trabalho e ligar-se a outros profissionais da área. Julgo que o facebook e grupos de discussão e alguns eventos da área facilitam tudo isso. Agora, se me perguntas se são unidas e falam dos problemas da área? Isso não me parece que aconteça. Ou melhor, dos problemas falam, não falam é de soluções.
Julgo que há falta de confiança entre as empresas, medo de se abrirem um pouco mais, medo de perderem clientes e claro Infelizmente também existe muita mediocridade no mercado. Julgo que isto acontece em todas as áreas, só que na nossa, infelizmente, acontece demasiado. Eu costumo dizer que hoje em dia toda a gente é realizador, toda a gente é editor, toda a gente é designer... como é que identificamos o verdadeiro profissional? Se eu tenho uma DSLR topo de gama isso quer dizer que eu faço filmagens profissionais? No final não se lembram de que quem vai sofrer mais com isso, para além do cliente, é a própria indústria que acaba por perder confiança, respeito e força.
Julgo que falta maior diálogo e acordo entre empresas. Julgo que até deveriam de existir algumas directrizes na indústria. Dou um exemplo prático, o das propostas criativas que se preparam para os clientes. Porque é que não se cobram as propostas (pitch)? Às vezes demoramos dias a prepará-las. É trabalho duro! E o cliente por vezes coloca várias empresas a disputar as contas. Para no final dizer que o projecto vai ficar em stand by. Parece-me abusivo e julgo até que é uma falta de respeito por quem trabalha nesta área. Eu julgo que é uma liberdade que o cliente deveria deixar de ter. O meu ponto de vista é que acaba por ser trabalho de consultoria e o cliente vai ser o único a beneficiar destas análises ou propostas... sem custos!
Acho que também faltam mais eventos especializados em Portugal. E no caso de VFX vai existir só em sonhos... como não existe indústria não existem eventos. Temos de mudar isso. Temos de importar know how e exportar este tipo de serviços e projectos. Filmes, séries, curtas... Também acho que deviamos promover uma maior ligação com os estabelecimentos de ensino. O mercado (global) normalmente é quem dita a oferta de ensino. Provavelmente parte destas produções poderia partir de parcerias com universidades e empresas da área.
8 - Ter pessoas em regime de freelance, parece ser uma necessidade imperiosa nesta área, porquê?
:: Julgo que existem freelancers muito talentosos e experientes que podem ser uma ajuda preciosa em determinadas situações. Muitos deles até bastante conhecidos porque têm estilos muito específicos e o cliente quer algo parecido. Alguns deles até tentaram criar a sua própria empresa e alguns meses depois desistiram da aventura alegando que se estavam a perder demasiado na parte de gestão e a focarem-se menos na parte criativa... nessa altura eu só pensava "welcome to my world ".
Manter pipelines de produção complexos é extremamente difícil. E não é só em Portugal. Já é normal ouvirmos notícias de estúdios que abrem filiais na Índia ou no Canadá dispersando as equipas de produção. Ou então parcerias entre estúdios especializados em áreas distintas a trabalharem contas conjuntas. A união é a força! Tem de existir um ponto forte em cada empresa. Por isso é que vemos empresas que são procuradas especificamente pelos seus trabalhos de character animation, ou pelos trabalhos de fluid simulation, ou motion design, ou fotografia... etc.
O conceito de especialização é muito importante mas acho que o de diferenciação ainda é mais. Andam ambos de mão dada. Julgo que esse é o único caminho a seguir. Isto porque não é o facto de sabermos fazer bom character animation, ou bons motion graphics, que nos vai safar, temos de o fazer de forma diferente dos outros... e de preferência melhor!
9 - Em termos genéricos os clientes, procuram vídeos com VFX/3d, ou querem apenas um vídeo que transmita o produto? Ou seja, apresentam requisitos para ideias que são apenas possíveis com VFX, ou isso tem sido mais vocês a fazer o esforço da pedagogia das novas tecnologias?
:: Esse trabalho é mais nosso. A grande percentagem de clientes normalmente não sabe o que quer. Ou melhor, existem aqueles que sabem que precisam de um site, ou de um vídeo mas não sabe como transpor isso para um nível mais estratégico. Depois existem os outros que têm a estratégia mas não sabem como a transpôr de forma visual.
Em ambos os casos esperam que nós apresentemos melhorias ou alternativas. Os VFX/3D são quase sempre sugeridos por nós. Na maior parte dos casos esperamos pelo cliente ou projecto certo para implementarmos ou testarmos determinadas técnicas.
10 - Para ti enquanto Director Criativo da Dreamlab, o que é que te dá mais gozo fazer?
:: É uma pergunta difícil e não devia ser! Como falei acima, eu divido o meu tempo entre gestão e produção. E em ambas as partes existem coisas que gosto de fazer.
Ao nível de gestão gosto da parte criativa. Gosto de me reunir com o cliente e falar com ele, perceber o que ele pretende e principalmente surpreendê-lo. Gosto de resolver os problemas de comunicação e das reuniões criativas com a equipa. É algo que dá muito gozo. Gosto de criar as condições para que a equipa consiga ter ideias. O facto de ser director criativo não significa que só eu é que tenho as ideias. Pelo contrário, existe muito trabalho de equipa.
Ao nível de produção, eu gosto principalmente de trabalhos que envolvem integração de CGI com imagem real. Esse tipo de projectos sempre me atraiu. São projectos que envolvem quase tudo: filmagem, tracking, 3D ou motion design, animação, composição.. etc. E julgo que é isso que me atrai neles, o facto de que para que a cena resulte necessites de conjugar know how de várias disciplinas. É a união de tudo. Até de questões mais estéticas como o design, a forma, a composição. Para mim é o cruzamento perfeito entre o técnico e o artístico.
11 - Qual o trabalho mais complexo que realizaste na Dreamlab, podes dar-nos detalhes da complexidade e do problema?
:: Sinceramente não consigo precisar nenhum em particular, todos tiveram um desafio específico mas julgo que posso destacar o projecto do DETI (Departamento de electrónica da Univ. de Aveiro) foi um dos mais complexos tecnicamente.
Fizemos concept design de robôs, filmagens com "actores" (que eram alunos do DETI, ou seja, não eram actores!) que interagiam com algo virtual, fizemos levantamento fotográfico dos locais, incluindo HDRs para iluminação e reflexão. O número de cenas e a quantidade de robôs envolvidos foi megalómana para uma equipa de 4/5 pessoas. Desde a modelação, tracking 3D, texturização, animação e composição de vídeo... Acho que neste caso só faltou character animation e algum tipo de simulação para ter um pouco de tudo.
Levámos tudo até onde pudemos e julgo que o resultado foi interessante e importante para nós. Percebemos que a nossa pequena equipa conseguia fazer trabalhos de topo ao nível de VFX.
12 - Como é que uma pessoa se prepara para dar resposta à inovação tecnológica nas indústrias criativas, chega fazer um curso superior?
:: Na minha opinião o curso superior não chega. Muitos dos meus melhores colaboradores não tinham sequer curso superior. Para dar resposta à inovação tecnológica julgo que simplesmente temos que competir com os melhores. Temos de estar atentos para não sermos ultrapassados e temos de ser mais experimentalistas. A cultura do erro é a chave! Temos de ter margem para errar e aprender com isso. Neste momento a “indústria” em Portugal não tem grande margem para erros, e isso é um problema.
