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janeiro 12, 2021

Livros do Google Books em Domínio Público

O Google Books (ou Google Livros) é um dos serviços da Google mais importantes e impressionantes de entre os muitos que têm desenvolvido, pois conseguiu ao longo dos últimos 15 anos digitalizar 40 milhões de livros em todo o mundo. A Google estima que existam cerca de 130 milhões de volumes em bibliotecas no mundo e tem como objetivo digitalizar todos. Este serviço só tem um problema, o Copyright. A Google não pode disponibilizar em modo completo, obras que estejam debaixo de direitos de autor. Contudo, pode disponibilizar aquelas de que os seus autores tenham falecido há mais de 70 anos, e é isto que me interessa aqui. Porque a Google não disponibiliza automaticamente os livros que entram no domínio público a cada ano, para tal acontecer é preciso que alguém reclame e evidencie que a obra já está em domínio público. Para o efeito, deixo abaixo os passo para qualquer um de vós o poder fazer.

Como libertar livros em Domínio Público no Google Books

julho 03, 2014

Plágio Castello

Esta semana estalou a polémica em redor de uma campanha da Agua Castello, tendo na altura escrito sobre o assunto no facebook, aproveito apenas para colocar o texto aqui sem alterações, como forma de registo. O artigo do Dinheiro Vivo saiu no dia 30 Junho, por volta do meio-dia, eu publiquei o meu texto no facebook com o título "Não é Strat. É Charles Burns" por volta das 14h00, no final desse mesmo dia, por volta das 19h00, a Água Castello retirava a campanha. Apesar disso a Fantagraphics tinha exposto a campanha três dias antes, a 27 de Junho.


A Água Castello portuguesa foi exposta internacionalmente à vergonha do plágio. A culpa não é sua, mas da agência que contratou para criar a nova campanha baseada em quadros de banda desenhada. Quem acusa é a Fantagraphics editora do trabalho de Charles Burns, autor dos alegados desenhos originais.

Inicialmente tive dúvidas, mesmo depois de ver algumas imagens da editora, principalmente porque não gosto de embandeirar com ataques de plágio no mundo das artes visuais já que tenho visto demasiado trabalho ser atacado injustamente. Mas vista a composição de desmontagem visual realizada pela Fantagraphics (imagem acima) as minhas dúvidas desvaneceram-se por completo (a cara do topo da garrafa é composta a partir da parte inferior da cara de um desenho, e da parte superior da cara de outro desenho). Estamos perante um trabalho de remix muito bem feito, o que para mim não teria nenhum problema caso fosse para ser usado sem fins lucrativos. Mas a ser usado deste modo, é mau, é muito mau.

Da análise do trabalho da Strat, a agência que criou a campanha, verifico que são muito bons em manipulação de fotografia. Ora é isso que temos nas garrafas da Castello, quadros de desenhos de Charles Burns manipulados (redimensionar ou rodar imagens, adicionar traços ou pontos, sobreposição de diferentes imagens para formar outras, etc.). Por isso vir dizer que meramente se “serviram de referências” é altamente abusivo, pois não estão cá referências, mas antes o trabalho em concreto de outro autor.

Sei bem porque a Strat diz isto, porque à partida não existe cobertura legal para que a Strat possa ser processada, uma vez que a manipulação deste tipo é muito usada exactamente para fugir aos direitos de autor. Ou seja em vez de pagar os direitos, alteram-se os trabalhos originais para ficarem ligeiramente diferentes, e assim passarem no crivo.

Mas se isto pode ser “aceitável” na faculdade ou em trabalhos sem componente comercial, desde que citadas as fontes, não é, nem pode ser, tolerado a uma empresa que quer trabalhar a este nível. Porque o que vemos aqui é simplesmente o cortar de custos. Não se contrata um ilustrador, nem se quer pagar quem desenhou o que se encontra online, mas pretende-se receber por um trabalho não realizado.

A Água Castello deve mandar retirar a campanha sem demoras, realizar um pedido de desculpas a Charles Burns, e pedir a total devolução da verba paga à Strat.


Fica a mensagem da Água Castello, deixada no Facebook, e que não me satisfaz, no sentido em que não realiza um claro pedido de desculpas ao autor e de certa forma quase protege a agência responsável pela campanha:
Declaração: A Água Castello enquanto marca portuguesa sempre se guiou por valores de responsabilidade, qualidade e transparência o que lhe grangeou a admiração e o respeito dos seus inúmeros consumidores.
A Água Castello quer acreditar que a Agência de Publicidade que desenvolveu a campanha “Não é Água. É Castello” se pautou pelos mesmos princípios como tem reiterado.
No entanto, para que nenhuma dúvida subsista e como prova de boa fé, a Água Castello vai dar por terminada esta campanha. A Água Castello quer continuar a merecer o respeito dos seus consumidores, dos criadores e de todos os que amam a verdade.
Água Castello

abril 30, 2013

Comunicação e as falácias da Sociedade de Informação (Copyright, MOOC, Democracia Directa, Open Access, Rankings)

No dia em que se comemoram 20 anos da WWW trago algumas reflexões sobre o impacto da internet no pensamento contemporâneo. Ao longo dos últimos meses envolvi-me em discussões mais ou menos acesas sobre o Copyright. As discussões sobre o copyright nunca foram pacíficas, mas acentuaram-se com a massificação do acesso à internet. De uma forma geral e a um nível internacional os detractores defendem a legalidade da partilha de conteúdos sob copyright desde o Napster aos torrents, até ao acesso aberto às publicações científicas. Em Portugal temos vários defensores desta ideologia, e nos últimos dois meses tive oportunidade de me debater com dois deles – Ludwig Krippahl, especialista em bioinformática na UNL e Eloy Rodrigues especialista em sistemas de documentação na UM.


