maio 20, 2014

Quem possui o futuro?

O último livro de Jaron Lanier, "Who Owns the Future?" (2013) poderia sintetizar-se numa única frase, “as implicações de não nos importarmos de oferecer os nossos dados”. Aqui jogam-se problemas criados pela ganância das grandes corporações, exponenciadas pelo nosso altruísmo ingénuo que nos levou a acreditar que a informação devia ser livre. Este é um livro que deve ser lido em conjunto com To Save Everything, Click Here: The Folly of Technological Solutionism” (2013) para se poder compreender o alcance e algumas das limitações das ideias apresentadas. Estamos perante uma crítica forte ao mundo tecnológico a partir de alguém oriundo do seu centro de excelência, Silicon Valley.


Lanier sabe de onde vem, para quem trabalha (Microsoft) e que por outro lado muitas das ideias que apresenta serão rapidamente rotuladas de “esquerda retrógrada”, por isso ao longo do livro vai chamando atenção sobre isso mesmo. O seu objectivo com este livro é apresentar uma visão do mundo, tal como ele o interpreta em face dos dados que possui, e diga-se que fá-lo com bastante honestidade. Os dados que possui são maioritariamente fruto de observação direta, sendo uma das pessoas responsáveis pelo surgimento da Realidade Virtual nos anos 1980, que depois disso vendeu várias start-ups a grandes empresas por bom dinheiro, fez investigação e deu aulas em algumas das universidades mais conceituadas do planeta, e realizou consultoria tecnológica para algumas das maiores multinacionais do mundo. Talvez por isso mesmo o livro não esteja escrito numa lógica académica, tanto no tom, imperativo, como na forma, sem suporte teórico.

Assim é um livro que deve ser lido com alguns cuidados, já que Lanier escreve de forma bastante emocional, e ainda que tenha dedicado bom tempo à reflexão das ideias que aqui nos apresenta, a falta de confrontação das mesmas com muitos outros pensadores de outras áreas, acaba por minorar algumas dessas reflexões. Não é apenas a falta de citação, é o facto de algumas ideias nos parecerem frágeis na argumentação porque insuficientemente sustentadas, e pouco críveis. Ainda assim a generalidade do livro apresenta boas ideias, e formas de ver que só um acesso privilegiado ao meio permitiu construir.
“We, the idealists, insisted that information be demonetized online, which meant that services about information, instead of the information itself, would be the main profit centers. That inevitably meant that “advertising” would become the biggest business in the “open” information economy. But advertising has come to mean that third parties pay to manipulate the online options in front of people from moment to moment. Businesses that don’t rely on advertising must utilize a proprietary channel of some kind, as Apple does, forcing connections between people even more out of the commons, and into company stores. In either case, the commons is made less democratic, not more.

To my friends in the “open” Internet movement, I have to ask: What did you think would happen? We in Silicon Valley undermined copyright to make commerce become more about services instead of content: more about our code instead of their files.

The inevitable endgame was always that we would lose control of our own personal content, our own files. We haven’t just weakened old-fashioned power mongers. We’ve weakened ourselves.”
A luta deste livro assenta na necessidade de criar um novo mundo de lógicas e regras capazes de regular a informação proveniente da desmaterialização dos objectos do real e da consequente destruição das regras que aí vigoravam. Assim Lanier começa por apontar o facto de que ao termos transformado a informação em algo acessível a todos, sem qualquer custo, obrigou-nos a procurar formas alternativas de rentabilizar o trabalho das pessoas. Jornalistas, Músicos, Fotógrafos, Escritores, Realizadores, Designers de Jogos, etc. etc. perderam acesso às formas de rentabilização que tinham sido desenhadas no âmbito da fisicalidade, o chamado Copyright. Tudo o que estas pessoas fazem hoje, a sociedade espera aceder de forma gratuita, através daquilo a que chamamos “a internet”. Passámos então de um modelo assente no Copyright para um modelo baseado em Publicidade. Quando as pessoas acedem à informação online, é o acesso que é quantificado, e é esse que passa servir de guia ao apoio publicitário.

A informação em si perdeu o valor que detinha, passando apenas a interessar o acesso a essa informação. É irrelevante o tipo de informação, é irrelevante a sua qualidade, assim como é irrelevante a sua credibilidade ou veracidade. É irrelevante por quem foi criada, como foi desenhada, como foi criada. Interessa apenas e só, quantas pessoas acedem, quando acedem e como acedem. Para tal basta ver o fenómeno de sites que pululam na web que servem apenas de veios de transmissão, que exigem "likes"no facebook para desvelar informação, sites com títulos sensacionalistas e insólitos, com imagens e vídeos de carácter duvidoso que captam os menos atentos, etc. etc.

O que aconteceu? A informação tornou-se livre, tudo é de todos, mas apenas alguns têm condições para manipular, pesquisar, trabalhar, e mais importante que tudo tirar partido dela. Quem tem os maiores computadores (servidores de dados) ganha. A título de exemplo a Google e o Facebook são neste momento os maiores centros mundiais de computação. Ao acedermos aos mesmos todos os dias, perpetuamos essa grandeza, e desviamos a atenção para eles. São estes os poucos que conseguem garantir retorno publicitário, porque o fazem através dos acessos que nós ali realizamos diariamente. Eles rentabilizam o nosso acesso, vendendo a informação sobre o nosso acesso a terceiros. Desta forma Lanier apresenta uma nova definição para categorizar estas empresas, as “Siren Servers” (Servidores Sereia), que se definem como,
"an elite computer, or coordinated collection of computers, on a network. It is characterized by narcissism, hyperamplified risk aversion, and extreme information asymmetry. It is the winner of an all-or-nothing contest, and it inflicts smaller all-or-nothing contests on those who interact with it.