Também acho que aqueles que vão lá para fora deveriam voltar, trazendo novas competências para o país e tentar implementá-las cá.
13 - O que aconselhas ao pessoal que está a sair das universidades com vontade de trabalhar nestas áreas criativas, devem criar a própria empresa? Devem especializar-se, ou dominar o máximo de tecnologias?
:: Na minha opinião, hoje, se fosse eu a sair da universidade não formava empresa de imediato. Eu preferia ganhar alguma experiência de trabalho primeiro. Acho que isso é que me iria ajudar a perceber se de facto é aquilo que quereria fazer e iria também perceber em que área é que potencialmente seria mais forte e poderia dar mais cartas. Ninguém é bom em tudo.
É vantajoso poder ter uma veia genérica e poder dar uma ajuda em diferentes áreas ou disciplinas mas é importante especializarem-se numa ou duas em particular. Só dessa forma é que se irão conseguir destacar/diferenciar do resto da concorrência.
E atenção, nem sempre a nossa vocação está na parte de produção técnica. A parte de gestão e supervisão é algo muito importante e necessário. Eu acho que até pode ser aquela que mais falta faz ao mercado neste momento. Se têm boas "people skills" e percebem o suficiente da parte técnica podem ter uma vantagem sobre colegas tecnicamente mais bem preparados mas que não conseguem gerir bem projectos ou lidar com pessoas.
:: Paixão pelo que faz, empenho e espírito de entre-ajuda, coragem para arriscar, pro-actividade... são mais do que 3 mas estão todas interligadas.
The Chase (2012), a arte do impacto visual
Semana alucinante em termos de lançamentos online de curtas de animação 3d. Primeiro foi o brilhante Ruin (2012) do americano Wes Ball, que analisei aqui no Virtual Illusion há apenas dois dias. Agora chega-me outra curta não menos brilhante, The Chase (2012) do francês Philippe Gamer. Gamer criou um pequeno estúdio em frança Space Patrol em 2004, e entretanto este ano foi contratado pela Nexus Productions.
Se a recepção online de Ruin foi unânime no aplauso, o mesmo já não se pode dizer de The Chase. A razão não está na qualidade técnica, porque ambos se equiparam bastante, mas antes no tema, e também na sua abordagem. E eu em certa medida também tenho de concordar com algumas dessas críticas.
O primeiro problema apontado, o design dos personagens. As senhoras parecem ter passado por um processo de rápido enchimento, o que acaba por retirar alguma credibilidade às personagens e por consequência ao filme. Interessante porque denota uma corrente estética oriunda dos videojogos, mas que estes têm vindo a procurar atenuar. Denota uma total aposta no público masculino, esquecendo o feminino.
Segundo problema, as marcas dos carros guiados pela quadrilha. É impossível não reparar na marca, e ficamos sempre na dúvida se isto não é um anúncio. A equipa diz-nos que não, que os carros tinham sido modelados para uma campanha anterior, e foram aqui apenas re-utilizados.
O terceiro problema, que julgo ser o que incomoda mais pessoas está na abordagem em função do espectáculo total, demasiado Michael Bay. Muitas explosões, e demasiada impossibilidade tudo em função do impacto visual.
Sobre estas três questões posso apenas dizer que o autor não me desmerece respeito, até porque o seu trabalho anterior mostrou já capacidades expressivas muito mais finas. Falo da tocante campanha Stop Pain (2011) realizada para a Pain Without Borders no ano passado, e que deixo aqui.
Finalmente, penso que The Chase é uma espécie de show reel das capacidades técnicas dos seus autores. E nisso é brilhante, não posso dizer menos. A perseguição e os choques são magníficos em termos cinematográficos, a composição visual feita com a câmara, a iluminação e a física usadas são magistrais. Podemos sentir uma mestria total no controlo visual de tudo o que é mostrado, todos os detalhes foram equacionados e trabalhados para expressarem um determinado impacto. O uso de diferentes parâmetros de profundidade focal e de diferentes objectivas garantem esse mesmo controlo e aumentam exponencialmente a expressividade dos planos. Em termos narrativos, nada de especial, mas o twist final não deixa de ser também interessante, daí a chamada de atenção "A story about the art of aging..."!
Se a recepção online de Ruin foi unânime no aplauso, o mesmo já não se pode dizer de The Chase. A razão não está na qualidade técnica, porque ambos se equiparam bastante, mas antes no tema, e também na sua abordagem. E eu em certa medida também tenho de concordar com algumas dessas críticas.
O primeiro problema apontado, o design dos personagens. As senhoras parecem ter passado por um processo de rápido enchimento, o que acaba por retirar alguma credibilidade às personagens e por consequência ao filme. Interessante porque denota uma corrente estética oriunda dos videojogos, mas que estes têm vindo a procurar atenuar. Denota uma total aposta no público masculino, esquecendo o feminino.
Segundo problema, as marcas dos carros guiados pela quadrilha. É impossível não reparar na marca, e ficamos sempre na dúvida se isto não é um anúncio. A equipa diz-nos que não, que os carros tinham sido modelados para uma campanha anterior, e foram aqui apenas re-utilizados.
O terceiro problema, que julgo ser o que incomoda mais pessoas está na abordagem em função do espectáculo total, demasiado Michael Bay. Muitas explosões, e demasiada impossibilidade tudo em função do impacto visual.
Sobre estas três questões posso apenas dizer que o autor não me desmerece respeito, até porque o seu trabalho anterior mostrou já capacidades expressivas muito mais finas. Falo da tocante campanha Stop Pain (2011) realizada para a Pain Without Borders no ano passado, e que deixo aqui.
Finalmente, penso que The Chase é uma espécie de show reel das capacidades técnicas dos seus autores. E nisso é brilhante, não posso dizer menos. A perseguição e os choques são magníficos em termos cinematográficos, a composição visual feita com a câmara, a iluminação e a física usadas são magistrais. Podemos sentir uma mestria total no controlo visual de tudo o que é mostrado, todos os detalhes foram equacionados e trabalhados para expressarem um determinado impacto. O uso de diferentes parâmetros de profundidade focal e de diferentes objectivas garantem esse mesmo controlo e aumentam exponencialmente a expressividade dos planos. Em termos narrativos, nada de especial, mas o twist final não deixa de ser também interessante, daí a chamada de atenção "A story about the art of aging..."!
março 17, 2012
Tempo da Experiência na Eurogamer
Publico esta semana na Eurogamer um artigo, A Duração da Experiência de Jogo, sobre a culpabilidade de não acabar os jogos, que fiz questão de ligar com uma teoria que tenho há muitos anos sobre o design de experiências com narrativa nos videojogos.
Uma teoria que defendi num artigo na Games 2004 sobre a Emoção e Suspense no Storytelling Interactivo [PDF do artigo completo]. E assim aproveito para deixar aqui uma parte do que disse nessa altura.
Uma teoria que defendi num artigo na Games 2004 sobre a Emoção e Suspense no Storytelling Interactivo [PDF do artigo completo]. E assim aproveito para deixar aqui uma parte do que disse nessa altura.
Por norma, um videojogo de género aventura gráfica é bem classificado (não por este motivo exclusivo) quando a sua duração supera um largo numero de horas (25 horas). Quando a experiência é mais curta (abaixo das 5 horas) toda a crítica aponta o dedo, dizendo que uma vez que o género aventura gráfica se configura como uma experiência irrepetível, é de todo inadmissível que a experiência seja tão curta.