Tive uma discussão no blog do Krippahl que se prolongou por dois textos seus - Um acidente histórico, 15.2.2013; Censura, 29.3.2013  - que nos serviram para discutir os fundamentos do copyright ao longo de mais de uma dezena de respostas e contra-respostas nas caixas de comentários. A discussão circulou à volta da defesa da inovação, criatividade, liberdade de expressão e censura. Ludwig Krippahl defende que o copyright confere aos criadores um direito monopolista sobre a informação, o que tem como consequência a transformação a lei do copyright numa lei censória, porque impossibilita as pessoas de poderem transmitir determinada informação. Nesse sentido defende que o copyright deve ser extinto, porque este não pode sobrepôr-se à liberdade expressão. Quanto ao modo como podem os criadores ganhar vida com aquilo que criam, não apresenta qualquer solução. Deixo um resumo daquilo que eu defendi nessa discussão,
- O que se pede à sociedade no respeito do copyright e das patentes está relacionado com um ponto único, o estímulo à inovação e criatividade humana.

- A internet será tão livre quanto tudo o resto nas nossas vidas em sociedade. 


- Sobre a Liberdade de Expressão, leia-se o ponto 2 do Artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, sobre a Liberdade de Expressão. Não existe sociedade sem cedências de princípios, por muito que custe a cada um de nós.


- O fundamentalismo é mau, seja em que direcção for, para proteger seja o que for ou seja quem for. A vida é demasiada complexa, cheia de variáveis, e em constante transformação para estar sujeita a fundamentalismos.


- A grande questão é que terei muita dificuldade em incentivar jovens a investir 10 anos da sua vida (10 mil horas para atingir a mestria) para se tornarem músicos de excelência, ou escritores, ou desenhadores, etc. se souberem que todo esse investimento terá um retorno igual a zero. 


- Nem toda a arte é produzida por uma única pessoa... Fernando Pessoa foi um grande artista e não precisou do dinheiro de ninguém. Aliás podemos dizer o mesmo de Saramago. Mas não comparemos a escrita de um livro ao longo de anos em part-time, com a criação de um filme ou de um jogo que pode necessitar na sua produção de dezenas e até centenas de pessoas para ser criado, fora as tecnologias. Pessoas que não fazem nada genial e brilhante aos olhos comuns, mas são peças essenciais na engrenagem da criação do artefacto final, sem eles não existe um grande maestro, nem um grande realizador.


- Continuo a discordar da rotulagem de censura… A censura não quer saber da estrutura das palavras, quer saber das ideias. Já o copyright protege a estrutura, não as ideias… Ninguém é impedido de dizer o que pensa. Como já disse, para mim censura, é impedir alguém de expressar os seus pensamentos, ideias e visões. Um acto de censura implica impedir alguém de comunicar as suas ideias a outras pessoas. Isso não acontece, nunca. Mesmo que a sua ideia seja igual à do escritor A ou B, ele não é impedido de expressar a ideia, apenas de o dizer numa determinada organização de palavras. Basta ler o ponto 2 do artigo 1º do CDADC
 
- A investigação científica também é protegida, não com copyrights, mas com patentes. A indústria farmacêutica, a indústria automóvel, a indústria informática, etc. etc. está cheia de investigação protegida. Por isso não é porque nós que fazemos a nossa investigação com dinheiro público, que a investigação científica é toda pública. E o progresso aí não parou por estar protegido, antes aumentou, porque existem muitos mais meios para quem trabalha nesses laboratórios. É claro que a patente não dura o mesmo do copyright. Está entre os 15 e os 20 anos. Aliás como já tinha dito lá atrás, não concordo que o copyright possa durar uma vida. [Não concordo com várias coisas da Lei do Copyright, mas uma coisa é lutar por uma melhor lei, outra é procurar bani-la sem apresentar qualquer contra-solução. Fiquei contente com a decisão do tribunal americano de permitir a apropriação fotográfica, um sinal de que o remix deve ser respeitado.]

- Eu gostava de ver a sociedade viver sem cinema, literatura, música, pintura, escultura, videojogos, arquitectura, etc. etc. etc.
 
- Enfim. É tudo muito giro, mas é quando não nos toca a nós. Todo este discurso da partilha e da liberdade é muito giro, mas qualquer pessoa que tenha de viver do que cria, sabe bem do que falo aqui. [Para se perceber melhor o que acontece quando não existe forma de rentabilizar os produtos que se criam aconselho jogarem a versão pirata do Game Dev Tycoon]
Numa segunda discussão online no Facebook com o Eloy trabalhou-se os fundamentos do Open Access na publicação científica. A ideia de que não faz sentido vedar o acesso a informação produzida pelos investigadores, até porque muita desta já foi antes paga pelos próprios contribuintes. Eloy defende uma abertura do acesso ao conhecimento, propondo como ideal a atingir, o fim das revistas científicas internacionais, vistas como os grandes promotores do fechamento do conhecimento. A ideia passa por colocar toda a produção científica em repositórios públicos, sistemas de disponibilização de artigos com custos reduzidos para as instituições, e deste modo garantir que a informação fica disponível para todos de modo gratuito.
- O mundo da comunicação todos para todos é muito bonito na teoria, mas quando enfrenta a realidade das nossas limitações de gestão de tanta interacção, percebe-se que afinal, existem outras razões por detrás de estruturas [editoras, gatekeeping, etc.] que se criaram no passado.
- Resta algo mais problemático. O conhecimento de que a informação existe, e mais importante ainda, de que essa informação é credível. Ou seja os repositórios são interessantes, enquanto eu souber que o que lá está foi triado antes por Revistas e Conferências de renome que garantem a credibilidade, pagando-se por isso. A partir do momento que um repositório passe a aceitar todo e qualquer artigo sem discriminação, perde o interesse para a comunidade. Obriga-me a investir mais tempo na filtragem do material.
- O que me preocupa em toda a discussão à volta do acesso aberto, e também do copyright, é aquela crença de que Editar e Distribuir, é algo menor, ou algo sem custos. As pessoas esquecem que a informação a que acedem, antes de lhes chegar, foi triada, preparada e disponibilizada nos sítios certos para que as pessoas dela ganhassem conhecimento. Existe todo um processo social que demora tempo, em que as pessoas vão ganhando respeito, em que a credibilidade se joga. É um pouco como a "confiança dos mercados", para falar na linguagem corrente.”
Simplificando. Se não existissem revistas, e cada Universidade tivesse um repositório de todos os artigos publicados pelos seus investigadores, como é que eu poderia triar o que é novo? Triaria apenas o que é do MIT, de Harvard e mais meia-dúzia de universidades respeitadas mundialmente. E os investigadores de universidade menores passariam à história. Mais valeria dedicarem-se só às aulas. As revistas apesar de parecerem pouco democráticas, são-no muito mais do que se possa pensar.

