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novembro 25, 2017

Desmoralizados por um ciclo de desejo sem freio

O texto "The Demoralized Mind" é de 2016, mas fica para mim como um dos textos mais interessantes que li em 2017. O seu autor, John F. Schumaker, um académico da área da Psicologia Clínica com trabalho reconhecido internacionalmente ao longo de décadas, fala-nos sobre a epidemia das doenças mentais, focando-se na depressão, indo ao fundo da mesma, para mostrar que quando não é patologicamente motivada, é mais certo tratar-se de um problema do foro do significado, que se pode designar por Desmoralização.


Da Depressão à Desmoralização 
“Three decades ago, the average age for the first onset of depression was 30. Today it is 14. Researchers such as Stephen Izard at Duke University point out that the rate of depression in Western industrialized societies is doubling with each successive generational cohort (..) depression is so much a part of our vocabulary that the word itself has come to describe mental states that should be understood differently (..) Since it shares some symptoms with depression, demoralization tends to be mislabelled and treated as if it were depression. A major reason for the poor 28-per-cent success rate of anti-depressant drugs is that a high percentage of ‘depression’ cases are actually demoralization, a condition unresponsive to drugs.”
Esta é uma realidade incontornável, as drogas são cada vez melhores neste domínio, da fluoxetina à paroxetina ou citalopram, mas estamos ainda muito longe de uma SOMA à lá Aldous Huxley, porque se nos fazem sentir felizes, funcionam mais como anestesia, esquecimento das dores do mundo, e quando o seu efeito termina, tudo fica igual ao ponto de partida, porque o problema não está na serotonina, está no modo como atribuímos significado à realidade.

Mas o que é a Desmoralização?
“Rather than a depressive disorder, demoralization is a type of existential disorder associated with the breakdown of a person’s ‘cognitive map’. It is an overarching psycho-spiritual crisis in which victims feel generally disoriented and unable to locate meaning, purpose or sources of need fulfilment.”
Mas porque está então tomar conta de nós, em pleno século XXI? Schumaker aproxima-se de Lipovetski e Baudrillard, e aponta o dedo à sociedade de consumo, para dizer que as suas práticas e rotinas estão atingir-nos e a corroer-nos por dentro.
“Consumer culture imposes numerous influences that weaken personality structures, undermine coping and lay the groundwork for eventual demoralization. Its driving features – individualism, materialism, hyper-competition, greed, over-complication, overwork, hurriedness and debt.” 
“The level of intimacy, trust and true friendship in people’s lives has plummeted. Sources of wisdom, social and community support, spiritual comfort, intellectual growth and life education have dried up. Passivity and choice have displaced creativity and mastery. Resilience traits such as patience, restraint and fortitude have given way to short attention spans, over-indulgence and a masturbatory approach to life.” 
“Research shows that, in contrast to earlier times, most people today are unable to identify any sort of philosophy of life or set of guiding principles. Without an existential compass, the commercialized mind gravitates toward a ‘philosophy of futility’, as Noam Chomsky calls it, in which people feel naked of power and significance beyond their conditioned role as pliant consumers. Lacking substance and depth, and adrift from others and themselves, the thin and fragile consumer self is easily fragmented and dispirited.” 
“By their design, the central organizing principles and practices of consumer culture perpetuate an ‘existential vacuum’ that is a precursor to demoralization. This inner void is often experienced as chronic and inescapable boredom, which is not surprising. Despite surface appearances to the contrary, the consumer age is deathly boring. Boredom is caused, not because an activity is inherently boring, but because it is not meaningful to the person. Since the life of the consumer revolves around the overkill of meaningless manufactured low-level material desires, it is quickly engulfed by boredom, as well as jadedness, ennui and discontent. This steadily graduates to ‘existential boredom’ wherein the person finds all of life uninteresting and unrewarding.” 
“Repeated consummation of desire, without moderating constraints, only serves to habituate people and diminish the future satisfaction potential of what is consumed. This develops gradually into ‘consumer anhedonia’, wherein consumption loses reward capacity and offers no more than distraction and ritualistic value. Consumerism and psychic deadness are inexorable bedfellows.”  
Ou seja, Schumaker fala do consumismo como alavanca, mas coloca o dedo numa suposta génese deste consumo que parece advir pela perda da crença, pela perda das verdades religiosas, e consequente ausência de guias ou orientações. Estamos entregues a nós próprios, restando-nos apenas a constante luta por mais, e mais, e mais, ainda que nos iludamos a nós mesmos com a ideia de que tudo o que fazemos tem como fundamento o melhorar e fazer bem ao humano.