Temos aqui um mito criado pelos adeptos do jogo no seu mais puro sentido. De que a natureza do jogo é ser uma experiência repetível “ad eternum” ao contrário da narrativa que só pode ser experimentada uma vez. Este mito pode facilmente ser derrubado com o conhecido conceito do “paradoxo do suspense” (Carrol, 1996), no qual se define que um filme/história não é uma experiência que se esgota numa única experiência mas que os efeitos do suspense continuarão a fazer-se sentir muito para além do primeiro contacto. Dessa forma quando aliamos o storytelling à interacção não faz muito sentido, partir imediatamente para uma mudança da sua durabilidade, desarticulando dessa forma o storytelling em pedaços com a finalidade de criar uma aparente experiência infindável.
Ainda relativamente à critica e à duração, podemos constatar um dos seus mais recentes contra-sensos recentes neste sentido. Em qualquer crítica a “ICO” é apontado a duração da experiência como sendo muito reduzida e dessa forma como uma deficiência do videojogo em si. No entanto, praticamente toda a critica é unânime em afirmar que é o videojogo que mais profundamente lhes tocou nos últimos anos!
Para Laurel [90] não existem dúvidas de que o alongar da narrativa na experiência interactiva conduz à perda de ligação entre o início e o fim conduzindo a uma experiência menos intensa e menos significante. Também para Spector [McNamara04], autor de “Deus EX”, a integração de história no entretenimento interactivo deve caminhar em direcção a experiências mais profundas e mais pequenas do que as que temos visto até agora. Para além disso, vejamos a duração de 20 minutos adoptada por Mateas [03] para o seu projecto “Façade”, alegando as mesmas razões de Spector.
Vejamos ainda as durações médias aproximadas das seguintes experiências de entretenimento: livro (50h); filme (1h45); Teatro (1h30); Álbum Musical (1h); Documentário TV (50m). Lembremos ainda que Hollywood possui uma regra quase intransponível de duração máxima para os seus filmes que se situa nas 2h15. É inegável que a experiência do videojogo de aventura gráfica se aproxima, a nível sensorial, muito mais do filme ou do teatro do que propriamente do livro. Dessa forma, retirando o livro, a média da duração das experiências pode ser calculada numa duração total de cerca de 1h15.
Não é de todo nossa intenção, apontar esta duração como “a duração ideal”, mas é um valor que nos pode fazer reflectir. Assim a experiência do storytelling interactivo, terá de se sintetizar e apresentar como uma experiência mais intensa e de menor duração.
março 16, 2012
Ruin (2012), o apocalipse verde
Ruin (2012) é um filme experimental, ou melhor um conceito que tem servido a uma empresa de animação americana, Oddball, para aprimorar as suas competências em animação 3d. O conceito serve-se essencialmente da recriação de uma grande cidade americana em ruínas, com a particularidade destas ruínas serem intensamente verdes. A deterioração dos materiais é de algum modo ofuscada pela intensa luz quente do sol em contraste com o intenso verde natural das plantas que brotam das ruínas.
Este não é um cenário novo, ainda recentemente o vimos no trailer de Last of Us (TBD) da Naughty Dog, que está a ser desenvolvido pelo mesmo lead designer, de outro grande exemplo desta corrente, Enslaved, Odyssey to the West (2010). Antes tínhamos tido um despontar tímido desta abordagem em I Am Legend (2007), mas a marca de viragem desta nova corrente estética na representação do apocalipse, foi criada pelo documentário de base científica do History Channel, Life After People (2008). Neste documentário deixámos de ver as típicas paisagens áridas, desertos de pó amarelo com total ausência de água e de natureza vegetal que nos acompanhavam desde Mad Max (1979), ainda recentemente vistos em The Book of Eli (2010). Ou ainda as ruínas vistas na escuridão apresentadas e, Escape from New York (1981) de John Carpenter ou 28 Days Later... (2002) de Danny Boyle, criando ambientes pesados e soturnos.
A curta foi realizada por Wes Ball, licenciado em cinema pela Universidade da Florida. O seu trabalho de graduação, A Work in Progress (2002), já continha elementos de animação 3d, ainda algo rudimentares, mas fazendo uso de uma linguagem visual já bastante interessante, aliás esse seu primeiro filme ganhou mesmo alguns prémios.
Ruin (2012) de Wes Ball
A Oddball que começou pelo desenvolvimento de animação para DVDs e Blurays, aos poucos tem vindo a aproximar-se da indústria dos VFX. Realizaram entretanto trabalho para alguns video clips, como o interactivo experimental 3 Dreams of Black de Chris Milk. Aliás os dois planos realizados para o vídeo de Chris Milk, foram retirados deste universo de Concept Ruins, e aparecem logo a abrir o vídeo.
Em termos de software temos: na modelação e renderização o Modo, na animação o Lightwave, para a composição o After Effects, e na edição final o Premiere. E agora o vejam o filme porque vale todos os segundos.
Ruin (2012) de Wes Ball
Life After People (2008)
A curta foi realizada por Wes Ball, licenciado em cinema pela Universidade da Florida. O seu trabalho de graduação, A Work in Progress (2002), já continha elementos de animação 3d, ainda algo rudimentares, mas fazendo uso de uma linguagem visual já bastante interessante, aliás esse seu primeiro filme ganhou mesmo alguns prémios.
A Oddball que começou pelo desenvolvimento de animação para DVDs e Blurays, aos poucos tem vindo a aproximar-se da indústria dos VFX. Realizaram entretanto trabalho para alguns video clips, como o interactivo experimental 3 Dreams of Black de Chris Milk. Aliás os dois planos realizados para o vídeo de Chris Milk, foram retirados deste universo de Concept Ruins, e aparecem logo a abrir o vídeo.
Em termos de software temos: na modelação e renderização o Modo, na animação o Lightwave, para a composição o After Effects, e na edição final o Premiere. E agora o vejam o filme porque vale todos os segundos.
Méliès, Selznick e VFX em Hugo (2011)
Tenho lido em algumas críticas que Hugo (2011) espelha bem a vida de Martin Scorcese no Cinema, o que apesar de poder concordar ligeiramente me parece ingrato, no mínimo, fazer-se este tipo de análises sem reconhecer devidamente os autores de Hugo Cabret. E estes em meu entendimento são dois, Brian Selznick e Georges Méliès.
Brian Selznick publicou em 2007 o livro ilustrado, The Invention of Hugo Cabret, que era um híbrido entre o livro de banda desenhada e um livro de ficção escrito. O livro foi recebido com críticas de excelência, arrecadou imensos prémios. No vídeo abaixo podem saber muito mais sobre o livro, mas podem também ver páginas do livro, desenhos, saber sobre o que motivou a criação deste livro. E o que me mais me impressionou quando descobri o livro, depois de ter visto o filme, foi que o filme era uma adaptação fortemente fiel ao que já estava no livro. Aqui nem há lugar à interepretação da escrita, é que os enquadramentos, os elementos visuais, os personagens, tudo está lá. A única coisa que falta é o tratamento cromático, de que falarei já a seguir. Ora assim sendo, vejo aqui muito pouco de Scorcese. Seu é a realização que é de excelência, mas tudo o resto tem pouco de seu.