Contra mim existem os argumentos suportados por pessoas como Lawrence Lessig catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Harvard. Ou Aaron Swartz a pessoa que ousou pôr à prova as revistas científicas, tendo instalado um computador dentro do MIT e feito o download de milhões de artigos para depois os disponibilizar em modo aberto. Swartz era uma mente brilhante, mas com sérios problemas de gestão de emoções, tendo recentemente posto fim à vida e assim tornando-se num mártir da causa. Lessig e Swartz trabalharam juntos na criação dos Creative Commons, vale a pena ver a palestra de Lessig no dia do início da sua cátedra, como homenagem a Aaron Swartz (vídeo e transcrição). Sobre Swartz vale a pena ler os artigos Requiem for a Dream da New Yorker e ainda A cidade e o futuro do mundo, segundo Aaron Swartz. Além destes temos Cory Doctorow um escritor de ficção-científica, conhecido pelo seu blog Boing Boing, e que num artigo no mês passado no Guardian, Copyright wars are damaging the health of the internet, resume tudo aquilo que Kripahl defende, propondo o fim do copyright em nome da liberdade expressão, nem que para isso tenha de trucidar todos aqueles que vivem das indústrias criativas.
"Oh, sure, I worry about the income of artists, too, but that's a secondary concern. After all, practically everyone who ever set out to earn a living from the arts has failed – indeed, a substantial portion of those who try end up losing money in the bargain. That's nothing to do with the internet: the arts are a terrible business..." Cory Doctorow
E se já era ridículo dizer isto, uma vez que as indústrias criativas são reconhecidas como um dos braços mais relevante das economias desenvolvidas, a alucinação de Doctorow em redor da sacrossanta liberdade da internet vai ao ponto de propôr que se termine com todo o tipo de vigilância da rede desde o terrorismo à pedofília. Aqui a única coisa que posso dizer é que Doctorow não tem a menor ideia do que está a falar. Aconselhava-o a fazer uma visita a uma qualquer conferência sobre a temática e ver responsáveis por brigadas falar, ouvir algumas histórias reais sobre o submundo da internet, para perceber o quão ingénuo e perigoso é aquilo que afirma. Na verdade é aqui que chegamos, quando optamos por defender ideias de modo extremista. Nada se pode intrometer no nosso caminho, seja o que for, tudo é tratado pela mesma bitola.

Mas perguntam, como posso eu não defender a Liberdade de Expressão, como posso eu não defender o Acesso ao Conhecimento para todos? Como posso ir contra fundamentos que considero basilares? A primeira constatação está relacionada com o facto de que nada no mundo é sagrado, e tudo pode e deve ser questionado sempre. Nesse sentido as nossas posições devem ser casuísticas, e não de princípio. Tão importante como a liberdade de expressão, é a liberdade de pensar. Enredar o pensamento em fundamentalismos cega a nossa capacidade de apreender o diferente, e condiciona o nosso pensamento.

Neste sentido julgo que estamos perante um discurso que apenas consegue ver uma parte da problemática, querendo resolver essa parte, sem se preocupar com todas as variáveis que lhe dizem respeito. E se resolvi escrever este artigo foi para me ajudar a mim próprio a compreender as razões que toldam o pensamento desta abordagem. É algo que comecei a perceber apenas a partir da última discussão sobre os repositórios de conhecimento, quando comecei a notar paralelos com os discursos dos defensores dos cursos universitários massivos online (MOOCs), dos rankings de publicações científicas, dos rankings de escolas e os exames nacionais, entre outras coisas. Venho-me debatendo internamente e em discussões online contra aquilo que considero serem acções de uma minoria que pretende passar a "gerir" a sociedade através de verdades estatísticas, económicas e quantitativas em desfavor da singularidade individual e da criatividade humana. Considero que isto é em parte resultante do deslumbramento com a chamada "sociedade de informação" que choca com algumas teorias sobre o embebimento de conhecimento em Tecnologias Criativas que venho estudando.