Siren Servers gather data from the network, often without having to pay for it. The data is analyzed using the most powerful available computers, run by the very best available technical people. The results of the analysis are kept secret, but are used to manipulate the rest of the world to advantage.”
Seguindo esta conceptualização Lanier arrisca a sustentar que o crash financeiro começou aqui, com a digitalização da bolsa a ser responsável por produzir uma gigantesca assimetria de informação, tendo levado ao descalabro dos lixos tóxicos. Desta forma para Lanier tudo o que está a suceder à classe média neste momento não é apenas uma consequência da crise financeira e do imobiliário, mas é algo que vem de trás com a criação de grandes grupos detentores de mais e mais controlo sobre a informação de todos nós, algo que se agudizou com esta crise, atingindo picos sérios de insustentabilidade da classe média tal como a conhecíamos. Lanier apresenta um belíssimo exemplo para sustentar esta ideia,
“At the height of its power, the photography company Kodak employed more than 140,000 people and was worth $28 billion. They even invented the first digital camera. But today Kodak is bankrupt, and the new face of digital photography has become Instagram. When Instagram was sold to Facebook for a billion dollars in 2012, it employed only 13 people. Where did all those jobs disappear? And what happened to the wealth that all those middle-class jobs created?

Ou seja, os senhores detentores dos "Siren Servers" são os únicos que ganham, enquanto todos os outros, nós, continuamos a alimentar todas estas redes sociais, serviços, e tudo o mais com as nossas fotografias, “gostos”, contactos, redes, pesquisas, traduções, etc. etc. O Google não poderia manter um serviço astronomicamente caro como o YouTube se não gerasse receitas astronómicas com as pesquisas que ali fazemos todos os dias, porque são elas que alimentam o serviço. O mesmo se pode dizer de todos os seus outros serviços, como o de tradução, que ao contrário do que as pessoas pensam, não é realizado por uma espécie de máquina inteligente, mas antes por todos os textos que nós produzimos e colocamos na rede e que permitem ao sistema de tradução fazer comparações de trechos de texto e suas traduções. Assim como o Facebook já teria fechado portas se não vendesse os nossos dados em múltiplos formatos a empresas de todo o planeta, permitindo que essas empresas saibam assim quem deve ser o target para o produto que querem vender, assim como e quando o devem atingir, algo que a televisão é totalmente incapaz de oferecer. Não é por acaso que as receitas publicitárias nos meios tradicionais, jornais, televisão ou rádio caíram a pique nos últimos anos, e vão continuar a cair.
"it’s an orthodoxy now. I have 14-year-old kids who come to my talks who say, “But isn’t open source software the best thing in life? Isn’t it the future?” It’s a perfect thought system. It reminds me of communists I knew when growing up or Ayn Rand libertarians. It’s one of these things where you have a simplistic model that suggests this perfect society so you just believe in it totally. These perfect societies don’t work. We’ve already seen hyper-communism come to tears. And hyper-capitalism come to tears. And I just don’t want to have to see that for cyber-hacker culture. We should have learned that these perfect simple systems are illusions." (Entrevista Jaron Lanier)
Apresentado o problema de forma genérica, Lanier lança-se numa possível solução para tudo isto. Acreditando, ainda para mais depois do que soubemos sobre a NSA através de Snowden, que a nossa privacidade não tem salvação, Lanier propõe que o cidadão comum passe a ser pago por cada contributo real que dê para a venda de um produto ou serviço. Ou seja, com a evolução dos sistemas, será fácil que a informação transporte consigo sempre uma etiqueta com nome do detentor dessa informação. Assim sendo, sempre que um texto, um vídeo, ou um "gosto" tenha contribuído para angariar mais um cliente para alguém, essa pessoa deve receber uma retribuição, ainda que micro. No tempo do digital, os micro-pagamentos são uma banalidade, assim como a detecção da origem da informação, por isso a ideia não é completamente descabida.

E já se começam a ver alguns movimentos neste sentido por parte de várias empresas online, como por exemplo a Spotify e o YouTube. Mas Lanier quer algo muito mais profundo que isso. É claro que isto levanta imensas questões, porque apesar de acreditar na exequibilidade técnica, acredito que isto tem todos os ingredientes para fazer explodir os problemas, e não solucioná-los, a começar pela exponenciação dos problemas que já hoje temos com o copyright e as patentes. Por isso a avançar por aqui, seria necessário rever ambas essas leis também em profundidade, para evitar cair no caos total. Mas os problemas não se ficam por aqui, este sistema traria vários outros, alguns dos quais enunciados pelo próprio Morozov numa pequena análise que fez ao livro para o Washingnton Post.

Apesar de tudo, algo teremos de fazer, se não corremos riscos reais de virmos a destruir muito daquilo que andámos a criar nos últimos 50 anos. Lanier dedica boa parte da discussão a explicar a importância da existência de uma classe média, e neste momento a grande parte dos dados que temos demonstram uma clara erosão desta classe, e de todas as outras abaixo desta. Se a salvação deste modelo de sociedade, reside numa revolução pela regulação da internet, não sei, mas que também passa por aí, passa.
"We don’t realize that our society and our democracy ultimately rest on the stability of middle-class jobs. When I talk to libertarians and socialists, they have this weird belief that everybody’s this abstract robot that won’t ever get sick or have kids or get old. It’s like everybody’s this eternal freelancer who can afford downtime and can self-fund until they find their magic moment or something. The way society actually works is there’s some mechanism of basic stability so that the majority of people can outspend the elite so we can have a democracy. That’s the thing we’re destroying." (Entrevista Jaron Lanier

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