Quanto a Georges Méliès, é ele quem dá vida para além da mera fantasia ao filme. Tudo o que vemos no filme sobre Méliés é verdade, o que me levou a pensar por várias vezes, porque é que o filme em vez de se chamar Hugo, não se chamou Méliès, ou pelo menos não tinha o seu nome no título, sendo uma tão grande homenagem. Méliès não é apenas um dos pioneiros do cinema a par com os Irmãos Lumiere, é também o verdadeiro pai dos Efeitos Especiais em Cinema. Aquilo que ele conseguiu fazer no início da arte, sem condições praticamente nenhumas, só foi possivel graças a uma inventividade, criatividade, e imaginação fora do comum. Mas para mais detalhes sobre quem foi Méliès, retirei um excerto do meu livro Emoções Interactivas (2009) e deixo-o aqui para que possam ler e compreender melhor quem era Méliès.
Finalmente a questão cromática. Estranhamente aquela que mais me impressionou na primeira vez que vi o filme. O filme utiliza a técnica fotográfica que emula o processo de Autochrome criado pelos Irmãos Lumiére em 1903. Uma técnica, que ao longo do filme, cheguei a confundir com o agora chamado processo de HDRI. A razão dessa minha confusão estava relacionada com a quantidade assustadora de saturação em vários tons que o filme contém. Só depois de ter lido uma entrevista com Robert Richardson o director de fotografia de Hugo, é que percebi que o que temos aqui a acontecer é uma fusão entre as cores do processo de autochrome a tender para o tom da pele, com uma total predominância de iluminação a azul. Por isso temos ao longo do filme várias vezes esta sensação de HDRI, nomeadamente porque por vezes temos no cenário vermelhos e azuis muito presentes.
A técnica antiga em película tinha como características o facto de criar uma aparência Impressionista, com ar de algum Pontilhado. Visto mais de perto as partículas de cor, pareciam quase ruído sobre a imagem. Ora isto depois quando criado digitalmente, passa a poder ser controlado em todo o seu detalhe. O objectivo do autochrome hoje no digital, pode servir mais para garantir um visual próximo da película, evitando a limpidez do digital. Mas quando trabalhado, pode conseguir-se esta saturação forte com diversas cores, como se estivéssemos a trabalhar com diferentes exposições.
Finalmente para terminar, encontrei um making of criado pela Pixomondo, que foi a empresa que tornou possível a criação do filme no formato 3D. Neste making of podem ver-se imensos detalhes fascinantes de composição digital, e alguns dos planos sequências, nomeadamente o final que impressiona bastante, ainda para mais sendo filmado em 3D. São 9 minutos, que valem a pena ver e rever.
Brian Selznick publicou em 2007 o livro ilustrado, The Invention of Hugo Cabret, que era um híbrido entre o livro de banda desenhada e um livro de ficção escrito. O livro foi recebido com críticas de excelência, arrecadou imensos prémios. No vídeo abaixo podem saber muito mais sobre o livro, mas podem também ver páginas do livro, desenhos, saber sobre o que motivou a criação deste livro. E o que me mais me impressionou quando descobri o livro, depois de ter visto o filme, foi que o filme era uma adaptação fortemente fiel ao que já estava no livro. Aqui nem há lugar à interepretação da escrita, é que os enquadramentos, os elementos visuais, os personagens, tudo está lá. A única coisa que falta é o tratamento cromático, de que falarei já a seguir. Ora assim sendo, vejo aqui muito pouco de Scorcese. Seu é a realização que é de excelência, mas tudo o resto tem pouco de seu.
Quanto a Georges Méliès, é ele quem dá vida para além da mera fantasia ao filme. Tudo o que vemos no filme sobre Méliés é verdade, o que me levou a pensar por várias vezes, porque é que o filme em vez de se chamar Hugo, não se chamou Méliès, ou pelo menos não tinha o seu nome no título, sendo uma tão grande homenagem. Méliès não é apenas um dos pioneiros do cinema a par com os Irmãos Lumiere, é também o verdadeiro pai dos Efeitos Especiais em Cinema. Aquilo que ele conseguiu fazer no início da arte, sem condições praticamente nenhumas, só foi possivel graças a uma inventividade, criatividade, e imaginação fora do comum. Mas para mais detalhes sobre quem foi Méliès, retirei um excerto do meu livro Emoções Interactivas (2009) e deixo-o aqui para que possam ler e compreender melhor quem era Méliès.
Finalmente a questão cromática. Estranhamente aquela que mais me impressionou na primeira vez que vi o filme. O filme utiliza a técnica fotográfica que emula o processo de Autochrome criado pelos Irmãos Lumiére em 1903. Uma técnica, que ao longo do filme, cheguei a confundir com o agora chamado processo de HDRI. A razão dessa minha confusão estava relacionada com a quantidade assustadora de saturação em vários tons que o filme contém. Só depois de ter lido uma entrevista com Robert Richardson o director de fotografia de Hugo, é que percebi que o que temos aqui a acontecer é uma fusão entre as cores do processo de autochrome a tender para o tom da pele, com uma total predominância de iluminação a azul. Por isso temos ao longo do filme várias vezes esta sensação de HDRI, nomeadamente porque por vezes temos no cenário vermelhos e azuis muito presentes.
A técnica antiga em película tinha como características o facto de criar uma aparência Impressionista, com ar de algum Pontilhado. Visto mais de perto as partículas de cor, pareciam quase ruído sobre a imagem. Ora isto depois quando criado digitalmente, passa a poder ser controlado em todo o seu detalhe. O objectivo do autochrome hoje no digital, pode servir mais para garantir um visual próximo da película, evitando a limpidez do digital. Mas quando trabalhado, pode conseguir-se esta saturação forte com diversas cores, como se estivéssemos a trabalhar com diferentes exposições.
Três imagens do mesmo plano. A primeira é o ficheiro directo retirado da câmara digital Alexa. A segunda imagem é o primeiro tratamento realizado na câmara com os valores de LUT (valores que permitem ter uma ideia final da imagem em termos de cor e densidade). Finalmente a última imagem é, aquela que nós vimos no cinema, já com o tratamento de Autochrome. [Imagens da revista American Cinematographer]
Finalmente para terminar, encontrei um making of criado pela Pixomondo, que foi a empresa que tornou possível a criação do filme no formato 3D. Neste making of podem ver-se imensos detalhes fascinantes de composição digital, e alguns dos planos sequências, nomeadamente o final que impressiona bastante, ainda para mais sendo filmado em 3D. São 9 minutos, que valem a pena ver e rever.
Making of Hugo (2011) da Pixomondo
março 15, 2012
Retro making of Doom, em 1993
Acabo de encontrar um documento vídeo colocado online pelo próprio John Romero que retrata o dia-a-dia de um dos mais importantes estúdios de desenvolvimento de jogos, a id Software em 1993. O vídeo foi filmado em Novembro de 1993, pouco tempo antes do lançamento de um dos mais importantes videojogos de sempre, Doom (1993).
O vídeo foi criado por Dan Linton um manager de uma BBS da altura que pediu para aceder ao estúdio e gravar o vídeo. No vídeo podemos sentir a atmosfera do estúdio, a equipa a jogar jogos que acabavam de sair para ver que novidades existiam ali, temos no vídeo por exemplo Alladin (1992) de David Perry, ou Bram Stoker's Dracula (1993) da Psygnosis. Podemos ainda ver como se passavam os Domingos no estúdio na altura.