As tecnologias criativas têm sido o meu pet project dos últimos anos, para o qual tenho trabalhado conceitos muito abrangentes como a criatividade, a tecnologia, a internet, o artesanato, a revolução industrial, o conhecimento, etc. Muitos dos discursos que vou lendo nestes domínios estão a maior parte do tempo apenas concentrados num único assunto: os impactos da internet nos sistemas de informação. Muito desses impactos têm-nos levado a discutir a suposta gratuitidade do digital, as modificações das massas, dos processos de distribuição, dos processos de produção. Muitas destas discussões têm vindo a promover a crença em teorias que comparam o funcionamento da internet com o funcionamento do nosso cérebro, como Doctorow diz, nós precisamos de "acknowledge that the internet is the nervous system of the information age."

Por outro lado toda uma outra barricada se começou a levantar do lado oposto e tem acusado os defensores da internet e das ideologias subjacentes, de fundamentalistas e crentes, defensores cegos da tecnologia a qualquer custo. Um dos mais conhecidos detractores e que se tem afirmado internacionalmente é Evgeny Morozov que no campo da ciência política tem procurado demonstrar a falácia por detrás destes pensamento hegemónico com The Net Delusion: The Dark Side of Internet Freedom  e To Save Everything, Click Here: Technology, Solutionism, and the Urge to Fix Problems that Don’t Exist (2013). Mas mesmo no campo da própria tecnologia temos visto vozes a levantar-se. Jaron Lanier um dos principais mentores da Realidade Virtual escreveu o manifesto, You Are Not a Gadget (2010) nesse sentido. Ou ainda Andrew Keen um dos maiores evangelistas de Silicon Valley que a uma dada altura começou a escrever a propósito do assunto, The Cult of the Amateur: How Today's Internet Is Killing Our Culture (2007) e Digital Vertigo: How Today's Online Social Revolution Is Dividing, Diminishing, and Disorienting Us (2012). E vão aparecendo já alguns artigos mais honestos sobre as limitações dos MOOCs. Alguns acusam este lado da barricada de mero “ludditismo”. Não aceito porque ao colocar-me deste lado da barricada, não estou de modo algum a apontar o dedo à tecnologia. Para mim as grandes questões subjacentes ao copyright e ao acesso ao conhecimento científico não estão condicionadas pelo surgimento da internet ou qualquer outra tecnologia. Antes pelo contrário, esta tem servido para ajudar a promover tudo o que defendo no campo da criatividade.

Posto tudo isto os problemas que eu identifico e que estão na base da minha rejeição da abordagem Messiânica da Internet, grande responsável pelas ideias subjacentes ao fim do copyright, fim das revistas científicas, e fim das Universidades, não se relacionam com a tecnologia, mas com a forma como concebemos o seu uso. As tecnologias da comunicação se bem utilizadas podem servir o ser humano, se mal utilizadas colocarão o humano ao serviço da tecnologia a médio prazo. Muito já se ouve falar sobre a escrita de poemas por máquinas, a criação de filmes por algoritmos, a mais recente é a correcção de exames por máquinas. Deixo apenas uma nota a todos os crentes nestes sistemas: Só as máquinas não erram, mas é o erro que nos torna únicos, é do erro que brota a nossa criatividade. Dizer ainda que a internet não se assemelha, de forma alguma, ao nosso sistema neuronal. É uma falácia, e é uma clara tentativa de colar uma metáfora de fácil compreensão no sentido de lhe garantir maior credibilidade. O nosso cérebro funciona de forma muito diferente, acima de tudo porque a informação não circula apenas orientada pela cognição, é também trabalhada pela emoção.

Assim a grande questão por detrás de todas as discussões sobre o copyright e o acesso gratuito à informação está ligado à confusão que existe entre os processos de Comunicação e os processos de Informação. Ao longo dos últimos anos assistimos a uma tentativa de colagem da Informação à Comunicação. Desde da aceitação internacional do termo “Tecnologias de Informação e Comunicação”, à integração nas mesmas áreas científicas das Ciências da Comunicação e Ciências da Informação. Para quem está de fora, não existe diferença. Apercebi-me disto apenas após discutir intensamente com pessoas que claramente dominam os pressupostos das Ciências da Informação, mas a quem falta conhecimento sobre as Ciências da Comunicação. Esta discussão colocou bem em evidência as diferenças fundamentais entre ambas. Mais sobre estas diferenças pode ser visto no texto que publiquei aqui a propósito do livro de Dominique Wolton, "Informar não é Comunicar".

Primeiro modelo de comunicação, de Claude Shannon (1948)

Deste modo ao longo de todas estas discussões percebi que os defensores do fim dos modelos atuais -  copyright, revistas especializadas, universidades - baseavam toda a sua argumentação num processo simplificado de comunicação, ou seja no primeiro modelo de comunicação de Claude Shannon de 1948. Nesta altura a comunicação encerrava-se sob um mero processo de transmissão de um produto, a informação. Estes modelos surgidos no pós-guerra procuravam melhorar os processos de transmissão de informação, daí que a sua preocupação fosse o meio ou canal. O relevante da discussão reduzia-se aos modelos de redução dos ruídos do canal. Assim os Emissores e Receptores não eram tidos em conta, eram meros recipientes, variáveis independentes, sem condicionantes sociais, psicológicas ou de competências.

Modelo unificado do processo de comunicação (Foulger, 2004)

Mas o conhecimento sobre a Comunicação evoluiu, transformou-se, e hoje sabemos muito mais sobre o que está em jogo. Quando comunicamos não estamos apenas a emitir ou a receber informação através de um canal, estamos a calcular uma imensidade de outras variáveis, que por vezes têm tanta ou mais importância que a própria mensagem que se quer transmitir. Ou seja, para além daquilo que é dito, importa a forma como é dito, mas sobretudo o contexto no qual é dito, e o contexto no qual é recebido. Tudo isto cria um processo complexo, que precisa de ser trabalhado para que a mensagem chegue verdadeiramente a ser compreendida e partilhada. Como dizia Watzlawick já em 1968, o processo de comunicação é relacional, ou seja cada mensagem partilhada contém em si mesma metacomunicação que diz respeito ao modo como deve ser lida pelo receptor. No diagrama acima apresenta-se um modelo unificado da comunicação de Davis Foulger que apresenta algumas, ainda que de modo introdutório, das questões que normalmente preocupam os investigadores das ciências da comunicação.

