agosto 31, 2015

“O Velho e o Mar” (1952)

Parábola do humano, ou significado do propósito e persistência. “O Velho e o Mar” procura ir à essência daquilo que nos define enquanto espécie, da verticalidade do que faz de nós uma das espécies mais arrojadas e completas deste planeta. Partindo da predação, Hemingway desenha um esboço da elevação das nossas faculdades, do como fomos para além da mera sobrevivência. Um livro curto para tão grande metáfora, ainda assim nada fica de fora, nada mais seria preciso dizer. Quando se toca a última página, o fechamento não está ali, porque o fechamento tem de ser construído pelo leitor, ainda que se requeira dele experiência de vida para o poder fazer.

“Não mataste o peixe só para viver e vendê-lo para ser comido. Mataste-o por amor-próprio e porque és um pescador. Amáva-lo quando estava vivo, e ama-lo depois de morto. Se o amas, não é pecado matá-lo. Ou será mais?”
Ler “O Velho e o Mar” é uma experiência particular, de profunda imersão num universo de isolação, perfeitamente tornado visual pelo virtuosismo da simplicidade da prosa de Hemingway. É-nos impossível escapar à solidão do alto mar, da acalmia e som das ondas, das aves que voam e os peixes que saltitam, é-nos impossível escapar a viver duas horas naquele barco com Santiago, sentir o cheiro a maresia, e ouvir a espuma das ondas bater no seu casco. Leia-se o pequeno excerto,
“Acordou com o sacão do seu punho direito contra a cara e a linha a arder-lhe a mão. Não sentia a mão esquerda mas travou quanto pôde com a direita, e a linha corria. Por fim, a mão esquerda encontrou a linha, e ele fez força com o corpo para trás, e agora queimava-lhe as costas e a mão esquerda, e esta suportava o esforço todo, que violentamente a cortava. Olhou para trás para os tambores de linha, que se desenrolavam com ligeireza. Nesse momento o peixe saltou, espadanando o oceano, e caiu pesadamente. Saltou mais uma e outra vez, e o barco deslizava rápido, apesar de a linha continuar a correr, e o velho ia elevando a tensão até à rotura, e elevando novamente e uma vez mais. Havia sido atirado contra a proa, tinha a cara no filete de ‘dorado’ e não podia mexer-se.” Da belíssima tradução de Jorge de Sena
Esta capacidade para tornar visual tem muito que ver com o detalhe, e esse só pode ser sorvido pela experiência, algo que Hemingway teve e de onde retirou muito daquilo que aqui podemos ler, enquanto dirigiu o seu barco, Pilar, pelas águas de Cuba. Assim, não fosse Hemingway tão visual e possivelmente não existiriam tantas adaptações desta história ao cinema, tanto na forma de longas como curtas de animação.

Dessas, a obra de Alexandr Petrov é sem dúvida alguma a de mais alto valor, atrevendo-me eu aqui a colocá-la ao nível da obra de Hemingway. Pode parecer heresia para alguns, mas graças à rede posso dar-vos a degustar aquilo de que vos falo no vídeo abaixo. São 19 minutos, escolham um tempo calmo e dediquem-lhe a vossa atenção, no final me dirão se me engano.

"The Old Man and the Sea" (1999) de Aleksandr Petrov

Se a obra de Hemingway recebeu o Pulitzer em 1953, e ele próprio foi galardoado com o Nobel em 1954, Petrov arrecadou quase todos os grandes prémios de cinema de animação entre 1999 e 2001, incluindo o nosso Cinanima, onde o vi pela primeira vez em 1999, e o Oscar de Melhor Curta de Animação em 2000. Petrov investiu dois anos e meio, juntamente com o seu filho, para criar os mais de 29 mil quadros, em óleo sobre vidro, que compõe os 19 minutos deste filme, fazendo do processo de criação deste filme, um hino ao significado da parábola da obra de Hemingway, com que abri este pequeno comentário ao livro.

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