O primeiro ponto alto do vídeo é a entrevista com Bobby Prince, o compositor e designer do som de Doom, que já tinha composto para Wolfstein 3d e viria a compor ainda para Doom II e Duke Nukem. Na entrevista ele dá-nos a ouvir alguns trechos criados para outros jogos e vai explicando o que tinha em mente na sua criação. São alguns minutos que nos permitem perceber que o som, apesar da sua enorme abstracção, pode conter grande detalhe narrativo e transportar o jogador para o universo pretendido.
O segundo momento é o John Romero a jogar durante 20 minutos uma versão quase final de Doom, mas ainda sem música nem efeitos sonoros do Bobby Prince. Aqueles que ouvimos no vídeo são do port do Wolfstein 3d acabado de criar para a SNES.
O vídeo foi criado por Dan Linton um manager de uma BBS da altura que pediu para aceder ao estúdio e gravar o vídeo. No vídeo podemos sentir a atmosfera do estúdio, a equipa a jogar jogos que acabavam de sair para ver que novidades existiam ali, temos no vídeo por exemplo Alladin (1992) de David Perry, ou Bram Stoker's Dracula (1993) da Psygnosis. Podemos ainda ver como se passavam os Domingos no estúdio na altura.
A equipa da id Software em 1992
Bobby Prince, compositor e designer de som de Doom, 1993
O segundo momento é o John Romero a jogar durante 20 minutos uma versão quase final de Doom, mas ainda sem música nem efeitos sonoros do Bobby Prince. Aqueles que ouvimos no vídeo são do port do Wolfstein 3d acabado de criar para a SNES.
março 13, 2012
Entrevista com Rui Louro - Artista 3d
Rui Louro tem 35 anos, reside em Lisboa sendo natural de Évora. É licenciado em Escultura pela Faculdade de Belas Artes de Lisboa, e é Artista 3d. Desenvolve o seu trabalho na produtora Até ao Fim do Mundo, e na escola de formação em digital media Odd School.
1 - Porque fizeste um curso em Escultura? Pode viver-se em Portugal apenas da Escultura?
:: Desde pequeno que tinha aptidão para as artes. Gostava muito de desenhar (coisa que há já algum tempo que não faço), montar e desmontar coisas. Sempre houve curiosidade de como as coisas são e como funcionam. O curso de Escultura veio na sequência natural do que era a minha vida do Secundário enquanto estudante de Arte. Quanto a viver da escultura, isso poderia dar uma longa conversa. O que te posso dizer é que depois de ter concluído o curso de escultura da Faculdade de Belas Artes de Lisboa, trabalhei como Técnico Superior na Universidade de Évora. Fui responsável pelas tecnologias de Escultura (ferro, pedra e madeiras) no curso de Artes Visuais, e estive nessa situação durante seis anos. Foi dando para pagar as contas :)
2 - Já conhecias a modelação 3d quando foste para o curso, ou como é foste parar à modelação 3d? Encaras esta área como uma nova oportunidade para o pessoal formado em Escultura?
:: Foi precisamente devido a uma necessidade que tive aquando da realização de um trabalho para uma disciplina do curso, que contactei pela primeira vez com um software de modelação 3D. Até à data eram-me totalmente desconhecidos. Se é ou não uma nova oportunidade para os escultores não te sei responder, para mim foi, mas é sem dúvida mais uma óptima ferramenta de exploração e criação.
Pode ser uma excelente maneira de explorar uma ideia antes de esta ser concebida fisicamente. Inclusive já produzi algumas visualizações de obras minhas e de alguns escultores antes das mesmas serem construídas fisicamente.
3 - Como é o mundo da modelação 3d quando comparado com o mundo da escultura fisica? Podemos chamar a modelação 3d, de Escultura Digital?
:: Pessoalmente, prefiro sem dúvida o mundo da modelação 3D, porque praticamente não tem limites, ainda que goste da escultura a que chamas física. Mas para mim existem demasiadas condicionantes nesta última. Precisa de ter espaço próprio, a matéria prima com que gosto de trabalhar é cara, requer demasiadas ferramentas que são dispendiosas. E para poderes viver delas tens de as vender o que nem sempre acontece. E ainda condicionantes como o próprio mundo da arte hoje em dia, que daria ainda uma conversa muito maior :) O facto de fazer o que faço permite-me chegar a muito mais áreas do meu interesse. O leque de oportunidades é muitíssimo maior.
Sim, podemos chamar de Escultura Digital. Inclusive um dos software que uso com frequência, o Zbrush, serve para isso mesmo - para criar escultura digital.
4 - De que modo é que uma formação em escultura, nomeadamente a que fizeste pode ajudar uma pessoa a ser melhor modelador 3d? É uma opção de formação para quem desejar trabalhar em 3d?
:: O facto de ter tirado o curso de Escultura, não o posso negar, foi uma mais valia para mim. Ter passado horas agarrado a um bloco de barro a esculpir modelos deu-me algumas boas noções de volumetria e proporções, que são essenciais, por exemplo, para se criar qualquer tipo de modelo. As aulas de anatomia, desenho de modelo nu e uma ou outra disciplina teórica também foram importantes. Mas não acho que o curso de escultura tenha tido um papel assim tão importante no meu percurso enquanto modelador ou animador 3d.
Penso que não é uma boa opção para quem quer seguir esta carreira. Não é uma opção focalizada e que oriente os alunos nessa direcção. Felizmente, hoje, existem outras opções de formação muito mais interesantes e dedicadas.
É o caso da Odd-School, da qual sou Co-fundador, e que se dedica a dar formação especializada nesta e noutras áreas (passo a publicidade :) ).
5 - Vi que já trabalhaste 3d para arquitectura e para jogos, ou seja animação em tempo real. Quais as maiores diferenças entre as duas áreas? É viável alguém passar do 3d arquitectura para o 3d em jogos, ou vice versa?
:: Sim já trabalhei nessas duas vertentes, se bem que a visualização para arquitectura nunca foi o que gostei mais de fazer. Quanto aos jogos foi uma experiência muito curta. Mas em ambas conheci pessoas excepcionais e aprendi bastante com elas.
Quer numa empresa quer noutra a minha função era essencialmente animar personagens, objectos, etc. Tirando algumas condicionantes no que toca à forma de fazer as coisas é essencialmente a mesma coisa (na perspectiva do animador). Os jogos vivem essencialmente dos motores de jogo, cujo objectivo é funcionar em tempo real, e por isso as condicionantes no que toca à quantidade e tipo de geometria a usar. Para as visualizações de arquitectura a única condicionante é saber se os render vão ou não estar prontos a tempo de se pós-produzir o trabalho e entregá-lo ao cliente a horas.
Da minha perspectiva não encontro motivos nenhuns para que isso não aconteça. Obviamente a forma como se trabalha é diferente mas os conteúdos são basicamente os mesmos.
6 - Como te parece que está o domínio da Modelação 3d em Portugal, tanto em termos de formação, como de qualidade das pessoas que existem cá, assim como dos trabahos que se vai fazendo?