Deste modo torna-se inevitável pensar que toda esta discussão é fruto de um ressuscitar de modelos de comunicação há muito defuntos. Um novo meio de comunicação surgiu, com novas potencialidades, e de repente esquecemos tudo o que aprendemos. Fazemos tábua rasa do conhecimento acumulado, e assumimos a internet como um novo messias da comunicação. O meio que tudo coloca em causa, que tudo pode, que tudo revoluciona. Assume-se uma sociedade que se adapta ao modelo desenhado pela internet, e não o seu contrário. Para os crentes na salvação pela internet, a sociedade passa a ser definida tal qual uma rede perfeita de relações (a internet) entre vários nós (as pessoas), desconsiderando os parâmetros da natureza humana que promovem a acção dos nós, responsáveis pelo estabelecimento dos laços do conhecimento. Deste modo toda a informação passa a ser livre e grátis, o copyright deixa de fazer sentido, e o ensino à distância substitui a necessidade de contacto interpessoal. Mas vai ainda mais longe, os países passam a ser governados por democracia directa, a salvação da democracia trazida pela internet, que abre caminho a que todas as decisões sejam tomadas por referendos. Do mesmo modo que as escolas já passaram a ser medidas em função das notas que os alunos tiram em exames nacionais, e a ciência passou a medir-se em função do número de publicações que os cientistas publicam. O que conta é apenas e só o resultado medível da quantidade de informação que é passada de um ponto A para um ponto B.

No final, tudo isto seria perfeito, e um gestor do alto do seu pedestal, conectado à internet, recebendo os dados em tempo real, directamente na sua folha de excel que tudo filtra através de algoritmos perfeitamente calibrados, poderia finalmente descansar, porque a sociedade estaria a funcionar tal qual uma grande fábrica de produtos em série, fruto da grande revolução industrial. Seria tudo assim, se os laços da comunicação humana, se pudessem criar desse modo. O problema é que não criam, não emergem e sem eles o Conhecimento não se constrói, não acontece. Transmite-se informação, acumula-se informação, transacciona-se informação, mas isso muda pouco os sujeitos envolvidos.

Ao longo de milhares de anos desde a criação da escrita, mais acentuadamente desde o aparecimento dos métodos de impressão, desenvolvemos sistemas de gestão de informação, envolvidos em sistemas humanos de comunicação, que foram evoluindo e sendo aperfeiçoados à medida que fomos compreendendo como construímos o conhecimento. Não massificámos as escolas para servirem a mera transmissão de informação, elas surgiram para estimular a criação de competências cognitivas nas pessoas de modo a permitir-lhes chegar ao conhecimento autonomamente. Não criámos a ciência para produzir mais informação, a descoberta científica não se traduz em qualquer artigo ou citação, o seu impacto só pode ser medido pelo avanço que provoca no nosso auto-conhecimento. Do mesmo modo não criámos editores nem copyrights para serem meros gestores de informação, eles existem porque têm uma função específica na cadeia de construção do conhecimento humano.

Podemos mudar, devemos evoluir, mas não devemos pôr tudo em causa simplesmente porque descobrimos um novo meio de comunicação. Para quem ainda pensa que a Internet veio para salvar o mundo, imagine-se em 1895 numa sala às escuras, ver um comboio em andamento vindo em direcção a si, a partir de um rectângulo de luz projectado numa parede! Imagine as ideias fantásticas que não passaram pela cabeça de muitos quando viram como a realidade podia a partir daquele momento ser registada e preservada para todo o sempre e ser mostrada em qualquer parte do mundo. A verdade é que a sociedade humana é bastante mais complexa, e as faculdades cognitivas do ser humano não mudam à velocidade do surgimento de cada nova tecnologia. Olhemos para a nossa história, temos conseguido criar muita tecnologia nova, mas a nossa biologia continua quase intacta passados vários milénios. Deixemo-nos de ilusões quanto a definir os tempos que se vivem como diferentes de tudo o que já passou, alguns colam-lhes adjectivos fortes como revolucionários ou de velocidade vertiginosa. Mas o passado será sempre visto como algo mais simples que o futuro, não porque verdadeiramente o foi, mas apenas e só porque é agora certo e imutável, sem as variáveis impossíveis de quantificar que o futuro nos reserva.

O ser humano é criativo por natureza, mas a capacidade de criar conhecimento pode ser posta em causa se deixar de interessar o processo e a descoberta, e passar a interessar apenas o produto resultante.

dezembro 04, 2012

Remix na TED

Kirby Ferguson foi ao palco da TED falar sobre Embrace the Remix que tem por base o seu trabalho conceptual em redor da criatividade. Depois de quatro brilhantes vídeos que formam a série, Everything is a Remix, em que Kirby demonstrou com exemplos muito claros como é que a criatividade humana funciona, agora podemos ver tudo isto resumido numa TED de 10 minutos.


O trabalho de Kirby tem duas frentes muito concretas, uma pretende explicar como se processa a inovação e criação humanas. Num segundo plano e assente nesta desconstrução pretende desmascarar aquilo que grandes empresas como a Apple, entre outras, andam a fazer  com as suas patentes e os seus processos em tribunal, demonstrando que estas deixaram de contribuir para a inovação e criatividade, mas antes para a sua castração.