Eu trabalho a Ciência todos os dias, e por mais que queira contradizer este panorama, não consigo. A realidade que habitamos hoje, pós-industrial e embebida de facilidades, que nos deveria fazer chorar de alegria a cada momento, não consegue elevar o nosso sentir. Já Harari repete esta ideia por várias vezes nas suas duas obras, "Homo Sapiens" (2014) e "Homo Deus" (2017), dizendo que tudo aquilo que hoje temos, tudo aquilo que aparentemente conseguimos além do que já tínhamos na Idade Média, em nada nos faz sentir melhores, ou ser mais felizes do que quem viveu nessa altura. Mas Schumaker vai mais longe, tentando explicar porque razão estamos a ser corrompidos pelo nosso "sucesso", citando os estudos do antropologista Raoul Naroll, que:
“used numerous examples to show that entire societies can become predisposed to an array of mental ills if their ‘moral net’ deteriorates beyond a certain point. To avoid this, a society’s moral net must be able to meet the key psycho-social-spiritual needs of its members, including a sense of identity and belonging, co-operative activities that weave people into a community, and shared rituals and beliefs that offer a convincing existential orientation.”
Ora isto aproxima-se de algo que tenho vindo a estudar a propósito das razões que nos levam a jogar videojogos, e que me tem levado a compreender que as motivações para o ato de jogar assenta fundamentalmente em disfunções humanas cognitivas. Ou seja, muitas das rotinas exploradas pelo design de videojogos para engajar os jogadores, estão diretamente ligadas a vieses cognitivos que podemos encontrar, por exemplo, definidos no trabalho de Daniel Kahneman. Ora o que Naroll parece querer dizer é que a nossa cognição, por sofrer destes vieses e entorses, requer algum tipo de estrutura externa, de condicionamento, para se manter equilibrada, o que já era dito antes por Erich Fromm a propósito do “frame of orientation”, que é aqui também citado, acabando Schumaker por rematar: “demoralization is a generalized loss of credibility in the assumptions that ground our existence and guide our actions.”

Ou seja, a nossa ânsia por nos liberar das "verdades" religiosas, entre outras, atirou-nos para um mar de incerteza e dúvida, no qual só nos resta continuar a navegar em frente. Por sua vez, ir em frente está-nos no DNA, precisamos continuamente de mais, de conseguir ter mais, de ir mais além. Mas quanto mais vamos obtendo mais precisamos de obter para continuar a sentir que dominamos o mar que navegamos, fazendo com que conseguir ter mais seja o nosso único desígnio. Deste modo, se este nosso desejo intrínseco é a nossa maior força, enquanto seres humanos, centelha fundamental da curiosidade e da criação de novo conhecimento, parece ao mesmo tempo estar a tornar-se na nossa maior prisão.

O "tratamento" sugerido é complexo, citando novamente Fromm, "We can’t make people sane by making them adjust to this society. We need a society that is adjusted to the needs of people". Ou seja, o problema não está nos indivíduos, mas na rede social que os sustenta a todos. Não podemos mudar nada disto de modo individual, e o maior paradoxo de tudo isto é que quanto mais livre é a sociedade mais individualistas nos vamos tornando, afastando-nos de poder vir a encontrar uma solução para o problema. O destino de tudo isto, proposto por Schumaker, é distópico, mas talvez não seja irrealista, porque na orgânica da natureza tudo funciona por ciclos, e cada ciclo atinge sempre o seu fim para dar lugar a um novo.


Atualização 26.XI.2017
Se o texto acima termina numa nota negativa, numa certa desesperança face ao que nos aguarda enquanto espécie, como em tudo o que é discussão filosófica, existe sempre um outro lado da argumentação. Nesse sentido, veio mesmo a calhar o último episódio da "Shot of Awe" de Jason Silva, publicado também ontem, que aqui deixo para contrabalançar. Silva é reconhecido pelo seu imenso otimismo, à lá Carl Sagan, e este pequeno shot de vídeo é inspirador, para quem se quiser deixar levar.