:: Posso-te dizer que está numa evolução muito boa. Infelizmente o nosso mercado ainda não é dos mais interessantes mas tem tido um bom crescimento nos últimos anos. Sou um bocado suspeito para falar de formação, mas do ponto de vista da Odd-School enquanto escola de formação na área, a evolução tem sido muito boa e os resultados falam por si. Isto também é demonstrativo da capacidade e qualidade das pessoas que nos têm batido à porta. Mas não é mais do que a confirmação do que tenho encontrado em todo o meu percurso. Em todos os sítios onde trabalhei e trabalho encontrei excelentes profissionais.
7 - Qual o melhor trabalho que já fizeste, e porquê?
:: Acho que ainda não o fiz :). Tenho um carinho muito especial por alguns deles mas em verdade não te consigo dizer que um é melhor que outro.
8 - Quais te parecem ser os erros mais comum na modelação de objectos/personagens 3d?
:: Daquilo que observo, por exemplo dos meus alunos, é a dificuldade que eles tem em simplificar a modelação. Por vezes cria-se demasiada geometria onde não é preciso. O tipo de modelação depende acima de tudo do objectivo desse objecto ou personagem. Se o objectivo for, por exemplo, uma animação, a forma como se modela é completamente diferente da modelação de um objecto ou personagem para um jogo, ainda que se toquem em alguns pontos. Por isso primeiro, há que saber para que tipo de produção vai servir esse modelo e depois é ter algumas considerações técnicas no processo de modelação para o conseguir da melhor forma.
9 - Alguém que esteja a ler isto, e que tenha aquele desejo de trabalhar na área, que 3 conselhos lhe darias?
1 - Não desistam - é preciso dedicar muitas horas do nosso tempo para evoluir.
2 - Estejam sempre disponíveis para aprender - é uma área que está em constante mudança.
3 - Criem um bom portefólio dos vossos trabalhos - essa é a principal arma para entrar no mercado de trabalho.
Este é extra :)
4 - Ter uma boa formação é essencial não só porque acelera o processo de aprendizagem, mas principalmente porque conhecemos pessoas com as mesmas motivações que as nossas e isso ajuda a abrir muitas portas. Digo isto por experiência própria.
Blacksmith (2011)
1 - Porque fizeste um curso em Escultura? Pode viver-se em Portugal apenas da Escultura?
:: Desde pequeno que tinha aptidão para as artes. Gostava muito de desenhar (coisa que há já algum tempo que não faço), montar e desmontar coisas. Sempre houve curiosidade de como as coisas são e como funcionam. O curso de Escultura veio na sequência natural do que era a minha vida do Secundário enquanto estudante de Arte. Quanto a viver da escultura, isso poderia dar uma longa conversa. O que te posso dizer é que depois de ter concluído o curso de escultura da Faculdade de Belas Artes de Lisboa, trabalhei como Técnico Superior na Universidade de Évora. Fui responsável pelas tecnologias de Escultura (ferro, pedra e madeiras) no curso de Artes Visuais, e estive nessa situação durante seis anos. Foi dando para pagar as contas :)
Dragon Character (2009)
2 - Já conhecias a modelação 3d quando foste para o curso, ou como é foste parar à modelação 3d? Encaras esta área como uma nova oportunidade para o pessoal formado em Escultura?
:: Foi precisamente devido a uma necessidade que tive aquando da realização de um trabalho para uma disciplina do curso, que contactei pela primeira vez com um software de modelação 3D. Até à data eram-me totalmente desconhecidos. Se é ou não uma nova oportunidade para os escultores não te sei responder, para mim foi, mas é sem dúvida mais uma óptima ferramenta de exploração e criação.
Pode ser uma excelente maneira de explorar uma ideia antes de esta ser concebida fisicamente. Inclusive já produzi algumas visualizações de obras minhas e de alguns escultores antes das mesmas serem construídas fisicamente.
Trabalho (2010): Rigging / Animation / Tracking / Lighting / Render
3 - Como é o mundo da modelação 3d quando comparado com o mundo da escultura fisica? Podemos chamar a modelação 3d, de Escultura Digital?
:: Pessoalmente, prefiro sem dúvida o mundo da modelação 3D, porque praticamente não tem limites, ainda que goste da escultura a que chamas física. Mas para mim existem demasiadas condicionantes nesta última. Precisa de ter espaço próprio, a matéria prima com que gosto de trabalhar é cara, requer demasiadas ferramentas que são dispendiosas. E para poderes viver delas tens de as vender o que nem sempre acontece. E ainda condicionantes como o próprio mundo da arte hoje em dia, que daria ainda uma conversa muito maior :) O facto de fazer o que faço permite-me chegar a muito mais áreas do meu interesse. O leque de oportunidades é muitíssimo maior.
Sim, podemos chamar de Escultura Digital. Inclusive um dos software que uso com frequência, o Zbrush, serve para isso mesmo - para criar escultura digital.
Trabalho (2010): Character Design / Modeling / Texturing / Rigging / Animation / Lighting/ Render
4 - De que modo é que uma formação em escultura, nomeadamente a que fizeste pode ajudar uma pessoa a ser melhor modelador 3d? É uma opção de formação para quem desejar trabalhar em 3d?
:: O facto de ter tirado o curso de Escultura, não o posso negar, foi uma mais valia para mim. Ter passado horas agarrado a um bloco de barro a esculpir modelos deu-me algumas boas noções de volumetria e proporções, que são essenciais, por exemplo, para se criar qualquer tipo de modelo. As aulas de anatomia, desenho de modelo nu e uma ou outra disciplina teórica também foram importantes. Mas não acho que o curso de escultura tenha tido um papel assim tão importante no meu percurso enquanto modelador ou animador 3d.
Penso que não é uma boa opção para quem quer seguir esta carreira. Não é uma opção focalizada e que oriente os alunos nessa direcção. Felizmente, hoje, existem outras opções de formação muito mais interesantes e dedicadas.
É o caso da Odd-School, da qual sou Co-fundador, e que se dedica a dar formação especializada nesta e noutras áreas (passo a publicidade :) ).
Pato (2010)
5 - Vi que já trabalhaste 3d para arquitectura e para jogos, ou seja animação em tempo real. Quais as maiores diferenças entre as duas áreas? É viável alguém passar do 3d arquitectura para o 3d em jogos, ou vice versa?
:: Sim já trabalhei nessas duas vertentes, se bem que a visualização para arquitectura nunca foi o que gostei mais de fazer. Quanto aos jogos foi uma experiência muito curta. Mas em ambas conheci pessoas excepcionais e aprendi bastante com elas.
Quer numa empresa quer noutra a minha função era essencialmente animar personagens, objectos, etc. Tirando algumas condicionantes no que toca à forma de fazer as coisas é essencialmente a mesma coisa (na perspectiva do animador). Os jogos vivem essencialmente dos motores de jogo, cujo objectivo é funcionar em tempo real, e por isso as condicionantes no que toca à quantidade e tipo de geometria a usar. Para as visualizações de arquitectura a única condicionante é saber se os render vão ou não estar prontos a tempo de se pós-produzir o trabalho e entregá-lo ao cliente a horas.
Da minha perspectiva não encontro motivos nenhuns para que isso não aconteça. Obviamente a forma como se trabalha é diferente mas os conteúdos são basicamente os mesmos.
Bedroom (2009)
6 - Como te parece que está o domínio da Modelação 3d em Portugal, tanto em termos de formação, como de qualidade das pessoas que existem cá, assim como dos trabahos que se vai fazendo?