O que Ferguson diz não é nada de novo, e foram já muitos os inventores, artistas, designers, engenheiros e criadores que admitiram que aquilo que fizeram não passou de fruto da inevitabilidade do avanço da raça humana ou da "inevitabilidade da tecnologia". É exatamente assim que funciona todo o espirito científico, construir em cima do conhecimento de quem veio antes de nós, e só assim conseguimos evoluir civilizacionalmente. Vejam a talk e vejam pelo menos o quarto vídeo que é o mais elaborado da série.

março 06, 2012

Questões sobre SOPAs, ACTAs e PL118s

Ontem em conversa com um colega no Facebook a propósito do livro do Steve Jobs de que tinha aqui falado, dei-me conta da insanidade que é a indústria dos conteúdos, e de mais uma forma como nós somos literalmente roubados, nós sociedade. Falava a propósito de ter o livro em Audio e em Papel. E que os tinha utilizado para a leitura em modo alternativo. Ou seja ouvia no carro de dia, e à noite continuava a ler em papel.


E depois pensei, então mas se eu estou a aceder ao mesmo conteúdo, apenas em suportes diferentes, porque raio é que tenho de pagar o conteúdo em duplicado? Não estou a dizer que não tenha de pagar o custo da gravação, é claro que alguém teve de dar a voz, gravar, editar, etc. Mas isso não pode depois incluir todos os custos associados ao conteúdo, como os direitos para o criador, para as sociedades de direitos de autor, para a editora, porque é exactamente o mesmo.

Por causa disto lembrei-me de umas questões que o jornal universitário da UM me fez há umas semanas, a propósito das leis SOPA, ACTA e PL118. Fui então repescar o que respondi, porque a versão final publicada pelos jornalistas contém sempre apenas uma parte daquilo que é dito.


ComUM: Será que leis mais apertadas de protecção de copyright na web podem realmente resultar num aumento das vendas de bens culturais? 

NZ: Não. E estas novas leis são uma total aberração. Existe algo elementar no Direito, que é o facto das leis serem feitas pela sociedade para a sociedade. As leis não podem servir interesses minoritários (não falo do objecto em si como minoritário, mas do valor atribuído pela sociedade) correndo risco de não serem realizáveis e com isso apenas destituírem o edifício da Justiça de credibilidade. Ora o que temos aqui é um grupo de pressão a tentar impor a toda uma sociedade algo com o que ela não concorda. E não concorda por imensas razões:

1- Porque com esta nova postura da SOPA e ACTA o que este grupos querem é realizar um escrutínio em tempo real das ações dos cidadãos, e isso é de todo inaceitável.


2 - Porque num mundo em que todos têm que trabalhar todos os dias da sua vida, 8 horas por dia, não compreendem como é que alguém pode trabalhar um dia, ou um mês para criar algo, e depois viver o resto da sua vida, os seus filhos, e netos, de um trabalho que já lá vai. E porque também, falamos de um trabalho que é tanto seu, como fruto de toda a cultura em que ele vive e que foi criada por milhões de outros seres humanos.


3 - Porque a sociedade já percebeu há muito, que aquilo que paga para ouvir música ou ver um filme, não vai para o trabalho do músico ou cineasta, mas antes para um trabalho de marketing desenfreado de publicidade, e relações públicas que nada tem que ver com a arte em questão, mas que se regulam simplesmente pela lógica do fazer dinheiro, controlando as televisões, as rádios, as prateleiras dos hipermercados, etc.



ComUM: E mais ainda, estarão os chamados membros desta cultura 'pirata' dispostos a pagar pelos bens que estão habituados a obter gratuitamente?

NZ: A questão que se coloca é de fundo, que bens são estes? Um bem, só o é enquanto a sociedade lhe atribuir valor. E neste caso a sociedade continua a atribuir valor ao bem que é a música, o cinema, a literatura, os videojogos, mas deixou de atribuir esse valor ao objecto físico, que passou a ser irrelevante. Ora não havendo objecto físico deixa de existir espaço para aqueles que viviam desse físico, que terão agora de procurar novas formas de se tornarem úteis à sociedade.


Em conclusão, as pessoas estão sempre dispostas a pagar, um preço justo, por algo que lhes traga benefício. A realidade é que a música, o cinema, a literatura, os videojogos não deixaram, nem deixarão de existir, agora as editoras multinacionais como as conhecemos hoje, terão de alterar muito daquilo que, estranhamente, ainda são hoje. De outro modo o que as espera é o mesmo destino da Kodak. A sociedade vai continuar a libertar-se dos suportes físicos, em direcção às nuvens de bases de dados, aonde qualquer pessoa, em qualquer lugar, pode aceder ao conteúdo que deseja, sem falsas restrições de copyrights ou outras.


setembro 23, 2011

Roubem este filme, sejam criativos

Trago aqui um documentário em duas partes que tem alguns anos, mas continua tão atual como se tivesse sido distribuído este ano, falo de Steal this Film parte I (2006) e parte II (2007).


Se quiserem ver apenas um dos documentários, vejam apenas a Parte II. A primeira parte está muito dedicada à discussão em redor do The Pirate Bay, e à tentativa de derrubar o site na Suécia por parte de forças norte-americanas. A segunda parte é muito mais interessante porque vai ao amago da questão do copyright, explica o seu aparecimento, e ao mesmo tempo trabalha os seus paradoxos.

O filme socorre-se do método da entrevista direta para suportar as suas perspectivas. Nesse sentido para nos falar da criação do coyright somos levados até aos tempos de Gutenberg, e da sua prensa, por historiadores como Elizabeth Eisenstein, Robert Darnton e Siva Vaidhyanathan, por especialistas em direito como Eben Moglen, e Yochai Benkler ou ainda especialistas em documentação como Rick Prelinger.