"And Ode to Knowledge" (2017) de Jason Silva

outubro 23, 2013

IA: "eles seremos nós"

Apenas um pequeno apontamento para deixar o último da série Shots of Awe em que Jason Silva entra pela discussão da problemática da Inteligência Artificial. Tenho a dizer que concordo com tudo o que ele aqui diz, porque é aquilo exatamente que já disse no primeiro post deste blog a propósito do filme Artificial Intelligence: AI (2001). Não há que ter medo, porque eles seremos nós.




"The human era we'll have ended, we'll have become our creations, they'll be our children, but they will be really us. There's no reason to fear this, this is just Evolution."

julho 11, 2013

Shots Of Awe #07 - "Love, Loss and Symbolic Death"

O amor, e a sua perda. Do ser completo, da plenitude, do preenchimento à obsessão estética.

"Love is the 'italization' of experience".

"Quando perdemos o amor, quando acabamos com alguém com quem nos preocupámos… em que sentimos a promessa de ser para sempre, a promessa de eternidade… como pode ser assim… como pode inexistir… para onde foi… para onde foi…"

Shots Of Awe #07 - Love, Loss and Symbolic Death

Aceder a todos os episódios anteriores da série.

julho 05, 2013

Shots Of Awe #06 - Life Emergence

O processo através do qual a vida emerge é algo que continuamos a admirar, que continua a surpreender-nos, sem termos ainda a menor noção sobre como acontece. A centelha que acende, que nos torna conscientes, que nos torna ligados, que nos torna "nós".



Este é o sexto episódio da série web de Jason Silva, Shots of Awe, e é dedicado ao conceito de emergência.

Shots Of Awe #06 - Life Emergence

junho 26, 2013

ShotsOfAwe #04 e #05

Mais um episódio belíssimo, de #Shots of Awe, dedicado à Rendição Extática. Neste quinto episódio, Jason diz-nos que temos uma vontade de nos entregarmos completamente a algo mais significante. Ao amor, à ciência, à arte, ao outro… Concordo plenamente, vendo este vídeo podemos sentir essa vontade… de Ecstatic Surrender.


Existe claro o risco, e o medo que nos apoquenta nestes momentos. Apaixonar-nos por algo comporta essas experiências menos positivas, mas sem isso podemos muito bem correr o risco de passar pela vida, sem nos darmos conta dela.

ShotsOfAwe #05 - Rendição Extática (2013) de Jason Silva

Na semana passada não tive tempo de fazer aqui referência ao episódio #4, por isso deixo-o agora, para que possam desfrutar, depois de se renderem a esta série, que está cada vez melhor. O episódio da semana passada, "We Are Already Cyborgs", foi dedicado à discussão filosófica do conceito de Cyborg, ou à forma como temos vindo a desenvolver melhoramentos ao nosso corpo biológico, questionando-nos para onde vamos, e se é que não somos já todos ciborgues. Jason fala do super-homem de Nietzsche, fala das extensões do homem de McLuhan. No final retive esta frase, "Our second skin, is our technology, is our turtle shell", com a qual concordo, e que vem de encontro a muito daquilo para que trabalho todos os dias na minha investigação.

ShotsOfAwe #04 - We are already Cyborgs (2013) de Jason Silva

junho 13, 2013

ShotsOfAwe #03: "Mortalidade"

Novo filme da série Shots of Awe de Jason Silva fala-nos da ideia de mortalidade. Ao contrário dos filmes anteriores, e imbuído da própria ideia subjacente ao conceito em discussão, Jason faz um episódio muito mais calmo, sereno e tranquilo. Existe aqui uma mudança de discurso, depois dos vertiginosos Awe e Singularity, agora uma análise que leva o espectador através de uma ideia que nos é muito próxima, e que nos custa discutir muitas vezes, mas que não deixa de estar presente, todas as horas, todos os minutos.