:: Posso-te dizer que está numa evolução muito boa. Infelizmente o nosso mercado ainda não é dos mais interessantes mas tem tido um bom crescimento nos últimos anos. Sou um bocado suspeito para falar de formação, mas do ponto de vista da Odd-School enquanto escola de formação na área, a evolução tem sido muito boa e os resultados falam por si. Isto também é demonstrativo da capacidade e qualidade das pessoas que nos têm batido à porta. Mas não é mais do que a confirmação do que tenho encontrado em todo o meu percurso. Em todos os sítios onde trabalhei e trabalho encontrei excelentes profissionais.
Bedroom (2009)
7 - Qual o melhor trabalho que já fizeste, e porquê?
:: Acho que ainda não o fiz :). Tenho um carinho muito especial por alguns deles mas em verdade não te consigo dizer que um é melhor que outro.
8 - Quais te parecem ser os erros mais comum na modelação de objectos/personagens 3d?
:: Daquilo que observo, por exemplo dos meus alunos, é a dificuldade que eles tem em simplificar a modelação. Por vezes cria-se demasiada geometria onde não é preciso. O tipo de modelação depende acima de tudo do objectivo desse objecto ou personagem. Se o objectivo for, por exemplo, uma animação, a forma como se modela é completamente diferente da modelação de um objecto ou personagem para um jogo, ainda que se toquem em alguns pontos. Por isso primeiro, há que saber para que tipo de produção vai servir esse modelo e depois é ter algumas considerações técnicas no processo de modelação para o conseguir da melhor forma.
Trabalho (2010): Design/ Modeling / Animation / Lighting / Render
9 - Alguém que esteja a ler isto, e que tenha aquele desejo de trabalhar na área, que 3 conselhos lhe darias?
1 - Não desistam - é preciso dedicar muitas horas do nosso tempo para evoluir.
2 - Estejam sempre disponíveis para aprender - é uma área que está em constante mudança.
3 - Criem um bom portefólio dos vossos trabalhos - essa é a principal arma para entrar no mercado de trabalho.
Este é extra :)
4 - Ter uma boa formação é essencial não só porque acelera o processo de aprendizagem, mas principalmente porque conhecemos pessoas com as mesmas motivações que as nossas e isso ajuda a abrir muitas portas. Digo isto por experiência própria.
março 11, 2012
Videojogos no Nativos Digitais
No mês passado quando a série nacional Nativos Digitais da RTP 2 fez o episódio As Vidas e os Bónus dos Videojogos, disse aqui que esse era apenas o primeiro de dois episódios dedicados aos videojogos. Pois bem, esta semana saiu a segunda parte. Entretanto para quem quiser saber mais sobre o programa em si, recomendo a visita ao primeiro texto.
Se o primeiro teve um enfoque nos serious games, a segunda parte vai toda para a discussão sobre os efeitos e impactos dos videojogos nos jovens, nomeadamente as questões da violência e da adição. Se o primeiro episódio ficou muito bom, este não fica atrás em nada. Deste modo podemos dizer que ficamos aqui com dois excelentes documentos nacionais sobre uma das mais importantes formas de expressão do século XXI.
Vou aproveitar para linkar aqui as duas partes, assim quem ainda não viu poderá ver as duas partes seguidas. Nos dois filmes pudemos contar com testemunhos de: Filipe Pina, Luís Pereira, Ana Torres, Nuno Rodrigues, Ana Melo, Luís Santos, e eu próprio.
Se o primeiro teve um enfoque nos serious games, a segunda parte vai toda para a discussão sobre os efeitos e impactos dos videojogos nos jovens, nomeadamente as questões da violência e da adição. Se o primeiro episódio ficou muito bom, este não fica atrás em nada. Deste modo podemos dizer que ficamos aqui com dois excelentes documentos nacionais sobre uma das mais importantes formas de expressão do século XXI.
Vou aproveitar para linkar aqui as duas partes, assim quem ainda não viu poderá ver as duas partes seguidas. Nos dois filmes pudemos contar com testemunhos de: Filipe Pina, Luís Pereira, Ana Torres, Nuno Rodrigues, Ana Melo, Luís Santos, e eu próprio.
Nativos Digitais #57: Videojogos, Parte 1
Nativos Digitais #60: Videojogos, Parte 2
março 10, 2012
RIP: Moebius (1938-2012)
O mundo perdeu hoje um dos maiores artistas da banda desenhada francesa, e um dos mais reconhecidos concept artists do cinema internacional. Conhecido como Moebius, o seu verdadeiro nome era Jean Giraud. Morreu aos 73 anos vítima de cancro.
À sua carreira não faltou reconhecimento tendo recebido cerca de 20 prémios entre festivais de Banda Desenhada (BD), de Ficção Científica (FC), e de reconhecimento. Toda a comunidade ligada à BD, à FC e ao cinema fantástico reconhece neste um dos maiores visionários da representação visual. Como diz Ridley Scott “You see it everywhere, it runs through so much you can’t get away from it.”
Começou na BD com o género western criando uma série de culto em França, Blueberry (1963..) que viria a ser adaptado ao cinema em 2004 tendo no elenco nomes como Vincent Cassel e Juliette Lewis. Mas é o seu trabalho conceptual para o cinema que o vai transformar numa estrela internacional, participando na criação conceptual de: Alien (1979), The Time Masters (1982), Tron (1982), Masters of the Universe (1987), Willow (1988), The Abyss (1989), The Fifth Element (1997). Ou ainda o nunca realizado Dune de Alejandro Jodorowski em 1975, e ainda o seu trabalho com Dan O'Bannon no livro The Long Tomorrow (1975) que viria a servir de influência maior em todo o visual de Blade Runner (1982).
Em 1988 Moebius iria colaborar com Stan Lee para criar uma das histórias do Surfista Prateado mais comoventes dessa década, A Parábola (1988).
Não é possível passar pela enorme quantidade de trabalho produzido por este artista num pequeno texto, por isso e para ficarem a conhecer melhor o seu trabalho aconselho vivamente o visionamento do documentário In Search of Moebius (2007) da BBC. O documentário está disponível no Daily Motion em três partes, deixo aqui abaixo a primeira parte.
Jean Giraud na exposição Moebius-Transe-Forme, realizada pela Fondation Cartier Pour L’Art Contemporain entre 2010 e 2011
À sua carreira não faltou reconhecimento tendo recebido cerca de 20 prémios entre festivais de Banda Desenhada (BD), de Ficção Científica (FC), e de reconhecimento. Toda a comunidade ligada à BD, à FC e ao cinema fantástico reconhece neste um dos maiores visionários da representação visual. Como diz Ridley Scott “You see it everywhere, it runs through so much you can’t get away from it.”
Concept art para Tron (1982)
Concept art para The Abyss (1989)
Storyboards de Moebius para Dune de Alejandro Jodorowski que nunca viria a ser realizado.
The Long Tomorrow (1975) escrito por Dan O'Bannon e desenhado por Moebius
Em 1988 Moebius iria colaborar com Stan Lee para criar uma das histórias do Surfista Prateado mais comoventes dessa década, A Parábola (1988).