São abordados tópicos como as primeiras comunidades de piratas de livros nos arredores de Paris na altura de Gutenberg, dadas as proibições de prensagem de muitas das obras existentes e de acesso restrito. Como a absoluta necessidade de partilha existente no ser humano. Como a evolução tecnológica e o crescimento da partilha levou a que o Autor não morresse, mas em vez disso, este multiplicasse por cem, mil, ou um milhão de vezes. De como a rede intermediária que transaciona a Propriedade Intelectual, e que nada contribui para a sua produção ou criação acabará por desaparecer. De como a sociedade é o que é hoje, porque estamos dispostos a criar e a partilhar. Tudo isto porque,
making money is not the point with culture, or media - making something is the point with media, and I don't think that people will stop making music, stop making movies stop making - taking cool photographs - whatever.

Esta nova cultura da criação e partilha começou a dar resultados e hoje temos todo um novo modelo de negócio, se assim lhe quisermos chamar, que dá pelo nome de Crowd Funding, e está presente em grandes portais de acesso global como Kickstarter, Indiegogo or Rockethub. Esta é a resposta das pessoas, dos Novos Autores, e que põe de uma vez por todas fim aos intermediários, os que nada produzem. O Crowd Funding vem criar todo um novo modelo de suporte à criação de conteúdos, que passa pelo estabelecimento de comunicação direta entre o autor e o recetor, e que se socorre de uma ideia cunhada por Chris Anderson sob o termo Cauda Longa. É todo um novo mundo a explorar, e para o qual eu próprio tento contribuir com projetos como as Tecnologias Criativas.

Para fazer download dos filmes podem usar os links para torrent abaixo. No site do filme existem legendas em mais de dez línguas diferentes que podem puxar e utilizar juntamente com os filmes.

Steal This Film Part 1 Torrent Download: Regular - DVD - iPod

Steal This Film Part 2 Torrent Download: Regular - DVD - iPod - HD  & Youtube

abril 01, 2011

Free download: Inside Job (2010)

Inside Job (2010) foi qualificado como uma obra de interesse público e por isso arquivada e disponibilizada gratuitamente no Internet Archives. Para um filme que estreou em Cannes em Maio de 2010, estreia comercial em Outubro 2010, e Oscar para melhor documentário recebido em Fevereiro 2011, isto é um feito. Por várias razões, por um lado a Sony e os autores estarem dispostos a ceder a obra para acesso gratuito online, por outro o Internet Archives atribuir desde já a relevância de ser arquivada e tornada disponível a partir dos seus arquivos.
Através de uma pesquisa extensiva e entrevistas com economistas, políticos e jornalistas, "Inside Job - A Verdade da Crise", mostra-nos as relações corruptas existentes entre as várias partes da sociedade. Narrado pelo actor Matt Damon e realizado por Charles Fergunson, este é o primeiro filme que expõe a verdade acerca da crise económica de 2008. A catástrofe, que custou mais de $20 triliões, fez com que milhões de pessoas tenham perdido as suas casas e empregos.

Trailer de Inside Job (2010)
“Forgive me, I must start by pointing out that three years after our horrific financial crisis caused by financial fraud, not a single financial executive has gone to jail, and that’s wrong” [Charles Fergunson Oscar Speech]
Era bom que este filme tivesse capacidade para criar na opinião pública um movimento capaz de pressionar os estados a agir. Que terminem com a impunidade, e a evitem o que Krugman diz abaixo.
"I think this film will stay with us; when you ask how the even worse crisis of, say, 2015 happened, the fact that these people got away with it will loom large." [Krugman NYT Blog]


Direct Link Download: 512Kb MPEG4


Atualização em 4 Abril 2011: Do que me é dado a perceber o Internet Archives permite aos utilizadores a realização de uploads de ficheiros e criação de páginas para os mesmos, que depois ficam a aguardar aprovação. Deste modo o que percebo aqui e depois de os ficheiros terem sido apagados de 3 contas diferentes sempre com a mesma menção "The item is not available due to issues with the item's content", é que estes tinham sido aqui colocados sem autorização dos produtores da obra. O que me levou ao engano foi o facto de estes links aparecerem publicitados no Open Culture.

março 13, 2011

Direitos de Autor: o "Fair Use" em Portugal

Existe há muitos anos na legislação americana a figura de Fair Use que protege o uso de material com copyright para fins de ensino, estudo e investigação. Aliás no livro que estive a editar e que deverá ser publicado em Maio por uma editora americana esta mesmo lei serviu, por exemplo, para nos proteger no uso de imagens retiradas de um mundo virtual registado, o Second Life, entre outros casos.

A questão é que as leis são diferentes em todos os países, e por exemplo o mesmo já não se aplicou em França num artigo que tenho aí em publicação. Como desconheço as leis francesas não sei se isso aconteceu por excesso de zelo do editor ou por não existirem leis que regulem o uso no ensino e investigação.
Entretanto recentemente tive conhecimento de que em Portugal e desde 2008 (ou seja posterior à minha defesa de tese) existe um Capítulo no Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos dedicado à "Utilização Livre". E é esse na sua integralidade que passo a transcrever destacando as partes relacionadas com o uso no ensino, investigação e estudo pessoal.