Tenho algum desencontro com este episódio em concreto, porque Jason defende aqui a possibilidade conceptual do fim da morte, algo que eu não aceito. O meu primeiro texto neste blog há 10 anos foi exactamente sobre isto. Chegados a um ponto em que deixamos de precisar da biologia e podemos viver para sempre, a questão imediata que se me suscita, é viver para quê? Mas percebo a forma optimista e vigorosa como ele defende esta ideia, no sentido de existir um desejo humano em todos nós, de deixar uma marca cá, de demonstrar que tivemos uma palavra a dizer neste mundo, que servimos de alguma coisa, que fomos importantes para a vida.

junho 08, 2013

ShotsOfAwe #02: "Singularidade"

O novo "philosophical shot of espresso" de Jason Silva já chegou. Depois do primeiro episódio dedicao ao Awe (espanto), desta vez fala-nos da Singularidade. Mais uma vez Jason é fantástico, em apenas dois minutos consegue um verdadeiro efeito de arrebatamento do espectador. Um conceito de difícil definição e que levanta vários problemas morais, é explicado em dois minutos de imagens, sons e oralidade.



Para este tópico Jason convoca trabalhos como The Denial of Death (1973) de Ernest Becker, TechGnosis (1998) de Erik Davies, e The Singularity is Near (2005) de Ray Kurzweil. Jason vai para além do medo que a questão nos coloca, de nos podermos vir a encontrar face a um outro ser criado por nós, e coloca a ênfase na descoberta, na ausência de limites do ser humano, na vontade de escapar à nossa própria morte.
"desire to transcend our own limits... desire to escape the death sentence… the singularity has a mean that reflects this sort of acceleration of the human design process, to the point of achieving an infinite velocity… we're the frontal lobes of the universe, we're the eyes and hears of the universe… our desire to transcend any of previous limits… I don't think there's anything unnatural about that… the idea of singularity is awesome"

Singularity (2013) de Jason Silva

maio 24, 2013

"Performance philosopher", o novo Carl Sagan

Jason Silva licenciou-se em Cinema e Filosofia na Universidade de Miami. Com essa formação de base resolveu criar algo que ainda ninguém tinha conseguido criar, pequenos filmes sobre conceitos filosóficos que ele denominou de "philosophical shots of espresso". Não são meras apresentações para uma câmara, mas obras audiovisuais, carregadas de som, imagens e conceitos, ao qual junta todo o seu poder de comunicador. A TED já o definiu como  “performance philosopher” enquanto o The Atlantic o define como uma espécie de "Timothy Leary of the Viral Video Age". Para mim, a magia comunicativa de Jason Silva aproxima-se de uma pessoa que todos conhecemos já no passado, Carl Sagan.


"We have a responsability to awe"

Jason Silva está neste momento a terminar as gravações da série BrainGames do National Geographic, mas é antes sobre um seu projecto mais pequeno, Shots of Awe,  desenhado para o TestTube, a rede de vídeos do Discovery Channel, que quero aqui falar. Saiu agora o primeiro episódio Awe que podem ver aqui abaixo, que em termos de audiovisual é totalmente inspirado no trabalho que nos tinha apresentado no TED Global 2012, Radical Openess.

O que temos aqui é o brilhantismo de alguém que domina na perfeição três áreas que raramente se movem juntas: audiovisual, performance e filosofia. É muito complexo integrar as três componentes, porque requer cada uma muito investimento, muito trabalho e muito tempo. Mas o que posso dizer é que no caso de Jason Silva, compensou. O que podemos experienciar neste seus pequenos "shots de filosofia" é indescritível. O poder de comunicação da sua voz e da sua linguagem não verbal é contagiante, os conceitos fluem através das imagens de arquivo, e encontram em nós sentidos altamente diversos e associativos. A música faz o resto, coordena o nosso ímpeto e deixa-nos colados ao ecrã.

Posso dizer que já vi Awe mais de 5 vezes, e continuo a sentir sensações novas, a ver detalhes novos, a imaginar ideias novas. Vejam, sintam, e preparem-se para passar a seguir a série e o trabalho de Jason Silva.

Awe (2013) de Jason Silva, primeiro episódio da série Shots of Awe

"Psychologist Nicholas Humphrey has proposed that our ability to awe was biologically selected for by evolution because it imbues our lives with sense of cosmic significance that has resulted in a species that works harder not just to survive but to flourish and thrive."