Silver Surfer: Parable (1988), escrito por Stan Lee, desenhado por Moebius
Não é possível passar pela enorme quantidade de trabalho produzido por este artista num pequeno texto, por isso e para ficarem a conhecer melhor o seu trabalho aconselho vivamente o visionamento do documentário In Search of Moebius (2007) da BBC. O documentário está disponível no Daily Motion em três partes, deixo aqui abaixo a primeira parte.
por detrás de Kara
Tenho visto falar-se muito da narrativa por detrás de Kara, a Wired fala da influência do livro The Singularity is Near (2005) de Ray Kurzweil, e na entrevista realizada, David Cage refere "que virá o dia em que a inteligência artificial será mais esperta que nós, e isso é inevitável, este clip é sobre esse momento". Mas na verdade em várias formas de inteligência as máquinas já são superiores a nós, nomeadamente no processamento de cálculo e na memorização de dados (Deep Blue já tem 15 anos). O que ainda nos separa é algo menos matemático, menos linear, digamos mais humano.
As maiores influências deste clip, estão há muito no cinema, começando bem cedo com Metropolis de Fritz Lang em 1927. Já o momento da "desassemblagem" em termos de guião é totalmente decalcado de 2001: A Space Odyssey (1968) de Stanley Kubrick. É impossível não relembrar uma das melhores cenas do cinema de sempre, com Hal 9000 murmurando,
E depois não podemos deixar de relembrar o maior clássico de sempre sobre o assunto Blade Runner (1982) de Ridley Scott, baseado no fabuloso Do Androids Dream of Electric Sheep? (1968) de Philip K. Dick, que utilizava o Teste de Turing para separar o humano da máquina. Quando David Cage diz que "Para mim eu penso que vai acontecer como um erro numa fábrica, e é algo que nunca deveria acontecer - mas aconteceu". Está apenas a dizer aquilo que já viu representado em The Terminator (1984) ou em Matrix (1999) dos irmãos Wachowski. Mas mais do que estes, o tema foi brilhantemente explorado por Spielberg e Kubrick em A.I. Artificial Intelligence (2001) que nos trouxeram aquele que eu considero ser o melhor filme sobre o assunto, porque discute o que está verdadeiramente em questão aqui, a emoção.
A.I. Artificial Intelligence (2001) de Steven Spielberg
No campo estético este clip da Quantic Dreams é por seu lado totalmente decalcado de I, Robot (2004) do Alex Proyas e de All is Full of Love (1999) de Cunningham. A diferença em Kara é que assistimos à sua transformação em humano visualmente. Mas neste clip podemos ver como Sonny expressa as suas emoções de modo brilhante.
I, Robot (2004) de Alex Proyas
Tudo isto não devia tirar valor ao filme da Quantic Dreams, porque este está a correr em tempo real na PS3. Mas na verdade, tira, porque apesar de estar a correr em tempo real, a linguagem é toda cinematográfica. Nada ali é interactivo, como tal estão a ser utilizados todos os truques da ilusão cinematográfica para nos levar a acreditar em algo que é muito diferente daquilo que nos é mostrado. Falo essencialmente do processo de montagem.
Quando Robinson da Eurogamer menospreza o trabalho em L.A. Noire (2011) da Team Boundi dizendo que está cheio de performances fracas, ou que Uncharted (2011) da Naughty Dog, estava mais preocupado com o entusiasmo cinematográfico do que o puro drama adulto, esquece que ali temos interatividade, aqui não, e isso faz toda a diferença. Concordo no entanto, que ambos esses projectos estão longe da qualidade dramática explorada em Heavy Rain (2010), mas isso vai muito para além da expressão facial, estamos a falar de toda uma diferente abordagem à arte interactiva. Algo que David Cage explica muito bem quando diz,
UPDATE 21 Março 2012:
Agradeço ao Manuel Correia pelo envio do making of.
As maiores influências deste clip, estão há muito no cinema, começando bem cedo com Metropolis de Fritz Lang em 1927. Já o momento da "desassemblagem" em termos de guião é totalmente decalcado de 2001: A Space Odyssey (1968) de Stanley Kubrick. É impossível não relembrar uma das melhores cenas do cinema de sempre, com Hal 9000 murmurando,
I'm afraid. I'm afraid, Dave. Dave, my mind is going. I can feel it. I can feel it. My mind is going.
2001: A Space Odyssey (1968) de Stanley Kubrick [Ver a cena completa]
E depois não podemos deixar de relembrar o maior clássico de sempre sobre o assunto Blade Runner (1982) de Ridley Scott, baseado no fabuloso Do Androids Dream of Electric Sheep? (1968) de Philip K. Dick, que utilizava o Teste de Turing para separar o humano da máquina. Quando David Cage diz que "Para mim eu penso que vai acontecer como um erro numa fábrica, e é algo que nunca deveria acontecer - mas aconteceu". Está apenas a dizer aquilo que já viu representado em The Terminator (1984) ou em Matrix (1999) dos irmãos Wachowski. Mas mais do que estes, o tema foi brilhantemente explorado por Spielberg e Kubrick em A.I. Artificial Intelligence (2001) que nos trouxeram aquele que eu considero ser o melhor filme sobre o assunto, porque discute o que está verdadeiramente em questão aqui, a emoção.
No campo estético este clip da Quantic Dreams é por seu lado totalmente decalcado de I, Robot (2004) do Alex Proyas e de All is Full of Love (1999) de Cunningham. A diferença em Kara é que assistimos à sua transformação em humano visualmente. Mas neste clip podemos ver como Sonny expressa as suas emoções de modo brilhante.
Tudo isto não devia tirar valor ao filme da Quantic Dreams, porque este está a correr em tempo real na PS3. Mas na verdade, tira, porque apesar de estar a correr em tempo real, a linguagem é toda cinematográfica. Nada ali é interactivo, como tal estão a ser utilizados todos os truques da ilusão cinematográfica para nos levar a acreditar em algo que é muito diferente daquilo que nos é mostrado. Falo essencialmente do processo de montagem.
Quando Robinson da Eurogamer menospreza o trabalho em L.A. Noire (2011) da Team Boundi dizendo que está cheio de performances fracas, ou que Uncharted (2011) da Naughty Dog, estava mais preocupado com o entusiasmo cinematográfico do que o puro drama adulto, esquece que ali temos interatividade, aqui não, e isso faz toda a diferença. Concordo no entanto, que ambos esses projectos estão longe da qualidade dramática explorada em Heavy Rain (2010), mas isso vai muito para além da expressão facial, estamos a falar de toda uma diferente abordagem à arte interactiva. Algo que David Cage explica muito bem quando diz,
"Estou interessado em explorar tudo que seja humano, seja no passado, presente ou futuro, não importa. É tudo sobre seres humanos e as emoções e as suas relações, como sentimos, como amamos e como odiamos. É o que quero explorar - tudo o resto é fundo."Ainda assim o filme surpreende claramente pela qualidade do motion capture, pela qualidade técnica da iluminação, o brilho lacrimoso dos olhos é estonteante, e pelo nível de detalhe nos movimentos dos músculos da face. Mas não, não estamos mais próximos de ultrapassar o Uncanny Valley como diz o Cage, este curto clip ainda o deve muito à qualidade da montagem cinematográfica. E sim acredito que o trabalho com Kara tenha sido feito há um ano, mas a montagem e pós-produção, que foi agora libertada, não, e é ela que garante muita da ilusão nos sentimentos que sentimos. Ficamos a aguardar o jogo, entretanto revejam o filme.
Kara Project (2012) da Quantic Dream
UPDATE 21 Março 2012:
Agradeço ao Manuel Correia pelo envio do making of.
Making of Kara Project (2012)