Lei 16/2008, de 1 de Abril

CAPÍTULO II
Da utilização livre

Artigo 75º
Âmbito

1 — São excluídos do direito de reprodução os actos de reprodução temporária que sejam transitórios, episódicos ou acessórios, que constituam parte integrante e essencial de um processo tecnológico e cujo único objectivo seja permitir uma transmissão numa rede entre terceiros por parte de um intermediário, ou uma utilização legítima de uma obra protegida e que não tenham, em si, significado económico, incluindo, na medida em que cumpram as condições expostas, os actos que possibilitam a navegação em redes e a armazenagem temporária, bem como os que permitem o funcionamento eficaz dos sistemas de transmissão, desde que o intermediário não altere o conteúdo da transmissão e não interfira com a legítima utilização da tecnologia conforme os bons usos reconhecidos pelo mercado, para obter dados sobre a utilização da informação, e em geral os processos meramente tecnológicos de transmissão.

2 — São lícitas, sem o consentimento do autor, as seguintes utilizações da obra:
a) A reprodução de obra, para fins exclusivamente privados, em papel ou suporte similar, realizada através de qualquer tipo de técnica fotográfica ou processo com resultados semelhantes, com excepção das partituras, bem como a reprodução em qualquer meio realizada por pessoa singular para uso privado e sem fins comerciais directos ou indirectos;
b) A reprodução e a colocação à disposição do público, pelos meios de comunicação social, para fins de informação, de discursos, alocuções e conferências pronunciadas em público que não entrem nas categorias previstas no artigo 7.o, por extracto ou em forma de resumo;
c) A selecção regular de artigos de imprensa periódica, sob forma de revista de imprensa;
d) A fixação, reprodução e comunicação pública, por quaisquer meios, de fragmentos de obras literárias ou artísticas, quando a sua inclusão em relatos de acontecimentos de actualidade for justificada pelo fim de informação prosseguido;
e) A reprodução, no todo ou em parte, de uma obra que tenha sido previamente tornada acessível ao público, desde que tal reprodução seja realizada por uma biblioteca pública, um arquivo público, um museu público, um centro de documentação não comercial ou uma instituição científica ou de ensino, e que essa reprodução e o respectivo número de exemplares se não destinem ao público, se limitem às necessidades das actividades próprias dessas instituições e não tenham por objectivo a obtenção de uma vantagem económica ou comercial, directa ou indirecta, incluindo os actos de reprodução necessários à preservação e arquivo de quaisquer obras;
f) A reprodução, distribuição e disponibilização pública para fins de ensino e educação, de partes de uma obra publicada, contando que se destinem exclusivamente aos objectivos do ensino nesses estabelecimentos e não tenham por objectivo a obtenção de uma vantagem económica ou comercial, directa ou indirecta;
g) A inserção de citações ou resumos de obras alheias, quaisquer que sejam o seu género e natureza, em apoio das próprias doutrinas ou com fins de crítica, discussão ou ensino, e na medida justificada pelo objectivo a atingir;
h) A inclusão de peças curtas ou fragmentos de obras alheias em obras próprias destinadas ao ensino;
i) A reprodução, a comunicação pública e a colocação à disposição do público a favor de pessoas com deficiência de obra que esteja directamente relacionada e na medida estritamente exigida por essas específicas deficiências e desde que não tenham, directa ou indirectamente, fins lucrativos;
j) A execução e comunicação públicas de hinos ou de
cantos patrióticos oficialmente adoptados e de obras de carácter exclusivamente religioso durante os actos de culto ou as práticas religiosas;
l) A utilização de obra para efeitos de publicidade relacionada com a exibição pública ou venda de obras artísticas, na medida em que tal seja necessário para promover o acontecimento, com exclusão de qualquer outra utilização comercial;
m) A reprodução, comunicação ao público ou colocação à disposição do público, de artigos de actualidade, de discussão económica, política ou religiosa, de obras radiodifundidas ou de outros materiais da mesma natureza, se não tiver sido expressamente reservada;
n) A utilização de obra para efeitos de segurança pública ou para assegurar o bom desenrolar ou o relato de processos administrativos, parlamentares ou judiciais;
o) A comunicação ou colocação à disposição de público, para efeitos de investigação ou estudos pessoais, a membros individuais do público por terminais destinados para o efeito nas instalações de bibliotecas, museus, arquivos públicos e escolas, de obras protegidas não sujeitas a condições de compra ou licenciamento, e que integrem as suas colecções ou acervos de bens;
p) A reprodução de obra, efectuada por instituições sociais sem fins lucrativos, tais como hospitais e prisões, quando a mesma seja transmitida por radiodifusão;
q) A utilização de obras, como, por exemplo, obras de arquitectura ou escultura, feitas para serem mantidas permanentemente em locais públicos;
r) A inclusão episódica de uma obra ou outro material protegido noutro material;
s) A utilização de obra relacionada com a demonstração ou reparação de equipamentos;
t) A utilização de uma obra artística sob a forma de um edifício, de um desenho ou planta de um edifício para efeitos da sua reconstrução ou reparação.

3 — É também lícita a distribuição dos exemplares licitamente reproduzidos, na medida justificada pelo objectivo do acto de reprodução.

4 — Os modos de exercício das utilizações previstas nos números anteriores não devem atingir a exploração normal da obra, nem causar prejuízo injustificado dos interesses legítimos do autor.

5 — É nula toda e qualquer cláusula contratual que vise eliminar ou impedir o exercício normal pelos beneficiários das utilizações enunciadas nos n.os 1, 2 e 3 deste artigo, sem prejuízo da possibilidade de as partes acordarem livremente nas respectivas formas de exercício, designadamente no respeitante aos montantes das remunerações equitativas.

Já o uso com fins comerciais rege-se por regras bem diferentes, e nada melhor do que o vídeo abaixo para se poder perceber o quão complexo se tornou o mundo dos direitos de autor, nomeadamente no campo da imagem.